Stranger escrita por Okay


Capítulo 30
Dissociação.


Notas iniciais do capítulo

Beijos & Boa leitura! ♕
Capítulo revisado e reescrito 10/07/2020



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Capítulo 30 — Dissociação.

— Eu não sei em que merda você se meteu, nem o tipo de gente que eles são. Mas eu te desejo boa sorte. — Afastou a arma da cabeça dele. 

Lucas finalmente piscou os olhos, sentindo-os arderem insanamente, não entendendo exatamente o que ele pretendia, vendo-o guardar a arma no coldre antes de apoiar ambas as mãos na cintura, respirando fundo, continuando a dizer:

— Eles vão te encontrar e dar o que você merece, então eu não preciso fazer nada com você. Não preciso me sujar, você já me trouxe problemas demais e agora você é problema de outra pessoa. 

Lucas não entendeu quando ele afastou-se e encarou-o como se ele já estivesse morto para si, parecendo não querer ir além. 

— O carro já está aqui, Lars, o que quer fazer? — Mike indagou, percebendo a gafe instantaneamente ao ter revelado o nome de Bob. 

— Vamos embora, ele fica. — Afirmou, bufando pela incapacidade do homem de manter o sigilo, relevando aquilo pela situação.

— Como assim ele fica? — Um dos homens falou. — A ordem anterior não era essa.

Bob respirou fundo ao receber o olhar reprovador de todos, percebendo que precisaria explicar sua decisão. 

— Quando alguém está desesperado demais para morrer, pode ter certeza que é porque continuar vivo é um castigo muito maior… E não sou eu quem vai aliviar a barra do loirinho ali.

— E se ele abrir a boca?! Você não pode deixar ele sair livre assim! 

— Ele sabe exatamente como se comportar, ele esteve com a gente por anos. — Continuou. — Vamos embora. 

— Mas...

— Caralho! — Esbravejou, enfurecido. — Estamos longe do nosso território, uma morte não encomendada aqui não é a melhor decisão! Se quiser matá-lo, eu não vou impedir, mas todos aqui estão de testemunha e confirmarão que eu não dei a ordem. O que você decide?

Lucas rezou para que o capanga seguisse o próprio desejo, quase voltou a chorar e a implorar, ameaçar que contaria tudo, principalmente agora ao saber o nome verdadeiro de Bob, mas estava sem forças para falar, paralisado pelo ódio e pelo medo do que aquilo representava. 

Ele não ia morrer. Sua dor não iria acabar. Mas precisava morrer.

Um daqueles homens precisava atirar. Qualquer um.

Ensandecido, Lucas se jogou em direção ao capanga que discutia com Bob, ou Lars, já não tinha importância.

O homem ficou alerta de sua investida e o loiro sorriu, esperando pelo disparo, mas tudo que recebeu foi um soco violento no rosto, que bagunçou totalmente seus sentidos. 

Quando recuperou a consciência, as luzes do armazém eram apagadas e ouvia o barulho de uma porta rangendo, enquanto passos ecoavam no que agora era um espaço totalmente vazio, exceto pelo rapaz desesperado pela própria morte, jogado ao chão.

Alberto adentrava o apartamento e enquanto deixava as chaves de lado, chamou pelo amigo, em seguida vendo a mesa decorada. 

— Olha só, que capricho! — Aproximou-se da mesa de jantar. — Fazia tempo que eu não usava esse conjunto de mesa.

Ligou as luzes, pensando que Lucas estaria no banho ou cochilando, mas enquanto andava, viu as portas dos cômodos abertas e não o encontrou. Pegou o celular para ver se tinha algum recado do amigo falando para onde tinha ido, mas não encontrou nenhuma mensagem, estranhando o fato de que ele sairia sem lhe avisar.

Enquanto ligava para o loiro, estava com a barriga reclamando e caminhava para a cozinha procurando algo para comer. Abriu a geladeira e viu um prato montado e embrulhado próximo a uma sobremesa que mais cedo também não estava ali, estranhando o fato do amigo ter comprado comida ou cozinhado, principalmente porque sempre deixava comida para ele. 

Fechou a porta da geladeira após roubar um pedaço de bolo que tinha ali, ainda não sabia o que Lucas estava planejando, mas mesmo assim, esperava que ele não ficasse bravo por ter roubado uma fatia daquela sobremesa. 

