Além das lembranças. escrita por Amanda Rodrigues


Capítulo 4
Capítulo IV - A caminho da Grande Noite.




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"Fique por você."

Fiquei pensativa por alguns segundos enquanto observávamos as faíscas de poder que já se dissipavam.

Será que senhor Sesshoumaru havia entendido que eu só estava ali porque me sentia em dívida com ele?

Decerto, ele não queria isso. Não queria que eu me sentisse obrigada a servi-lo ou a estar naquele palácio só porque no passado ele me salvara diversas vezes. Nenhuma dessas atitudes de senhor Sesshoumaru foram feitas esperando uma compensação. Se eu quisesse estar naquele palácio ou ao seu lado deveria ser porque essa era a minha vontade.

Bem, e era.

Olhei na direção dele decidida a esclarecer esse mal entendido.

— Por favor, não entenda mal — falei. — Sei que posso ter dado a entender que eu só estou aqui porque me sinto em divida com o senhor, mas isso não é verdade. Eu realmente quero estar aqui. Eu realmente senti a sua falta. Esperei pelo retorno do senhor e do senhor Jaken durante todos esses anos. Sempre foi um desejo meu segui-lo novamente.

Dessa parte eu já sabia, Sesshoumaru não me responderia. Ele apenas me olhou de esguelha e, em seguida, voltou o seu olhar para frente.

Eu o acompanhei de volta até o palácio. No caminho, eu estava quase congelando em razão da ventania gélida da madrugada.

À medida que avançávamos pela mata, eu o observei caminhar a minha frente.

"Por que ele precisa ser sempre tão inalcançável?", pensei."Quando retornarmos ao palácio, só os deuses sabem quando iremos conversar novamente. E isso é injusto. Há tantas coisas que eu gostaria contar a ele!".

— Senhor Sesshoumaru... Er... Katso é um youkai imortal, certo? Se ele é imortal isso o torna uma grande ameaça, já que ele não pode ser morto. Então por que Katso tem permissão de ficar aqui?

— Katso, como um youkai imortal, poderá viver pela eternidade se desejar. Porém, isso não o torna indestrutível. Eu poderia matá-lo facilmente — informou senhor Sesshoumaru, frio. — Neste palácio, ele não representa nenhuma ameaça.

— Se me permite perguntar... Vocês dois são Inu-Daiyoukai. Além de que são parecidos fisicamente. Katso, por acaso, é algum parente seu?

— Um parente distante. Insignificante.

A verdade era que eu precisava entender Katso e o que ele estava fazendo naquele palácio. Após digerir as informações dadas por senhor Sesshoumaru, por hora, eu havia aliviado a minha curiosidade. Quando nos aproximamos da muralha de pedras, mais uma vez, os guardas me lançaram um olhar de estranheza. Eu estava feliz por acompanhar o Inu-Daiyoukai. Era quase como antigamente.

Será que ele, também, pensava o mesmo? O que será que havia guardado dentro do coração de senhor Sesshoumaru? O que será que ele sentia?

Senhor Sesshoumaru sempre aparentou ser desprovido de sentimentos. Eu não conseguia acreditar nisso. Para ser sincera, eu achava que isso era impossível para qualquer criatura.

Kagome, certa vez, contou-me que Naraku, um youkai terrível, foi apaixonado pela sacerdotisa Kikyou. Bem, se Naraku foi capaz de sentir algo por alguém, por não senhor Sesshoumaru? A solidão não o incomodava? Imagine só ser dono de um palácio, administrar terras, possuir incontáveis servos, conselheiros e prestígio, mas, no final do dia, ser sozinho? Sem dúvidas, era algo muito ruim. O que senhor Sesshoumaru planejava? Ele precisava de alguém para governar ao seu lado, pois era assim que governos funcionavam. Imperadores possuíam as suas imperatrizes, assim como príncipes possuíam as suas princesas.

