Olhos de Vidro escrita por Yukari-chan


Capítulo 1
Kai's Point of View


Notas iniciais do capítulo

As partes em itálico são o passado, as normais são o presente. Ele vai intercalar as duas sem aviso prévio, então fiquem ligados.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/38633/chapter/1

 

Se algum dia eu renascer

Vamos nos ver de novo.

(the GazettE)

 

 

Eu sentia o sangue se esvaindo de meu peito em uma velocidade absurda. Era quente. Mas não tão quente quanto o abraço da mulher que me segurava, grossas torrentes de lágrimas escorriam pelos seus olhos de vidro. Um mosaico vitral perfeito. Várias tonalidades de verde formando uma coisa indescritível. Único, assim como ela.

 

Eu sentia meu coração batendo lentamente, ele estava contando suas últimas batidas, teimando em continuar vivo, ele também queria olhá-la nem que por mais um único instante. Minha respiração era lenta, dolorida, o ar entrava queimando em minhas veias, era como inspirar fogo. Mas eu conseguia sentir leves traços do seu perfume quando inspirava, tinha um cheiro mais forte que o odor férreo que meu sangue exalava enquanto preenchia a sala. Eu adorava aquele cheiro.

 

E assim eu me peguei em uma sala iluminada e colorida, os mesmos olhos verdes vítreos me olhavam. Mas agora eles pertenciam a uma linda garotinha de sorriso angelical.

 

-Nee Nii-chan! Pega o azul! – ela me disse sorridente, e eu larguei o brinquedo amarelo em minhas mãos e corri para pegar o azul que ela me apontava.

 

O sorriso enorme de covinhas se formava em meu rosto toda vez que olhava para aquela menininha. E era um carinho fraternal, infantil, puro que batia em meu peito.

 

E foi quando eu comecei a protegê-la. Nessa época eu afugentava os insetos e lhe dava beijos nos machucados sempre que ela caía.

 

Estiquei minhas mãos em direção ao seu lindo rosto, gastava assim todas as forças que me restavam. Sua pele quente e macia fazendo contraste com meus dedos frios. E eu não conseguia me sentir triste. Só conseguia temer o futuro, quem a protegeria agora?

 

Eu não achava que precisava explicar a ela minhas razões, parecia que era a coisa mais óbvia do mundo a se fazer. Mas seus olhos me indagavam as razões que eu havia achado desnecessárias.

 

Era tão incrivelmente simples. No final das contas, ela o amava. A ele, não a mim. Nunca a mim. Eu sempre seria o Nii-chan, o Kai-kun, o melhor amigo, o ombro onde ela poderia chorar, o lugar onde ela poderia extravasar a raiva e as mágoas. Eu nunca pude ser o amor, o marido, o companheiro. Não importa o quanto ela chorasse por mim, porque se essas mesmas lágrimas fossem por ele iriam doer muito mais. Ela se arrependeria no momento em que puxasse aquele gatilho, mas então seria tarde demais.

 

E tinha uma coisa que eu não suportava naquele mundo. Mais do que vê-la em outros braços, mais que qualquer outra dor. Eu não suportava vê-la chorar. Eu preferia mil vezes a morte. E eu sabia que independente do desfecho daquela história ela iria chorar muito. Talvez eu estivesse sendo egoísta em querer ir para não sofrer mais quando ela chorasse. Mas aquilo também poderia dar uma chance a ela, quem sabe um dia ela não conseguisse finalmente sorrir novamente?

 

Peguei a arma que ela segurava entre meus dedos e disparei o gatilho, sabendo que não haviam mais balas. Ela ficaria bem.

 

E numa noite estrelada os olhos de vidro me observavam, tristes, enquanto andávamos pela praia deserta. De tantas noites, aquela seria a última. A última noite, a última chance. Ela iria embora. Levaria o seu sorriso para longe de mim, aquele sorriso que era a única força que mantinha meus pés no chão.

-Kai-kun, você vai sentir minha falta?

 

Naquele momento me faltaram palavras para lhe dizer o quanto. Eu apenas a olhava enquanto as palavras sufocavam até a morte, presas em minha garganta. E ela me lançou um sorriso triste.

 

-Eu ficaria, se você me pedisse nii-chan. Apenas por você.