Andou mastigando até perto do sofá e voltou para a cozinha, ainda com o celular ao ouvido esperando que o amigo atendesse a chamada, mas ao ouvir o som da caixa postal, desligou. Bufou, sem saber para onde ele teria ido, decidindo esperar ele chegar. 

Não queria jantar antes dele, principalmente ao ver que ele tinha preparado uma refeição, mas enquanto encarava a mesa de jantar, percebeu que o conjunto bonito usado estava colocado apenas para uma pessoa e que tinha um envelope ali com seu nome. 

Sentou-se junto à mesa e deixou o restante do bolo sobre o prato vazio ali posto, pegando o envelope e abrindo-o. Instantaneamente assustou-se com a grande quantia de dinheiro ali dentro inserida, quase engasgando com o bolo que estava em sua boca, tendo dificuldade de engolir, precisando de um gole de água, levantando para buscar.  

Retornando para a mesa, precisou sentar enquanto segurava a carta deixada pelo amigo e seus olhos estavam vazios ao finalizar a leitura na última linha, com o papel escorregando pelos seus dedos fracos. Sua respiração se tornou pesada enquanto apenas conseguia ouvir o próprio coração batendo, ao mesmo tempo que seu queixo tremia e um calafrio atravessava seu corpo. 

Suas mãos estavam úmidas ao imaginar que naquele momento Lucas poderia não estar mais vivo, não sabia exatamente há quanto tempo ele havia saído, mas não queria acreditar na possibilidade de nunca mais vê-lo. Queria crer que aquilo era apenas uma pegadinha, como alguém poderia falar tão suavemente da própria morte e ainda preparar um jantar especial para aquilo? Ou pior, como ele poderia imaginar que realmente comeria em paz após saber do que estava acontecendo com o amigo?

Alberto pegou seu celular com as mãos frias e trêmulas, ligando mais uma vez para o amigo, precisava ouvi-lo, precisava saber que ele estava bem e não ficaria em paz sabendo que aquelas eram as últimas palavras dele, tinha que ouvir da boca dele que era tudo uma brincadeira e que ele já estava voltando. 

Lucas não atendeu, deixando-o ainda mais desesperado, pensando assim no que faria, cogitando ir à polícia. Sentia sua respiração falhar ao mesmo tempo que não conseguia se concentrar, tinha que fazer alguma coisa, mas sua mente estava turbulenta e, ao mesmo tempo, vazia. Apoiou-se na parede sem forças, recuperando a consciência, tendo que se manter firme para conseguir encontrá-lo, precisava ir atrás dele. 

Pegou as chaves do carro e o celular, saindo com pressa, apertando impacientemente o botão do elevador enquanto esperava. Ao chegar ao térreo e sair para o estacionamento, percebeu que estava ventando mais forte do que quando havia chegado e ouviu trovões ao entrar no carro, vendo que as nuvens estavam tão pesadas quanto sua mente naquele momento. 

Lucas abria os olhos vagarosamente, apenas lembrando da crise asmática que tinha o feito perder a consciência por sabe-se lá quanto tempo. O chão parecia extremamente confortável enquanto tentava apoiar-se para se levantar, como se não quisesse sair dali.

Olhou tudo em volta e mal enxergava, a única luz ali vinha de fora e a única coisa que entendia, é que estava trovejando e a chuva ameaçava engrossar conforme os ventos insistiam contra a porta do estabelecimento onde estava. 

Gostaria de dizer que estava morto naquele momento, mas as coisas ao seu redor pareciam nítidas e sentia seu corpo pesado até demais. Mas apenas o exterior lhe influenciava, dentro de si era como se as coisas fossem sugadas, como se roubassem todos os sentimentos que antes ali viviam.

Sentia-se anestesiado de todas as sensações, apenas a dor física tomava conta de si enquanto ficava de pé. Arrastou-se para a porta, abrindo-a e encarando-a a rua, sentindo o vento gelado arrepiar seu corpo, atraindo-o para fora dali. 

Na calçada alguns pingos o atingiam, alguns no braço, outros no rosto, mas nenhum deles causava nada além de frio. Continuando a caminhar, sem ter um propósito ou destino, não precisava de rumo quando sua vida não fazia mais sentido.

Sentiu o celular incomodando no bolso, percebendo que estava recebendo ligações do amigo. Sabia que Alberto provavelmente tentaria contato, mas não conseguiria falar com ele, era como se tivesse esquecido todas as palavras que conhecia, não tinha força ou coragem para abrir a boca. 

