A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 10
trainamento parte 1




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- Guardiã? Mas isso é impossível! Sorah matou a guardiã de gelo. A menos que tenha tomado seu lugar. – duvidou Mirian.

- Não, ela é a guardiã legítima, lhes garanto. Apesar de que gostaria que não fosse.

- Mas como é possível? Até os guerreiros de Yume Belthor e Íris disseram que ela havia matado a guardiã de gelo!

- De certa forma sim, Sabrina. Vou lhes explicar tudo direito. Quando Sorah veio me procurar, eu tinha acabado de me tornar treinador oficial das escolhidas de guardiãs. Eu tinha, na época uns dezesseis anos apenas. Quando aquela lifing chegou aqui, eu a recusei, mas ao me mostrar seu colar, não pude deixar de cumprir meu dever e treiná-la. Foram anos terríveis. Por sorte apenas três. Foi quando me entregaram Nicka ainda bebê para que cuidasse dela até que vocês nascessem e eles a levassem para o mundo prometido. Foi um ótimo pretexto pra expulsar Sorah. Com toda sua crueldade, matar e devorar a pequena Nicka seria uma questão de segundos. Mas o caso é que depois de eu tê-la expulsado, teve uma briga feia com os guerreiros no espaço de tempo de vocês nascerem. Eles apenas lhe disseram que não poderia ser uma guardiã por ser uma lifing. Afinal aquela garota é um erro da natureza. Ela começou a ficar um pouco mais fraca. Quando levaram vocês ao mundo prometido, ela pediu pra ir junto, mas, obviamente, os guerreiros recusaram. Depois disso, ela prometeu que nunca mais seria uma guardiã. E tem dito que matou a guardiã de gelo.

- Mas por que ela não contou tudo isso pra gente? Minha nossa, como não desconfiamos? Ela disse que já havia passado por essa cidade milhares de vezes, que conhecia o treinador das guardiãs… Era tudo tão óbvio!

- Sim e… lembra que ela nos contou que tinha matado-a por que havia começado a ficar fraca e simplesmente lhe poupou mais sofrimentos? Mas… Flertis… Tem uma coisa que você não contou e ela sim…

- O que?

- Se lembra Mirian, quando paramos para descansar e ela nos disse que tivemos uma vida muito fácil? Quando ela nos disse exatamente por que matou a guardiã de gelo? – Sabrina ficou séria para imitar a aparência de Sorah, de forma bem tosca e até um tanto debochada – “A guardiã de gelo pediu pra ir junto, mas seu pedido foi recusado. “Você ficará aqui para morrer, ser maldito” foram as palavras que eles usaram. Depois disso, ela começou a definhar, até que eu a matei para lhe poupar mais sofrimentos.”

- Certo, mas, nada que ela não merecesse. Gente, compreendam, ela é uma lifing, e sempre será. Isso nunca vai mudar. A força dela é maligna e ponto final.

As meninas foram dormir com isso na cabeça. Será que Sorah era tão má assim? Afinal ela havia salvado-as várias vezes. É certo que se ela cumprisse suas ameaças, as garotas estaria mais do que mortas. Mas não cumpriu. E Deus sabe lá por que. Eram fatos. Agora, não sabia se deviam se guiar pelo que viveram ou pelo que escutaram. Sabiam bem que Flertis não mentiria. Sorah também considerava a honra algo importante demais para quebrá-la. Mas um dos dois estava ocultando a verdade. Ou contando meias mentiras.

 

                                     ***

No dia seguinte, acordariam ainda mais cedo e se deparariam com roupas sobre a cômoda. Um tipo de kimono azul escuro sem mangas. Para Sabrina, viria também uma faixa vermelha e para Mirian, uma azul clara, para destacar do kimono.

Saíram de seus quartos para enfrentar o frio matutino, que lhes atingiu como uma faca diretamente nos ossos. A grama molhada de orvalho parecia com agulhas perfurando-lhes os pés nus.

