Além das lembranças. escrita por Amanda Rodrigues


Capítulo 9
Capítulo VII - Ameaça branca


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores. Sim, não é ilusão. A fanfiction "Além das lembranças" está sendo atualizada. Explicação: estou reescrevendo essa história. Por isso, MUITA coisa foi alterada. Se você é um leitor antigo é provável que fique confuso ou até mesmo que não entenda a história. Portanto, recomendo ler os primeiros capítulos novamente.

Espero que gostem das mudanças, caso existe algum leitor antigo por aí! ♥



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Dois dias se passaram e eu segui rigorosamente a recomendação daqueles que zelavam pelo meu bem-estar. Não saí do quarto. Não fiz nenhum esforço. Fui um verdadeiro exemplo de obediência. Nesse meio-tempo, recuperei o vigor e já não sentia meu corpo doer ao executar um simples movimento. 

Não recebi mais nenhuma visita de Sesshoumaru e, por vezes, me perguntava o que ele estava fazendo. Estaria procurando aliados para a invasão? 

Em sua última visita, o Dai-youkai disse que mandaria um servo trazer para mim o presente de Daisuke e ele cumpriu com a sua palavra. Minutos após a saída de Sesshoumaru, um servo entrou em meus aposentos e pôs em minhas mãos um pequeno baú. Em seguida, fez uma mensura e partiu, dando-me privacidade. 

Quando abri o objeto, observei que existia algo embrulhado em um lenço roxo. Ao retirar cuidadosamente o lenço, me deparei com um belo Kanzashi

Muitas das jovens youkais que estavam presentes na celebração de Sesshoumaru possuíam os cabelos enfeitados com esse adorno. Era muito comum que senhoras ricas o usassem como joia. 

Ao longo da minha vida na aldeia, jamais imaginei que um dia teria um Kanzashi. Ainda mais um tão luxuoso. Analisei o adorno e percebi que ele era delicadamente decorado com bambu, pinheiro, grou, ouro, prata e corais. Era uma joia digna de uma imperatriz.

Agradeci mentalmente a Daisuke pelo presente e desejei vê-lo em breve. 

No decorrer dos dois dias que se seguiram, me ocupei como pude. Fiz alguns remendos, recebi alguns servos em meu quarto e tentei administrar a limpeza do palácio à distância. Além dessas ocupações, minha mente se manteve focada em responder uma questão: quem era aquela criatura que foi ao meu quarto na noite do ritual?

Mas era como andar em círculos. Eu não tinha nenhuma pista. Nada. No meu ponto de vista, não fazia sentido. O que essa criatura ganharia provocando-me a interferir no ritual? 

Até que comecei a pensar sobre as palavras nefastas da Grande Bruxa, as quais foram pronunciadas no dia da celebração.

"E vejo a humana de pé ao lado de uma raposa espectral. Diante dela está Eiji Izumisawa, daimyo dos Youkais do Norte. A humana está usando um colar com uma pedra de Gisho."

Por que eu estaria na companhia do espírito de uma raposa? E o que era uma pedra de Gisho? Durante a semana em que sofri com as febres, surgiu em meu sonho a figura de uma raposa branca magnificamente empoleirada nos pilares vermelhos de um templo. Assim que me recordei desse fato, um pânico primitivo inundou o meu cérebro.

Será que a raposa mencionada pela bruxa era a mesma que surgiu em meus sonhos? Será que o espírito deste youkai estava tentando estabelecer contato comigo? E mais: será que ele estava interferindo no Mundo dos Vivos?

Era a explicação mais provável. Aliás, era a única que fazia sentido. Desejei conversar com Vovó Kaede. Ela saberia me esclarecer essas dúvidas. 

De repente, lembrei da Grande Bruxa. Sendo ela uma conhecedora da magia, poderia fazer um feitiço para que eu pudesse me comunicar com Vovó Kaede. Além do mais, ela poderia me tirar algumas dúvidas a respeito da visão, como, por exemplo, o que era uma pedra de Gisho e qual a sua utilidade.

Como eu já me sentia mais forte, decidi procurar a Grande Bruxa. 

Levantei-me do futon e, instantaneamente, Yuriko me perguntou onde eu estava indo.

— Vou até a Grande Bruxa. Tenho um assunto para tratar com ela — respondi.

A serva entrou em desespero.

— Ma-mas senhorita. Você deve continuar descansando. O senhor ordenou que... 

— Já descansei o suficiente, Yuriko — disse, interrompendo-a. — Senhor Sesshoumaru não espera que eu fique o inverno inteiro deitada neste futon, certo? Estou me sentindo bem melhor hoje. 

