Wesen Para Matar escrita por GhostOne


Capítulo 6
Vosso Capitão


Notas iniciais do capítulo

Olá, kiridos! Rsrs
Não tenho muito a dizer. Os locais citados no texto foram pegos do site Viagens e Imagens: Cidade das Américas: Portland, um segredo bem guardado. Alguns trechos também foram tirados de lá.Espero que gostem! Boa leitura!



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Pulei da árvore e andei do outro lado da rua, seguindo-o discretamente, mas parei.

Eu não queria fazer aquilo agora. Tinha viajado tanto e merecia um descanso.

Continuei caminhando até a moto, e subi nela relutante. Mas olhei para trás uma última vez, para o carro. Antiquado, mas com um certo estilo atual, vai ver era a pintura. Corri os olhos pelo carro mais uma vez, e parei na...

Na placa.

743−HXA.

Vou me lembrar disso.

*

− Alicia, onde estava?

Olhei para Bárbara, sentada na cama do quarto que Emily me dera, segundo ela, mas eu ainda achava e insistia que ela só tinha me emprestado.

Era um quarto gigante, com as paredes em tons de marfim e branco. As paredes eram decoradas com estantes e pinturas: algumas eram representações de pinturas famosas, outras eram quadros simples, que pareciam ter sido feitos apenas por passatempo. Naturezas-mortas, florestas, jardins, um vaso de flores. A cama era de casal (como as de todos os quartos que eu vi) e era branca. O guarda-roupa era imenso, a tevê era o sonho de qualquer amante de filmes; ela tinha vários jogos, um frigobar e um baú. Em cada canto do quarto, haviam jarras de vidro lindamente decoradas, com flores secas e algumas especiarias. Emily dissera que aquilo era um pot-pourri*, e exalava um cheiro muito bom.

As roupas novas de Barbie faziam com que ela parecesse uma socialite muito lindinha: Seu vestido a primeira vista era branco, mas era um tom de branco marfim coberto por um tecido finíssimo rosado. Ela usava sandálias brancas e parecia reluzente. Vi que passara pelos mesmos mimos no banho que eu.

− Dei uma saída.

Era um tiro perdido. Somos ensinados a ler a linguagem corporal das pessoas e a disfarçar a nossa própria, e eu era uma ótima mentirosa, se não fosse para Bárbara a pessoa para quem eu mentia. Ela podia ver formigas andando na terra a meio quilômetro de distância; ler sinais que indicam mentira no corpo de seus interlocutores não lhe é exatamente um desafio.

− Você está mentindo; foi procurar seu irmão, não foi? Onde estava? – Ela respondeu, quase imediatamente.

− O que me entregou?

− Você cerrou os punhos. Não mude de assunto. Onde você estava? – Barbie repetiu a pergunta. Seu olhar era frio, metálico, e uma pedra a 100 quilômetros por hora causaria menos impacto em um humano que as palavras dela causam em mim.

Bárbara era um poço de calma, e essa era uma boa armadilha. Todos pensavam que ela não se irritava, mas sim, ela tinha seu limite. E seu pior jeito de enfrentar as pessoas era o que ela usava comigo naquele momento. Seus gestos fariam qualquer um se encolher e baixar a guarda.

Mas eu não sabia o que a tinha feito chegar ao limite.

− Observando a delegacia. Por quê?

− Alicia, você não consegue descansar? – Ela perguntou, como se estivesse exausta. Barbie soava como uma mãe que se cansa de dar o mesmo sermão para a filha por um motivo bobo. Ela se levantou e pôs as mãos nos meus ombros. – Ficamos a esmo por tanto tempo, mulher, tanto tempo! E agora que temos chance de descansar, você vai ter mais trabalho. Alicia, você é workaholic* por acaso? – Ela girou o corpo para ficar atrás de mim, mas digo algo que a faz parar:

− Há um nobre aqui.

Ela parou. Seu corpo ficou tenso; senti pelas suas mãos, que apertaram meus ombros. Sua respiração se aprofundou, apenas para, então, reduzir; suas mãos me soltaram e eu me voltei para ela, que parecia tensa.

− Qual? – Ela questionou. – Não me diga que...

− O bastardo.

Se há alguma maneira de atiçar sentimentos homicidas na Barbie, é esse.

Ela engoliu em seco e rosnou baixinho.

− Você foi procurar o bastardo? Como sabia que ele estava aqui?

− Eu não sabia. Quando ele saiu, eu o farejei. – Respondi, simplista.

Ela respirou fundo, como se testasse o limite de sua paciência, e eu pude ver a vida passando diante dos meus olhos.

− Ok. Vá dormir, vamos falar disso amanhã. − Ela me soltou e, tão rápido quanto pude ver, ela se foi.

− Depois eu que sou workaholic.

*

No dia seguinte, tudo aconteceu de maneira muito eu: anormal.

Primeiro que acordar em uma cama de casal, com roupas de cama fofinhas e cheirando a rosas e tudo de bom, depois de tomar um banho que tinha tirado anos de tensão e um pouco de sujeira já era mimo demais pra mim. Mas com a notícia da noite anterior, tudo devia ter ficado tenso.

Levantei-me e troquei o baby-doll por uma roupa mais apresentável para o café da manhã, que eu estava muito disposta a tomar.

Eram nove horas, e eu fiquei surpresa. Nunca na minha vida tinha acordado tão tarde (ok, já tinha sim); já era costume acordar seis ou sete da manhã (depois que saí do asilo), mas aquela hora...

Desci as escadas, sentindo o cheiro de café e chocolate e pãezinhos e ovos e um monte de outras coisas gostosas. Quando cheguei na cozinha, duas coisas me chamaram a atenção.

