Bem ao Lado escrita por Alessa Petroski


Capítulo 35
Capítulo 35




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/388868/chapter/35

Minha mãe me liga quando o sol ainda se esconde de nós. O som do celular acorda Giane o suficiente para ela grunhir - acho eu uma reclamação - e para me empurrar da cama que dividi com ela a noite toda. O impacto do meu corpo com o chão me desperta melhor do que água no rosto.

– Bom dia, filha querida - me cumprimenta mamãe com um humor bom de mais para ser verdade.

Tão bom que ignoro meu mau humor por ter sido acordada.

– Bom dia, mãe - bocejo contra o punho - O que aconteceu? Vovó está bem?

– Claro que sim, você não lembra que dia é hoje?

– Ahn - murmuro para ganhar tempo mal lembrando em qual dia da semana estamos - Eu deveria saber?

– Não, acabei de lembrar que me esqueci de te contar - falou decepcionada - Joshua chega hoje!

Hoje? Levanto-me do chão em um pulo agitada de mais para ficar parada. Tio Joshua era uma das pessoas que eu mais amava no mundo. Seu jeito irreverente e dinâmico contrastava com o gênero calmo da nossa família.

– Pensei que soubesse, não é ele quem vai dar aulas no teatro da escola? - mamãe pressionou.

– Eu pensei que ele fosse chegar ao Domingo.

– Ah, você sabe como seu tio é imprevisível...

Mamãe continuou a tagarelar e tratei de sair do quarto porque Giane se remexia cada vez mais furiosa. Se ela era irritante durante o dia eu não queria saber como ela ficava ao acordar logo cedo.

Enquanto mamãe continuava a tagarelar fui ao banheiro esvaziar a bexiga, que a meu ver iria explodir a qualquer segundo. Minha mãe falar tanto daquele jeito era um sinal da aproximação do meu tio, que a simples menção de seu nome tinha a capacidade de deixar qualquer ambiente mais leve.

Olhando meu rosto marcado pelo lençol da cama no espelho retangular do banheiro lembrei o que me levara a cabana de Giane. Respirei fundo me culpando por não ter me lembrado de avisar meu pai que não dormiria em casa, porque apesar de nossas discrepâncias ele deveria se preocupar se encontrassem meu corpo sem vida na mata no período em que estou abaixo da responsabilidade dele.

Porém, mamãe - que continuava a tagarelar - não tocou no assunto, o que queria dizer que ou ele não tinha percebido minha ausência ou ele estava com medo de falar com ela. O que era mais viável.

– Ok, mãe - falei ao fim de quase cinco minutos com ela falando e eu apenas murmurando - Vou avisar ao papai que vem me pegar daqui a pouco.

– Ruby, seja gentil, por favor.

– Eu sou um poço de gentileza, mamãe - encerramos a ligação - Mas só quando quero ser.

Saio da cabana de Lucius quando os primeiros raios solares atravessam as nuvens espeças que ameaçavam chover. Para muitos o céu cinzento poderia ser considerado agourento, ainda mais quando se ia para o covil de seu algoz, mas para mim o céu naquele tom me dava forças para o que eu faria a seguir. Mesmo desconhecendo o que seria tal ato.

Não deixei bilhete algum para Lucius, sabendo que era hora de deixá-lo em paz. A aura do Acampamento que nos dava segurança em meio ao mistério para nossos beijos não existia em outro lugar, apenas ali. E era este que eu deveria deixar agora para voltar à normalidade da escola e à emoção da eleição para representante das turmas. Elli pegaria pesado comigo nesses dias.

Entrei na cabana dos Fiore na ponta dos pés evitando fazer barulho. Abri a porta do meu quarto sem me surpreender ao ver meu pai sentando na beirada da cama. Fechei a porta sem receio.

– Bom dia, Ruby.

– Bom dia.

– Onde esteve? - ele falou alterando a voz.

– Dormi na casa de uma amiga - dei de ombros.