Yuriko assentiu, temerosa. 

— Deseja que eu a acompanhe?

— Não será necessário. Apenas me informe onde eu posso encontrar a Grande Bruxa — pedi, colocando ao redor de meus ombros um manto grosso. Estava frio. 

Quando Yuriko me disse onde eu poderia encontrar a bruxa, deixei o cômodo e segui para os aposentos da youkai. À medida que caminhava pelos corredores, os servos me cumprimentavam com uma mensura respeitosa. 

Em determinado momento, eu os ouvi cochichar "ela foi escolhida", o que me deixou confusa. Do que eles estavam falando?

Assim que fiquei diante dos aposentos da Grande Bruxa, uma das servas abriu para mim a porta e anunciou minha entrada. 

No instante em que pus os pés no cômodo, fiquei diante da bruxa e Arina que estavam sentadas em frente ao fogo. Quando a youkai de cabelos prateados me fitou, ela se dirigiu até mim com um semblante frio e insatisfeito. 

Sorri e fiz uma mensura. 

— Senhora Arina. É um prazer revê-la — falei suavemente. Em seguida, fiz uma reverência para a youkai envelhecida, cumprimentando-a. — Grande Bruxa.

— O que está fazendo aqui? — perguntou Arina, lançando-me um olhar mortal.

— Gostaria de ter uma conversa com a Grande Bruxa.

— Diga o que quer e então saia — disparou a mãe de Sesshoumaru.

— Perdoe-me, senhora, mas eu disse que gostaria de falar com a Grande Bruxa e desejo fazer isso em particular — disse com um sorriso afável no rosto. — Então, se puder nos dar licença...

Arina soltou o ar pelo nariz com força e praguejou baixinho. Esperei que ela fosse fazer algum comentário mordaz, porém a youkai passou por mim e deixou o cômodo, fechando a porta num baque. 

No instante em que Arina saiu, uma quietude desconfortável se instalou. O único som que era possível ouvir era o do crepitar do fogo. Mas logo uma voz arrastada ecoou, quebrando o silêncio:

— Aproxime-se, Rin. Sente-se comigo perto do fogo.

E eu fiz como ela pediu. Quando atingi uma considerável aproximação da anciã, ela sorriu para mim.

— Lamento não poder me levantar para cumprimentá-la. O inverno é uma estação impiedosa. Meus velhos ossos doem horrivelmente — desculpou-se a bruxa.

Eu balancei a cabeça e disse que não tinha importância.

— Você se recuperou bem — observou a Grande Bruxa, varrendo-me com o olhar.

— Sim, senhora.

— Por favor, sente-se. Há lugar suficiente para nós duas. Deseja chá? — ofereceu-me.

Meneei a cabeça enquanto me sentava entre as almofadas de seda.

—  Não, obrigada. Passei a última semana tomando chás. Agora que estou recuperada prefiro evitá-los por um tempo.

youkai assentiu com um sorriso compreensivo nos lábios.

— Sendo assim, vou direto ao ponto: o que deseja conversar comigo? — questionou.

— É sobre a visão. Na noite do ritual, a senhora disse que me viu usando um colar com uma pedra de Gisho. Para que serve essa pedra?

— É uma pedra mágica. Geralmente utilizada para se comunicar com os mortos — respondeu a Grande Bruxa bebericando uma xícara de chá.

— Isso tem alguma ligação com o espírito da raposa que a senhora viu ao meu lado?

A anciã refletiu em silêncio por alguns segundos.

— Talvez — disse, por fim. — É difícil afirmar. Os deuses me enviam a visão e eu apenas relato o que vejo. O sentido não me é revelado. Mas é possível que a pedra tenha alguma relação com a raposa. Você já viu essa criatura antes?

"Vi em meus sonhos", pensei. Mas não disse nada. Eu não confiava na bruxa, pois ela era muito próxima de Arina.

— Não — menti.

— Compreendo — murmurou a youkai e eu não tive certeza se ela realmente acreditou em mim. 

— Naquela noite a senhora chamou os Youkais do Norte de seguidores de Dahlia. Quem é ela? — quis saber.

— Uma sacerdotisa. Uma das mais poderosas que já existiu. Ela era a antiga líder de seu povo.

— Ela liderava os Youkais do Norte antes de Eiji Izumisawa, certo? 

youkai assentiu.