Aproximaram-se do tatame onde Flertis já as esperava. O tatame era branco mas tinha algumas manchas vermelhas. Mirian desejou que não fosse sangue.

- Vejo que já encontraram seus uniformes de luta. Bom, já que está frio, comecemos logo o aquecimento. Depois do almoço o verdadeiro treinamento terá início. Levarei em conta que não estão acostumadas com isso, então aproveitem enquanto os exercícios são simples. Quero abdominais.

Sabrina olhou para Mirian e vice-versa. “Quantos?”.

- AGORA!

- Mas quantos Flertis?

- No tatame, eu não sou Flertis. – avisou ele de maneira ríspida – Eu sou o mestre. AGORA DEITEM E FAÇAM ABNOMINAIS ATÉ EU MANDAR PARAR.

Ambas praticamente caíram no chão Um pouco por culpa do susto, um pouco pela ordem.

Após vinte abdominais, Mirian começara a se cansar. Sabrina parou nos trinta.

- Eu disse até mandar parar!

- Nós não agüentamos mais!

- EU DISSE ATÉ MANDAR PARAR!

Mesmo com fortes dores na barriga, ambas continuaram, sofrendo a cada abdominal feito. O que era considerado uma vitória pessoal. E persistiram, rezando para que ele mandasse parar. Mas ele não mandou. Apenas caminhava absorto em seus próprios pensamentos. Mirian, não suportando mais, reclamou com um grito abafado. Sabrina já não levantava a cabeça tamanho cansaço que a abatia aquela hora da manhã.

Viram Nicka saindo de sua casa vir saltitante até Flertis colocar a mão em seu ombro e observar as meninas.

Flertis não pretendia parar ainda, mas nenhuma das duas conseguia mais levantar o abdômen nem se quisessem.

- Chega, podem parar.

Mirian deu socos na barriga pra aliviar a dor enquanto Sabrina arfava. Nenhuma delas se deu o trabalho de levantar.

- O que pensam que estão fazendo aí deitadas? Levante-se imediatamente!

Nicka não parecia nem um pouco assustada com o temperamento explosivo de Flertis, pois sorria enquanto as duas meninas estavam praticamente mortas devido ao treinamento.

- Vocês só fizeram sessenta! Decepcionante! Nicka – chamou Flertis – mil e quinhentos agora, rápido!

- Senhor! – gritou a jovem, num tom de afirmação.

Nicka deitou-se no tatame e fez os abdominais numa velocidade impressionante. Enquanto ela, incansavelmente, fazia os exercícios contando alto, Flertis voltou-se às meninas que ainda respiravam alto, gerando vapor no ar à frente de sua boca.

- É assim que quero que vocês estejam em no máximo um mês. No fim do treinamento, serão pelo menos vinte mil abominais sem parar por nada.

- Sim senhor.

- Eu não ouvi!

- SIM, SENHOR! – repetiram elas em coro.

- Quinhentos polichinelos, já!

E se iniciou outra série de exercícios exaustivos. É claro que nos cem, elas já não suportavam dar um passo a frente. Mas persistiram. Contando alto, por ordem de Flertis, para não haver risco de trapacearem. Enquanto isso, Nicka continuava fazendo os seus, como se cada um fosse apenas o primeiro. Estava na base dos novecentos e nem um pingo de suor havia escorrido de sua face. Trezentos completados a muito esforço e sacrifício. Nos trezentos e cinqüenta, Mirian caiu no chão como um corpo sem vida, sem ossos.

- Levante-se imediatamente, ou faço você dormir de verdade e só acordar em uma semana!!

E isso era ruim? Dormir por uma semana inteira? Realmente Mirian considerou o caso. Mas se levantou antes que se arrependesse. Seu rosto jorrava suor.

Sabrina, enquanto Mirian não se recuperava, apoiou as mãos nos joelhos e tentou recuperar a si próprio.

Completaram os polichinelos, finalmente. E se jogaram no chão imediatamente. Molharam de suor a parte do tatame em que caíram. Nicka, por sua vez, estava novamente sorridente ao lado de Flertis.

