A Última Chance escrita por Gaby Molina


Capítulo 14
Capítulo 14 - Algo Mais




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— Annie! — Charlie gritava enquanto a princesa corria para uma parte afastada do jardim. — Annabelle Schreave!

Annie suspirou, cedendo, e sentou-se num banco. Charlie a abraçou sem pedir licença.

— Você ouviu tudo, não foi? — perguntou ela. Não soava irritada, apenas levemente desconfiada.

— Talvez. Eu estava pronto para dar um belo murro na cara daquele idiota caso a coisa piorasse.

— Você me deixaria pouca escolha depois disso.

— O prazer momentâneo valeria voltar para casa. Pelo menos, foi o que pensei na hora. Agora que a adrenalina baixou, não tenho mais certeza. De qualquer forma, você lidou com a situação.

— É o que princesas fazem. Elas lidam com a situação.

— Não. — ele sorriu, bagunçando levemente o cabelo dela. — É o que você faz.

Ela deu de ombros, rindo um pouco. Estava rindo, apesar de ter estado prestes a desabar há apenas alguns minutos.

Essa era a influência que Charlie tinha.

— Aquele cara é um completo imbecil — disse ele, cerrando os dentes. — Ele finalmente percebeu que qualquer cara aqui merece você mais do que ele merecia. E que ele teve a chance e a jogou no lixo. Bem feito.

— Charlie. Eu realmente aprecio o que está fazendo, mas você precisa voltar à visita. Lucius está de olho em você. Sabe disso, não sabe? Qualquer desconforto de Pierre e Augustine vai direto para o Conselho, e eles vão despejar tudo em mim. E eu não posso segurar tudo, sabia?

— Annie, eu não vou deixar você aqui.

— Droga, Charles, eu estou bem. Se não quer fazer isso para salvar a própria pele, faça isso por mim.

Annie deixou bem claro que ele não tinha escolha. Charlie bufou e foi até o salão, onde encontrou um Alexandre muito irritado e um Travis muito desesperado.

— Amendoins! Eu odeio amendoins! Non posso aceitar esso!

— Mas é o único presente que temos...

— Feito de amendoins! Ah, Iléa! Voccês non mudaron nada!

— Mas temos outro presente! — Charlie gritou, se colocando na linha de guerra. O que diabos estava fazendo?

Travis o encarou. Não, eles não tinham.

— Só um minuto — Charlie sorriu e correu até seu quarto. Alguma coisa deveria servir... Qualquer coisa...

Ele abriu uma gaveta aleatória e encontrou um relógio novo que viera junto com o monte de coisas que ele ganhara participando da Seleção. Era de prata. Deveria servir.

Travis estava parado próximo à escada. Charlie passou o relógio para ele sem que os franceses vissem.

— O que está fazendo? — Travis franziu o cenho.

— Dê isso a Alexandre. Não diga que fui eu.

— Por que está me ajudando?

— Por que eu não ajudaria?

Travis parecia muito inclinado a responder, mas se calou.

— Eu não vou contar à Princesa — prometeu Charlie.

O outro garoto ainda parecia atônito, mas assentiu e correu até os franceses.

Charlie estava procurando por Annie, mas estava começando a se dar conta de que não se podia encontrar a Princesa de Iléa: a Princesa de Iléa encontrava você.

E foi exatamente o que ela fez.

— O que você fez foi muito legal — disse uma voz conhecida atrás dele. Ele se virou e deparou-se com uma Annie muito sorridente.

— Não era para você ter visto aquilo. Como você viu aquilo?

— Eu estava no topo da escada.

— Eu não vi você. Droga. Eu prometi a Travis que...

— Não se preocupe. Mas tem uma coisa que você pode fazer para me compensar.

— O quê?

— Responder à pergunta que não quer calar. Por que você veio para a Seleção?

Charlie abriu a boca, e depois fechou. Suspirou. Passou a mão no cabelo. Suspirou novamente. E por fim disse:

— Vamos sentar.

Eles se sentaram num banco de pedra no jardim. Os olhos azuis de Annie o fitavam, inquisitores e curiosos.

— Não teve exatamente um motivo. Foram vários, acho. Uma sucessão de fatos.

— É, basicamente tudo na vida é uma bola de neve.

— Bem... Eu sou um Quatro. As coisas lá em casa não estavam nada bem. Não somos miseráveis, longe disso. Mas também não há exatamente uma fortuna lá em casa, e tudo o que temos é a loja de instrumentos musicais, que não é exatamente o negócio mais lucrativo. Não há garantia de que todo mês uma quantia certa de pessoas vai comprar uma quantia certa de violões. Mamãe fica em casa cuidando da minha irmã mais nova. Tenho uma irmã mais velha, a Susan, mas ela só conseguiu emprego em uma fazenda, e é basicamente a pessoa mais fresca do universo, então não está rendendo muito. Não vou mentir, Annie — ele evitou olhar para ela. — O dinheiro que a Seleção está mandando para casa está ajudando bastante.

Ele temeu que ela fosse se sentir usada, que começasse a pensar que tudo fora pelo dinheiro. Mas ela não disse nada. Apenas continuou fitando-o e pediu que continuasse.