— Ele assumiu o controle dos Youkais do Norte após a morte da grã-sacerdotisa Dahlia — explicou a bruxa. — Ouvi dizer que você foi criada por uma sacerdotisa numa aldeia humana. Diga-me, criança, já ouviu falar em Rukanma?

— Não.

— É uma magia antiga e poderosa. Dizem que ela foi um presente dos deuses aos mortais — disse a youkai. — Dahlia dominava a Rukanma e, por isso, era a autoridade máxima no Norte. As raposas a adoravam como uma deusa.

— O que exatamente faz a Rukanma? — perguntei.

— Muitas coisas. Pode-se criar ilusões, comunicar-se mentalmente com outra pessoa e... Bem, ouvi dizer que se pode voltar no tempo. Mas talvez isso seja apenas boatos. Nunca pude confirmá-los. 

— Se Dahlia era tão poderosa, o que a matou? — questionei.

— Não foi o quê e sim quem.

— Quem então?

— Inu No Taisho — respondeu a Grande Bruxa.

Meus olhos se arregalaram devido a surpresa.

— O quê? Por que ele faria isso?

— A rivalidade entre o clã Taisho e o clã dos kitsunes do Norte existe há séculos — elucidou a youkai encarando o fogo. —  Mas tudo mudou quando Inu No Taisho desejou aprender a Rukanma. Ele passou por cima do seu orgulho e foi até Dahlia. Quando ficou diante da sacerdotisa, manifestou o interesse em aprender a magia. Se ela o ensinasse, ele iria pôr um fim na rivalidade entre os clãs. Os Inu-Daiyoukais e os kitsunes do Norte seriam como irmãos. Mas Dahlia o rejeitou, pois viu maldade no coração dele. A Rukanma é uma magia poderosa e só aqueles que têm o coração puro é que podem aprender. Após a recusa, Inu No Taisho sentiu que o seu orgulho foi ferido e jurou que iria destruir Dahlia e o seu povo. Um conflito se iniciou por conta desse juramento e, no final dele, o Grande Cão matou a sacerdotisa, provocando uma guerra que dura até hoje.

Minha mente girava em virtude daquelas informações.

— Então Sesshoumaru está pagando pelos erros do pai? 

A Grande Bruxa meneou a cabeça.

— Sesshoumaru participou da guerra contra Dahlia quando jovem — disse ela. — É por isso que as raposas o odeiam. Eiji Izumisawa é pai de Dahlia. Até hoje ele deseja vingar a morte de sua filha e acha que conseguirá isso matando o filho de Inu No Taisho.

— Então, na sua visão Eiji realmente obtém o que quer. Ele mata Sesshoumaru. Existe alguma forma de evitar que o futuro se concretize? — indaguei.

— No ritual, Sesshoumaru jurou proteger esta terra. Talvez, por isso os deuses tenham me enviado esta visão. Talvez, eles queiram que nós encontremos um modo de evitar que a catástrofe aconteça.

— Isso é possível? 

— O futuro não é algo estático — explicou a Grande Bruxa. — Ele está em constante mudança. Cada decisão que tomamos altera alguma coisa. Talvez, seja possível evitar que Sesshoumaru morra pelas mãos de Eiji.

— Mas como?

— Isso eu não sei, criança — lamentou a youkai. — Mas algo me diz que você terá um papel importante no conflito que acontecerá. Talvez tenha sido por isso que os deuses me mostraram você.

Segurei as mãos enrugadas dela.

— Obrigada, senhora — disse com sinceridade, fitando-a diretamente nos olhos. — Obrigada por me dar essas informações.

Ela esboçou um pequeno sorriso.

— Chame-me de Yasu. Este é o meu nome — pediu a bruxa.

— Senhora Yasu, gostaria de lhe fazer um pedido.

— Diga.

— Preciso falar com a sacerdotisa que cuidou de mim e sei que a senhora pode me ajudar nisso. Preciso que faça um feitiço para mim.

A velha assentiu e empertigou-se. 

— Muito bem. Farei o que me pede. Trata-se de um feitiço simples. Mas ele só pode ser feito no início da manhã e, quando vier ao meu quarto, certifique-se de não falar com ninguém.

Sorri. 

— Certo. Obrigada, senhora.

Assim que me retirei dos aposentos da bruxa comecei a considerar a hipótese de que a raposa que vi em meus sonhos era mesmo Dahlia. Isso explicava o fato de que as escadarias me levaram a um templo.

Se essa hipótese estiver correta isso significava que a grã-sacerdotisa dos Youkais do Norte queria se comunicar comigo? Por quê? 

