A Última Chance escrita por Gaby Molina


Capítulo 9
Capítulo 9 - Conexões


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas :3 Os últimos dois capítulos ficaram menores, mas acho que me empolguei nesse daqui... Hehe. Espero que gostem.
Ah, outra coisa: não sei se vocês gostam de Jogos Vorazes, mas caso gostem, eu comecei uma fic de JV que vocês podem encontrar aqui: http://fanfiction.com.br/historia/400373/Mais_Forte_Que_A_Morte/
Não vou abandonar essa fic e nem postar menos frequentemente por causa da outra, prometo! Bem... Digam-me o que acharam do capítulo e tal. Obrigada novamente pelos comentários incríveis :3



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— Os desenhos dele são incríveis — comentou Annie, impressionada, enquanto folheava o caderno de Jasper. — As paisagens são tão reais. Deus.

As criadas dela eram muito fãs de Jasper, coisa que Annie levava um pouco em consideração, apesar de não entender completamente o entusiasmo delas.

— Oh, o sr. Jasper é tão gentil, e talentoso, e é muito bem afeiçoado também, Alteza — disse Ruth.

— É, é mesmo — ela concordou, folheando mais. — Ele vai se sair bem no Jornal Oficial. As pessoas gostam dele. Além do mais, o sr. Jasper é do tipo naturalmente gentil com todo mundo, então não prevejo nenhum problema.

— Não está sentindo falta de nada, senhorita? — Leah ergueu uma sobrancelha.

— Do quê?

— Está um silêncio incomum para essa parte do dia.

Charlie não estava no jardim. Não estava tocando violão, e ela ficava se perguntando onde diabos ele estaria, e se a estava evitando. Talvez apenas quisesse um dia longe dela, o que a moça podia entender. 

— Não vejo Charlie desde... desde... Bem, desde que mandei Ryder embora, e isso foi... Há dois dias?

— Aposto que Lucius deu a ele muitas tarefas. O sr. Charles é da Quarta Casta, senhorita, portanto está um pouco atrasado quanto a etiqueta e História.

— É? Acha que Lucius saberia onde ele está?

— Suponho que...

Annie levantou-se e correu para a pequena sala de Lucius, onde jamais entrava se não fosse obrigada. Mas aquela era uma exceção. Ela bateu na porta.

— Entre.

Lucius arregalou os olhos ao ver a Princesa.

— Posso ajudá-la?

— Charlie — a palavra pulou para fora da boca dela. Meu Deus, de novo, não! Ela sabia que havia chamado-o informalmente com as criadas, mas era diferente com Lucius. Ela daria cinco minutos até que ele relatasse tudo aos pais dela e ao Conselho. — Preciso dar uma palavrinha com o sr. Charles. Você saberia onde ele está, por acaso?

Lucius deu de ombros.

— Não. Eu procuraria no jardim.

— Acha que não fiz isso?

— Se quiser que eu diga algo a ele, Alteza, posso encontrá-lo e...

— Não. É particular. E não, não vou dispensá-lo, pare de me olhar assim. 

— Eu não ia sugerir nada, Princesa. Só diga a ele para vir buscar o resto da lista de pronomes de tratamento a decorar.

Annie sorriu.

— Você o odeia.

Lucius franziu o cenho.

— É claro que não.

— Sim, o odeia. Eu conheço você há muito tempo, Lucius.

— Não o odeio. Só talvez tenha receio em ter Hutton como governante do meu país.

— Infelizmente — ela encarou-o. — A decisão não cabe a você. E, por enquanto, vou mantê-lo aqui. 

Annie acenou brevemente e saiu da sala.

* * *

Charlie não encontrou a Princesa em nenhum ponto do dia. Ele até perguntou a Lucius, que apenas revirou os olhos, bufando, e deu-lhe as costas.

Mas não antes de entregar-lhe mais sete páginas teóricas de como dirigir-se à Princesa.

— Isso é tão inútil — o rapaz suspirou à noite, em seus aposentos. — Ele poderia ao menos me dar um esquema, ou um livro de auto-ajuda "Então Você Acha Que Pode Governar?". Algo prático.

Reyna, que realizava os ajustes finais no terno de Charlie antes do Jornal Oficial, comentou:

— É sempre bom saber como tratar a realeza, senhor.

Jane riu.

— Está brincando? Se Vossa Alteza gosta de você, pouco se importa com o fato de você não saber qual o pronome de tratamento usado em cada situação. Ela simplesmente gosta de você.