— Então fui trabalhar. Eu sempre ajudara na loja, mas papai não tinha nenhum lucro me pagando, então tive que abandonar a loja. Arrumei um emprego numa fazenda. O inferno na terra. Meu Deus. Não há como descrever o quanto eu odiava aquele maldito trabalho. Fora que eu ficava trabalhando das cinco da manhã às sete da noite, então tive que deixar o violão de lado. E não estavam me pagando bem. Nada bem. E a verdade é que eu me cansei. Por um momento, olhei para aquela maldita plantação e pensei: A vida não pode ser só isso. Tem que ter mais alguma coisa. Tem que ter outro jeito de encarar a situação. Então recebi uma carta formal elegante. Pensei que seria uma mudança de cenário interessante. E também uma escapatória. Eu só planejava clarear a mente e voltar.

— Por quê?

— Porque a ideia de que eu pudesse me tornar rei... Mesmo a ideia de que eu pudesse sobreviver à primeira semana parecia absurda. Eu simplesmente estava me contentando com o mínimo que me era oferecido. É assim que as coisas funcionam lá fora.

— Sério?

Charlie se surpreendeu com a incredulidade dela.

— O que disse?

— Ninguém nunca pensa em... crescer na vida? Correr atrás de algo que queira? Sonhar? Existem pessoas que fazem essas coisas, não é?

— Claro. São chamadas de loucas, fora de contato com a realidade. Devo dizer que não é uma sensação agradável.

— Odeio isso. Cada um apenas desempenha sua função. Eu tinha esperança de que fosse diferente fora desses muros.

Charlie não sabia o que dizer. Nunca tinha pensado em Annie assim. Ela crescera fazendo o que tinha de fazer, assim como ele. Certo, com muito mais mordomias e um padrão de vida infinitamente superior, mas mesmo assim. Ninguém nunca lhe perguntara se ela queria ser princesa. Se queria toda a responsabilidade de governar um país. Se queria ter que escolher entre rapazes que pareciam "adequados" a ela.

Por um minuto, sentiu uma conexão. Era a última chance. De ambos. A última chance de fazerem algo por si mesmos.

— Sinto muito.

— Não quero me lamuriar. Sei que não tenho razões.

— Todo mundo tem razões.

— Bem, eu não tenho o suficiente. Olhe onde eu moro! — ela bufou, fazendo soar como uma maldição. — Não posso reclamar de nada. Tenho que aceitar que minha vida é perfeita e pronto.

Mas Charlie sabia que dentro dela havia um vazio que não podia ser preenchido por joias e roupas caras. Annie gritava no vácuo da própria existência.

— Estamos perdidos em gritos no vácuo de nossa própria existência — declarou ele, satisfeito.

Annie parecia tentar processar a ideia.

— Quem disse isso?

— Eu, oras.

— Suponho que vá me dizer o que significa?

— Depois. Vou terminar a história primeiro. Tentar preencher o meu vácuo. Bem, eu jamais acreditei que fosse encontrar alguém aqui que pudesse me oferecer a reflexão que eu queria. E, sinceramente, nunca sequer me passara pela cabeça que essa pessoa viria a ser a Princesa de Iléa. Sem ofensas.

— Não ofendeu. A riquinha mimada e cabeça de vento está acostumada.

— Mas você não é assim. Mimada e cabeça de vento, quero dizer. — disse ele. Ela ergueu uma sobrancelha. — Não me olhe assim! Você é riquinha! Quero dizer, "riquinha" é um belo eufemismo, mas...

— Certo, qual é o ponto?

— O ponto é que você vê as coisas, e procura compreendê-las. Procura estudá-las. Encontrar alternativas. Você não se conforma com a infelicidade, Annie — ele finalmente tomou coragem para encará-la. — E tudo o que eu fiz a minha vida inteira foi me conformar. O jeito que você enxerga o mundo... Meu Deus, é louco.

— Assim como as pessoas que sonham são loucas?

— Exatamente. Nesse caso, você é completamente insana.

— Muito obrigada.

— Não há de quê. Você é a Princesa, mas mesmo assim luta por algo que é maior que você. Algo que sempre foi maior que você. Esse país, e cada pessoa que vive nele. Porque você se importa. Sei que se importa. E então me mostrou o verdadeiro sacrifício: o sacrifício por uma causa. E a percepção de que, só porque alguma coisa é maior que você, não quer dizer que você não possa fazer algo para mudá-la.

Annie abriu um grande sorriso.

— Você falou como um verdadeiro rei.

— Sou só um fazendeiro da Quarta Casta.

— Você sabe que isso não é verdade. Além do mais, você não é um fazendeiro. É um músico.

— Bem, não posso ser. Os Cinco são os artistas.

— Você ainda não respondeu à pergunta. Por que está aqui?

— Neste momento?

— Neste exato momento.

— Porque eu gostaria muito de entender melhor como essa cabeça ruiva funciona. Se a senhorita permitir.

— Acho que temos um consenso aqui.

— De quê?

— Você precisa ficar aqui. E eu preciso de você aqui.

— Então não vou para casa depois disso?