"Para saber o motivo eu teria que ter a pedra de Gisho. Segundo Yasu, ela permite que os vivos se comuniquem com os mortos", pensei enquanto caminhava de volta para o meu quarto.

De repente, senti um calafrio e me encolhi em meu manto. Dahlia. O que ela pode querer comigo?

Para o meu desprazer, acabei me encontrando com Arina no corredor. Ela estava observando a paisagem branca do jardim real. Ela não se deu o trabalho de olhar para mim. 

O meu plano era passar pela youkai sem nem mesmo cumprimentá-la, pois sabia muito bem que ela me desprezava. Eu estava fazendo isso quando a ouvi dizer:

— Você deve está feliz. Finalmente conseguiu o que queria — Arina proferiu essas palavras sem desviar o olhar do jardim.

Girei a cabeça para trás, confrontando-a.

— Perdão?

youkai me lançou um olhar duro e impassível.

— O meu filho — explicou Arina, fria como a neve. — Ele está nas suas mãos agora. Não terá outra escolha a não ser casar com você.

— Senhora, ele não vai se casar comigo. Mesmo que tenha me escolhido no ritual — argumentei. — Senhor Sesshoumaru precisa de uma esposa que esteja à altura de sua posição e ele vai buscar isso, pois uma guerra está para acontecer.

Ela sorriu, amarga.

— Ah, não. Ele não vai. É com você que ele irá se casar, para a minha infelicidade.

— Eu não entendo. Acha que pode forçar nós dois a nos casarmos? — questionei, indignada. — O fato de Sesshoumaru ter me escolhido não impede que ele ignore o que fez e se case com uma youkai. Não existe nada que o obrigue a se casar comigo. Ele o fará se quiser.

Arina aproximou-se de mim calmamente.

— Você é mesmo tola. Acha que é simples assim? Os deuses foram invocados naquela noite. Eles estavam presentes. Eles testemunharam a escolha ignóbil de Sesshoumaru e você ainda apareceu na visão — falou ela, encarando-me com desprezo. — Não compreende que se a tradição não for cumprida meu filho terá que arcar com a fúria dos deuses? Se isso acontecer, humana, será o fim de Sesshoumaru. Nada poderá salvá-lo da morte.

Senti o meu rosto enrubescer.

— Isso significa então que eu e Sesshoumaru...

— Sesshoumaru é um youkai poderoso, mas não é páreo para os deuses — interrompeu a youkai de cabelos prateados. — Portanto, ele precisa honrar a tradição e se casar com você. E se você sente algum apreço pelo meu filho deve aceitar. Essas são as consequências de sua interferência ridícula. Mas acho que já sabia disso.

Ao concluir sua fala, Arina afastou-se, deixando-me sozinha no corredor. Minhas mãos estavam frias devido ao nervosismo e meu coração batia depressa. Por um momento, fechei os olhos e busquei equilíbrio na parede. 

Deuses! E agora? O que eu faço?

Sesshoumaru possuía uma bela aparência e isso estava começando a... Me afetar. Eu já não sabia quais eram os meus sentimentos por ele. Certamente, um casamento com ele me beneficiaria. Eu alcançaria uma boa posição social e ainda teria um bom marido ao meu lado (não tinha dúvidas de que ele seria bom para mim). 

Contudo, Sesshoumaru só tinha a perder com esse arranjo. Eu não tinha nada a oferecê-lo. Nenhuma riqueza. Nenhum aliado poderoso. Nada. Como um conflito estava prestes a acontecer, isso seria um problema.

Entretanto, se ele não se casasse comigo seria ainda pior. Os deuses iriam considerar a atitude dele como um desrespeito. Talvez, até como um desafio. Por conta disso, as divindades jamais ficariam do lado de Sesshoumaru na guerra que se aproximava. 

Arina estava certa. Sesshoumaru e eu tínhamos que casar. 

* * *

Na solidão do meu quarto, refleti muito sobre a situação em que me encontrava. Como desejei poder conversar com um dos meus amigos da aldeia! Mas, não havia ninguém. 

Quando já era noite, decidi deixar o cômodo e conversar seriamente com Sesshoumaru. Em nosso último encontro, ele disse que tinha um assunto para discutir comigo. Sem dúvidas, era sobre o matrimônio. 

Ele estava disposto a aceitar? Bem, depois muito pensar cheguei a conclusão de que eu estava. 

Arrumei os cabelos e vesti um dos meus kimonos mais decentes. Depois, saí dos meus aposentos. 