Uma hora, senhor Sesshoumaru teria que casar-se com uma youkai tão poderosa quanto ele que lhe geraria herdeiros saudáveis e igualmente poderosos. Os pequenos youkais iriam perpetuar o legado de senhor Sesshoumaru e de sua esposa. Era assim que impérios, reinos e principados funcionavam. Casamentos e herdeiros eram elementos essenciais, pois os governantes temiam que qualquer um herdasse tudo aquilo que eles batalharam para conquistar e destruíssem. Contudo, senhor Sesshoumaru não parecia preocupado com isso. Continuei andando em silêncio, até que, de maneira impulsiva, decidi questionar:

— Durante todo esse tempo, o senhor sentiu minha falta alguma vez? — o meu tom era de brincadeira, mas eu realmente estava interessada na resposta.

Ele me olhou severamente pelo canto dos olhos. Naquele instante, achei que ele fosse me dar alguma bronca ou ignorar o meu questionamento. Entretanto, o youkai, ao desviar o olhar, disse quase sussurrando:

— Pare de dizer idiotices.

Sorri. Aquilo significava um sim ou um não? Ou eu realmente estava dizendo besteiras? Provavelmente.

— Rin — disse Sesshoumaru, de repente.

— Sim?

— Se está decidida a desempenhar alguma tarefa neste palácio, quero que faça direito. Não irei tolerar desastres e erros — disse ele.

— Ah... — olhei para os pés. — Isso quer dizer que as horas em que passei arrumando cada objeto dos seus aposentos não foram satisfatórias. Vou me esforçar mais da próxima vez.

Eu disse aquelas palavras esboçando um lúgubre sorriso, então me desvencilhei dele um tanto magoada. Não estávamos tão distantes assim do palácio, já havíamos atravessado a muralha, então, não havia perigo de eu me perder. Eu precisava ficar as sós para refletir um pouco a bronca que havia levado.

Fiquei vagando pela mata. Eu podia ver o palácio erguer-se a alguns metros de mim. Por um momento, ao contemplar a construção além das árvores, recordei do meu quarto. Ou melhor, da cena horripilante e irreal envolvendo os meus familiares. Tudo aquilo que eu vi fora fruto de um feitiço lançado por alguma bruxa ou bruxo que ali vivia. Essa criatura que realizou esse feitiço queria me assustar e me ver longe daquela fortaleza.

Porém, não a deixaria vencer. Eu analisaria o meu quarto com maior cuidado antes de dormir e tentaria melhorar o meu trabalho dentro daquele palácio. Eu não iria embora dali, muito menos iria chorar.

* * *

Sesshoumaru ficou imóvel e incrédulo.

Como ele não percebeu que fora ela quem organizara o seu aposento de forma tão cuidadosa e impecável? Isso explicava o aroma de flores impregnado na atmosfera do cômodo. Ele não havia dado tanta importância assim para esse detalhe, deixando-o passar despercebido. Agora, Sesshoumaru captava essa mesma essência de flores em Rin.

E isso significava que ela tinha dito a verdade. A fragrância era uma prova incontestável. Rin realmente esteve lá. Ele a observou distanciar-se dele. Analisou o descontento no caminhar da jovem de cabelos negros e compridos. Rin realmente havia crescido.

* * *

Eu já podia ouvir a melodia dos pássaros. As terras de senhor Sesshoumaru foram banhadas pela luminosidade dourada do sol que nascia no leste. Avistei próximo de mim algumas rosas crescidas, cujas pétalas também eram banhadas por essa luminosidade amarelo-ouro. Dirigi-me até elas e, então, eu ouvi alguém cantarolar uma melodia fúnebre.

Por um instante eu pensei que estivesse no jardim de senhor Sesshoumaru, porém, não estava. Aquele era algum ponto da mata distante do jardim e do quarto que me fora concedido. Intrigada, segui aquela melodia, a fim de conferir quem estava a cantando. Então, deparei-me com uma espécie plantação de flores no meio da mata. Uma plantação secreta.