1) Emily não estava lá.

2) A mesa.

Sério. Eu já sabia que era uma mesa grande, para no máximo vinte ou vinte e três pessoas, mas não pensei que era possível cozinhar tanta comida em uma manhã. Eram pães, sanduíches, brioches, aquelas bolachinhas francesas redondinhas que eu não lembro o nome, ovos com bacon, croissants, pedaços de bolo, cupcakes, salsichas (? Acho que era pros hot-dogs), até salada.

Eu fiquei com pena. Ela iria comer tudo aquilo ou deixaria estragar?

− Bom dia, Alicia – Cumprimentou-me Carla, comendo um croissant e um pedaço de bolo.

− Oi, Ally – Bárbara acenou, parecendo melhor de humor.

− Oi, gente. Cadê a Emy? – Perguntei, me sentando e me servindo do que podia. Quando vi tudo aquilo, fiquei com muita fome.

− A senhorita Cooper queria ver se perdeu as habilidades com o pincel – Carla respondeu, meio enigmática.

− O quê?

− Emily é uma pintora, sabe, por hobby. Várias representações e quadros dessa casa foram feitos por ela. – A negra me explicou. – Ela pinta com exímia destreza; queria seguir essa carreira, a despeito da mãe.

Pensei nas belas naturezas-mortas e vasos de flores, como as cópias que eu vira no meu quarto. Emily que havia feito tudo aquilo?

− Ela que fez os quadros?

− Boa parte deles. Sua mãe gostava de suas pinturas, mas Emily tem um império inteiro de joias para herdar. Mas enquanto seus vinte e dois anos não chegam, ela prefere as telas e tintas.

− Alicia, você tinha que ver. Eu achei um quadro com a imagem do busto de uma mulher decorado por joias, e é... Fabuloso. Parecem até reais. – Bárbara disse, sonhadora.

− Uou – Respondi, sem saber muito o que dizer. – Ela pinta bem mesmo...

A vida de Emily ainda era muito escondida para mim. Eu estava ali, na casa dela, e mesmo assim não tinha muita consciência do que ela vivera. Eu sabia que sua mãe era francesa e bem-sucedida, que se mudara para Portland aos vinte e casara com um militar que morreu anos depois em guerra, e que Emily era filha dele, mas não sabia sobre as pinturas. Ela nunca me dissera que pintava, nem que queria ser pintora... O que mais eu ainda não sabia?

Nesse momento, ela desceu as escadas, com o cabelo amarrado com uma faixa de pano. Ela usava uma blusa branca e calça jeans meio puída, mas bem limpinha.

Ela parecia ter acabado de acordar, e eu não queria que ela continuasse com aquela farsa.

− Perdão o atraso. Oi, meninas.

− Emily, seu café está pronto há muito tempo. – Carla começou a servir um prato com as coisas favoritas da Emily, sem nenhuma objeção, o que me fez perceber que ela trabalhava para eles há tempo.

− Obrigada, Carla. – Emily se sentou e colocou um guardanapo no colo.

Mais uma coisa da Emily: ela fez aulas de etiqueta com a mãe, pelo o que me dissera. Seus talheres eram perfeitamente arrumados, e ela era como uma rainha comendo, impecável.

− Eu esqueci de te contar, Ally. Sobre...

− As pinturas? – Chutei.

Ela confirmou com a cabeça.

− Eu observava os pintores que minha mãe contratava. Desde o primeiro momento em que toquei no pincel, eu me apaixonei por isso. Não sou muito boa, mas...

− Modesta. Você é boa em ser modesta – Bárbara replicou, o que fez Emy rir.

− Você pinta muito bem.

Ela baixou a cabeça.

− Obrigada. – Passamos o resto do café em silêncio, com poucas perguntas e comentários, e quando terminamos, Emy falou: − Carla, acho que hoje a tarde vamos sair.

− Eu iria sugerir-lhe essa opção para que não fosse perturbada pelas outras empregadas.

E finalmente me toquei de algo, que não dera muita atenção antes, mas que percebi melhor no momento:

Carla era a única empregada por ali.

− Só você toma conta da casa, perdão a intromissão? – Pergunto a ela. De repente fiquei com pena dela, se era ela que limpava tudo por ali.

Ela deu uma risadinha.

− Não, Alicia. Eu só moro aqui e tomo conta de tudo, mas quem limpa é um grupo de empregadas que vem aqui segunda, quarta e sábado.

− Bem, queria saber se vocês duas estão dispostas a sair hoje. Queria apresentar um pouco dessa cidade para vocês.

− Claro, Emy. – Disse Barbie. – Vou só lá em cima colocar algo mais quente.

Enquanto ela subia as escadas, puxei o braço de Emily.

− Eu estava de vigia ontem perto da delegacia e senti um cheiro estranho. – Sussurrei.

− Encontrou Nick? – Ela perguntou-me, aflita.

− Não, mas encontrei outro homem. Pelo cheiro, um nobre. E justo o bastardo.

Emily engoliu em seco. Ele era, com certeza, uma grande pedra no nosso sapato. Ela me puxou para a frente, em direção ao saguão, e além dele, para a varanda na frente da porta. Ela fechou a porta dupla devagar.

− Se ele... Em alguma boba hipótese, mantiver contato com a Família Real de que veio e trabalhar para eles, teremos que matá-lo?

− Espero que esteja errada, mas se o que você disse for verdade, vamos precisar matá-lo.

