Ecos Caleidoscópicos escrita por DannyMandT


Capítulo 4
Capítulo 4 – Um refúgio... E a vida continua?


Notas iniciais do capítulo

“Todas as noites passam
Tornam-se dias que passam
A vida simplesmente continua escorregando
E o tempo é como um pecador que nunca vai mudar
Ele não pode ser salvo
A única coisa que eu sei com certeza
É que você é minha e eu sou seu
Então venha para cá
Segure-se em mim”

(Hold on – Tyrone Wells)



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Estamos do lado de fora. É estranho, porque apesar do sol brilhar forte há um vento fresco pelo deserto. Wes está a certa distância, seu sorriso brilhante é contagiante e me atrai como um imã. Então eu caminho em sua direção, sorrido como uma boba. Caminho, caminho, caminho... Não o alcanço!

O vento fresco fica frio e pesado, uivando entre nós enquanto o brilho do sol é rapidamente engolido pela escuridão. Então eu começo a chamar por ele, mas nem mesmo ouço minha própria voz, gripo mais alto e mais alto... Não sai som algum, há somente o vento uivando melancolicamente. No céu escuro, as estrelas começam a girar em direções diferentes e a distância entre mim e Wes só aumenta.

Estico-me, forço-me a correr, mas é como se o chão nos puxasse em direções opostas! Então uma nuvem de poeira surge do nada engolfando Wes e seu sorriso. E depois ela vem na minha direção, violenta, respingando gotas vermelhas em mim, e o uivo do vento torna-se um grito escandaloso.

O grito dela.

Estridente. Irritante. Assassino.

Abro os olhos para a claridade que atravessa o teto do meu quarto, estou ofegante, já é dia. Olho em volta para ver que estou sozinha e me sinto bem e mal ao mesmo tempo. Ouço novamente a voz dela ralhando e tapo meus ouvidos. “Isso já deveria ter acabado. Eu já estou acordada”. No entanto as reclamações persistem. “Tem algo errado!”.

Puxo a cortina da porta como uma criança que espera encontrar o monstro no guarda roupa. Aaron está dormindo recostado na parede do lado de fora. Então a escuto de novo. Salto por cima de Aaron para não acordá-lo e disparo pelo corredor. Se ela está dando bobeira pelas cavernas é porque quer mesmo ser morta, farei um favor a ela.

Sigo até a cozinha. Chegando lá a voz estridente faz meu olhar voar direto para o forno detrás do balcão. O corpo pequeno move-se com ar soberano, ao que parece ela está discutindo com Rebecca sobre acender o forno.

– Eu não vou comer esse pão duro. Se tem mingau pré-preparado, eu quero mingau. Sai da minha frente, eu não tenho medo do seu tamanho nem da sua cara feia!

– Não! Não é permitido acender o forno durante o dia. Regra de segurança.

– Danem-se as regras de segurança! – Ela empurra Rebecca com violência e, mesmo com Paige a segurando pelo braço, ela o puxa de supetão. Ela é violenta demais para uma Alma, violenta demais até mesmo para uma humana.

– Você não tem querer algum aqui! – Grito e só então elas pareceram notar minha presença. Ela se vira com um olhar de desprezo na minha direção. Fico chocada. Ela é humana. – O quê?!

– Lily! Você está... – Paige vem até mim, segura minha mão com ternura - ...Gelada!

– Quem... Como... O que significa isso?! – Digo apontando horrorizada para a mulher.

– Peg a salvou. Ela extraiu a Buscadora e Lacey despertou. – Paige diz com a voz gentil. Não tem nenhum efeito sobre mim, continuo me sentido... traída?

– Ela devia estar morta!

– Lily, não foi a Lacey quem...

– Foi. Foi sim! Como eu vou conviver com essa... Figura assombrando essas cavernas? Peregrina não devia!

– Ainda bem que aquela parasita é bondosa demais. – Ela diz com a voz transbordando repulsa e maldade.

– Não a chame assim! Como pode? Por mais que tenha sido um erro, ela salvou você!

– Não fez mais que a obrigação. Eu precisava disso. Não suportava mais ficar lidando com aquela mente obstinada pela paz mundial, por “consertar os desvios de Peregrina”, aquela lacraia incapaz e fraca que gritava desesperadamente para que eu sumisse.

– Não me surpreende o desespero dela tendo que conviver com você! – Devolvo.

“O que é isso? Agora tenho pena da buscadora?”

Sacudo a cabeça, meu ódio por essa pessoinha birrenta é incomensurável! Dou passos largos e tensos para perto dela, sinto meu sangue ferver.