Charlie gostava de Jane. Ela era pragmática e realista, mas sempre tinha um comentário sarcástico ou alguma dica útil para o rapaz. Geralmente era um pouco distante — assumia uma expressão profissional naturalmente. Tinha uma pequena cicatriz branca no lado esquerdo do rosto, que ela costumava tampar com os cabelos louro-escuros. Às vezes ele tinha vontade de perguntar como ela a conseguira, mas achava que não seria bem-recebido.

— Voilà — Reyna sorriu e apontou para o espelho.

Era um terno simples, preto, como o da primeira noite. Os cabelos de Charlie estavam penteados para trás, mas ele sabia que rapidamente voltariam ao seu formato bagunçado natural. Seus olhos pareciam mais cinzentos naquele dia, por algum motivo.

Antes que percebesse, estava no Jornal Oficial. Faltavam quinze minutos para começar. Ele estava sentado entre Jasper e Zack. Logo depois que Gavril Fadaye veio para cumprimentá-los e se apresentar, Charlie se levantou.

— Já volto.

Annie estava nos bastidores, roendo as unhas — que costumavam ser — perfeitas enquanto andava em círculos. O público teria um contato maior com os vinte e nove Selecionados restantes pela primeira vez. E se os odiassem? E se tudo tivesse sido uma péssima ideia? E se ela tivesse mandado o favorito do público para casa antes de conhecê-lo melhor? E se ela escolhesse o pior rei do universo, que não fizesse ideia do que estava fazendo — assim como ela não sabia, naquele momento — e começasse outra Guerra Mundial, causando a destruição iminente do Hemisfério Norte e fosse. Tudo. Culpa. Dela.

Foi quando ela trombou em alguém.

— Charlie — disse instantaneamente, levantando a cabeça para olhá-lo nos olhos. — Meu Deus, eu procurei você por toda parte.

Charlie abriu um leve sorriso, bagunçando instintivamente o cabelo e torcendo para que Jane não aparecesse do nada e o matasse.

— Digo o mesmo. Você... sumiu.

— Você não tocou violão hoje.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Eu sempre ouço — disse ela. — Você estava ocupado demais hoje?

— Para ser sincero — ele sorriu. — Dormi demais. E depois Lucius me encheu de tarefas. Perguntei a ele sobre você. Depois me arrependi. Achei que talvez você estivesse cansada de mim e eu estivesse insistindo.

— Bem, eu te mandei um bilhete, não mandei?

— Sim. Não que tenha resolvido muita coisa, mas sim.

Ela revirou os olhos.

— Certo. Então. Mandei Dennis Courier para casa. — contou ela, fitando-o nos olhos acizentados. — E estou contando com você para me perguntar por que.

— Tenho perguntas mais específicas — replicou ele. — Foi por causa do cheiro de esquilo morto que sai da boca dele? Ou porque ele só sabe falar sobre videogames e maneiras de matar alguém com uma bola de vôlei? Talvez seja porque ele cospe no chão a cada cinco segundos. Ou porque...

E foi então que Annie se lembrou do porquê de querer falar com Charlie. Sorriu.

— A coisa de cuspir no chão realmente me irritou.

Ele riu.

— Imaginei. Meu Deus, que inferno.

— Alguém viu a Princesa? Já vamos começar... — eles ouviram a voz de Gavril ao longe.

Annie mordeu o lábio.

— Tenho de ir.

Quando ela estava se afastando, Charlie a chamou:

— Ei! Annie!

Era a primeira vez que ele a chamava assim, ela percebeu. Soava natural.

Ele praticara no espelho. Não que ela precisasse saber.

— Sim?

— Boa sorte.

Ela franziu o cenho.

— Hum?

— Você parecia nervosa — ele sorriu. — Vai dar tudo certo. Mas boa sorte, mesmo assim. Sei o que isso tudo significa para você.

Ela assentiu.

— É, sei que sabe. Obrigada. Não diga nada de errado. 

— Vou dar meu máximo. Mas, sabe, é sempre uma possibilidade.

— Eu mandar você para casa também é sempre uma possibilidade.

Charlie fingiu estar ofendido.

— Há cinco segundos, você estava toda feliz e sorrindo, e agora está me ameaçando. É isso mesmo?

— Continuo feliz e sorrindo. Ameaçar você é divertido — ela sorriu. — Seria mais se você fosse menos confiante.