− Como vamos matar alguém da Polícia de Portland e membro de uma Família Real sem deixar rastros? Tem ideia do problema que isso pode causar? Podemos ter que ir embora de Portland para... – Ela soluçou. – Para sempre!

− Não − Falei.

Elas já tinham feito demais por mim, aguentado demais, muito mais do que qualquer outra pessoa teria aguentado. Eu não suportaria viver sem elas, mas seria bem pior estragar suas vidas por algo que era, inteiramente, minha responsabilidade.

Seria preciso abrir mão delas.

− Se for necessário matá-lo, eu matarei. Eu fugirei. Vocês ficam aqui.

− Você não vai a canto nenhum sem nós. – Ela replicou, batendo o pé,

− Eu não quero, mas cuidar do Nick e da chave é responsabilidade minha, Emily. Não vou mais estragar a vida de vocês por causa disso.

− Você não estraga nossa vida! – Eu cheguei a abrir a boca para responder, mas ela levantou a mão com graça: − Nem mais, nem menos. Discutiremos isso em outra hora. – Ela empurrou a porta, entrando na sua casa a passadas largas.

Bárbara estava no sofá, então presumi que tivesse ouvido a conversa e não quisesse interromper.

− Vamos?

− Claro – Emily respondeu.

− Agora é a vez de vocês me esperarem. – Corri e subi as escadas, indo até meu quarto e pegando meu sobretudo branco.

Estava na hora de conhecer um pouco mais a Cidade dos Livros.

*

Portland é linda.

Primeiro que aqui é tudo bonito, colorido, com um jeito de pacífico, é uma cidadezinha maravilhosa.

Segundo que o cheiro das rosas é inebriante.

E terceiro, é maravilhoso. Pronto, falei.

Fomos a pé, conhecendo os bairros e ruas de Portland. Ela nos levava de canto a canto, mostrando onde ficava tudo. Compramos um sorvete e fomos até o Laurelhurst Park (ô nomezinho complicado), cujas árvores tinham folhas amareladas e parecia ser um pedaço eterno do outono. Sentamos por ali mesmo, descansando os pés e respirando um pouco de ar puro.

− Minha mãe me trazia aqui quando eu era pequena – Emily comentou. – Ela gostava daqui. E eu passei a gostar também.

− Você já foi na França? – Perguntei.

− Já. Eu era pequena, uns onze ou doze anos... Aí depois fui pra Viena, com 14 anos, e aí... Já sabem. – Ela terminou com um suspiro.

− Emy, desculpe a pergunta, mas como conheceu Carla? Você parece ser beem íntima dela...

Vi Emily baixar os olhos.

− Ela foi minha... Minha ama de leite, e ela foi como uma segunda mãe também. Não é como se... – Ela parou. Olhou para a frente, e em seus olhos, pude ver um tanto de mágoa e dúvida.

Não, não era mágoa. Era algo mais... Pesado, parecido com determinação.

Era o mesmo olhar que ela ostentava antes de uma batalha.

Era raiva.

E pelo o que eu deduzia, era raiva da mãe dela.

− Minha mãe não gostava de mim quando eu era pequenininha. Quer dizer, ela me deixava aos cuidados da Carla, e ficava trabalhando, indo ao shopping com as amigas, indo a festas da alta sociedade. Só porque eu era uma criancinha, ou porque não gostasse de mim mesmo, ela não me levava, não abria mão daquilo para cuidar de mim. – No fim da frase, seus olhos pareciam mais leves, mais normais, e ela parecia aliviada. – Carla foi mais que uma ama para mim. Ela foi a minha mãe de verdade. Só com sete ou oito anos ela começou a me arrancar dela, a me levar para passear, como se notasse que estava me perdendo, e quisesse me recuperar e me consertar para eu ser a filha perfeita. No começo eu gostei da atitude dela, mas mais tarde eu fiquei com ódio. Ela não me queria, ela queria a única que podia ser sua herdeira, e ela me mimou para conseguir. Não entendam mal, eu amava e amo a minha mãe. O que eu não gostava era sua... Atitude. Ela quis deixar o pesado para a Carla e então somente me corrigir, me modelar à sua vontade.

E então caiu a ficha.

Era por aquilo que ela não falava muito do seu passado; ela não gostava do seu passado.

Entendi as vezes que ela dizia que eu era sortuda por ter a mãe que tinha.

Entendi porque ela não falava de si, apenas o básico, apenas o “neutro”.

Entendi sua intimidade com Carla.

Para Emily, ela não tinha uma mãe de verdade. Não de sangue e coração, de quem ela viera e que lhe amara como praticamente todas as crianças.

Nunca teve.

− Ah. – Eu não sabia o que dizer.

Terminamos os sorvetes em silêncio.

− Senti muita falta daqui... É a Cidade Das Rosas e dos Livros, então...

Livros?

− Para! – Barbie sentou-se em um ímpeto. – Livros?

− Cidade dos Livros? – Completei.

− É...

Eu e Bárbara nos entreolhamos.

− Tenho a sensação de que vou gostar muito daqui!

− Eu já estou gostando... Tudo aqui é tão calmo, natural, lindo... – Bárbara suspirou. – Nada da correria infinita e agonizante de outras cidades.

− Lembre-se de Nova York... Até aquela correria tinha seu encanto – Emily puxou a lembrança.

− Não parece um lugar que precise de um Grimm – Comentei, cortando o assunto Nova York.

− Ou de Mehinstinkte – Emily disse, solene.

­– Muito menos de um nobre. – Bárbara finalizou.

− Sinto-me tããão útil – Falo, arrancando algumas risadas das duas.

− Vem, vamos continuar – Emily chamou, levantando-se.