 

Como eu poderia pedir aquilo a ela? Porque se ela ficasse, seria pelo kai-nii e não pelo Kai que a amava com todas as suas forças. Eu não conseguia mais olhá-la com os olhos de criança, de um amor fraternal, e bem sabia que ela jamais conseguiria me olhar de outra forma.

 

E assim eu apenas fiquei calado enquanto ela saia de minha vida.

 

A partir daquele dia eu nunca mais guardei nenhum sentimento, nem sufoquei nenhuma palavra. Era tido como rude e incessível. Mas eu simplesmente não conseguia guardar mais nada. As coisas simplesmente saiam de minha boca, sem dó ou remorso. Todo o espaço que eu tinha para aquilo era ocupado pela grande verdade de minha vida, a única que eu jamais pude contar.

 

E foi assim, sentindo suas lágrimas doloridas caírem sobre minha face que eu lhe revelei tudo que não consegui dizer aquela noite. Meu peito de repente ficou leve, não havia mais nenhum peso me prendendo ali. A única coisa que ainda me fazia meu coração bater cada vez mais fraco, mas ainda assim bater, era aquele amor absurdo e eternamente unilateral que eu carregava.

 

-Kai-kun! Eu tenho algo para lhe contar! Eu estou apaixonada.

 

Nesse momento tudo mais no mundo me pareceu parar. Eu havia escutado direito? Naquele momento eu quase poderia flutuar. Ela havia voltado tão repentinamente para a minha vida depois de anos e simplesmente me dizia as palavras que eu achei que jamais fosse escutar? Não podia ser verdade. E não era.

 

- Você o conhece Kai-kun! Me disseram que vocês são melhores amigos. Ele trabalha na empresa com você!

 

E foi assim que meu sonho de segundos desmoronou da pior forma possível. Meu melhor amigo e a pessoa que eu mais amava nesse mundo. E eu sabia de todas as complicações daquilo, a começar pelo namorado dele. Mas e se eu dissesse a verdade a Miharu? O quanto ela iria chorar ou negar? E além de tudo eu sabia que não iria mudar sua resignação. Melhor que a deixasse ver por si mesma como aquilo não daria certo.

 

Mas deu. Não no quesito sentimento ou felicidade, mas eles estavam casados, e não importava o quão distante e frio ele fosse, ela estava radiante apenas por tê-lo.

 

O que eu poderia fazer?

 

Eu sentia seu aperto ficar mais forte ao redor do meu corpo a medida que a minha consciência me deixava, que a vida me deixava. Pela primeira vez as lágrimas dela eram minhas e era ela quem me abraçava. E era irônico pensar naquilo.

 

Pelo menos no final, ela pôde entender meus sentimentos, me abraçar e derramar seu pranto por mim. Era egoísta mas eu me sentia realizado, eu não me importava de morrer por aquilo.

 

Eu só esperava que ela compreendesse meus motivos. Eu queria que ela seguisse adiante. Sem o peso da morte de Uruha e sabendo que outras pessoas poderiam amá-la. Queria que ela fosse adiante e voltasse a sorrir, voltasse a ser a menininha do quarto colorido, tão alegre e sem preocupações.

 

Eu só queria que ela fosse feliz.

 

Eu senti seus braços mais uma vez, logo antes de meu último suspiro deixar meu corpo. Eu não me arrependia de nada afinal. A minha vida fora plena, pois ela sempre esteve lá. Não havia mais dor. A última coisa que eu vi, e que ficaria para sempre comigo, não importando quantas vezes eu morresse e reencarnasse, fosse para o céu ou para o inferno, foram aqueles olhos perfeitos de vidro.

 

~~~*~~~*~~~*

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Foi muito difícil para mim escrever essa fic. Eu nunca escrevo nada hetero. Mas eu achei que é algo que o Kai merecia.
E postando essa side eu encerro oficialmente com a fic "Falta". Eu sei que me atrasei pra postar essa side, mas eu queria retratar direito esse personagem que eu amei tanto tanto e que infelizmente teve esse fim. Pois é. Muito obrigada a todos que leram tanto essa side quanto a longfic.
Agradeço se deixarem reviews!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olhos de Vidro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.