— Acredite, estou me cagando por dentro.

Ela não conseguia pensar em nenhuma outra pessoa no universo que diria isso na frente dela.

— Não diga isso em frente ao público. E principalmente não em frente a Lucius.

— Fazendo cocô?

— Charles.

— Quê?

— Cale a boca.

— Claro, Annabelle.

Annie suspirou.

— Você vai fazer isso se eu te chamar de Charles?

— Vou.

— Volte logo para o seu lugar — ordenou ela, sorrindo um pouco. Quando ele se afastou, ela completou: — Charlie.

Ele o fez. Logo o Jornal Oficial começou. Todos em Iléa o assistiam, sem exceção. Não era obrigatório, mas era idiotice não assistir. Principalmente com a Seleção acontecendo. 

Charlie imaginou o que estaria se passando na cabeça das pessoas. Se estavam animadas para conhecê-los, ou se queriam ter certeza de que Annie sabia o que estava fazendo. Escolher um Rei parecia ter muito mais peso do que escolher uma Princesa.

Pensou em quando ela estava no jardim, desolada e nervosa, sentindo-se despreparada e sozinha. Ele imaginou se os outros Selecionados entendiam que aquilo também era um sofrimento para ela. Provavelmente não.

Vendo aquela garota ruiva sorridente falando com Gavril Fadaye casualmente sobre a Seleção ao vivo, Charlie jamais pensaria nela como a garota que vira no jardim há dois dias. Mas ela não podia demonstrar fraqueza. Era uma das exigências de ser da família real.

Uma das exigências que mais assustava o garoto, para ser sincero.

— Eles são ótimos — Annie sorriu quando Gavril perguntou sobre os Selecionados. — Têm qualidades tão boas. E são todos muito diferentes, tenho certeza de que toda a Iléa vai se encantar com os rapazes.

— Gostaria de destacar algum, senhorita?

— Ainda não tive a chance de conversar direito com todos, para ser sincera. Mas tenho expectativas altas em alguns. E pelo o que acompanhei das pesquisas, o povo também.

— E o que essa noite significa para a senhorita, Alteza?

— Bem — ela abriu um sorriso culpado. — Pretendo aprender bastante sobre esses rapazes hoje.

— Ouviram isso? — o apresentador se virou para os Selecionados. — Não digam besteira.

Os rapazes pareciam tensos, mas Annie riu.

— Alguma última palavra antes de começarmos, Majestades? — ele se virou para o Rei e a Rainha.

— As coisas parecem estar indo bem, Gavril — disse a Rainha America. — Annabelle é muito madura e organizada.

— Vossa Alteza já desenvolveu preferências entre os Selecionados, Majestade?

O Rei Maxon quase caiu do trono com a pergunta.

— Nem pensar!

America riu.

— Não que eu saiba, Gavril.

Gavril voltou-se para o público.

— E assim fica a competição pelo coração da Princesa e o trono de Iléa no palácio, senhoras e senhores! Sem mais delongas, que comecemos as entrevistas! Vamos começar com ele, de casta Dois, o garoto com o sorriso que até eu queria levar para casa: Jasper Blakewood!

Jasper riu um pouco, à vontade, e se encaminhou até o pequeno trono onde o entrevistado deveria ficar.

— Bem-vindo, sr. Jasper.

— É uma honra estar aqui, Gavril.

— Acho que o que todos queremos saber — Gavril semicerrou os olhos, assumindo uma expressão séria. — é: Qual pasta de dente você usa?

Jasper riu mais um pouco, e o público riu também.

— Para ser sincero, não faço ideia. 

— É segredo de Estado, Gavril — comentou Annie. — Fórmula altamente sigilosa. Mas devo dizer que há pelo de unicórnio incluído no processo.

— Essa é a coisa mais badboy que ouço em dias — comentou o apresentador, irônico. — Mas não estamos aqui para falar do sorriso. Como tem sido no castelo, Jasper?

— Bem... É bastante diferente de casa, na verdade.

— Como foi o primeiro encontro com a Princesa?

— Meu Deus. Surreal. Fomos andar de cavalo. Andei devagar para ficar ao lado da moça, sabe.

— Se com isso você quer dizer que eu disparei na frente e você ficou fingindo que conseguia me alcançar, certamente — Annie sorriu.

— Eu deixei você ganhar. Sou um cavelheiro.