Fomos a pé para a Jamison Square, o “coração” de Portland, pelo o que disse Emily. Eu achei o estilo algo lindo de morrer, muito chique, e as colunas meio greco-romanas fizeram com que eu me apaixonasse.

Depois daquilo fomos para a China Town, ao norte. Lá era um pedacinho fofo do oriente, e eu até fiz o comentário de que Bárbara se encaixava perfeitamente ali, mas ao invés de se irritar, ela só deu uma risadinha, acho que de escárnio.

Então partimos para o Pearl District, que segundo ela, era uma antiga região industrial, reformulada para se tornar um centro comercial e cultural. Havia várias galerias, bares, restaurantes e lojas por lá. As calçadas tinham certo ar pop que fazia eu pensar em São Francisco dos anos 70.

Estávamos do lado leste de Portland, antes da Steel Brigde, por isso pudemos ver as áreas comerciais mais importantes. Ela nos levou, depois, ao Clackamas Town Center, situado na Se 82nd Avenue. (Acho que essa foi a parte que eu mais gostei.)

Paramos por um tempo para almoçar em um restaurante ali perto, que nos pareceu agradável e delicioso. Escolhi um peito de frango grelhado e arroz, simplesmente, e comi tudo com gosto.

Fomos, ainda depois, ao Waterfront Walk, uma das áreas nobres da cidade. Lá era tudo calmo, e nosso passeio foi acompanhado por jardins floridos, gramados bem tratados e por ali encontramos grupos de crianças guiadas por suas professoras, esportistas fazendo jogging e casais de namorados passeando de mãos dadas. Emily achou os casais muito lindinhos.

Após isso, nós três achamos que já tínhamos visto bastante de Portland. Não é que queríamos ir embora, mas era necessário, e já estávamos cansadas. Então tomamos o caminho de volta.

Indo de volta para casa, fui observando as paisagens, imaginando se Nick já tinha passado por ali, se algum conhecido dele já passara por ali, se foram aqueles lugares que o fizeram morar ali. Então percebi que, de novo, eu estava divagando para o meu dever, e deti minha mente o mais rápido que pude. Eu precisava relaxar, descansar. Eu merecia aquilo.

Depois de algum tempo (ok, muito tempo) andando, já perto das quatro, cinco horas, finalmente chegamos em casa. Nós três nos assustamos com o tempo que se passara.

− Pra onde vocês foram? – Carla, claro, estava parada na frente do portão da casa (lê-se mansão) de Emily. – Passaram a tarde inteira fora!

− Portland não é exatamente pequena, Carla – Emily respondeu. – E fomos a muitos lugares.

Ela alcançou Carla com passos longos e a abraçou forte.

Imaginei como havia sido a vida de Emily, sem a mãe que lhe gerara por perto, tendo adotado a mulher que lhe criara por mãe, e depois de ter se acostumado, passar pela tentativa de ser arrancada dessa mulher, de ter as raízes emocionais removidas.

Eu sempre vivi com minha mãe por perto, até o momento em que também fui tirada dela. Eu não conseguia imaginar minha vida sem ela, mas Emily havia passado por aquilo duas vezes. Será que ela tinha, realmente, sofrido menos que eu?

E Bárbara? Pelo o que ela passara? Tinha ela sofrido tanto quando nós?

Suspirei. E imaginar que eu me achava amiga delas.

− Vamos, meninas, entrem. Acho que depois desse passeio vocês devam tomar um banho. – Ela nos guiou para dentro, dizendo que ia preparar o jantar enquanto tomássemos o banho, e que não devíamos nos apressar.

E lá fomos nós, indo preparar outro banho de imersão delicioso e cheio dos sais e produtos pra banho, como toda mulher vaidosa faz.

Enquanto enchia a banheira e jogava um pouco de cada item necessário na água morna (mais puxada pra fria, porque eu gosto da água fria) e me despia, ficava pensando no que iria fazer dali pra frente.

Talvez Barbie tivesse razão. Talvez eu fosse workaholic mesmo.

Eu ainda tinha todo o tempo do mundo para ter um confronto com Vossa Alteza, então ainda podia relaxar muito. Eu ainda podia passear por toda a Portland antes de ir fazer-lhe uma visitinha.

Lembrei do porte de poder que ele me pareceu inspirar enquanto andava. E o que ele faria ao me ver? Se fosse me levar de volta para as Famílias Reais, eu lhe rasgaria a garganta, isso já estava decidido. Se não, talvez eu pudesse arrancar algumas informações dele... Ou até usá-lo como aliado, se ele não apoiasse os nobres de sangue puro.

Sangue puro... Há.

Mas, com certeza, ele sabia mais do que eu no quesito “Wesen x Realeza”. Bem mais. E quem sabe, se eu não precisasse matá-lo e ele não fosse, bem, muito antipático, eu pudesse usufruir um pouco da existência dele.

Eu ri. Isso, certamente, seria muito divertido!

Terminei de encher a banheira e entupi-la de sais, e entrei. A água fria relaxou-me imediatamente. Fiquei um pouco sonolenta, mas eu tinha medo de dormir na banheira e me afogar, então tratei de focar-me no banho. Eu podia dormir depois do jantar.

Depois de algum tempo me ensaboando, lavando e massageando, levantei da banheira com muita vontade de me enrolar na cama e dormir, mas lutei contra isso, vesti um conjunto preto simples e desci as escadas, sentindo o cheiro de comida.