Durante os anos em que morei na aldeia, pude acompanhar de perto o casamento dos meus queridos amigos. InuYasha e Miroku eram completamente apaixonados pelas suas esposas. Sempre admirei isso. Por conta dessa admiração, criei expectativas muito altas em relação ao casamento. 

Sempre que flagrava o olhar de devoção de Miroku para Sango eu pensava que gostaria de ter isso para mim. Um casamento por amor. Esse sempre foi o meu desejo e agora ali estava eu, andando pelos corredores do palácio para dizer que aceitava me casar com Sesshoumaru, pois ele precisava disso para manter-se vivo. Ele não me amava e eu nem sequer sabia o que sentia por ele. Certamente, não seria um casamento por amor e sim, por necessidade. 

Sim, Sesshoumaru seria um excelente marido. Ao lado dele, eu teria uma vida confortável e segura. Mas será que existiria paixão? Será que, algum dia, ele poderia sentir por mim o mesmo desejo que um homem sente por uma mulher? Ou será que seríamos duas criaturas obrigadas a viverem juntas? Eu não queria algo assim nem para mim, nem para Sesshoumaru. Porém, não tínhamos escolha. 

Quando fiquei diante da porta do salão de guerra, suspirei. Minhas mãos tremiam. Deuses, eu iria naquele instante dizer a um homem que gostaria de me casar com ele! Só de pensar nisso minhas bochechas coravam.

Ouvi sons de lâminas se chocando e, segundos depois, ouvi a voz de Katso. Decerto, Sesshoumaru e o seu parente estavam treinando no salão. Eles faziam muito isso ultimamente para escapar do tédio do inverno. 

Por educação, bati na porta e esperei alguns instantes. Como eu imaginava, não houve resposta. Eles estavam concentrados na luta e não iriam desviar a atenção. Por isso, tomei a liberdade de entrar no recinto.

Ao fazê-lo, deparei-me com Sesshoumaru e Katso duelando. O cômodo estava aquecido por causa do fogo e cheirava a suor masculino. Assim que pousei o olhar nas duas figuras, avistei Katso desferir agilmente um violento golpe de espada em direção à cabeça de Sesshoumaru. 

Ele esperava que minha entrada distraísse o Dai-youkai e, de fato, isso aconteceu. Mas Sesshoumaru conseguiu conter o golpe com a lâmina de sua espada. O tinir do aço ecoou no cômodo.

Os dois mediram força. Sesshoumaru sustentou o peso da espada de Katso. Em seguida, aplicou um golpe lateral nas costelas do adversário. Katso fez uma careta de dor e, sem perder tempo, desferiu um contra-golpe que acertou Sesshomaru no ombro.

À medida que observava a luta, tive uma estranha impressão de que para Katso ela era séria. No entanto, Sesshoumaru parecia quase entediado. 

Notei que havia sangue no ombro do Dai-youkai e controlei o impulso de ajudá-lo, pois ele não iria aprovar minha interferência. Sesshoumaru avançou com toda sua potência rumo a Katso que, em determinado instante, perdeu o equilíbrio. O Dai-youkai aproveitou a oportunidade e lhe golpeou na perna, fazendo com que Katso caísse no tatame, derrotado. 

Porém, Sesshoumaru continuou apontando a espada para o adversário, aguardando a sua rendição. 

Katso abriu os braços e sorriu.

— Rendo-me — disse. 

Sesshoumaru guardou a espada na bainha e ofereceu a mão para ajudar o parente a se levantar. Porém, para minha surpresa, Katso recusou e se levantou sozinho. Por uma fração de segundos, observei um brilho perigoso em seus olhos, mas logo desapareceu.

— Boa luta, senhores — disse, sorrindo. — Precisa de ajuda com o ombro, senhor Sesshoumaru?

Ele olhou para o ombro e pareceu surpreso ao constatar que havia sido ferido. 

— Não. Isso não é nada — murmurou o Dai-youkai.

— É bom revê-la, Rin. Sente-se melhor? — perguntou Katso, com um ar jovial.

Assenti.

— Sim, obrigada.

— Precisa de alguma coisa, Rin? — questionou Sesshoumaru.

— Não. Eu... Gostaria de ter uma conversa com o senhor — e acrescentei enquanto torcia para não ruborizar: — A sós.

Katso ergueu a palma das mãos.

— Certo, certo. Já entendi. Estou indo — e dirigiu-se à porta. 

Quando o parente de Sesshoumaru deixou o salão de guerra, uma quietude confortável se instalou. Porém, logo o Dai-youkai se pronunciou. 