- Vocês são fracas! Muito mais fracas do que eu pensava.

- Fala sério! Nicka treina há mais de dez anos, nós nunca treinamos! – reclamou Mirian enquanto arfava, ainda deitada.

- Não perguntei nada. De pé! Agora!

- Sem chance! Não suporto nem respirar!

- Então não respire. – disse ele rispidamente. – E isso é só pra aquecer.

Irritada, Sabrina sente novamente a força queimar dentro de si. Por um momento, pensou se deveria mesmo usá-la. Mas aquela energia clamava sua libertação. Era como se seus braços estivessem em chamas, e essas chamas pudessem ser liberadas a qualquer instante. Tanto que mal conseguia contê-la. Até porque, a vontade é de libertá-la por inteiro, e não prendê-la.

Irada, decide-se por atacar.

- Aquecimento? Então vamos esquentar um pouco as coisas!

As chamas foram lançadas violentamente contra o mestre, que estava de braços cruzados no momento em que foi atingido. E assim permaneceu até as chamas pararem de saírem, como se nada estivesse acontecendo.

- Tola, acha que não saberia me defender de um ataque tão pequeno como este? Se vocês se dedicarem à aula um pouco mais do que estão se dedicando, poderão fazer essa barreira que fiz em pouco mais de dois meses. Mas por enquanto, não tentem atacar com golpes que não sabem dar. Eles são imprecisos e confusos. Não saberão conter a própria força e causarão desastres e até mesmo a perda da própria e da vida de outras pessoas. Portanto, é melhor que apenas me obedeçam. Agora, de pé!

Sem ter como responder, Sabrina e Mirian apenas obedeceram. O tempo que ficaram deitadas foi bom para descansarem nem que fosse um pouco. O suor agora já havia evaporado, mas o ar frio da manhã ainda lhes perfurava a face como canivetes.

Flertis caminhou até elas com as mãos nas costas. Sua expressão de raiva contida assustava á medida que ele se aproximava.

- Cinqüenta flexões já! – gritou ele de repente.

Sabendo que nenhuma de suas reclamações adiantariam, apenas cumpriram a ordem, bufando de raiva.

Os braços doíam como se estivessem levando uma centena de socos. O esforço feito foi grande demais comparado ao que agüentariam. Mas foram mais além do que o possível.

- Acham que isso é difícil, não? Pois em uma semana vão rezar pra fazerem apenas cinqüenta! Eu não lhes peço cem por cento do que podem. Eu peço cento e vinte por cento. E vocês darão, posso afirmar.

Além daqueles, outra centena de exercícios foram feitos antes da hora do almoço. Nicka fez alguns por livre e espontânea vontade. Mirian apostou que era apenas para que Flertis se orgulhasse dela. Ou em suas próprias palavras, “ela é uma puxa-saco do caramba”.

Mal podiam acreditar em como as palavras “hora do almoço” e “descansem” poderiam ser tão agradáveis aos ouvidos. Era melhor que ouvir o cd de sua banda favorita, para Sabrina. Essas palavras vinham ao ouvido e relaxavam os músculos, cantarolando uma vitória em suas cabeças. Como chegar não só em primeiro lugar numa corrida, mas ao mesmo tempo, em terceiro e segundo. Não havia um só lugar que não doesse, mas também nenhuma célula que não cantasse vitória.

Não estavam com fome, mas comeram várias vezes e lentamente, pra dar tempo de descansarem um pouco mais. Nicka havia lhes dito que era apenas o começo. Na segunda parte do treinamento, não só seus corpos chegariam ao estado de exaustão, mas como também, e, principalmente, suas almas. Já que só então o treino verdadeiro teria início. O treino espiritual.

Flertis avisou que depois do almoço, teriam meia hora pra que a comida fizesse digestão e se apresentariam no tatame novamente. Mirian aproveitou o tempo pra dormir. Sabrina apenas se deitou em sua cama e relaxou.