No jantar, Carla não fez tanta comida como de manhã, mas ainda era um pouco mais que o suficiente. Tinha arroz, uns pedaços de filé de peito de frango enrolados com presunto e queijo e pedacinhos de bacon, tudo frito, tinha carne com batatas, salada, carne de porco (Hã? No jantar? Tá certo isso?), purê de batata, nuggets, e outras coisinhas.

Emily e Bárbara já estavam sentadas, comendo, e eu sabia que elas estavam conversando, mas quando ouviram meus passos, pararam de falar.

− Oi, Alicia – Emily acenou. – Acho que vai gostar dos rolinhos de frango. Carla os faz muito bem.

Carla estava recostada na porta da cozinha, e sorriu.

− Não é que eu os faça muito bem. Tudo o que eu faço, você diz que eu faço bem.

− Claro.

Servi-me dos rolinhos, do arroz e do purê, enquanto observava Carla se despedir e ir embora, subindo as escadas para seu quarto. Quando ouvimos o fechar da porta, as duas se viraram para mim.

− Você não vai embora sem a gente. – Bárbara anunciou.

Ai, esse assunto de novo não.

− Olha só...

− Olha só nada. Você quer matar o nobre e ir embora sem nós? Quer nos deixar aqui? – Barbie me acusou.

Olhei para Emily com uma ponta de raiva.

− Exagerada. – Voltei meu olhar para Barbie. – Eu não quero abandonar vocês. Eu só não quero afastar vocês daqui. Emily, essa é sua cidade natal, e Barbie, você já ama Portland. Seria maldade minha tirar vocês daqui. Eu também não quero, mas é preciso... Talvez seja.

− Você não vai a lugar nenhum sem nós, eu já disse. – Emily respondeu-me.

− Emily, lá fora você deixou claro que não queria ir embora, mas também se recusa a ficar aqui! – Eu levantei a voz. Não era meu objetivo brigar com elas, mas nenhuma das duas deixava escolha.

− Claro! Eu não vou te deixar! – Ela ficou em pé e eu também.

− Olha, eu não quero deixar vocês de jeito nenhum. – Abaixei o tom. – Mas se é pra minha vida fazer sentido, tenho de vivê-la eu mesma, e aceitar qualquer risco que ela me traga. Se eu matá-lo, a responsabilidade vai ser minha. Talvez eu volte um dia. – Sentei. – Mas a partir de agora, as consequências de qualquer coisa vão ser minhas, e não devem influenciar na vida de vocês. Se quiserem vir, podem vir, mas será por conta das duas.

Emily também se sentou e olhou para seu prato. Bárbara ficou remexendo os grãos de arroz com o garfo e eu esperei alguma resposta das duas.

− Que seja. – Emily finalizou. – Mas você não vai embora sozinha.

Suspirei. Eu e elas éramos (somos) iguais no departamento da teimosia. Quanto mais elas insistissem, mais eu insistiria.

− Ok, está bom. – Falei. – Aceito os termos.

Terminei de comer com calma, sem querer atrair suspeitas. Porque, é claro, eu já tinha um plano em mente; sempre trato de ter.

Quando terminei meu jantar, disse boa noite para as duas naturalmente e subi as escadas. Fechei a porta, tratei de diminuir a respiração e tirei os sapatos salto alto, trocando-os por sapatilhas. Amarrei o cabelo em um rabo de cavalo bem-feito e vesti a jaqueta. Para encobrir-me, liguei a televisão e deixei em um canal que eu gosto. Tranquei a porta, como era meu costume.

Pronto. Primeira etapa de meu plano realizada.

Eu precisava esperar até as duas irem dormir, o que não demorava muito; eram oito e cinquenta. Passaram-se umas horas, e às nove e meia (nós sempre dormíamos cedo), elas já tinham ido dormir. Perfeito.

Quando fui vigiar a delegacia pela primeira vez, eram umas dez e onze, algo assim. Eu, dessa vez, estava lá às nove e quarenta e dois. Procurei pelo carro do nobre, que eu memorizara, e logo o encontrei, na outra calçada, longe da delegacia, mais ou menos uma quadra depois.

Um truque que minha mãe me ensinara, e que eu gostava muito, era o de destrancar a porta de carros com a faca. Olhei para os lados, para trás e por cima do carro, encostado na calçada; a rua estava deserta. Deslizei a lâmina pelo vão entre o vidro e a porta.

Quando senti a tranca, mexi um pouco a faca, com cuidado para não quebrar a navalha, ouvindo o que minha mãe me dissera quando me mostrou o que fazer: cuidado com a faca, filha; tente puxar a trava para cima, e a porta será destrancada quando ouvir um estalo mais forte.

Ela usava uma lâmina curva, com um engate na ponta, para puxar a trava; por isso, tive mais dificuldade. Mesmo assim, com um pouco de dedicação e esforço, destravo a porta. Olho para o relógio em meu braço; dez e vinte e dois. Ótimo. Eu ainda tinha tempo.

Já sabia como agir, o que fazer, o que dizer. E já tinha em mente algumas possíveis reações dele; não seria tão fácil eu ser pega de surpresa.

Entrei no carro e observei, pelo vidro, a movimentação na delegacia. Eu deveria ter paciência; dependendo do departamento em que ele trabalha e seu cargo, ele não iria sair cedo como saiu. Comecei a enrolar uma mecha do meu cabelo nos dedos. Paciência é uma virtude...

Que eu não tenho de sobra.

Aliás, sempre achei que eu sou meio hiperativa. Não consigo ficar parada por muito tempo até hoje, me incomoda um pouco. Por isso, depois de vinte ou trinta minutos, já estava me remexendo toda, como se estivesse tendo calafrios. Abri a janela e inspirei o ar lá de fora; quando ele saísse, eu sentiria o cheiro.