— O que faz aqui? Achei que estivesse descansando — disse ele, fitando-me.

— Já me sinto melhor. Estou perfeitamente saudável.

— Então? O que deseja conversar comigo? — quis saber Sesshoumaru.

Cravei as unhas na palma da mão no intuito de criar coragem. Era agora. Eu tinha que falar. 

— Na nossa última conversa, o senhor disse que tinha um assunto para conversar comigo e acho que sei do que se trata — falei, sustentando corajosamente o olhar do Dai-youkai.

— Fale.

— É sobre casamento.

O estarrecimento no rosto de Sesshoumaru foi nítido. Ele realmente não estava esperando que eu mencionasse o assunto.

Imediatamente Sesshoumaru disfarçou a estupefação adotando uma expressão fria e plácida.

— O que a faz pensar que é sobre isso? Pelo que me lembro, não mencionei nada a respeito desta questão.

Eu o encarei, perplexa. Ele iria negar, fazendo-me parecer uma tola desesperada para casar? Não fazia sentido. A sensação de constrangimento que se apoderou de mim aumentou ainda mais a minha determinação.

— Eu sei que é. O que mais poderia ser? — rebati firmemente. — Ouça, eu tenho consciência do erro que cometi. Eu nunca deveria ter desobedecido a ordem que me deu. Mas não há nada que possamos fazer para mudar o que aconteceu. Eu fui à fogueira e o senhor me escolheu como sua esposa. Agora, cabe a nós dois arcar com as consequências disso. Pela tradição, devemos nos casar.

— O que você sabe sobre as tradições dos youkais? — indagou o Dai-youkai, inabalável. — Passou boa parte da sua vida em uma aldeia humana. Nunca deveria ter saído de lá.

As palavras de Sesshoumaru me irritaram profundamente. Ele repetia tanto que eu deveria voltar para a aldeia de Vovó Kaede que parecia que ele não me queria em seu palácio. Se era esse o caso, ele deveria ser sincero comigo.

— Nunca deveria ter saído de lá? Não acredito que está dizendo isso! — exclamei, avançando furiosa em direção ao youkai. — Quer dizer então que você não me quer ao seu lado? Diga e eu juro que partirei para nunca mais voltar.

Ele soltou uma respiração. Estava irritado também.

— Rin...

— Vamos! Diga, Sesshoumaru! — exigi. Ele era tão alto que eu precisava erguer a cabeça para encará-lo. — Diga que eu sou um problema pra você e que você quer me ver longe! Diga que eu o atrapalho com a minha fragilidade humana! Basta dizer e eu voltarei para a aldeia. Não é o que você tanto deseja?!

Se eu não estivesse tão brava poderia até rir da situação. Uma humana de baixa estatura confrontando um ser tão alto e poderoso como Sesshoumaru era ridículo. Ele poderia me partir ao meio se quisesse. 

— Basta — decretou Sesshoumaru, entre dentes. Por um instante, nós nos olhamos, alterados. Notei que havia nos olhos dourados do Dai-youkai uma intensidade que eu nunca tinha visto antes. Ele continuou, dessa vez com um timbre controlado: — Você não é um problema para mim, Rin. A questão é a sua segurança. Mesmo se eu quisesse tomá-la como esposa, assim como determina a tradição, isso atrairia para você muitos perigos e... Não acho que eu seja capaz de salvá-la de todos eles, pois não sou onipresente.

— Da minha vida cuido eu, Sesshoumaru. Quanto a isso você não precisa se preocupar — retruquei.

— Se acha mesmo tão invencível? 

— Não. Mas me incomoda saber que minha vida é um peso que você carrega sobre os ombros! — vociferei e, depois, tentei conter minhas emoções. Não era minha intenção brigar. — Não precisa ser assim, Sesshoumaru. Você precisa confiar em mim. Eu sou uma exterminadora de youkais e sei me cuidar.

— Acha que os youkais que você terá que lidar serão como os que você derrotou na sua aldeia? — rebateu Sesshoumaru. — Não, Rin. Eles serão mais fortes e virão atrás de você porque querem atingir a mim.

— Sesshoumaru, eu errei naquela noite e irei arcar com as consequências do meu erro — falei com segurança. — Sei muito bem que se nós dois não seguirmos a tradição isso atrairá uma maldição para você. Os deuses invocados no ritual não ficarão satisfeitos.

— Não temo os deuses. Com eles eu posso lidar.

Soltei uma risada incrédula. 