Decidiu então jogá-lo na primeira lixeira que encontrou, nada ali lhe faria falta, não precisava de mais nada desse mundo. Parou ao chegar na esquina de uma rua movimentada, mas raciocinou por alguns segundos, por que havia parado? Qual era a necessidade do cuidado para esperar passagem? 

Se não tinha para onde ir, então o caminho poderia ser o mesmo que o dos carros, não precisava esperar o sinal abrir. 

Alberto podia sentir seus dedos escorregando ao volante, com a garganta seca reclamando pelo nervosismo, estava andando com o carro pela cidade, mas apenas raciocinou de que não sabia para onde ir quando já estava nas ruas, olhando as calçadas e procurando nos rostos alguma feição familiar. 

Ao mesmo tempo que olhava para tudo ao redor sem conseguir se acalmar, diminuiu a velocidade ao perceber que estava perto demais do veículo à sua frente, não demorando para ouvir buzinas descontentes dos que estavam atrás de si. 

Apavorado pela pressão de ter que tomar uma decisão do caminho que deveria seguir, estacionou no primeiro momento que teve a oportunidade. Enquanto parava o carro na vaga, quis gritar para espantar o misto de raiva e desespero que crescia em si, não aceitaria perder mais um amigo, ele tinha que encontrar Lucas.

Pegou o celular para tentar ligar mais uma vez para ele e não conseguiu, pois alguém o ligava de volta. Atendeu sem ver o número, com ansiedade para ouvir a voz do loiro. Dizendo “alô” quase sem ar.

— Alberto? Oi! É a Camille aqui, desculpa estar te ligando esse horário, sei que você já deve estar em casa, mas eu não sabia para quem ligar. — Ela fez uma pausa rápida para falar com alguém ao lado dela antes de voltar para a ligação. — Eu acabei de encontrar com o Lucas e ele não parece muito bem, mas não tá me falando nada. Tá todo machucado e molhado de chuva, acho que deve estar bêbado, não sei… Você é a única pessoa que eu sei que mantém contato com ele e eu queria saber se você pode vir aqui buscar ele ou me dar uma ideia do que eu posso fazer, por favor...

— Onde você está?! Eu vou para aí agora! — Pediu instantaneamente, sentindo seu coração dar um solavanco.

— Eu vou te passar o endereço por mensagem agora mesmo… Obrigada, Al.

Após ela desligar a ligação, Alberto pôde suspirar aliviado, seu peito ainda não havia parado de doer, mas sua esperança de encontrá-lo ao menos estava intacta. A chuva parecia ter piorado do lado de fora da janela do carro enquanto Alberto lia o endereço enviado por Camille, dando a partida. 

As ruas pareciam iguais enquanto tentava se localizar, abriu a janela para buscar pelos nomes das ruas nas placas das esquinas, enquanto caíam gotas dentro do carro, molhando seu rosto e uma parte de seu casaco. 

Pedia aos céus para que parasse de chover, mas o clima parecia apenas ter se irritado com aquele pedido, tendo que fechar as janelas, sentindo uma onda de vento trazer uma jorrada de chuva para dentro. 

Precisou descer o vidro novamente, para pedir informação na próxima quadra, gritando um grupo de pessoas que passavam com os guarda-chuvas, onde um casal se aproximou para ajudá-lo, dando as indicações de um bairro para o qual ele nunca tinha ido. 

Demorou cerca de meia hora para chegar devido ao mau tempo e o trânsito ruim, olhando para tudo ao redor, buscando ver alguém familiar, achando um lugar para estacionar assim que viu Camille acenar para ele debaixo de um toldo de um restaurante. 

Como não tinha nenhum guarda-chuva no carro, desceu e andou com pressa até ela, protegendo o rosto com o antebraço. 

— Cadê ele?! — Berrou. — Ele foi embora?! 

— Não, ele está lá dentro com os meus amigos, estão tentando fazer ele falar alguma coisa, mas até agora ele não abriu a boca, nem pra comer… E você não vai acreditar. — Ela aproximou-se do Al, diminuindo o tom de voz. — Eu achei ele quando estava vindo pra cá pra me encontrar com o pessoal, foi quando eu estava andando e percebi um tumulto na esquina, tinha buzinas, gente gritando… quando me aproximei eu vi que tinha um homem andando no meio da avenida movimentada. Assim que eu vi que era ele, fui correndo tentar ajudar, mas desde então ele não me disse nada do que estava acontecendo…

— Ele tava no meio da avenida? 