Annie abriu um sorriso cúmplice.

— Por algum momento achou que fosse?

— Na verdade, não.

— Você está ficando muito confiante, sabia disso? — ela o encarou. Depois riu. — Bem, eu reveria totalmente meus conceitos sobre você se descobrisse que acha que eu te dispensaria agora.

Charlie sorriu.

— Sabe o quê? Nós deveríamos caminhar.

— Para onde?

— Não sei. Até nossas pernas ficarem cansadas ou até que o sol se ponha. O que vier primeiro.

Ele a puxou pela mão e eles começaram a andar em direção à parte principal do jardim.

— Jamie deve estar aí — lembrou ela.

— E daí? Depois de tudo o que você disse, tenho certeza de que ele entendeu o recado. Além do mais, eu adoraria ver a expressão de sofrimento naqueles olhos azuis franceses idiotas.

— Uma natureza tão sádica por baixo de olhos cinzentos tão puros.

— Não sou sádico. Exceto no que diz respeito a Jamie Beaumont.

— Justo. Mas o que espera que eu faça em relação a... — ela apontou discretamente para Jamie, que estava parado perto da mesa de bebidas, tomando um copo de vinho numa taça de cristal. Seus olhos estavam fixos nela.

— Eu acho que nós deveríamos dançar.

Annie se surpreendeu com o convite, mas sorriu. Uma música lenta e leve estava tocando, e ela percebeu que Pierre e Augustine dançavam ali perto.

A garota colocou os braços em volta do pescoço de Charlie, e este segurou sua cintura.

Não era como se Charlie fosse o melhor dançarino do mundo. Ela não esperava que fosse. Eles balançavam um pouco no ritmo da música. Ela ainda sentia o olhar de Jamie em si.

Annie suspirou e afundou a cabeça no peito de Charlie. A sensação incrivelmente protetora e confortável a invadiu novamente.

— Eu só queria que houvesse um jeito de fazê-lo sentir o quão doloroso é. Que ele pensasse duas vezes antes de tratar uma garota assim: descartável, porém reutilizável.

— Bem, há um jeito. Posso te ajudar.

Ela olhou para cima, fitando-o com os olhos carregados de confusão.

Chalie fitou-a de volta, pensando mais uma vez no que estava fazendo. "Por favor, não me mate", pensou.

E então se inclinou e a beijou nos lábios.

Por um instante, ela ficou tão surpresa que nem reagiu. Um milhão de perguntas turbilhavam em sua cabeça. Ela queria beijá-lo? O que faria depois? Por que o faria?

Talvez tivesse tido um impulso ou uma conclusão, respondendo a todas as perguntas e a nenhuma. "Que se dane", pensou e o beijou de volta.

Annie não saberia dizer quanto tempo durou. Sabia que os lábios de Charlie eram gentis e moviam-se devagar, como se nada mais no mundo importasse. Não importava. Eles se separaram só porque Annie não conseguia parar de sorrir.

Charlie fitou-a com os olhos acizentados diferentes de tudo naquele jardim. Passou a mão direita pelo cabelo (ainda mais) bagunçado, mas não soltou a moça.

Ela riu.

— O que foi? — ele franziu o cenho, intrigado.

— Eu nunca havia imaginado como você ficaria de batom.

"Com o MEU batom", ela poderia ter dito, mas não o fez. Censurou-se mentalmente por fazer um comentário tão banal, mas Charlie sorriu.

— Nem eu. Acha que eu deveria investir no visual?

— Com certeza.

— Nosso querido amigo francês sumiu. Mas ele assistiu tudo. Eu vi quando ele saiu daqui.

Annie havia se esquecido completamente de Jamie.

— Você deveria realmente se arrumar antes que alguém te veja.

— O mesmo vale para você, sabia? — ele sorriu.

Os grampos do cabelo dela haviam se soltado, mas ainda estavam perdidos em meio ao emaranhado ruivo. O resto de batom que não acabara no rosto de Charlie estava espalhado pelo rosto dela.

Ainda estava linda. Não exatamente o tipo princesesco de beleza, mas Charlie tendia a ignorar totalmente o fato de estar diante da futura rainha de Iléa.

— Acho que está certo.

— Sempre estou certo.

— Odeio isso em você.

— Os que queimam de ódio são capazes de amar com a mesma intensidade.

— Que jeito bonito de se pensar.

— Tenho meus momentos.

— Definitivamente. Já volto.

Annie levantou a barra do vestido e correu para o próprio quarto. Trombou com alguém no caminho.

Zack.

— O que aconteceu com a senhorita? — ele abriu um leve sorriso acusador. — Deixe-me adivinhar! Brigou com um urso pardo ou foi sequestrada por um unicórnio?

— Na verdade, fui sequestrada por um urso pardo.

— Era minha terceira opção.

E, simples assim, ele a deixou ir. Não fez mais perguntas, por mais que parecesse ansiar desesperadamente por respostas.

Infelizmente, suas criadas não eram tão fáceis de contornar.

— Alteza, o que aconteceu com a senhorita?! — Ruth arregalou os olhos.

— Hã... Vou lavar o rosto.


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