– Amiga? Porque até onde sei Lucius Yvon é homem.

Havia dois caminhos: a negação e a enrolação. Ambas envolviam mentir.

– Lucius é irmão da Giane, e eu já tinha combinado com ela de ir dormir na cabana dela. Que por parentesco também é a dele. Isso acontece com irmãos.

– Não tente me tapear, Ruby, Vini viu...

– Vini? - interrompi - Agora anda ouvindo fofocas de retardado?

– Isso é jeito de falar? Vini tem sido gentil com você assim como a família dele e você retribui sendo mal educada? - ele se levanta da cama - Não é porque ele não correu atrás de você quando terminou com ele que deve tratá-lo assim.

Meu corpo rangia de raiva e meus olhos se inundaram por lágrimas de raiva. Minha vontade no momento era pôr a casa abaixo com minha ira.

– Você não tem moral para me dar lição de moral! Vocês são todos iguais. Afinal você nos deixou por uma qualquer.

– Dobre a língua. Eu sou seu pai, Ruby! - ele gritou enfim esquecendo a compostura.

Meu pai sai pela porta furioso, retorcendo a mão como se precisasse bater em algo. Puxo a mala - que continuava feita como a arrumei antes de sair de casa - e a levo pelo corredor aos solavancos, tremendo de raiva. Desço a escada num ímpeto de raiva.

– Ruby, aonde vai deste jeito? - indagou à senhora Fiore com os cabelos devidamente penteados ao redor do rosto e um roupão branco e felpudo cobrindo o corpo, para completar em sua mão havia uma xícara de porcelana branca com fumaça saindo pela boca.

– Bom dia, senhora, desculpe se a acordei - ela fez que não a cabeça - Meu tio Joshua chega hoje e eu gostaria muito de preparar uma surpresa para ele, então vou mais cedo este ano.

– Ah - ela pareceu desapontada - Pensei que ele fosse chegar apenas no Domingo, e na segunda estaria na escola para dar sua aula.

– Ele decidiu vir mais cedo.

– Lembro bem desse lado precipitado dele de quando eu era sua professora. Foi um pouco antes do meu casamento com Antônio.

– Huuum - fiz contendo o nervosismo, louca para sair daquele lugar.

– Não vou te apreçar mais, querida. Tenha um bom dia.

Senhora Fiore passou por mim para subir pela escada e senti nela um odor pouco característico. Algo forte e intrigante como uma bebida alcóolica. Era uísque com o mesmo aroma que eu sentia em Giane quando ela o bebia. Aquele era um ato que eu não esperava para uma mulher com ar de quem conseguiu tudo aquilo que queria.

Sai da cabana lembrando se o julgamento que Lucius fez de mim caberia para ela. Mas assim como foi comigo, creio que Isabela não seja má por ter Vini como filho e Antônio como marido. Ela deve conhecer esse lado sombrio dos dois melhor do que ninguém, afinal vive com eles. Não me surpreenderia se esse fosse o motivo da bebedeira tão cedo.

...Alguns minutos depois minha mãe para o carro da minha avó na entrada do Acampamento. Entro nele sem olhar para trás.

– Isso é de surpreender. Você de vestido - minha mãe diz.

Sorrio. Logo depois que sai da cabana dos Fiore corri para o banheiro no galpão e troquei de roupa às pressas, e com pouco espaço para muita coisa naquele cubículo. Ignorei minha claustrofobia e escovei os dentes, troquei a minha blusa, o casaco de Lucius e o short de Giane por um vestido simples. O casaco de Lucius estava junto ao primeiro dele que me apossei, mas este diferente do primeiro eu devolveria junto com o short de Giane.

Comecei a rir por estar ficando boa em surrupiar roupas com minha cara inocente.

– Qual o motivo da risada?

– Estou feliz, Joshua está voltando para casa.

Fui sincera. Porque apesar de tudo eu teria minha família unida em breve. Sendo bons ou maus, chatos ou legais eu os amava. E assim seria sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bem ao Lado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.