Não viram a hora passando, logo, se atrasaram demais ao início do treino. E levaram uma grande bronca de Flertis. Mais cinqüenta flexões como punição. Uma tortura que Sabrina poderia estar evitando, com certeza. Não fosse sua grande curiosidade, não teria seguido seus professores e não estaria ali, passando por tudo aquilo. Pensava nisso enquanto cumpria sua punição. E pela primeira vez, mesmo que por pouco tempo, se sentiu feliz por estar naquele mundo estranho. É claro que nos dois segundos depois, arrependeu-se e desejou estar em casa fazendo lição de matemática.

“Casa…” Como estariam todos em sua escola? Preocupados com elas? Não é todo o dia que duas estudantes desaparecem no meio de uma excursão. Ainda mais num museu, lugar fechado. Lia devia estar em pânico aquela altura. À quanto tempo está naquela ilha? Umas duas ou três semanas? É o suficiente pra um seqüestrador dar notícias e pedir resgate. É o suficiente pra se tornar guerreira.

Novamente, nem viu o tempo passar. Perdida em pensamentos, nem reparou quando Flertis lhe avisou que poderia parar.

- Muito bem, Sabrina. Conceguiu me impressionar. Você fez o que eu ia mandá-las fazer agora. Distanciou sua mente e acabou fazendo o dobro do que pedi.

Cem flexões? Não podia imaginar-se fazendo tal coisa. Mas isso explicava muito bem o fato de seus braços passarem-lhe a impressão de ossos moídos.

- Bom, é claro que se você pensar em outras coisas, vai sentir muita dor depois.

“Só agora que avisa?”.

- O melhor a se fazer é esvaziar a mente por completo. Todo exercício deve ser feito junto da meditação. A dor é apenas psicológica. Está somente em suas cabeças. Se tiverem consciência disso, e acima de tudo, acreditarem, poderão fazer qualquer coisa.

- Isso vai nos impedir de sentir dor?

- Não é bem assim, entendam. Apenas deixarão de sofrer quando o golpe que vocês executarem requerer muito esforço físico, mas para atingir um grau em que sequer um golpe adversário te causa dor, são necessários muitíssimos anos de experiência e treino duro. Aqui, só posso ensinar a não ser atingida pela própria força. E, é claro, realizar golpes difíceis, que implicam em usar o próprio sacrifício de dor para que seu adversário sinta uma dor ainda maior. Sabendo meditar durante esse processo, vocês não sentirão nada.

- Desculpe, Fle… mestre. Mas, eu nunca meditei, nem a Sabrina. Não sabemos fazer isso.

- Hum… eu pensei que ao menos este nível vocês haviam alcançado… Isso atrasa um pouco as coisas, mas, posso dar um jeito de ensiná-las rapidamente caso aja algum problema. Apenas sente-se com as pernas cruzadas.

Assim feito, Flertis sentou-se a frente delas e fechou os olhos. Pediu para que fizessem o mesmo.

- Esvaziem a mente com calma. – pediu ele em tom relaxado – Se um pensamento insistir em atrapalhá-las, apenas deixem-no entrar e sair sozinho. Respirem profundamente e concentrem-se somente nisso.

Alguns minutos depois, Mirian abriu um dos olhos e olhou de lado, pra conferir Sabrina e Flertis. Estavam ambos de olhos fechado relaxando.

- AH! Chega, eu desisto! É impossível esvaziar a mente!

- Mirian, sua mente já é vazia o suficiente, se você esvaziar mais, seu cérebro sai pelo ouvido! – bronqueou Sabrina.

- Diga a verdade, você também não estava meditando.

- Tá, mas eu estava tentando!

- CALADAS!

Pararam no mesmo instante, antes de quase se atracarem. Moveram a cabeça na direção de Flertis e o ouviram.