Peguei o celular no bolso da jaqueta e comecei a mexer nele sem realmente ligar para o que eu fazia, outro indício de brainstorm, ou algo ainda pior; pensamentos descontrolados. Eu odeio, sempre odiei, quando isso acontece comigo, e não é fácil de controlar.

Relaxei dentro do carro, tentando deter a enxurrada de pensamentos que poderia me vir, para manter a calma. Eu precisava parecer calma, controlada, racional, sem medo.

Respirei fundo, e foi quando senti aquele cheiro de híbrido novamente. Ele tinha saído, e era a minha hora de sair do seu carro.

Era a hora do enfrentamento.

Saí do banco do motorista e fechei a porta, me encostando no carro e puxando meu celular do bolso, mexendo nele, como se aquele fosse meu carro e eu esperasse alguém. Ouvi os passos dele e sua desaceleração.

Ele estava pensando em como me abordar, talvez.

Ele retornou a andar, se aproximando de mim. Olhei para cima, em sua direção.

E travei.

Ele era ainda mais alto pessoalmente, o que fez meus 1,75m parecerem um metro e meio do seu lado. Seus olhos eram claros, e pareciam ser cinza-claro, mas eu duvidava. Não conhecia um homem com olhos claros que não mudassem de cor. O cabelo era de um encaracolado intenso, um emaranhado de cachos provavelmente ásperos, e negros. Seu rosto...

Os olhos dele eram inteligentes, frios e maldosos, como se pensassem em uma maneira de te matar. Os lábios finos pareciam crispados, tensos, assim como o maxilar. Havia uma levíssima sombra de barba no queixo e bochechas, mas tão suave que era quase imperceptível. O nariz era... Sei lá, exagerado, mas parecia ter um encaixe perfeito no rosto dele, e só dele.

Já era, pensei. O plano fora por água abaixo; eu devia estar com cara de idiota.

Mas tratei de me recuperar o mais rápido possível, inclinando a cabeça, semicerrando os olhos e dando um sorrisinho de escárnio. ­Recupere-se!

− Ora. Justamente quem eu queria ver. – Sorri ainda mais falsamente. – Vossa Alteza. – Inclinei levemente o corpo.

Se meu palpite fosse certo, a forma de tratamento faria com que ele passasse do modo “policial” para “nobre do mundo Wesen”.

E eu estava certa.

Os olhos dele se fecharam levemente, e em um ato rápido, ele tomou minha mão direita e virou-a com a palma para cima; as espadas cruzadas.

E uma cruz que as intersectava.

Um cancelamento de contrato. Algo que nunca era concedido por livre e espontânea vontade da Verrat. Algo que quase ninguém conseguia.

E quem tentava era morto.

− Quem é você? – Ele me perguntou com a voz baixa... Alarmado.

Sorri diabolicamente.

− Quem sabe você possa descobrir. – Sugeri, com a voz leve, suavemente doce. – Que tal me levar para uma conversinha particular, Vossa Alteza? Prometo que não vou tentar seduzi-lo. – Sorri, meu tom de voz alterando levemente para escárnio e sarcasmo.

Ele levantou a cabeça, seu olhar estava demonstrando raiva e instabilidade.

− Você conseguiu cancelar o contrato. – Ele disse. – Não trabalha mais pra eles. Como conseguiu?

− Eu sou muito persuasiva, sabe? – Dei de ombros, como se conseguir feitos que são quase impossíveis de ocorrer fosse normal para mim. – Consegui cancelar do meu jeitinho. Nunca foi minha vontade trabalhar para eles...

− Quem é você? Nos dois sentidos. – Ele repetiu.

− Ora, não vai querer falar disso aqui, não é, Vossa Alteza? – Olhei para os lados. – Podemos atrair suspeitas... Leve-me para sua casa e prometo que não tentarei nada ruim, ou me esforçarei para isso. – Ri, escarnecida. – E lhe darei todas as respostas, desde que eu queira.

Ele suspirou. Sua paciência comigo se esgotava; tudo estava indo como o planejado.

Perfeitamente maravilhoso.

− Entre no carro. E saia da frente da porta do motorista. – Sua voz foi ríspida, grossa e com um tom de ordem indiscutível. Obedeci, mas mantive a cabeça erguida.

Entrei no carro e ele subiu o vidro que eu abaixara.

− Ok, agora eu quero saber pelo menos o seu nome, ex Verrater, pra eu poder lhe chamar de outra maneira senão essa. – Sua voz grossa deixava muito claro a impaciência dele. – Ou farei você dar o fora daqui.

Eu suspirei dramaticamente, olhando pra cima como quem diz “eu mereço!”.

− É coisa de policiais isso? Esse negócio de ir direto ao ponto? – Revirei os olhos. Emily iria amar aquela ceninha. – Alicia. Pronto, já sabe. Vamos? – Pisquei inocente.

Ele inspirou e expirou fortemente, com raiva. Muita raiva, e aquilo me deixou contente.

Nunca pensei que meus planos fossem dar tão certo.

Durante o caminho, fui observando seu rosto, seu corpo, muito bem vestido pelo terno, e sua linguagem corporal. Pelo o que eu via, ele estava tenso e alarmado, ou seja, atacá-lo, coisa que eu não faria, estava fora de cogitação. Sua raiva fazia com que ele dirigisse rápido, porque andar a 120 quilômetros não era coisa que eu achava que um policial estava acostumado a fazer.

Eu estava tão determinada quanto ele parecia estar.

− Não me chame de Vossa Alteza. – Ele disse entredentes.