No meio das flores, avistei uma youkai de cabelos opacos e extremamente longos. Ela estava sentada na relva e contemplava a plantação colorida a sua volta, enquanto cantava a tal canção agourenta.

À tarde, dois kitsune foram passear.

Dois kitsune. Dois kitsune.

Ela disse "Eu te amo" e ele não respondeu.

Dois kitsune. Dois kitsune.

O medo leva a morte.

A perda de dois kitsunes que se amavam na luz do luar.

Mas, antes de morrer ele respondeu "Eu te amo mais.".

A canção era cantada de forma suave e lenta. Aproximei-me da youkai e fiz algum barulho que a fez cessar o canto. Ela ergueu o rosto em minha direção e fitou-me. 

Por um momento, surpreendi-me com o fato de ela ser uma youkai completa capaz de assumir a forma humana. Naquele palácio, poucos eram os youkais que detinham essa capacidade. Senhor Sesshoumaru sempre optava por aqueles mais fracos, pois queria evitar um conflito interno. Ele planejava transformar o seu feudo num império no futuro, portanto, não poderia permitir que aquilo que havia construído fosse desmanchado por conta de conflitos internos.

As únicas exceções que eu conhecia era Katso e Aika. Por isso, surpreendi-me ao encontrar aquela youkai no meio das flores.

Agachei-me junto a ela.

— Música bonita — elogiei, sorrindo para a youkai. — E triste também.

— Ás vezes, a vida pode ser trágica — retrucou a youkai de forma gentil. — Especialmente, em tempos como estes.

— Tenho que concordar — e sentei-me junto com ela no jardim.

Eu observei que a youkai apresentava uma palidez doentia. Além disso, ela possuía uma constituição física franzina. Os ombros eram estreitos e os braços bastante magros. Era como se algo sugasse a vitalidade dela. E em meio aquela palidez mórbida, o cabelo escuro da youkai destacava-se, bem como os olhos que mais pareciam joias negras. Por um segundo, eu tive a impressão de que todo o corpo dela estava morto e a única coisa viva eram os seus olhos. Foi uma impressão estranha e eu logo a descartei.

Contudo, não pude deixar de indagar:

— Você está bem? — tentei ver melhor o rosto dela que estava parcialmente escondido entre as mechas negras de cabelo.

Ela sorriu. A youkai possuía um sorriso doce e amigável.

— Então, a exterminadora está preocupada com um youkai?

— Parece que todos já sabem sobre mim — reclamei, embora não estivesse irritada.

— Não se preocupe. Os rumores do palácio não chegam até aqui. Estamos distante de qualquer espécie de civilização — disse a youkai pálida, alisando as pétalas de uma flor com o dedo.

— Se os rumores do palácio não chegam até aqui, como soube sobre mim?

Uma lufada de ar movimentou a plantação de flores. A youkai sorriu e olhou ao redor. Em seguida, disse:

— As flores me contaram.

Franzi o cenho.

— As flores? Tem certeza?

— Sim — afirmou ela. — As flores cochicham. Conversam entre si e com o vento. O vento percorre o mundo e ele lhes trás informações. Sempre boas notícias, pois as flores não gostam das más. Então, assim que elas souberam sobre você, me contaram.

O meu ceticismo não me deixava acreditar naquilo. Era mesmo possível alguém compreender a linguagem das flores? Talvez, se eu fosse uma criança provavelmente teria acreditado nas palavras dela. Mas, como eu não era, restava-me duvidar.

— Deve ser incrível compreender as flores. Creio que elas devem conversar bastante, já que estão presas a terra — comentei, tentando não transparecer a minha incredulidade. — Se elas preferem escutar apenas notícias boas e se elas comentaram sobre mim, isso significa que eu sou algo bom?