— Sim, vagando sem parecer se importar se seria atropelado, muito esquisito… — Ela levantou os ombros, chamando-o para dentro do restaurante. — Vem, quem sabe ele não fale algo pra você.

Alberto andou ansioso para dentro do local, gritando o nome dele enquanto corria até a mesa onde o amigo estava. Lucas encarou-o friamente ao perceber sua presença, sem nada dizer, deixando-o pensativo sobre como ele teria se machucado no rosto.

— O que aconteceu?! — Alberto insistiu, vendo-o desviar o olhar do seu. 

— Não vai adiantar, acho melhor dar um tempo, ele vai falar quando quiser. — Camille aconselhou. 

— Obrigado por cuidar dele, Cam. — Agradeceu à mulher. — Vamos, Lucas. 

— Depois me dê notícias. — Ela pediu, vendo o loiro ser puxado pelo braço carinhosamente pelo amigo, fazendo-o se levantar. 

Camille observou os dois amigos deixarem o restaurante sem mais cerimônias, Alberto não estava em seu normal, ele costumava ser tranquilo e educado, mas ao contrário de como o supervisor havia estado durante o dia, ele parecia totalmente transtornado naquela noite, sem nem ter cumprimentado seus amigos a mesa.

Alberto saiu do restaurante com Lucas, que era arrastado por ele como uma criança muda e traumatizada. Pararam debaixo do toldo antes de seguirem adiante, o supervisor precisava encarar seu amigo mais uma vez antes levá-lo para o carro.

Abraçou-o antes de qualquer coisa, puxando-o e envolvendo-o com força em seus braços, como se certificasse se era ele mesmo ali, apesar de calado e frio, era ele. Afastou-se do abraço quando percebeu que ele não retribuía o gesto, precisando saber o que estava acontecendo para que ele agisse como uma múmia.

Olhou nos olhos dele e no machucado em sua bochecha, sabendo que quando ele quisesse, falaria do que houve, decidindo então levá-lo para casa. Guiou-o com pressa para debaixo da chuva, ficando mais molhados que antes, antes de finalmente entrarem no carro. 

Lucas estava sentado no banco ao lado do motorista e Alberto percebeu que ele tremia, assim retirando o casaco que estava, jogando ao ombro dele. Sem nada perguntar, deu partida, seguindo o caminho de volta ao apartamento.

Deveria estar feliz por estar voltando para casa com o amigo, mas o caminho estava angustiante, não sentia a presença dele, assim como não ouvia sua voz, era como se estivesse com um corpo inerte e vazio ao seu lado. 

Toda vez que tentava dizer algo, nada bom vinha em mente, pressionando um lábio contra o outro com raiva, tentando prestar atenção ao trânsito ao mesmo tempo que sua mente estava um turbilhão de pensamentos. 

Chegaram ao prédio e a chuva não parecia dar sinais de trégua, onde pararam no estacionamento coberto e Alberto desceu, vendo que o amigo não descia em seguida, tendo que contornar o carro e abrir a porta para ele. Mesmo assim, ele continuava parado, tendo que mais uma vez pegá-lo pelo braço.

Seguiu caminho com ele, colocando um braço atrás de suas costas, percebendo que ele andava devagar a ponto que poderia parar a qualquer momento em que parasse de empurrá-lo. Entraram no elevador em silêncio e ao chegarem no andar não foi diferente, com Lucas tendo que ser levado mais uma vez.

— Alberto, oi! — Rachel surpreendeu-se, assim que deparou-se com o vizinho no corredor, acompanhado de um jovem machucado.

O supervisor encarou a mulher de relance e continuou caminhando para sua porta, sem respondê-la.

— Espera, vocês precisam de ajuda?! — Ela deu alguns passos adiante, vendo-o de costas, virando-se para ela.

— Agora não é uma boa hora, tá bom?! — Falou, antes de abrir a porta de entrada e sumir da frente da mulher.

Alberto bufou nervosamente, enfurecendo-se com o encontro com quem nem poderia considerar sua ex-namorada, mas no momento não poderia focar naqueles sentimentos enterrados por ela, tinha que cuidar de seu amigo, que agora estava parado em frente a porta recém-fechada. 

— Lucas… — Iniciou, vendo os olhos perdidos dele encontrarem com os seus. — Me fala alguma coisa, por favor.

Mais silêncio, misturando a angústia que sentia com a raiva em ver Rachel, com as sensações revirando-se dentro de si, fazendo o nó em sua garganta se desatar, como se estivesse prestes a vomitar.