— Conta outra!

Gavril riu.

— E ela não deixa barato! E quanto aos outros Selecionados, Jasper?

— Temos nos dado bem! Podemos conviver. Não somos menininhas, não é mesmo?

— Certamente! Então os Selecionados são uma família feliz no tempo livre?

— Ah, não é para tanto... Mas devo dizer, aquela mesa de pebolim tem realmente nos aproximado.

— É o que você faz no tempo livre?

— Na verdade, sim.

— Mentiroso! — acusou Annie, sorrindo. Estava bem claro que achava tudo aquilo muito divertido. — Ele desenha muito bem. Você tem que ver, Gavril. Desenha mesmo.

Gavril se virou para Jasper.

— Parece que o senhor teve muito tempo para conversar com a Princesa, Jasper. Não perde tempo, não é mesmo?

— Conversamos três vezes, na verdade. E apenas brevemente. Mas Vossa Alteza é ótima, ela tem o dom de arrancar toda e qualquer informação de você em questão de minutos.

— A mais pura verdade. Conheço essa menina desde sempre, sei bem das façanhas dela. Bem, acho que falo em nome de toda a Iléa quando digo que foi um prazer conhecê-lo, sr. Jasper.

— O mesmo, Gavril!

Annie tentou prestar atenção em todas as entrevistas, mas às vezes se pegava olhando para os Selecionados sentados. Não queria parecer arrogante, mas Gavril sempre fazia as mesmas perguntas e as respostas eram sempre previsíveis.

Até que chegou a vez de Zack.

— Boa noite, sr. Zack.

— Boa noite, Gavril! 

— Como têm sido os últimos dias?

— Oh, grandes emoções. Como comer comida mexicana. O arder do tempero e ao mesmo tempo o sabor indiscritível.

— E você acaba de comparar a estadia no castelo com comida mexicana — observou Gavril. Depois se virou para a Princesa. — O que me diz, Alteza?

— Não estou surpresa. 

— Ela espera esse tipo de coisa vindo de mim — Zack sorriu.

Gavril riu.

— Poderia nos dar um breve relato de como é a Princesa Annabelle, sr. Zack?

— Oh, certamente. Ela é ruiva — ele fez uma pausa. 

— E...?

— Ah. Achei que isso explicasse tudo — ele riu sozinho e prosseguiu: — Bem. Ela é muito gentil e graciosa, e faz com que todo mundo se sinta um bando de babuínos tentando segurar um garfo. Sério. Vossa Alteza é sempre muito delicada e sua graça é nata. Ah, e ela gosta de filmes antigos e tem argumentos para qualquer coisa. Qualquer coisa. Isso me encanta e me assusta.

Annie riu. A maioria dos outros rapazes apenas ficou repetindo sobre ela ser maravilhosa e sobre ser uma honra casar-se com ela, mas nada parecia real. Zack dizendo que se sentia como um babuíno perto dela parecia real, e ela gostava de Zack. Ele era excêntrico e fazia piadas simplesmente para melhorar o humor das pessoas. Às vezes ela sentia falta de alguém assim no palácio.

Charlie estava tendo um ataque de pânico silenciosamente. O que faria? O que diria? O que não diria? Quem ele era? Quem ele deveria ser?

Jasper, Zack, Brad... Eles eram espontâneos. Naturalmente extrovertidos. Michael era tímido, mas era sempre gentil e havia algo na forma como ele falava que convencia você de que ele era alguém que valia ter por perto.

Mas Charlie... O que Charlie era? Era sincero, sempre. Mas não podia ser sincero ali. Não se não quisesse que os outros Selecionados soubessem que já havia passado algum tempo com a Princesa. Então... Bem, ele tinha sorte por Annie se encantar com pessoas de opinião forte. Mas duvidava que tal característica fosse positiva numa primeira impressão. Mas ele não queria soar falso. Sua honestidade o trouxera até ali. Ele não podia dar o braço a torcer.

Engoliu em seco quando Gavril chamou seu nome, mas tratou de encaminhar-se até o trono.

— Estamos quase no fim de uma grande noite, sr. Charlie.

— Nem me diga. 

— Como se sente?

Charlie passou a mão direita no cabelo.

— Surpreendentemente despreparado.

— Não se preocupe. Bem, o senhor era Quatro. Agora vive como Um. Quer contar a nós como está sendo a diferença?