— Eu não sei. Afinal, quem entende as flores? — a youkai de pele lívida sorriu com ternura. — Quer a minha opinião? Eu acho que esse palácio precisa de algo que lhe tire da sua zona de conforto e lhe provoque mudanças. Acredito que essas mudanças já começaram a acontecer. Há alguns anos, aquele que governa estas terras demonstrava certo desprezo pela humanidade. E, veja só, você, uma criança humana, está aqui nesse exato momento. Isso é uma mudança. E eu espero que essas mudanças continuem acontecendo. Algo me diz que você será muito importante para nós.

Refleti por alguns segundos tais palavras e, por fim, disse:

— Eu... Bem, espero corresponder as suas expectativas. Os outros youkais não estão muito satisfeitos com a minha presença. Eu nunca pensei que fosse causar tanto caos...

— Caos? — ela sorriu para mim. — Quem aqui disse "caos"? Os demais youkais não estão satisfeitos com a sua presença, porque, desde que nasceram, foram ensinados a odiar os seres humanos. Talvez, esteja na hora de eles vencerem esse preconceito bobo e começar a pensar diferente, não acha? E, graças a você, essa mudança vai acontecer. Você os tirou da zona de conforto. Você abalou a estrutura deles. E você continuará provocando mudanças que irão afetar, até mesmo, Sesshoumaru. Sabe por quê? Por que há amor em você. É possível perceber isso nos seus olhos.

Fiquei sem palavras. Ela voltou a acariciar as flores, como se se sentisse maternal em relação a elas. Havia algo de diferente nessa youkai e eu não sabia definir essa diferença. Eu podia sentir a fragilidade da vida dela, que era como a chama de uma vela que a qualquer momento poderia se apagar.

Segurei uma de suas mãos gélidas e olhei nos olhos dela. Ela estava morrendo e parecia não se importar.

— Você está morrendo — falei, quando olhar da youkai encontrou o meu.

— Sim. Estou caminhando para o fim. É isso o que fazemos inconscientemente desde o dia em que chegamos a este mundo, não é? Estou fraca e doente. Porém... Estou feliz — ela sorriu.

Senti um aperto no peito, pois aquela youkai não merecia a morte. Não havia nenhuma maldade no olhar dela. Ela possuía a pureza das flores que tanto amava. Não me contentei e a abracei forte para que soubesse que não estava sozinha.

— Como é o seu nome? — perguntou à frágil youkai, quando o abraço se desfez.

— Rin.

— Ouviram flores? — ela encarou a plantação silenciosa. — Agora todas vocês sabem o nome dela.

— E você? Como se chama? — perguntei.

— Eu me chamo Chiye. Foi bom conhecer você, Rin, mas... Acho que está na hora de cumprir os seus deveres no palácio — disse a youkai, com um sorriso simpático.

E ela estava certa.

* * *

Vesti o meu triste kimono cinza. Eu me sentia triste. Sim, eu me sentia triste por Chiye e os olhares de desprezo dos youkais que ali viviam não ajudavam em absolutamente nada. Ás vezes, eu os ouvia murmurar sobre a "criança humana". Eles sempre me chamavam de "humana". Nunca pelo meu nome. E isso estava começando a me aborrecer. Ao me vestir, sai do meu quarto, (agora, ele estava perfeitamente normal), e fui procurar Aika para saber quais seriam as minhas tarefas do dia. No caminho, uma voz impertinente me abordou:

— Bom dia, humana. Para onde vai tão cedo?

Era Katso.

Revirei os olhos, irritada.

— Katso, meu nome é Rin! — exclamei furiosa.

Ele acompanhou os meus passos, sorrindo animadamente.

— O dia está começando agora e você já está com esse mal humor todo? Vamos lá, sorria — o youkai segurou as minhas bochechas com as mãos, a fim de me fazer sorrir. — Sorria, passarinho. Sorria. — cantarolou travesso.

Mas que chatice!