- Eu já imaginava que não conseguiriam meditar em cinco minutos. Com a maioria é assim. A prática da meditação exige tempo e calma. Mas tempo é algo que vocês não têm, então passarei um jeito mais rápido de esvaziarem a mente. Voltem às suas posições, escutem o que eu vou lhes pedir e o façam na mente.

Voltaram a estar sentadas e de olhos fechados. Um tanto curiosas para o que seria feito, mas duvidando veemente de que funcionaria.

- Pensem em tudo o que deve ser pensado. A mente é algo rápido, os pensamentos vêm em questão de segundos e assim se vão. Não permitam que eles venham puxando outros, se não jamais sairemos daqui. Pois assim como rápida, a mente é muito ampla. Agora, abram os olhos devagar.

Sabrina e Mirian acostumaram a visão à claridade do sol forte que vazia naquela tarde. Não haviam sentido nada, nenhuma mudança.

- É só isso?

- Claro que não. Essa foi só a primeira parte. Mirian, quero que se levante. A parte seguinte deve ser feita uma de cada vez. E Sabrina irá primeiro.

Sabrina ficou olhando Mirian se levantar risonha e sentar-se na grama fora do tatame, dando tchauzinhos. Obedeceu quando foi mandada fechar os olhos e novamente fazer tudo o que lhe fosse dito.

- Quero apenas que me diga tudo o que vier a sua cabeça. Quero seus pensamentos, só isso. Não os reprima. Pense. Queira pensar.

Dar-lhe seus pensamentos? Mas que treino era aquele afinal? Não ia dizer tudo o que tinha na cabeça.

- E então? No que está pensando?

- Eu estou pensando que não lhe darei meus segredos e pensamentos.

- Eu não pedi que me contasse nada disso. Não disse que queria todos os seus pensamentos. Se assim fosse, passaríamos o resto da eternidade aqui sentados, e você ainda pensará em milhões de coisas. Quero que me diga o que lhe vem à mente nesse exato instante.

Sabrina se convenceu e tentou se concentrar em sua cabeça. Era mais difícil do que imaginava.

- Eu… estou pensando na minha mãe adotiva. Acho que ela está preocupada. E meus amigos também devem pensar em mim de vez em quando. E até meus outros professores. Eu não fiz minha prova de matemática e acho que vou ficar para recuperação. Aliás, como vou ficar de recuperação estando neste lugar? Acho que se fosse pra ficar de recuperação, eu ia é repetir de ano. Não sei mais quanto tempo falta pras aulas acabarem, mas sei que é muito. E vou ficar nesse treinamento tempo suficiente pra repetir. Não sei o que vem depois. Estou com medo. – nessa altura, seus pensamentos e sua mente começaram a ficar mais vagos – Acho que meus professores que segui pra chegar até aqui estão mortos neste lugar por aí, não sabem onde e estou triste por isso. Perdi minhas esperanças de voltar pra casa. Eu odeio treinar. Não quero lutar, quero ser médica. – Seus pensamentos se perderam e deixaram de vir naturalmente – Eu… eu… -finalmente, nada mais lhe ocorria pra falar. Ela simplesmente se calou e tentou pensar em algo. Mas nada lhe vinha à mente. Esforçou-se, inclusive, mas sem êxito.

- Agora, relaxe e se concentre nesta falta de pensamentos. Se outro lhe chamar, apenas me avise e o diga.

Mas nada mais a incomodou. Dedicou-se á aquela escuridão que se apoderou da garota. E logo, permaneceu num estado inerte, em que não dormia, nem estava desmaiada, mas sim, absolutamente separada de tudo ao seu redor.

Flertis chamou por Mirian. Ela estava assustada com tudo o que Sabrina havia pensado e dito. E principalmente pelo estado em que se encontrava agora.

- Sente-se. – mandou ele.

Ela conhecia os procedimentos, portanto, depois de sentar, já fechou os olhos e passou a prestar atenção no que Flertis dizia.