– Você pode ter sobrevivido àquela Alma, só que isso não lhe torna mais especial que ninguém aqui. Vai comer o pão, se não quiser, fique com fome.

– Porque eu daria ouvidos a você, pervertida? – Eu me espanto com o que ouço. Recuo um passo e pisco várias vezes. Consigo sentir os olhares abismados de Paige e Rebecca na direção dela também. – Sinceramente, que papelão! – Ela põe a mão na cintura e me olha duramente. - Aquele garoto era o quê? Uns dez anos mais novo? Melhor destino ele teve, do que conviver com você. Fiz um favor a ele!

Minha mão espalmada atinge o rosto dela em cheio.

A força é tamanha para o corpo dela que ela rodopia e cai ao pé do balcão. Esfregando o rosto, ela me dirige um olhar de ódio. Ego ferido. Dane-se. Avanço na direção dela, as mãos em punho, mas Rebecca segura firme em meu braço, impedindo-me.

– Como você pode falar algo assim? Como você pode orgulhar-se de ter tirado a vida dele? – Estou gritando à beira da histeria.

– Não fui eu... Foi ela! – Ela grita. A voz vacilando pela ira ou pelo medo da verdade.

– Como se você não tivesse culpa alguma.Você é desprezível!

– Engano seu. Eu sou forte, esperta, sobrevivente. Eu precisava me livrar dela, faria qualquer coisa para isso. Eu só precisava chegar aqui dentro, aí seria fácil tomar o controle e mostrar que eu estava aqui. Então me libertariam como fizeram. – Ela se levanta e me afronta, ficando nas pontas dos pés e fazendo questão de gritar mais alto.

– E pra isso você...

– Aquele garoto burro deveria ter se abaixado como os outros! Não era minha intenção acabar com ele, mas ele não contribuiu!

Num só impulso solto-me de Rebecca e voo sobre a coisa minúscula e odiosa, dou uns dois tapas caprichados naquela cara limpa e ela se debate com força, puxando meu cabelo e dando socos nas minhas costelas. Estou determinada a acabar com todos os dentes daquela boca venenosa e arrancar-lhe a língua se preciso for, quando alguém me tira de cima dela. Não paro, começo a debater-me.

– Solta! Eu vou acabar com ela! Ela matou Wes! Ela matou Wes! Assassina! – Esbravejo com todas as forças, lágrimas jorrando constantemente. Ouço os murmúrios na cozinha, mas eles soam fracos perto da dor e da revolta que fazem meus ouvidos latejarem com a pulsação!

– Tire-a daqui, Aaron. – Jeb determina, mas eu continuo me debatendo, lutando pra alcançá-la e terminar o serviço. – Sharon, chame o Doc. Por mais que ela possa merecer... Lily foi bem incisiva!

“Foi pouco! Eu ainda não terminei...”

Enfurecida sou incapaz de verbalizar qualquer palavra. Dou bastante trabalho a Aaron, mas aos poucos perco a força e me entrego às lágrimas. Choro como se isso pudesse drenar toda a dor, a raiva, a inconformidade de dentro de mim. Ele me leva de volta ao meu quarto.

– Não. – Digo em meio às lágrimas – Não quero voltar pra lá... Quero... Quero ir para a sala de jogos. Por favor, Aaron. - Ele hesita, mas depois me leva até lá. Para na entrada e olha em volta, me soltando aos poucos.

– Você...

– Quero ficar só. – Digo num soluço. Ele balança a cabeça negativamente. Eu dou de ombros e corro para o canto escuro da fonte. Ele não me acompanha. Agacho-me próximo à água, embriagando-me do aroma e suas lembranças.

E o som da fonte encobre meu pranto.

– - - ### - - -

Boooom...oom...om...

O som da bola ricocheteando na parede ecoou por toda a câmara. Eu me entreguei à fadiga e deixei o corpo cair derrotado ao lado de Wes que estava sentado com a cabeça pendendo entre as pernas, tentando fazer um pouco mais de oxigênio chegar ao cérebro e diminuir a vertigem.

A sombra de um Kyle triunfante sobre mim ocultou a fraca luz da sala de jogos.

– OK! Você não... precisa do Ian... para nos der... derrotar. – Eu disse sem fôlego e o sorriso presunçoso de Kyle parecia iluminar o ambiente mais que as lanternas.