— Me solta, Katso! — vociferei, desvencilhando-o e dando dois passos para trás. — Eu não sou seu brinquedinho!

— Isso é uma pena. É um verdadeiro tédio aqui, sabia? — indagou o youkai adotando uma expressão triste. — Os humanos podem ser uma ótima forma de diversão. Eu costumo compará-los com os ratos que correm e guincham pelos cantos. É divertido caçá-los, sabia disso? Com os humanos é quase a mesma coisa. Ou, talvez, seja até mais divertido. E você, ratinha, para o seu azar, é humana.

— Obrigada, Katso. Vou passar o restante do dia encantada com o apelido e a analogia — ironizei.

— Você não deveria se importar, algumas "ratinhas" são mais divertidas do que outras — disse ele.

Estaria tentando me animar? Porque se tivesse, estava falhando miseravelmente.

— Ah, me senti muito melhor agora, obrigada — disse, sarcástica.

Katso riu satisfeito.

— Parece desapontada. Não deveria alegrar-se com a grande noite que terá no palácio? Bom, talvez amanhã os servos comecem a fazer os preparativos. O príncipe ficará satisfeito se a humana se vestir apropriadamente — informou ele, casualmente.

— Apropriadamente? — ecoei confusa.

— Elegante, mas... — Katso olhou-me dos pés a cabeça e fez um biquinho insatisfeito. — Isso parece impossível para você.

Revirei os olhos.

— E você é um especialista em beleza humana.

Katso refletiu a afirmação irônica, depois disse:

— É. Pode-se dizer que, sim.

O youkai tomou um novo rumo e foi embora. Grande noite? Do que ele estava falando? Seria uma espécie de celebração ou um festival? Não fazia a menor ideia e abandonei os questionamentos, apertando os passos, pois Aika ficaria muito irritada, caso eu me atrasasse. A youkai de lábios vermelhos parecia nutrir um colossal ódio em relação a mim e iria adorar chamar minha atenção se eu cometesse um deslize. Quando cheguei ao jardim, esperava encontrar todos os servos da limpeza reunidos, esperando por Aika. Contudo, quando cheguei lá, só havia as plantas e o vazio.

Onde estava todo mundo? Juntei as sobrancelhas para aquilo, era esquisito e eu não fazia ideia onde todos poderiam estar.

— Todos estão na ala leste do palácio, limpando-o para a grande noite que acontecerá — Informou-me Satoru atrás de mim.

— O que será essa Grande Noite?

— Será um evento que contará com a presença de alguns outros membros do clã Taishou e da elite youkai. Ouvi dizer que também virá uma bruxa que preverá o futuro do príncipe Sesshoumaru — disse Satoru, sério.

— Katso disse que os preparativos começariam amanhã — falei, perdida.

— Houve uma pequena mudança de planos, a Grande Noite ocorrerá amanhã — explicou o guarda. — E se refira a Katso como "senhor", pois ele é um familiar do príncipe Sesshoumaru.

— Certo — não havia a mínima possibilidade de eu tratar Katso de forma tão respeitosa depois de ter sido comparada a ratos, mas não disse isso ao guarda. — Muito obrigada por essas informações, Satoru — e me despedi dele.

Corri para dentro do palácio, a fim de encontrar os demais youkais da limpeza e saber com Aika em qual grupo eu deveria ficar. Enquanto andava pelo palácio fiquei confusa, pois ainda não conhecia todo aquele lugar. Não fazia a mínima ideia onde ficava a ala leste. Senti-me aliviada quando encontrei uma meio youkai varrendo o corredor.

— Olá — cumprimentei, ao me aproximar dela. — Desculpe interrompê-la, mas... Por acaso sabe onde fica a ala leste? Preciso encontrar Aika o quanto antes.

— O príncipe chamou Aika logo cedo, os rumores dizem que ela fez algo errado e o príncipe descobriu — respondeu a meio youkai de cabelos alaranjados, como uma raposa.

