As Cartas De Lana Parker escrita por Lixie Dixie


Capítulo 4
12 de julho de 1998




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Querido amigo,

A casa é linda, grande, mas um pouco menor que a antiga, e azul bebê. Eu adoro a cor azul, acho que é minha favorita, mas também gosto de vermelho, aquele tom vermelho-sangue, sabe? Enfim... Para você ter uma ideia, o meu quarto ainda está uma bagunça. A única coisa que está meio organizada é a minha escrivaninha, mas há caixas espalhadas pelo chão e roupas jogadas na cama. Não tenho certeza do horário, mas deve ser umas quatro da tarde, pois o sol bate forte na minha janela e a luz do sol está refletindo no meu rosto. Acho que vou ter que colocar cortinas nas janelas desse quarto. A visão daqui também não é de se jogar fora. Na verdade, ela é perfeita. Quando anoitece você consegue ver as luzes dos postes das ruas formarem uma trilha até o centro da cidade. Privilegiados são aqueles que moram por aqui. Isso soa estranho vindo de mim, não é? "Privilegiados"? Ah, me poupe... A casa é linda, a paisagem vista de minha janela e sacada (SIM! eu tenho uma sacada no meu quarto!) é mais ainda, mas sério mesmo, Lana?! Nem andei pela vizinhança ainda. Minha mãe disse que tem um parque aqui por perto. E é disso que eu preciso agora. Preciso de ar puro; preciso ver o céu tão azul que chega a dar tontura; o sol que arde os olhos de tão brilhante; o canto dos pássaros voando e pousando nas árvores, onde suas folhas e flores estão se balançando, brincando em seus altos galhos. Só preciso sentir o vento bater em meu rosto e bagunçar meus cabelos. Preciso disso, preciso dessa paz. Preciso pensar no meu futuro, isso é, se eu resolver ter um.

Ainda da minha janela posso ver a casa vizinha, exatamente igual a minha, exceto pelo fato de ser da cor verde.

Nossa, tenho tantas coisas guardadas que não lembrava nem da metade delas. Inclusive, achei meu diário do ano passado, antes de todo aquele "processo de reabilitação" e tal. O trecho que mais me marcou foi esse:

"Então hoje eu decidi... Um corte profundo no lugar certo não deve ser tão ruim, ou dolorido. Pelo menos eu acho que assim deve ser o melhor jeito de morrer. Quer dizer, o melhor jeito de cometer suicídio. Acho que não será tão ruim porque já estou acostumada com cortes, e band-aids, e gaze colada com várias tiras de esparadrapo para parar o sangramento.

Não sei se sou a única pessoa que se sente assim, mas ver o sangue escorrer e sentir aquela dor, que é, digamos, momentânea, me faz me sentir viva. Então acho que sim, o que me "mata" me torna mais viva. Ah, e quem é que nunca fumou ou bebeu alguns drinks? E quem nunca ingeriu drogas? Pois é, a sensação é ao mesmo tempo boa e ruim, pois me faz lembrar que eu ainda estou viva. E é assim que eu me sinto quando me corto. Parece que os problemas desaparecem, e que o suicídio é um jeito de acabar com eles, de uma vez por todas."

Você provavelmente deve estar pensando que eu sou louca, e que isso até dá um pouco de sentido para o que eu tentei fazer comigo mesma, não é verdade? Pois bem, eu te digo que não, pois o fato de me sentir "confortável" vendo meu sangue escorrer entre minhas mãos não foi a razão que me levou à aquilo. Na realidade, acho que já tinha explicado o porquê de tudo na primeira carta. Mas o que você não sabia era que eu me envolvi em um problema, que digamos que tenho sido dos grandes, com álcool. Também tive alguns probleminhas com o cigarro, mas esse não foi tão grave assim. 

No final do primeiro ano do ensino médio eu gostava desse cara, o Luke, e que parecia era legal. Ele não estudava na mesma sala que eu, mas conversava com uma das poucas meninas que eu tinha mais intimidade e que estudavam comigo. Mas depois eu descobri que ele ainda gostava dela. "Ainda" porque ela já tinha me contado que ele se declarou para ela. E eu fui boba o bastante parar achar que ele, um cara tão bonito, legal e aparentemente popular, iria se apaixonar por mim, uma garota feia, gorda e idiota. Acontece que ele gostava dela à uns 6 anos, mas ela o considerava como seu melhor amigo. Inclusive, ela já estava namorando outro rapaz quando recebeu a declaração dele. Talvez foi isso que me deixou tão deprimida, sei lá. Eu realmente achava que gostava dele de verdade, e que ele sentia a mesma coisa por mim. Eu tentei ser igual a ela, mas era impossível. Ela era linda, magra, sofisticada e engraçada. Nós éramos amigos, nós três. Mas achei que ele... Na verdade, eu nunca o contei sobre meus sentimentos, mas isso não iria levar a lugar nenhum, já que de um jeito ou de outro eu acabaria o ignorando. Por ele ser "popular", ele frequentava várias festas e coisas do tipo e sempre foi o tipo de pessoa que enchia a cara. Mas apesar disso, eu o achava um moço de "boa influência". Ele nunca havia fumado, ou se drogado. Ele nunca sequer tinha beijado uma garota antes. E eu, mais uma vez, fui tonta o suficiente para imaginar a cena do nosso primeiro beijo. Fala sério, que tolice a minha!!! 

A "cena" ia ser o seguinte: eu o encontraria depois da aula, onde nós estivéssemos sozinhos, e então eu pegaria sua mão e diria olhando em seus olhos que "eu queria ter certeza que a primeira menina que o beijasse também o amasse" e então lhe daria um beijo romântico, provocador e apaixonado.

Mas então, com o meu coração partido e frustrada por nenhum garoto gostar de mim e eu nunca ter beijado ninguém, eu também comecei a ir para aquelas festas onde todos se bebiam até cair e ficavam drogados. E foi aí que começou. Mas meu mundo desabou de verdade quando soube da morte de minha avó. E foi aí que eu tive certeza de que o que eu estava pensando seria a coisa certa a se fazer. E a parte da lâmina sendo pressionada com força sobre meu pulso e da sirena frenética da ambulância vocês já sabem, eu acho. Mas a verdade é que eu não queria me matar. Eu queria morrer, mas não queria ser a pessoa a tirar minha vida. Todas as noites eu esperava que algum maníaco, algum serial killer entrasse no meu quarto e me matasse, assim, sem motivos aparentes para fazer isso. Eu esperava que estivesse com uma doença em estado terminal, porque assim todos diriam que foi uma tragédia e que eu era muito nova para morrer. Mas nada disso aconteceu, então eu decidi tomar uma atitude. 

Acho melhor eu terminar de arrumar minhas coisas e parar de escrever um pouco. Já estou começando a me sentir mal de novo...

Com amor, Lana.


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