Bem ao Lado escrita por Alessa Petroski


Capítulo 27
Capítulo 27




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O barulho de uma porta sendo aberta me veio de longe, me despertando daquele sonho estranho. Eu estava presa em um labirinto idêntico aos corredores da escola, com vozes me perseguindo gritando coisas cruéis e que agora, que eu me encontrava acordada, perderam o poder de me machucar e atormentar. Nunca me senti tão grata por ter sido acordada. Havia algo mais, uma presença no sonho, mas como sempre acontecia eu não consegui recordar bem o que era.

Mamãe abriu a janela do seu quarto deixando a luz do sol entrar ali e expulsar o último resquício de ar gelado. Eu estava encolhida na cama dela onde dormi após ter posto para fora tudo o que me havia acontecido, mamãe ouviu com atenção e me abraçou nos momentos certos. Eu sentia que um peso havia sido tirado de mim.

Estiquei o braço para o criado mudo e lá peguei dois objetos: meus óculos porque não havia algo que me incomodasse mais do que ficar sem enxergar e o meu celular, que eu havia desligado para evitar que atrapalhasse a minha conversa com minha mãe.

Com o celular já ligado comecei a ler as mensagens que me foram mandadas ontem à noite.

Katrina: como está, flor? Tenho uns incensos ótimos para acalmar, caso você queira.

Resposta: obrigada, Kat, mas agora estou bem melhor e não preciso disso agora. Talvez na próxima.

Sebastian: desculpe por ontem, fui muito lento, eu travei.

Meu coração se partiu porque não havia nada que ele pudesse ter feito e fiquei feliz ao mesmo tempo por ver o quanto ele gostava de mim. Sebastian estava se mostrando um ótimo amigo, daquele tipo que eu gostaria de ter sempre ao lado. Mandei uma reposta garantindo que ele não poderia fazer nada e que eu estava bem.

Passei para a próxima.

Giane: jovem, eu não vou perguntar como está porque é óbvio que não é nada bem, mas eu tenho vodca e estou me sentindo caridosa. Você topa?

A mensagem de Giane me fez rir apesar de não gostar nada de saber que ela andava bebendo. Eu estava começando a ficar preocupada com a quantidade de álcool que ela passara a sorver.

Resposta: pare de beber, Giane, eu já estou melhor.

Assim que respondi a Giane selecionei para ver as ligações perdidas e meu coração passou a bater mais rápido. Lucius havia me ligado uma única vez e havia deixado uma mensagem na caixa postal. Eu estava começando a ficar curiosa, mas minha mãe continuava a me fitar e eu sabia muito bem o tipo de reação que o Lucius me provocava, algo que não passaria despercebido por minha mãe.

Ignorei o celular que parecia mais atrativo do que nunca e voltei-me para ela. Sua expressão estava indecifrável então parti para algo mais direto.

– O que foi? – indaguei rouca.

– Liguei para a escola e a diretora concordou que eu fosse conversar com aqueles gêmeos – ela disse e cruzou os braços sob o peito.

– Não, não, não, não – repeti – Por favor.

– Ruby, não estou pedindo permissão, eu que te botei no mundo e não admito que machuquem você – ela disse séria e decidida – Eles não deveriam ter feito isto com você, principalmente com você.

– Por que principalmente comigo?

– No dia em que eles nasceram aconteceu um apagão e não havia ninguém que pudesse fazer aquele parto. E eu ajudei grávida de você, uma época que eu mal conseguia passar por uma porta de tamanho normal de tão gorda que fiquei.

Fiquei calada sabendo que não mudaria a escolha dela de ir falar com os gêmeos e certa forma eu sabia que isto, talvez, os impedisse de machucar alguém daquele jeito novamente. Mamãe tinha um jeito único de ter contar histórias que te faziam se sentir alguém péssimo, e uma história como a que ela acabara de contar serviria muito bem para mexer com a consciência de qualquer um. Partindo do pressuposto de que Tina e Tony tenham consciência.

– Tem mais coisas que preciso lhe falar, filha, e quero que prometa que vai me deixar falar sem me interromper.

– Porque todos me pedem isso? – ela apenas sentou na cama e olhou para mim de uma maneira bem óbvia porque era óbvio o motivo de me pedirem isto – Coisa boa não é, certo?

– Ruby... – ela pressionou.

– Ok, eu prometo, relaxa.

– Seu pai quer que vá com ele para o Acampamento dos Feriados – ela sorriu tristonha apenas para me dar apoio – Com a nova namorada.

Os olhos de minha mãe marejaram. Eu tinha certeza de que não era por meu pai estar namorando, mas porque ir ao Acampamento no Feriado dos Três Heróis era um programa que fazíamos juntos antes no divórcio. Seria a primeira vez que meu pai iria depois do divórcio e ir acompanhado da nova namorada era como se ele estivesse nos traindo. Era um pensamento um tanto cruel e eu sabia lá no fundo que aquela era a maneira dele de seguir em frente.

– A senhora não vai querer ficar comigo durante este tempo? – perguntei e vi minha mãe soltando o ar como se estivesse esperando que eu explodisse.

– Eu iria te falar ontem que tenho duas cirurgias marcadas para esta semana – ela pegou em minhas mãos – E eu sempre vou querer ficar com você, querida.