Minhas sobrancelhas subiram e desceram.

— Quem diria, não é? — sussurrei me lembrando de sua arrogância.

— Sim. Estou indo para outra ala do palácio. Posso levá-la até a ala leste, se quiser — ofereceu a youkai com simpatia.

Sorri.

— Eu agradeceria.

Ela deu as costas e fez um gesto para que eu a seguisse.

— Então, vamos.

A youkai levou-me até a ala leste, onde encontrei um aglomerado de youkais da limpeza desempenhando as suas respectivas tarefas. Como não encontrei Aika em lugar nenhum, optei por ajudar grupos de youkais aleatoriamente. Quando o sol estava a pino e toda a ala leste estava limpa, uma pausa foi feita. Deixei a ala, com o intuito de ir até a cozinha para conferir se existia algo que um humano pudesse comer.

No caminho, encontrei Jaken que conferia a qualidade da limpeza, esfregando o dedo em cada objeto para se certificar de não havia nenhum resquício de poeira. Seu corpo pequeno se movimentava ligeiro. Como de costume, ele estava agarrado ao seu bastão. Quando Jaken notou minha presença, fui até ele animada.

— Bom dia, senhor Jaken.

— Bom dia, Rin. — disse ele sem parecer disposto a conversar.

— Então, onde está Aika? — perguntei, pois estava curiosa.

— Ela foi punida.

Levei a mão até a boca, atônita.

— Por quê? O que aconteceu com ela? Que punição?

— Aika cometeu um erro gravíssimo. Senhor Sesshoumaru não tolera mentiras — disse Jaken.

— E nem erros — sussurrei, lembrando-me das palavras dele.

— Ela foi expulsa do cargo de coordenadora da limpeza.

Meus olhos se esbugalharam.

— Então, o que ela fez foi algo que o príncipe realmente odiou!

— Sim, algo que desagradou profundamente à majestade. Ele nem mesmo quis falar comigo sobre o assunto... — os olhos de Jaken encheram-se de lágrimas.

— Mas, Aika, por mais arrogante que fosse, me pareceu ser alguém responsável. Quem será capaz de assumir esse cargo?

— É dever de senhor Sesshoumaru decidir e ele fará — concluiu Jaken retirando-se.

Aquele era o momento perfeito para perguntar ao Jaken sobre a Grande Noite e eu não queria desperdiçar essa oportunidade.

— Senhor Jaken, espere.

— O que é? Estou ocupado, menina — disse ele, ao se virar para mim.

— Eu... Eu não sei absolutamente nada sobre essa Grande Noite — falei com honestidade. — O que o senhor acha que eu poderia fazer para parecer elegante nesse evento?

Jaken meneou a cabeça.

— Esqueça, para que uma pessoa se torne elegante ela precisa se tornar senhor Sesshoumaru — ouvi o youkai verde dizer enquanto se distanciava.

"Ajudou muito, senhor Jaken. Obrigada", pensei.

* * *

Quando a noite caiu, surpreendi-me com o fato de que não me sentia tão cansada assim. Porém, no dia seguinte o serviço seria bem mais pesado e eu teria que estar preparada. O jardim precisava ser limpo, bem como a ala norte e sul do palácio. Sem uma coordenadora organizando os grupos de youkais e os distribuindo com igualdade em cada ala, eu não fazia ideia como isso iria ficar. E o evento era amanhã.

O inverno estava se aproximando. Faltava pouco para nevar, eu podia sentir isso no clima que ficava cada vez mais frio. Quando fui para o meu quarto, verifiquei se não havia nenhum feitiço nele. Sinceramente, preferia nunca mais passar por aquilo novamente. Agora, tudo o que eu conseguia pensar era sobre o dia seguinte, sobre as palavras de Katso que afirmaram que o príncipe ficaria feliz se eu me vestisse apropriadamente. Além do mais, o palácio estaria lotado de youkais. Como eles iriam reagir quando me vissem? Como eu deveria me comportar diante deles?