— Caralho! — Gritou, vendo os olhos do loiro se arregalarem. — Você por acaso sabe o que eu passei nessa última hora te procurando?! Que porra você tem na cabeça?! Achou mesmo que uma carta e dinheiro recompensaria o fato de você estar se despedindo sem sequer me dizer para onde está indo?! Achou mesmo que ia ficar tudo bem?! Você acha que eu sou tão sem coração assim?! Que eu não sentiria a sua falta?! Ou que você não faria falta?! Mas que merda, Lucas! Eu… eu achava que eu era seu amigo, me desculpa ser tão idiota… Se você quiser ter sua própria vida e quiser sair daqui, tudo bem, mas não me faz de trouxa, é só isso que eu te peço.

— Al… — Ele iniciou, praticamente inaudível.

— Que merda está acontecendo?! Por que você não me contou nada?! — Vociferou mais uma vez, quase sem fôlego, sentindo gotas se formarem ao redor de seus olhos, fazendo com que parasse de gritar. — Você queria... morrer? 

Olhou para o loiro, vendo-o lentamente iniciar um movimento positivo com a cabeça, com os lábios trêmulos. Alberto agarrou-o mais uma vez, agora sentindo seu abraço ser retribuído, onde fungaram nos ombros um do outro sem saberem por quanto tempo. 

— Tá melhor? — Alberto perguntou, assim que o amigo saiu do banho, já trocado. 

— Aham. — Lucas assumiu, encostando ao batente da porta.

— Ótimo, já evoluímos pra uma quase palavra. — O supervisor brincou, fazendo-o rir discretamente. — É bom ver você rindo… Eu fiquei preocupado, muito mesmo. 

— Desculpa. — O loiro suspirou. 

— Olha, não quero forçar você a me falar nada, mas quero que saiba que eu estou aqui se precisar. Tem algo que queira me dizer?

— Na verdade, tem sim.

— Me fala. 

— Eu… recebi ligações da minha mãe logo depois que saímos de Elmira. — Engoliu em seco. — De um lado era mensagens da Karen e as ligações da minha mãe, do outro eram as ameaças… Eu simplesmente não consegui te falar nada, Al.

— Eu desconfiei de que alguma coisa esquisita tava acontecendo, mas eu não queria te pressionar, já bastasse tudo o que você estava passando. — Alberto compadeceu-se. — Amanhã eu não vou trabalhar, está bem? Vou ficar aqui te fazendo companhia, caso você queira companhia, é claro.

— Eu quero, Al. — Sacudiu a cabeça afirmativamente, cruzando os braços e olhando para baixo, envergonhado. — Me desculpe por hoje.

— Não pensa nisso agora, não, você precisa descansar… 

 

Quarta-feira, cinco de dezembro de 2012. 

 

Lucas ainda não havia levantado e Alberto tomava uma xícara de café enquanto lembrava-se da noite anterior, havia avisado Camille e os outros funcionários que não iria trabalhar naquele dia. Precisava decidir o que fazer em relação ao amigo, mas apesar de estar preocupado com ele, também tinha Rachel em mente, fazia uma semana desde que tinham terminado e não havia tirado muito tempo para pensar nisso, na verdade, não queria pensar.

Se sentia mal por ter desfeito dela na noite anterior, sentindo que precisava pedir desculpas. E conferindo se o amigo ainda estava dormindo, decidiu sair do apartamento, andando pelo corredor até chegar ao número da porta da casa de Rachel, dando alguns toques ao invés de tocar a campainha, para não acordá-la caso estivesse dormindo. 

Percebeu uma movimentação no interior, com seu coração acelerando a cada passo que ouvia vindo de dentro do apartamento, enquanto aproximavam-se da porta. Precisou respirar fundo, em poucos segundos observando a porta ser aberta.

— Alberto? O que faz aqui?

— Eu… eu vim… é… — Gaguejou, vendo a mulher cruzar os braços, não parecendo nada contente. — Me desculpa.

— Pelo quê? — Ela desdenhou. 

— Eu fui grosso com você ontem, você estava me oferecendo ajuda e… Me desculpa. Era um momento delicado, mas eu não devia ter te tratado daquele jeito.

— Tudo bem. — Ela descruzou os braços, parecendo ter aceitado o pedido.

— Meu amigo estava precisando mesmo de mim ontem, as coisas não estão boas, ele está dormindo por lá e… Enfim, eu não quero te amolar com as minhas coisas, eu já vou indo.