– Eu aceito um pedido de revanche, mesmo que vá ser inútil. – Ele esperou uma resposta nossa. E, como eu já tinha dificuldade suficiente para respirar, decidi concentrar meus esforços nisso e ignorar a soberba dele. Ele ergueu as sobrancelhas e foi em direção à saída. – Isso se vocês ainda estiverem vivos...

Recusei-me até mesmo a balançar a cabeça em negação diante daquilo. Wes estava muito quieto e respirava profundamente. Cheguei a pensar que ele estava sugando todo o oxigênio e por isso eu ofegava tanto em busca de ar.

– Ele não é humano... Ele é uma máquina! – Wes reclamou e largou o corpo esparramando-se no chão. Eu ri, entrecortada por uma tosse seca. Então fiz um último esforço, levantando-me para pegar um pouco de água.

– Não deveríamos... desafiá-lo tanto da próxima vez. Acho que o deixamos... loucamente determinado! – Wes murmurou algo em acordo. Peguei a garrafa e me arrastei até ele, inclinado-me e sacudindo a garrafa de água como um pendulo sobre seu rosto enquanto as gotas frescas pingavam. Wes deu um sorriso admirado ao abrir os olhos. – O quê?!

Eu ri entregando-lhe a garrafa e voltando a me deitar por ali mesmo. Ele bebeu a água ruidosamente, fingindo se engasgar algumas vezes e me fazendo rir. Então se fez silêncio e ficamos contemplando a penumbra das lanternas distantes enquanto a fonte jorrava ruidosa mais ao fundo.

– Sabia que... – As palavras engarrafaram na minha garganta quando eu virei o rosto e percebi que Wes me observava atentamente. Seu rosto pareceu queimar lentamente enquanto ele desviou o olhar, não tão rápido. Soltei um suspiro discreto pra aliviar as palavras congestionadas.

– Desculpe, o que estava dizendo? – Ele disse com a voz controlada. Eu não me lembrava. De nada. O pensamento esvaiu naquele suspiro. Permaneci fitando o teto escuro e então eu resolvi fazer uma piada.

– Hey! – Ele me olhou pelo canto dos olhos – Achou algo interessante, foi? – Ele soltou um meio-sorriso-suspiro.

–Sim. Muito, na verdade. – Controlado novamente.

Senti minha face corar. Meu coração, de repente, bateu forte e descompassado e eu cruzei os braços sobre o peito, discretamente, porque tive a impressão de que o efeito interno era visível na superfície. Tentei respirar regularmente e organizar o pensamento. Wes e eu havíamos nos tornado amigos desde sua chegada e apesar dele ser só um garoto era muito maduro, dedicado e inteligente. No entanto, foi sua reação à Peregrina que me chamou a atenção. Wes estava me ensinado a perceber as coisas de um modo mais... Sensato e independente. Aquilo que estava acontecendo comigo... Era diferente... Não parecia errado.

– Lily...

– Wes...

Falamos ao mesmo tempo. E veio o silêncio de novo entremeado de suspiros, olhares inquietos, ariscos. Sorrisos tímidos, instáveis e frequentes. Então mordi o lábio inferior pra controlar aquela indecisão constrangedora. Wes levantou-se num pulo. Olhou para cima e refletiu rapidamente, depois me estendeu uma mão. Eu aceitei e ele me segurou puxou para cima. E não a soltou. Seus dedos encobriram os meus protetoramente.

– O amor e a vida continuam. – Ele disse baixo, mas com a voz pungente da segurança que transbordava pelo olhar. Tentei formar um pensamento coerente. Ele era mais novo, somente um ano acima dos dezoito. Novo. E... Meu Deus! Era o fim do mundo, porque o amor tinha que persistir? Mas quanto mais tempo sua mão seguravam a minha, mais aquele lugar parecia fazer sentido apesar de tudo.

– O amor e a vida continuam... – Eu sussurrei com a voz embargada. “O garoto é mais seguro que eu!” –... Mesmo depois do fim do mundo. – Tentei dizer mais firme.

Os olhos dele cintilaram profundamente, como se contivessem o universo e todas as suas estrelas. Esboçou um sorriso realizado e segurou a minha outra mão que estava, inconvenientemente, suada e gelada. Ele a envolveu com esmero e depois levou ambas até seus lábios depositando um beijo devotado ali. Baixei os olhos, um tanto constrangida.

– Você fica linda quando enrubesce... – Ele disse levantando meu rosto e brincando com as mechas desordenadas do meu cabelo.

– Wes, eu...

Senti o toque dos seus lábios nos meus e me esqueci o que quisera dizer. Naquele momento, fosse o último meu, o último desse planeta... Nada importava. Eu me senti plena.


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