Considerei seriamente a possibilidade de ficar escondida no meu quarto até tudo acabar. De repente, a música dos kitsunes ecoou dentro da minha cabeça e fui dominada pela vontade de ver a youkai das flores novamente. Ela tinha sido uma das poucas criaturas gentis comigo naquele palácio. Por mais que já estivesse escuro, eu senti que precisava sair daquele quarto, pois estava prestes a explodir.

À medida que adentrei no jardim, senti que o ar leve e frio da noite me acalentou. Nuvens pesadas e invernais se acumulavam no céu e tapavam a lua. Isso tornava a mata ainda mais sombria. Então, enquanto tentava encontrar a plantação de flores de Chiye, ouvi vozes no meio das árvores.

—... Acredito que o rei dos Youkais do Norte não pretende realizar nenhum ataque agora, meu senhor. Acredito que vá esperar a chegada definitiva do inverno — alguém disse. — É tudo o que sei.

Aproximei-me daquelas vozes e logo me deparei com senhor Sesshoumaru e um youkai que possuía orelhas pontudas, tais como as de raposas, e uma evidente astúcia no olhar.

Os dois estavam as sós no meio da floresta. No mesmo instante, eu me escondi atrás de um tronco de uma árvore. Não queria que senhor Sesshoumaru achasse que eu estava ouvindo sua conversa (se eu saísse dali com certeza ele perceberia minha presença. Isso se não já tivesse percebido).

— Isso é tudo — decretou Sesshoumaru, com frieza.

— Meu senhor — ouvi o youkai estranho dizer, antes de partir.

Ótimo. Agora, era só esperar senhor Sesshoumaru ir embora também.

— O que está fazendo aqui? — eu o ouvi indagar.

Apertei os lábios e fechei os olhos.

Droga.

Saí de onde eu estava e apareci no campo de visão de senhor Sesshoumaru. Certamente, meu cheiro me denunciou. Ele estava com um pergaminho nas mãos e não estava olhando para mim. Então, fui a até ele decidida a me explicar.

— Eu... Me desculpe — falei, aproximando-me dele. — Não pretendia escutar nada. Só estava indo ver uma amiga.

— O quanto da conversa você ouviu? — o tom da voz de senhor Sesshoumaru não estava irritado. Apenas severo, como sempre era.

— Ahh — senti que minhas bochechas enrubesceram de vergonha. — Só ouvi a parte dos Youkais do Norte, mas não sei quem são.

Senhor Sesshoumaru direcionou suas órbitas douradas para mim. E, por algum motivo, senti o meu estômago revirar.

— São kitsunes — disse o youkai, desviando o olhar.

— Conheci um kitsune, mas... Ele me parecia inofensivo — comentei, lembrando-me de Shippou.

— Os kitsunes do norte são os únicos capazes de rivalizar com um Inu-Daiyoukai — informou senhor Sesshoumaru ignorando-me. — A rivalidade entre os clãs existe há séculos.

Olhei alarmada para ele.

— Então, eles planejam atacar o palácio?

E, pela primeira vez na vida, vi o Inu-Daiyoukai esboçar um discreto sorriso.

— Eles irão tentar — disse senhor Sesshoumaru e, naquele momento, tive consciência do quão letal ele era.

— Se essa batalha chegar a acontecer gostaria de participar dela e ajudar defender o palácio.

— Um humano não tem a mínima chance contra um Youkai do Norte — senhor Sesshoumaru encarou-me. — Não seja tola.

— Não serei tola — rebati, aborrecendo-me com as palavras dele. — Apenas cumprirei o que vim fazer aqui. Estou aqui para ser a exterminadora de youkais e cumprirei o meu dever.

Ele não retrucou as minhas palavras e andou alguns passos rumo ao palácio. Contudo, antes de se afundar nas sombras da mata, senhor Sesshoumaru disse:

— Você está responsável por coordenar o grupo dos youkais da limpeza — o tom de voz dele não dava margem para recusa.