— Espera. — Rachel pediu. — Tá tudo bem com você? Como vão as coisas? 

— Ah, eu… Eu tô levando.

— Eu sinto saudade de conversar com você, sabia? — Ela assumiu, envergonhada. — Você era uma ótima companhia.

— A gente pode se encontrar pra conversar qualquer dia… — Alberto sorriu. — Quando as coisas acalmarem, quem sabe?

— Tudo bem, se precisar de mim, eu estou de férias agora, posso te dar uma força se precisar… Eu não sei o que está se passando na sua vida, mas eu estou aqui. 

— Bom, eu tenho que ir agora… Vou aproveitar que ele está dormindo pra dar uma olhada na lista de médicos que tenho, preciso achar um bom psicólogo pro meu amigo, ele não tá bem. 

— Olha, eu conheço um psicólogo que fica bem pertinho daqui, dá até pra ir andando e ele é ótimo, posso te passar o contato dele se quiser.

— Pode passar sim, vai me ajudar muito! 

— Eu te mando o endereço e o telefone dele por mensagem. 

— Obrigado, Rachel. — Alberto sentiu-se envergonhado ao deparar-se com os olhos castanhos dela, desviando o olhar. — Eu vou indo então, até depois…

— Até. — Ela segurou na porta, não fechando-a enquanto não o viu entrar em seu apartamento. 

Assim que Alberto entrou em casa, pôde ver o amigo na cozinha com uma xícara de café em mãos, parecendo bem recuperado da noite anterior, dizendo em seguida:

— Você acordou cedo, achei que ia dormir um pouco mais. 

— Eu dormi bem. — Tomou outro gole de café. — Eu achei que tinha ido trabalhar.

— Não, eu te disse que eu ia ficar hoje, não disse? — Sorriu. — Eu só estava conversando com a minha vizinha. 

— Hum... vizinha? A Rachel, né? — Deu um sorriso malicioso, largando a xícara no balcão e aproximando-se dele.

— Nem vem querendo mudar de assunto, hoje o foco é todo em você, vem pra cá. — Caminhou para o sofá, sendo acompanhado dele. — Eu quero que me conte tudo o que vem acontecendo com você, não quero que esconda nada, eu quero te ajudar, de verdade.

Lucas sentou-se ao lado dele, cruzando as pernas e em seguida encarando o amigo, pensando em como começaria a dizer.

— Quer saber de tudo? Tudo mesmo? — O loiro fez uma careta. 

— Se estiver pronto. — Alberto insistiu. 

— Tudo bem, então… — Suspirou. 

Lucas detalhou como estavam sendo as coisas desde que Gus tinha partido, explicando até o momento final onde deparou-se sozinho no depósito, custando a crer no desfecho de toda a sua história com Bob. 

— Eu… Eu nem sei o que te dizer. — Alberto disse após muito tempo em silêncio. — Eu não consigo imaginar o que você estava sentindo pra ficar tão desesperado daquele jeito.

— Era uma certeza que eu tinha, sabe? De que eu ia morrer… Então as coisas tomarem outro rumo foi um choque pra mim.

— Lucas… — Chamou-o, sentindo seu peito doer. — Eu quero que saiba que eu estou feliz de que você esteja aqui agora, mas eu também quero que você seja feliz. 

— Isso é pedir demais, Al. — Forçou um riso, que logo se desfez. 

— Eu sei que não vai ser fácil daqui em diante, mas tenta encarar isso como um recomeço, você merece isso. Você veio pra Nova York ainda adolescente buscando uma oportunidade que nunca teve, então se dê essa segunda chance. — Aconselhou. — E eu vou continuar aqui do seu lado pra te apoiar… 

— Você é um anjo, Al. — Respirou fundo. — Não faço ideia de como as coisas vão ser agora, mas acho que vou ir levando a vida até descobrir, voltar pra livraria, alugar o meu próprio apartamento...

— Não, você não precisa se pressionar a sair daqui agora, além disso, eu não vou deixar você voltar a trabalhar agora, vou conseguir uma licença pra você tirar um afastamento. Sua saúde mental agora é o mais importante. 

— Saúde mental? Se você souber há quanto tempo eu já não tenho mais isso. —  Riu fracamente. 

— Isso não é engraçado. — Alberto rebateu. — Mas mudando de assunto, eu fiquei pensativo sobre uma coisa… Como você está se sentindo agora que sua mãe sabe onde você está e tem seu número?