– Então eu vou, é o jeito, certo? Ele tem direito a isso, legalmente falando. Se não fosse por isso eu não iria – afirmei.

– É a Cat, Ruby, - fiquei confusa – a nova namorada do seu pai.

– A Cat? Cat Fiore?!

Ela confirmou apenas com um aceno de cabeça. Caterina Fiore era tia do Vini por parte de pai, alguém que eu havia visto poucas vezes, mas que sempre evitava. Porque em um almoço de família, passei pelo quarto dela para ir ao banheiro e a vi berrar com uma empregada sobre a forma como ela havia engomado sua roupa. Eu já havia percebido aquele ar de garota mimada, que só falava de suas idas a Europa e de novas coleções de marcas famosas, algo que eu achava entediante, mas que não me fizera pensar mal dela, mas ao ver a forma como ela tratara aquela mulher me fez vê-la como ela realmente era. Alguém fútil, que gozava da herança herdada dos pais, e que bradava a plenos pulmões sobre isso.

Nunca pensei que papai namoraria alguém assim, mas este tipo de atração era um mistério para mim. Senti decepção porque achei que o conhecia e cheguei à conclusão de que ele estava se tornando um estranho para mim.

– Seu pai sabe que você e Vini terminaram e desconhece o motivo, que só a cabe a você explicar, se quiser, é claro. Deixei em evidência para seu pai que não gosto da ideia de você ficar hospedada na “cabana” – ela fez aspas com os dedos ao dizer a última palavra porque aquilo nem podia ser chamado de cabana já que era uma casa de arquitetura moderna, com três andares – Mas acho menos perigoso vocês dividirem o mesmo teto agora do que quando namoravam.

Ela deu um sorriso mínimo.

Não falei nada e ela logo saiu do quarto. Não queria ter que pensar sobre passar quatro dias hospedada na casa daquele crápula. Seria um longo feriado bastante exaustivo. Eu daria meu reino por alguns dias sozinha sem ter que mascarar meus sentimentos, algo que com certeza eu teria que fazer quando chegasse lá.

Quando já entardecia, depois de ter feito minhas tarefas peguei meu celular e sentei em minha janela, o céu estava realmente lindo, em um tom alaranjado radiante de tirar o fôlego de qualquer um.

Minhas mãos gelaram e começaram a suar só porque eu pretendia ouvir a mensagem em minha caixa postal. Uma mensagem justamente do Lucius.

“Ei, Joia, sinto muito pelo que te aconteceu... É sério, porque Tina fez por mim. Não me leve a mal, pelo menos não tão a mal como já me leva. Ela achou que isto seria uma forma de me fazer perceber o quanto ela gosta de mim. Dá para creditar? Não tenho mais o que dizer, só achei que merecia saber a verdade.”

Sorri pelo tom baixo e comedido dele. Já havia se tornado claro o motivo de Tina ter feito aquilo e eu de forma alguma o culparia por isso. Retornei a ligação rápido antes de mudar de ideia.

O celular tocou e tocou e já estava pensando que iria dar em caixa postal quando ele atendeu.

– Hey – ele disse ofegante.

– Você está bem? Parece que correu uma maratona ou estava fazendo sei lá o quê.

– E o que seria sei lá o quê, Ruby? – ele disse em um tom malicioso.

Mordi a língua com força por te falado aquilo, eu sabia muito bem no que ele estava pensando. Esses jovens tinham a mente tão poluída.

– Me diga você que é quem está ofegante – respondi em desafio.

Ele riu em sua risada de cachorro vira lata com gripe.

– Estava jogando basquete com alguns caras no centro, então se considere especial porque não costumo sair de uma partida para atender telefonemas.

– Uau! – exclamei irônica – Isto vai parar no meu diário de tão importante que é.

– Você tem um diário?!

Ele riu.

– Pare de rir – briguei - tenho, mas não escrevo nele.

– Sei. Aposto que tem várias páginas sobre mim.

– Pois perdeu, só escrevo sobre coisas importantes.

– Nossa, isto doeu no meu coração – foi a vez dele ser irônico. – Acho que vou passar a noite em clara refletindo sobre a minha medíocre vida.

Desta vez eu que ri. E me arrependi. Minha risada era horrível porque chegava um momento que eu ficava sem ar e começava a parecer um porco ruminando. E foi isto que aconteceu.

– Você ri igual a um porco – ele disse e pude sentir mesmo a distancia um sorriso em seu rosto.

– Fala o garoto que ri igual a um cachorro. Mas tudo bem.

Esperei ele retrucar e ele iria, mas alguém ao seu lado gritou o seu nome, seguido de alguns palavrões em uma clara expressão nada educada para chama-lo de volta ao jogo.

– Tenho que ir, Ruby, boa noite.

– Bons sonhos, Lucius.

– Agora eu tenho certeza de que vou ter.

Meu rosto corou e ele desligou. O céu agora estava completamente negro e eu nem havia percebido o tempo passando. Negro igual aos olhos dele. Fui para a cama mesmo estando cedo porque papai e sua nova namorada passariam aqui logo cedo. Puxei meu novo casaco e o enrolei no braço, sentindo o perfume da pele dele, que continuava presente em minha memória.


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