 - Diga tudo o que pensar. E pense no máximo de coisas que puder. Concentre-se em cada um dos sus pensamentos e nada mais. Quando não puder mais pensar em nada, concentre-se nisso também. Concentre-se no processo que faz até chegar lá pois terá que fazê-lo automaticamente mais tarde. Muito bem, comece.

- Eu… estou pensando em… como isso pode dar certo. Estou surpresa de que tenha funcionado com Sabrina, mas acho que comigo não vai dar certo. Sabrina sente falta de sua mãe adotiva. Acho que ela tem sorte de tê-la. Eu estou com saudade da Marlene, uma das várias empregadas que tenho em casa. Ás vezes me sinto sozinha em todos aqueles cômodos. Aí eu vou pra escola, à tarde, e digo que vou estudar. Mas eu só fico conversando com as meninas que fazem a mesma coisa pra fugirem da lição. Elas são legais. Mas a Sabrina nunca está lá. Ela sempre tem que fazer a lição em casa mesmo, porque a Lia fica cobrando muito dela. Acho que é difícil ter uma mãe professora. Principalmente se for sua professora. Mas mesmo assim, eu queria ter uma mãe. – seus pensamentos começaram a vir com mais dificuldade. – eu estou pensando que talvez isso funcione. Minha mente está cada vez mais vaga… está difícil pensar em algo pra dizer… talvez algo que tenha me acontecido na escola, mas… eu não me lembro…

Mirian se calou. Às vezes, preparava-se pra dizer alguma coisa, mas desistia antes de fazê-lo. 

 - Agora, apenas concentre-se na falta de pensamentos.

Ela tentou e, por mais que duvidasse, conceguiu esvaziar sua mente com aquele método. E alcançou o mesmo estado de Sabrina, concentrando-se apenas em sua própria respiração. Flertis deixou que elas meditassem alguns minutos, em seguida, para não perder mais tempo com aprendizado básico, as chamou.

- Espero que saiba exatamente como fizeram isso. Vocês são guerreias, isso significa que a alma de vocês é mais poderosa para emitir feitiços. Então vocês levam vantagem quando o assunto é mente. Portanto, não vou mais aceitar desculpas de dor.

- Sim, mestre. – bradaram as duas, felizes por mais uma vitória.

Mais uma vitória de muitas que ainda alcançariam na metade dos meses em que estiveram treinando. Com o privilégio de não sentirem dor, o tempo passou bem mais rápido do que imaginavam. O avanço foi muito grande em cada uma das semanas. Em apenas um mês, três mil flexões era coisa simples para elas. Cinco mil abdominais era ainda mais. E exercitar-se passou a ser divertido, passadas a época de broncas, em que faziam tudo errado. Aprenderam a dar chutes e socos corretamente, para não levá-los caso errassem. Tudo se tornou fácil. A força física que adquiriram naqueles poucos meses foi impressionante. A velocidade sobre-humana então, nem se fala. Eram guerreiras, como havia dito Flertis. Levavam uma grande vantagem dos demais seres humanos. A força máxima a ser alcançada era bem mais que dez vezes o do ser humano mais forte. É claro que em apenas quatro meses e meio essa força ainda não fora alcançada. E nem seria ao término do treinamento. A energia total só deveria ser atingida depois de muita experiência e esforço. E jamais poderia se contentar com a força máxima. Sempre há como ultrapassá-la. Por isso, Flertis nunca lhes pediu cem por cento, sempre cento e vinte. E elas aprenderam a lhe oferecer cento e cinqüenta.

Muitas outras vitórias ainda estariam por vir nos demais meses. Como a amizade encontrada em Nicka. E além desta, outras coisas viriam nos próximos, algumas felizes, outras alegres, vitórias, derrotas. Descobertas, perdas, ganhos, sofrimento e alegria. Principalmente no tempo que se seguiria após o treinamento. Mas por enquanto, muita coisa deve ser aprendida. E antes de se explorem a este mundo cheio de perigos, de curvas e defeitos, aprenderiam que ele não se chamava Ilha Eid. Mas sim, vida.

 


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