— Tinha, eu joguei meu celular fora. — Respondeu. — Mas… sei lá, apesar de ter um lado irracional meu que ficou mexido com o pedido da Karen de atender as ligações da minha mãe, o meu lado racional falava mais alto. 

— Você é jovem demais pra ter passado por tanta coisa. — Alberto encarou-o, compadecido dele. — Você está seguro aqui, tá bom? Esses caras nunca mais vão te procurar e você não deve nada a ninguém. Você finalmente pode seguir sua vida em paz, principalmente ao saber que você não precisa mais carregar aquele peso nas costas sobre o Gus… Não foi sua culpa, Lu.

— Mesmo sabendo disso, eu nunca mais vou ser a mesma pessoa. — Tocou na corrente, segurando a aliança pendurada nela. — Eu não tenho mais força de vontade de viver, eu quero estar com ele a todo momento, ontem a noite foi horrível, eu dissociei do meu corpo, não sentia mais nada, só queria acordar desse pesadelo todo… A minha vida não tem mais sentido, Al.

— A minha também não tinha, Lu… Até você entrar nela. — Sorriu tentando segurar as lágrimas. — Eu não tenho mais família e meu único amigo se foi, quando você entrou na minha vida, você preencheu o vazio que faltava, você pode achar que não tem mais propósito nesse mundo, mas saiba que pra mim você é importante.

— Desculpa estar fazendo você passar por isso. — Abaixou a cabeça, sem conseguir encarar o amigo. — Eu não mereço nada disso, não mereço sua ajuda, não mereço estar aqui… 

— Lu, de coração, eu posso te pedir um favor?

— Claro, Al, fala… — Tomou coragem para olhar nos olhos dele. 

— Quero que você comece terapia, eu quero que você se consulte com um psicólogo e que você consiga reunir todas essas peças na sua cabeça que provavelmente estão embaralhadas… Eu sei que eu posso estar pedindo muito, mas por favor, ao menos, tenta… Por mim. 

— Ah.. Acho que… tudo bem, eu acho que consigo. — Levantou os ombros. — Nunca fui a um psicólogo, acho que pode ser bom. 

Alberto fez companhia ao amigo pelo restante daquele dia. Em alguns momentos do dia, seu coração se partia ao ver o amigo tendo crises de choro, durante as quais precisava desabafar e Alberto estava sempre lá, abraçando-o e ouvindo-o, tentando seu máximo para mantê-lo confortável até tudo passar. Agradecia aos céus por tê-lo encontrado, porém, tinha plena ciência que precisaria cuidar dele para vê-lo radiante como costumava ser.

 

Sexta-feira, sete de dezembro de 2012.

 

— Está pronto? — Alberto perguntou ao amigo, esperando para levá-lo em sua consulta.

— Agora estou. — Lucas abriu a porta do banheiro, olhando uma última vez no espelho, arrumando o cabelo impacientemente. 

— Tá tudo bem? 

— Uhum. — Virou para ele, arrumando a camiseta que vestia. 

— Relaxa, Lu… — Sorriu para ele, percebendo que estava ansioso. — Vai dar tudo certo, tá bom?

— Eu não sei, eu não queria ir… Eu acho que eu tô bem. — Encostou-se ao batente. 

— Eu não quero que você se force a nada que não queira, mas tenta só hoje, você pode se surpreender. — Alberto aconselhou. — Se for muito ruim eu não vou te fazer ir de novo, eu prometo... Você pode fazer isso, nem que só hoje? 

— Posso sim. — Balançou a cabeça positivamente, forçando um sorriso. 

Alberto acompanhou o amigo ao consultório de Dr. Reyes, que por ser poucas quadras dali, não precisaram ir de carro. Caminharam juntos até lá, onde o supervisor percebia que o loiro não abria a boca, preocupado com o que ele estaria sentindo, mas não o forçaria a dizer nada enquanto não estivesse confortável. 

Após deixá-lo lá, como ele ficaria pelas próximas duas horas com o psicólogo Elijah, decidiu voltar para o apartamento, para buscá-lo no horário combinado. Ficava pensando no tipo de coisa que o amigo diria no primeiro dia de consulta e torcia para que ele abrisse realmente seu coração e confiasse no processo e no psicólogo. 

Já em seu prédio, encontrou-se com Rachel chegando ao hall, vendo-a com algumas sacolas, aproximando-se dela e oferecendo ajuda. Ela sorriu e agradeceu, dando algumas compras para que ele carregasse consigo, indo juntos ao elevador.