— É mesmo impressionante a sua capacidade de complicar o que é simples — comentei, exasperada. Sesshoumaru era mesmo teimoso. — Quer saber a verdade, Sesshoumaru? É você quem pensa que é invencível, que pode derrotar tudo e todos. Mas talvez isso seja prepotência da sua parte e eu não vou permitir que você se arrisque por algo assim. Você salvou minha vida tantas vezes. Pois bem, agora é a minha vez de retribuir!

— Não quero a sua retribuição. Por acaso acha que a salvei por que esperava algo em troca? O que uma humana poderia me oferecer? — questionou ele.

Sim, eu tinha plena consciência de que eu não tinha nada para oferecer a ele, mas ouvir isso de sua boca foi humilhante. 

Sesshoumaru logo percebeu o efeito que suas palavras provocaram em mim.

— Rin, eu...— ele tentou dizer.

— Então, é isso. Esse é o grande problema — disse com amargura. — Você não quer o matrimônio porque sou uma camponesa humana. Você acha que seria vergonhoso para o grande Sesshoumaru se casar com uma fêmea humana que não tem nem mesmo um dote para oferecer. Eu bem que devia saber. Mas, para isso existe uma solução. Podemos fazer um acordo. Podemos casar apenas para satisfazer os deuses e depois você pode buscar o que quer. E eu também. Não irei obrigá-lo a ser fiel a mim porque sei que não sou a esposa que você deseja.

— Rin, você é jovem demais para entender o que um casamento comigo significaria — falou Sesshoumaru, olhando-me com compaixão.

Odiei esse olhar. 

— Você me toma como uma jovem tola e inocente, não é? Acha que vai corromper a minha virtude! Eu sei por que pensa assim. Porque na sua cabeça eu ainda sou aquela menina. Mas os anos se passaram, Sesshoumaru, e eu cresci. Sou uma mulher adulta e experiente.

Sesshoumaru esboçou um pequeno sorriso.

— Experiente? Estou curioso. Que tipo de experiências teve?

Senti minhas bochechas esquentarem. 

— Bem... A maioria das jovens aldeãs dão o seu primeiro beijo depois do casamento, mas eu já beijei alguém. Não sou inocente — respondi, com toda a dignidade que tinha.

Houve um brilho de divertimento nos olhos de Sesshoumaru.

— Essa é a sua experiência? Um beijo trocado com um camponês atrás de um bloco de feno? — ironizou ele. 

Cruzei os braços, indignada.

— O que gostaria que eu dissesse? Que tenho uma longa lista de amantes?

— Você beijou um maldito camponês e já se considera experiente! Acha mesmo que beijar é a única coisa que eu iria fazer com você? — indagou Sesshoumaru, avançando em minha direção.

Por instinto, recuei para trás, mas acabei esbarrando na parede. Havia uma urgência incomum na voz do Dai-youkai e o seu olhar dourado cintilava com uma estranha ferocidade. 

Quando o corpo de Sesshoumaru e o meu atingiram uma ínfima distância, eu me dei conta de que estava encurralada. Minhas bochechas adquiriram uma tonalidade rubra, porém não desviei os olhos dos dele. Continuei encarando-o de modo desafiador. 

E, para o meu sobressalto, ele levou os lábios até minha orelha.

— Você disse que, se nos casássemos, poderíamos fazer um acordo. Um casamento de fachada apenas para satisfazer os deuses — o hálito quente de Sesshoumaru fazia cócegas em minha orelha e me provocava arrepios. — Mas eu não aceitaria algo assim, Rin. Se nos casássemos você seria minha. Eu desejaria você, o seu corpo... Você não conseguiria escapar de mim. Compreende o que eu quero dizer?

Quando nós nos encaramos, notei que a selvageria que vi no olhar de Sesshoumaru na noite do ritual estava de volta. Nesse instante, ele parecia um animal. 

Mas, isso não me incomodava. Pelo contrário, eu sentia que o meu corpo estava atraído pelo dele. Estávamos muito próximos e tudo o que eu queria era destruir a pouca distância física que existia entre nós. Queria colar meus lábios nos dele e isso me fez perceber claramente que eu desejava Sesshoumaru. 

— Compreendo — sussurrei com os olhos fixos nos dele. — Sesshoumaru, eu realmente estou disposta...

Nossos rostos estavam a centímetros de distância, de modo que eu podia sentir a respiração dele contra minha pele. Deuses, como eu queria beijá-lo.

Num impulso, pousei com delicadeza a mão na face do Dai-youkai e senti imediatamente o corpo de Sesshoumaru reagir ao toque. Sem dúvidas, ele me desejava. 