Olho para ele, sem conseguir esconder minha leve surpresa.

− E devo chamá-lo de quê, então?

Ele pareceu pensar em algo adequado para eu tratá-lo.

− Capitão Renard. – Ele disse. – É o que eu prefiro e com o qual estou acostumado.

Capitão Renard...

Vou pronunciando o nome em minha mente para me acostumar e relacioná-lo com o motorista ao meu lado.

− Capitão Renard. Soa bem. – Falo, e imediatamente me detenho.

Estou conversando normalmente com ele. Me desviando do meu foco.

Calo a boca e continuo o resto do caminho normalmente, quieta, falando para mim mesma na minha mente: “não fale com ele, não converse amigavelmente com ele. Você precisa tirá-lo do seu caminho.”

Quando chegamos no apartamento em que ele morava – pomposo, devo dizer – ele parou e olhou diretamente pra mim, com um olhar de alerta.

− Quando sairmos, segure no meu braço, como se você fosse mais uma companheira para um pouco de champanhe. – Capitão Renard me instruiu. – Fique sorridente, e trate de fazer parecer que você está encantada por mim.

− Isso não vai ser tão fácil – Zombei, mas sua expressão dura interrompeu meu riso.

− Atue, Alicia – Ele disse, e meu nome soou exótico em sua fala. – Finja. Agora vamos.

Ele saiu, e a expressão de raiva e dureza foi substituída rapidamente por uma de prazer e satisfação, como se ele estivesse ganhando um prêmio de cara mais dissimulado do mundo. Fiz o mesmo; quantas vezes eu já não fingira na minha vida?

Sorri, e olhei para ele com falso desejo, tomando seu braço. Fiz o que ele mandou; atuei, dessa vez, no lugar de uma mulher encantada e prazerosa por estar ao lado dele.

Entramos rapidamente, rindo, e percebi que nossos papéis não eram tão ruins assim. O porteiro acenou para ele e Renard retribuiu, ainda com o sorriso de satisfação estampado no rosto.

Entramos no corredor onde estavam os elevadores, e eu já ia desmanchar meu jeito, quando ele apertou meu braço. Ainda não podia deixar de fingir; talvez o porteiro ainda ouvisse, e se houvesse alguém no elevador, talvez precisássemos manter as aparências.

− Ele deve estar te achando pedófilo – Falei baixinho. – Eu nem pareço ter dezoito anos.

− Você que pensa – Ele me respondeu. – Eu diria dezessete.

Felizmente, o elevador estava vazio, e eu pude soltar seu braço. Mas, inconscientemente, eu não queria soltá-lo tão cedo, e ele ainda parecia me segurar.

Lentamente, os números no painel que indicava o andar foram mudando, até que parou no dezesseis. A porta abriu e Renard me levou até a porta de seu apartamento, abrindo-a para mim.

Era pomposo, assim como tudo o que eu vira até sua residência. Várias pinturas decoravam as paredes, em tons claros que me lembraram a mansão Cooper, como eu passara a chamar a casa (gigante) de Emily. O sofá era grande, e a cozinha estava logo ali, ao lado. A tevê ficava suspensa na parede por um suporte, enfim.

− Me dê suas armas, se tem alguma. – Ele ordenou.

Virei minha cabeça para olhá-lo.

− Você acha que só agora eu tentaria lhe matar?

− Não quero saber. Dê-me o que trouxe ou saia de meu apartamento. – Ordens, ordens. Esse cara é um líder nato.

Puxei minha faca de seu esconderijo e lhe entreguei. – Vou querê-la de volta.

Ele foi até a cozinha com passos rápidos.

− Quer algo?

− Não. – Falei, sentando-me no sofá, deliciada com a maciez. – Mas se tiver champanhe ou vinho aí, não recuso uma taça.

Ouvi sua respiração forte enquanto servia duas taças. Comecei a dobrar a barra da blusa impulsivamente; por algum motivo, eu ficara nervosa ali.

− Tome. – Ele me entregou a taça com vinho tinto e sentou-se meio distante de mim. – Você me disse seu nome, não seu sobrenome.

Eu ri. Estava voltando a sarcástica.

− Ai, Capitão Renard, antes de tudo permita-me perguntar; com o que trabalha? – Dei um golinho no vinho, amando o gosto.

− Roubos e Homicídios. Já deve saber meu cargo.

Quando ouvi sua resposta, meus olhos se arregalaram e se iluminaram com triunfo.

Roubos e Homicídios. Ele. Capitão.

Era bom demais para ser verdade!

Coloquei a taça na mesinha de centro e ri alto, um riso de pura vitória. Eu nunca estive tão perto de encontrá-lo... Encontrar meu irmão.

Renard me olhava estranho, e tratei de me controlar.

− Capitão, na verdade, meu sobrenome o senhor já conhece. – Eu respondi, divertida com a coincidência alegre. – Quer uma dica?

− Sem brincadeiras. – Ele me avisou.

− É o sobrenome de um dos seus detetives... – Dei uns risinhos irônicos. − Começa com B... E termina com “urkhardt”. – Bebi mais um gole do vinho, quase gargalhando quando enxerguei a expressão em seu rosto.

Incredulidade.

− Você... – Seu olhar era mais do que alarmado; quase beirava o pânico. – Você...

Me levantei, vitoriosa, triunfante e poderosa, inclinando-me para sussurrar em seu ouvido:

− Minha mãe não está tão morta quanto pensa.

Ele balançou a cabeça, colocando tudo em ordem.

− Você é... Irmã dele? − Sorri.