Ficaram juntos em silêncio enquanto subiam, envergonhados por estarem com outras pessoas ao lado, que desceram antes que chegassem ao seu andar de destino. 

— Eu preciso te agradecer de novo. — Alberto falou, assim que saíram do elevador. — Acabei de deixar meu amigo no Dr. Reyes, consegui um encaixe por conta de uma desistência.

— Isso é bom, quanto antes melhor, fico feliz mesmo por ter ajudado.  — Ela caminhou com ele até sua porta, equilibrando as compras para abrir a porta e em seguida entrando. — Pode deixar as coisas aqui.

— Ei… Rachel. — Seguiu-a para dentro do apartamento, deixando as compras em cima da mesa de jantar dela.

— Fala. 

— Já faz mais de uma semana desde que brigamos e eu não me desculpei sobre isso, eu te magoei, te estressei, fui injusto e você não merecia nada daquilo… Eu refleti durante esses dias e eu vi o quanto eu fui imaturo, eu sei que me empolguei demais porque eu nunca tinha conhecido uma mulher que era tão incrível e que se encaixava tão bem comigo, mas não foi certo e… Me desculpa, mesmo. 

— Eu sei que você tem um bom coração, Al… Eu realmente fiquei magoada quando terminamos, mas eu já esqueci, é sério, eu não sou de guardar rancor…

— Eu percebi. — Afirmou. — Você me ofereceu ajuda assim que me viu naquela situação, você é um anjo… Eu não merecia ser tratado bem depois do que eu fiz e você não olhou por esse lado e estendeu sua mão. 

— Não foi nada demais, eu faria isso com qualquer um.

— Eu sei! É por isso que você é tão incrível e eu sou um idiota! Eu me arrependi demais depois daquele dia, fiquei sonhando várias vezes com isso e querendo mudar as coisas e é por isso que eu estou tagarelando sem parar, mas eu não tive forças de vir te pedir desculpa antes, então eu entendo totalmente se você não me perdoar...

— E você está dizendo essas coisas porque…

— É sem segundas intenções, eu juro! — Ergueu as mãos, em rendimento. 

— Ah, que pena… — Ela fez um biquinho cínico de tristeza. 

— Pena? — Ele arregalou os olhos, vendo-a rir de sua confusão mental. 

— É, sei lá, achei que estava se aproximando de mim pra querer outra chance, ou pra me surpreender com um daqueles beijos surpresa que só acontecem em filmes, mas… Acho que eu estava enganada né. — Ela aproximou-se dele sugestivamente, vendo-o travar, percebendo que as bochechas dele estavam coradas. — Você é muito fofo. 

Alberto apenas admirava Rachel cada vez mais próxima de si, até ter que fechar seus olhos ao sentir os lábios dela pressionando os seus, relembrando de como era bom beijá-la e do quanto sentia saudade. O corpo dela chegou de mansinho e encostou no seu em meio ao beijo, dando o sinal positivo para continuar. 

Na semana seguinte Lucas já havia conseguido seu afastamento do seu cargo na livraria, continuaria recebendo no período que estivesse se tratando, agora não só com o psicólogo, como também seu psiquiatra, o qual havia lhe passado uma receita para dois remédios que precisaria por um período de tempo, para auxiliá-lo na sua recuperação; um antidepressivo e um calmante.

Demorou alguns dias, mas o loiro se abriu totalmente com ambos os profissionais, tendo falado de toda sua vida conturbada e ilegal. Os dois eram delicados quanto ao seu diagnóstico de depressão, pois focavam tocar nos pontos positivos sobre ele, sobre tudo o que ele havia superado; sobre todos seus traumas vencidos e como ele conseguiria passar por mais aquela etapa difícil.

Lucas estava começando a entender o ponto principal, estava receoso por ter recebido a receita, não queria tomar medicações para aliviar as coisas ruins que sentia, mas conforme seu psiquiatra lhe tinha dito, o principal trabalho não eram os remédios que fariam e sim sua própria mente, que aqueles químicos apenas lhe auxiliariam num processo que ele seria o protagonista e que depois de um tempo, iriam embora. 

Alberto estava consigo e iam para a farmácia em silêncio, enquanto o loiro não parava de encarar a receita e os dois nomes que seriam seus melhores amigos dali em diante: clonazepam e escitalopram. 






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Notas finais do capítulo