Antes que eu tivesse tempo para dizer qualquer coisa, o Inu-Daiyoukai sumiu nas sombras. Droga. Como eu iria controlar um bando de youkais que me odiava? Só os deuses sabiam! Não pensei muito sobre a conversa que tive com senhor Sesshoumaru, nem a conversa que ouvi. A única conclusão que pude tirar disso foi que o príncipe Inu-Daiyoukai possuía um espião entre os Youkais do Norte e, sinceramente, isso não era nenhuma novidade para mim. Fui até o jardim particular de Chiye. No entanto, ela não estava lá.

"Chiye você deixou suas flores sozinhas", pensei sorrindo para o jardim secreto iluminado pelo luar. Então, não me restou outra alternativa exceto retornar para o palácio. Enquanto seguia para o meu quarto, murmurei para mim mesma:

— Maldição! Como irei conseguir ser uma coordenadora da limpeza?! Eu sequer conheço o palácio direito!

— Use seu jeito "especial" — disse uma voz nas trevas do palácio.

Suspirei cansada.

— O que você quer, Katso?

Então, olhei na direção em que a voz soava e logo encontrei Katso escorado na parede, relaxado. As vestes escuras dele se confundiam com as sombras do lugar. Seus cabelos prateados caiam nas costas e a franja crescida escorria na testa. Se não fosse tão insuportável, seria bonito.

— Observei você. Parece que me deu ouvidos quando falei que deveria ser elegante para satisfazer o príncipe — disse Katso, satisfeito.

— Você... Observou-me?! Imagino que não tenha muito que fazer aqui. Só um desocupado perderia o próprio tempo observando alguém.

Katso deu uma risada.

— Por enquanto, tenho tempo livre de sobra. Por isso, estou tão entediado.

Eu sorri com amargura.

— Quer dizer que só porque está entediado precisa infernizar a vida de alguém? — perguntei. — Olha, Katso. Sério. Tive um dia cheio hoje e quero descansar. Se você não tem nada para fazer amanhã, eu tenho. Boa noite.

Quando dei as costas para ele, o youkai disse, soando casual:

— Achei que quisesse algumas dicas para amanhã. A coisa de ser elegante e tal.

Parei de andar.

— Posso ajudá-la nisso, se quiser — ofereceu Katso.

Girei o corpo para ele.

— Como? — indaguei, erguendo uma sobrancelha.

Katso revelou um sorriso de canto de boca.

— Tenho minhas habilidades, minha cara. Não duvide delas — ele aproximou-se sorrateiro por trás de mim e pousou as mãos nos meus ombros. — Permita-me transformá-la numa dama.

— Não sei se eu seria capaz de aprender em tão pouco tempo — falei.

— Por favor, não duvide de si mesma — e sussurrou em meu ouvido: — Você pode conseguir tudo o que deseja.

Eu sorri.

— Você sabe ser bem persuasivo.

— Você não faz ideia, minha ratinha — disse Katso. — Agora, venha comigo.

E eu segui o youkai para onde quer que ele fosse. Enquanto eu o seguia, ouvi Katso dizer animado mais para si mesmo do que para mim:

— Que divertido! Acabei de descobrir o ponto fraco de Sesshoumaru!

Retruquei alguma coisa para ele, mas fiquei pensativa. Katso parecia um felino animado por encontrar uma presa para brincar. Eu não tinha certeza se deveria confiar nele, no entanto que opção eu tinha? 

Senhor Sesshoumaru elevou o meu status naquele palácio. Ele acreditava em mim e eu não poderia decepcioná-lo fracassando no dia seguinte. A Grande Noite traria grandes surpresas, eu não tinha dúvidas disso.


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Notas finais do capítulo

Eita! Rin acabou escutando o que não devia. O que acharam do capítulo?

Até mais, gentee!



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