— Meu Deus. Indiscritível. Se isso o que tenho comido é comida, não sei o que era aquilo que eu comia em casa. Os chuveiros são legais também. Gosto das criadas, elas são muito gentis e me suportam.

Gavril pareceu surpreso.

— O senhor costuma conversar com as serventes?

Charlie ficou com medo de ter dito algo errado. Seus olhos pousaram involuntariamente em Annie, que sorria como se aprovasse. A sensação foi embora e deu a ele coragem para continuar:

— Um pouco, antes do jantar. Elas sempre falam sobre como o meu cabelo fica bagunçado cinco minutos depois que elas o arrumam. Eu converso com elas sobre o dia a dia no castelo. Não tenho problemas com isso.

— Ah, eu achei que a coisa do cabelo era o tipo bagunçado-que-demora-horas-para-ficar-assim.

Charlie abriu um leve sorriso.

— Não exatamente.

— O que você fazia antes de vir para a Seleção?

— Trabalhava na loja de instrumentos musicais de meu pai. Tocava violão no tempo livre. Ainda toco violão no tempo livre.

— Ele toca violão o tempo todo — Annie corrigiu. — É muito bom. Posso ouvi-lo de meu quarto.

— Estou tentando ensinar a ela, sabia? — Charlie sorriu para Gavril.— Descobri que não é muito parecido com violino, então estamos tendo alguns problemas técnicos.

— Resumindo: você é um péssimo professor.

— Resumindo: você nunca aparece para as aulas.

— Isso é verdade. Mas estou mesmo com vontade de aprender violão. — ela se virou para Gavril. — Sabia que foi como o conheci? Eu estava indo para uma reunião e o encontrei tocando violão. Na verdade, fui até o jardim para dizer ao Selecionado que ele precisava de permissão para ficar no jardim, e que Lucius o mataria se o visse. Mas, Meu Deus, esse garoto estava tão concentrado e parecia tão feliz que eu simplesmente me sentei e fiquei ouvindo ele tocar. 

Annie não sabia exatamente como desandara a falar. Charlie parecia mais focado agora, de qualquer modo. Antes, seus olhos acizentados rondavam sem foco o estúdio enquanto Gavril fazia perguntas. Ela tinha certeza de que ele estava perdido em devaneios. Aprendera a identificar as expressões nos olhos dele. Inclusive sorrisos. 

Annie aprendera que algumas pessoas sorriam com os olhos. Isso a encantava.

— Tecnicamente — Charlie corrigiu. — Nos conhecemos no jantar do dia anterior, quando a senhorita me pediu o sal.

Ele subitamente se lembrara dos pronomes de tratamento. Meu Deus, como os odiava.

— Tecnicamente. Mas a minha história é muito mais divertida. 

Gavril apenas observava, esperando uma abertura para voltar às próprias perguntas. Annie tratou de calar a boca.

— No geral — Gavril fitou o rapaz. — Como está sendo a estadia no palácio?

— Definitivamente não como eu imaginei.

— Isso é bom?

— Ótimo. Afinal, estou convivendo com a Princesa Annabelle. Ela sabe como alegrar o dia de alguém. E eu sei como puxar o saco de alguém.

Annie apertou os lábios, contendo um sorriso. Era divertido pensar em Gavril chamando-a de Princesa Annabelle. Ele fazia soar como uma admiração, algo honroso.

Nos lábios de Charlie, tornava-se uma provocação. Uma piada interna ao ver dos dois. E ao ver do povo, simplesmente o modo certo de se chamar a Princesa de Iléa.

Mas ela não era a Princesa perto de Charlie. Era a Annie. Só a Annie. E às vezes se perguntava se ele entendia isso. Ela não sabia exatamente por que confiava nele. Mas confiava.

Provavelmente porque ele era honesto com ela. Às vezes Annie se perguntava se suas atitudes não eram uma péssima ideia, mas ela tinha uma conexão diferente com alguns Selecionados. Zack a fazia rir. Jasper a fazia esquecer do mundo. Com Michael ela tinha um outro jeito de dizer as coisas: por meio da poesia. E Charlie... Charlie a entendia.

E se as coisas continuassem assim, ela jamais conseguiria mandar alguém para casa. Precisava de todos ali. Mas não podia tê-los. Jamais poderia.

Charlie fitou Annie por um minuto. Os olhos dela rondavam o estúdio sem foco, e ele tinha certeza de que ela estava perdida em devaneios.


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