Por um momento, os nossos rostos de aproximaram ainda mais e eu quase pude sentir os lábios dele roçando nos meus. 

Mas, antes que o beijo fosse concretizado, Sesshoumaru afastou-se bruscamente de mim. A atitude dele foi inesperada e me deixou um tanto desorientada. 

Ele manteve-se de costas. Era como se não pudesse me olhar. 

— Sesshoumaru, sinto muito se eu... — comecei a andar até ele.

— Saia. 

— Por favor, me perdoe se...

— Agora, Rin — ordenou Sesshoumaru com uma voz rouca e gutural. 

E eu saí correndo.

* * *

Ele a observou correr pelos corredores, como uma borboleta desesperada. 

Enquanto acompanhava os movimentos dela com um olhar atento, Katso perguntou-se o que Sesshoumaru teria feito para deixá-la assim. Teria ultrapassado algum limite? Era possível. Sesshoumaru a olhava como um lobo faminto. 

No entanto, Rin não parecia ser o tipo de jovem que se assustava com facilidade. Ela tinha coragem, isso ele tinha que admitir. 

A confusão mental de Rin impediu que ela visse Katso, o que deixou o youkai aliviado. Ele não pretendia ser visto. 

Katso analisou-a correr no ambiente mal iluminado. Sesshoumaru a amava. Ele tinha certeza disso. 

"Está na hora", pensou Katso e retirou da bainha de couro um punhal. A lâmina prateada brilhou ao refletir a luz dos lampiões espalhados pelo corredor do palácio.

Agora ele teria a sua vingança. Sesshoumaru iria sentir a mesma dor que ele sentira por todos esses anos. 

Katso deu alguns passos em direção à humana. Ele estava calmo. Não tinha pressa. Esperou por isso durante tanto tempo. Agora ele queria saborear cada segundo.

Então, os ouvidos do youkai detectaram um regougar distante. Isso chamou a sua atenção. Ele cessou os movimentos e procurou a janela mais próxima. Tinha ouvido correto? Não. Não era possível...

Quando Katso ficou diante da janela, ele buscou como um louco a origem do som. A princípio, o youkai apenas avistou as árvores desfolhadas e cobertas de gelo. Naquele instante, nevava muito, o que atrapalhou a sua visão. 

Porém, logo Katso viu. 

Era uma imensa raposa branca paralisada em meio às árvores e, num piscar de olhos, ela desapareceu.

O coração do youkai disparou e, com agilidade, ele pulou a janela, correndo até a criatura. 

Contudo, assim que chegou ao local, não encontrou nada além da neve e da escuridão. 

Os lábios de Katso tremeram.

— Dahlia! — gritou, cheio de ira. 

Mas o único som que ecoou no jardim foi o do uivo do vento. Katso soltou o punhal que caiu na neve. Ele estava sozinho ali. Em seguida, o youkai também caiu, ficando de joelhos no gelo. 

Ele pôs a cabeça entre as mãos, perturbado.

— Dahlia, por quê? — murmurou Katso. Os flocos de neve que caíam se acumulavam em seus cabelos prateados e em seus cílios. — Por que não me deixa matá-la? Eu tenho esse direito, inferno! Sesshoumaru e o desgraçado do pai dele tiraram tudo de mim! A única coisa que realmente importava e, justo agora, quando posso me vingar, você me impede! Por quê? Onde está a justiça, Dahlia?! 

De repente, ele ouviu um barulho de um galho se partindo. Katso retirou a cabeça das mãos e olhou ao redor, vigilante. 

Porém, para a sua decepção, o que saiu da floresta foi somente um pequeno esquilo negro. Quando os olhinhos da criatura focalizaram Katso, o animal fugiu, pois reconheceu que o youkai era um predador.

Katso se sentiu idiota e se pôs de pé. 

Então, era isso. Dahlia não queria que ele matasse a menina. Mas, por qual razão? O que ela tinha em mente?

Cheio de dúvidas, o youkai retornou ao palácio.


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Notas finais do capítulo

Bom, pessoal. Esse foi o capítulo 7, espero que tenham gostado! Tivemos muitas revelações, né? E parece que o nosso querido casal está cada vez mais atraído um pelo outro ♥

Mais uma vez quero agradecer as pessoas maravilhosas que comentaram no capítulo passado. Obrigada mesmo! Os comentários de vocês me incentivam muito!

Até o próximo capítulo, gentee! ❤️

(e não se esqueçam de comentar o que acharam do capítulo 7! A opinião dos leitores é muito importante pra quem escreve).



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