− Sou. Embora, para todos os efeitos, eu não exista de verdade. – Suspirei e voltei para meu lugar no sofá. – Não tenho certidão, logo, não tenho nem posso ter documento nenhum. É até melhor assim, é mais fácil para ser uma fora da lei. – Dei uma risadinha. Que irônico; eu me chamar de fora da lei do lado de um capitão da polícia.

Ele levou alguns segundos para assimilar o que eu dissera. Quando o fez, voltou o olhar para mim:

− Como sabia que eu sou quem sou?

Fitei-o com um olhar de cumplicidade e mutei a parte superior de meu rosto; apenas os olhos e a pele ao redor deles.

Tem tanto que você não sabe, Vossa Alteza. – Voltei ao normal. – A Verrat inteira sabe que deve tomar cuidado com você. – Voltei a beber o vinho.

Ele parecia pensativo.

− Você é irmã do detetive Burkhardt.

− Sim – Confirmei.

− E foi sequestrada, provavelmente, para se tornar híbrida.

− Confere.

Ele balançou levemente a cabeça.

− E o que quer de mim?

Balancei a taça, revirando seu conteúdo, e olhei-o nos olhos, vendo nuvens de tempestade.

− Nada de muito especial. Apenas remover um obstáculo de meu caminho.

Ele deu um gole na taça e colocou-a na mesinha de centro.

− Me considera um obstáculo?

− Dependendo do lado em que está. – Dei de ombros. – Então aqui vai meu aviso: Tente ficar entre mim e Nick, ou tente tirar a chave de nós, que você verá a fúria de uma Mehinstinkte. Eu te matarei, e ninguém nunca achará seu corpo. – Ele ficou alerta. – Então me diga logo: de que lado você está?

− Posso te garantir que não vou interferir em seus planos. – Ele disse, solene.

− Obrigada. Mas talvez esse não seja meu maior problema, capitão. Se você falar à sua Família que eu estou aqui, então eu terei que ir embora. E eu não quero isso. – Empurrei seu corpo contra o sofá, lançando-me sobre ele e reavendo minha faca. Cutuquei minha língua com a ponta da faca. Por algum motivo, ele continuava estático no lugar. – Desculpe, capitão Renard, mas, sabe...? São apenas negócios.

Pulei de volta para o sofá, mas ele rolou para o outro lado bem a tempo, e puxou o revólver de seu coldre, colocando-se em posição para atirar em mim. Seu rosto mudou; a pele pareceu deformar, até eu estar olhando para um Zauberbiest que mais parecia um zumbi caolho. Transformei-me também.

Tente mais uma gracinha e eu atiro. – Voltei ao normal.

− Balas não penetram minha pele com tanta facilidade. Vai machucar menos do que seria necessário para me parar. – Girei a faca em minha mão. – Você não vai contar, vai? – Renard voltou ao normal. – Porque, se contar, morre. E não falo só das Famílias; falo do Nick também.

− Eu não tenho nada com eles, exceto seu irmão.

Dei de ombros, contente.

− Que bom. – Guardei a faca. – Eu disse que a teria de volta.

− Por que quis me matar? – Ele abaixou os ombros e deixou os braços penderem para os lados do corpo. – É tão necessário assim para você conseguir chegar até ele?

Seu olhar era claro; dúvida.

− Eu só ia te ameaçar. Mas acho que o recado está dado. – Sorri, feliz. – Bom, desculpe pela bagunça. E... − Olhei-o uma última vez antes de ir. – Quem saiba você possa me ajudar. Posso precisar de você, sabe? – Dei as costas para ir para a porta, mas fui interrompida:

− Alicia.

− O quê?

Seus olhos eram penetrantes, e pareciam ler minha alma. Ele começou a caminhar devagar, aproximando-se até seu corpo estar irremediavelmente perto do meu. Senti um calor alojar-se em mim, um nervosismo se apossando de meu corpo devagar. Ele estava quase tocando em mim.

Ele me fez recuar até eu encostar na parede, e me encurralou dos dois lados. Ele se abaixou até falar baixinho na minha orelha:

Ceci est mon canton*, vous êtes dans ma région actuellement, et qui détermine les lois jes moi. – (Você está no meu cantão, na minha região, e quem dita as leis sou eu.) Sua voz estava rouca, o que me fez tremer. – Entendido? Você não é a única forte aqui. Saia da linha e eu também vou te matar.

Engasguei para responder. Eu estava trêmula, e por algum motivo, me sentia irremediavelmente indefesa para me defender.

Eu não conseguia me mexer.

− S-sim.

Ele me soltou, e eu saí devagar, ajeitando o casaco e regulando a respiração. Mas mesmo assim, meu corpo quente e meus batimentos cardíacos não deixavam a memória de seu corpo quase colado ao meu se apagar.

Meu pesadelo começava a tomar forma, e por mais que não aparentasse no começo, eu estava entrando numa fria.


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Notas finais do capítulo

Oh yeah, baby! Finalmente! Eu queria tanto tanto tanto chegar aqui!
(Ficou muito pior do que eu pensava, ò.ó)
Mas acho que deve ter ficado razoável. Pelo menos. Tomara.
Próximo capítulo vai ter fight! Ou yé !Explicações porque sou filha de A-te-na (yeah) e sou muito nerd:
Pot-pourri: um pote colocado em ambientes que costuma ter flores secas, especiarias ou itens aromáticos para dar um cheiro agradável ao lugar.
Workaholic: Neologismo inglês, que significa viciado em trabalho, que não para de arrumar algo para se ocupar, no mais cru dos sentidos.
Cantão: Pra quem não sabe, é uma divisão política.
Beijos!



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