O calor tinha aumentado significativamente na última hora. Agora que a brisa tinha se aplacado o dia estava bastante abafado. Na rua em que ambos caminhavam a maioria das pessoas mantinha-se na sombra dos telhados, tentando evitar o sol forte.

Smoker tinha optado por seguir por ruas secundárias para chegar até o porto, a fim de evitar a movimentação. Ele não tinha preferido aquilo por estar com pressa, na verdade o único motivo era o fato de ele ainda não ter conseguido se livrar do moleque impertinente que lhe seguia.

Ace estava sendo particularmente irritante desde que eles saíram da Base da Marinha. Felizmente o jovem não estava acostumado a usar seu casaco, então o calor que estava fazendo o obrigara a tirar a peça de roupa quente, devolvendo-a com uma careta de desagrado ao seu dono.

Mas aquela tinha sido a única coisa boa.Não importava o quanto o comodoro mandasse, o pirata simplesmente se recusava a deixá-lo em paz.

– Nee, Smokeeey ~ - o moreno chamou-o, com uma voz manhosa - Não podemos parar para comer?

Smoker mordeu com força a ponta de seus charutos, irritando-se novamente.

Uma questão que já tinha lhe passado pela mente retornou, fazendo o marinheiro lamentar mentalmente seu azar.

O mundo tinha bilhões de pessoas; sendo que milhares delas eram marinheiros. Desses, apenas algumas dezenas tinham o mesmo posto que ele - um comodoro. Mas mesmo assim, por que ele tinha que ser importunado por aquele pirata? Por que justo ele?

Pelo amor de Kami-sama. O Punhos de Fogo poderia escolher qualquer marinheiro para ficar pentelhando, qualquer um! Então por que tinha que ser justo ele?

Smoker realmente detestava-se por ser tão azarado. Claro, só podia ser azar o fato de aquele moleque resolver incomodá-lo. Ace realmente parecia ter escolhido ao acaso o infeliz que iria ser sua vítima, e o albino não podia estar mais insatisfeito com aquilo.

O maior saiu de seus pensamentos ao notar o olhar curioso de uma garota, observando-o, assim como seu seguidor.

O marinheiro expirou um pouco mais de fumaça.

Não, não era nada bom ele andar com aquele pirata pela cidade. Ace chamava muita atenção, muita mesmo.

Mas não era para menos, o rapaz era com certeza alguém muito chamativo. Talvez por seu rosto jovem, com as sardas evidentes e seu característico sorriso. Ou pela maneira como se vestia, usando apenas uma bermuda escura. Ou ainda pelas coisas que mais atraíam-lhe olhares: o chapéu de uma cor nada discreta e a tatuagem em suas costas.

Ou quem sabe era a justa mistura disso tudo que fazia a presença do garoto ser tão excepcional assim.

O pirata encarou curiosamente o albino, que estava analisando-o há vários minutos. Sua mente fervia de curiosidade, querendo saber o que podia estar passando pela cabeça do comodoro naquele momento.

Smoker franziu a testa, voltando a olhar para frente.

– Então, Smokey. Não podemos mesmo parar para comer? - O mais jovem retornou à pergunta que ao seu ver era algo muito importante.

– Você vai parar para comer. Eu tenho mais coisas para fazer - o albino retrucou, sem prestar muita atenção.

– Mas eu quero ficar com você - o pirata protestou - faz tempo que não te vejo.

– Não me venha de novo com essa história de que está com saudades, Portgas. Não dá para você simplesmente sumir daqui antes que arranje algum problema?

Um sorriso insolente apareceu no rosto do moreno.

– Preocupado comigo Smokey? Não precisa ficar assim, eu sei me cuidar - garantiu.

Smoker enviou um olhar assassino para o rapaz, que fez a melhor cara de inocente que podia.

– Deixe-me reformular a frase: Suma daqui antes que você me arranje algum problema, pirralho.

Ace bufou, enquanto esticava os braços para se alongar um pouco, ainda sem parar de andar.

– Não, obrigado - replicou, sem se importar.

O marinheiro parou, olhando confuso para o menor, que também interrompeu a caminhada.

– Não?

– Não. Caso tenha se esquecido eu sou um pirata Smokey, então nada me impede de desobedecer você, se eu quiser - o moreno lembrou, voltando a andar.

Smoker demorou algum tempo para processar a resposta, mas quando o fez tornou a tomar a dianteira, com uma carranca enorme no rosto.

Certo, ele tinha se desacostumado com isso. Fazia um bom tempo que alguém não o desobedecia, uma vez que todos os seus subordinados seguiam suas ordem à risca.

Aquele moleque fora realmente esperto. Ele estava completamente certo. Sendo um marinheiro, o albino não tinha autoridade nenhuma contra o jovem. A menos, é claro, que conseguisse prendê-lo, o que no momento ainda era impossível.

– Então... - Ace voltou a perguntar, olhando com um evidente desejo para um restaurante por que passavam - Nem mesmo uma parada para um lanchinho?

Smoker realmente estava odiando aquele dia.

Keiichi olhou com uma grande expectativa para a ilha que estava cada vez mais perto. Aquela seria a sua ilha a partir de hoje. Seria ele o responsável por manter a paz e a ordem por lá.

O capitão não podia estar mais ansioso. Ele nunca tinha cuidado de ilha alguma antes.

Agilmente, o moreno escalou o mastro, tentando ter uma vista melhor do horizonte. Seu longo cabelo arroxeado agitou-se com o vento forte que soprava, e o marinheiro tentou desajeitadamente arrumá-lo.

– Capitão! Desça daí agora! - uma voz brava o chamou, vinda do convés.

Olhando para baixo o homem pôde ver sua fiel subordinada, olhando-o de modo repreendedor.

– Mas, Nara-chan! Você não consegue sentir a empolgação? - o capitão gritou, soltando o mastro e pulando com grande facilidade para a proa do navio - Aquela vai ser a minha ilha! Qualquer pirata que chegar perto de lá vai ter que se ver comigo - exclamou, voltando-se para observar a jovem atrás de si.

Nara apenas balançou a cabeça, suspirando. Mesmo estando a alguns metros do moreno ela ainda podia ver o brilho de alegria que havia em seus olhos cinzentos.

Era sempre assim. Quando ele se empolgava demais começava a agir feito uma criança.

– Eu sei que está ansioso, Capitão. Mas não vai adiantar de nada você ficar aí vigiando o oceano. Nós vamos chegar lá de qualquer jeito.

O marinheiro desconsiderou a fala de sua subordinada, com um gesto de desdém. Nara era sempre séria demais para seu gosto. A garota tinha que aprender a relaxar um pouco.

Ela estava no auge de seus vinte anos, e mesmo jovem era com certeza a marinheira mais esforçada que Keiichi já conhecera. Era uma aliada ótima em batalha, além de ser muito bonita.

Nara possuia um curto cabelo ruivo e cacheado, que terminava logo abaixo de seus ombros. Usava sempre o uniforme típico dos marinheiros, mas sem nenhum boné. A roupa dava a ela um aspecto bastante profissional, e ela aproveitava-se daquilo fazer seus companheiros trabalharem, porque em sua opinião todos eram muito preguiçosos por ali. Inclusive o capitão deles, que amava desperdiçar seu tempo bebendo vinho e jogando com seus subordinados.

– Nara-chan! Como você acha que é a cidade lá? Espero que os moradores sejam simpáticos... Pelo que eu li andam aparecendo muitos piratas por lá... Hum, será que tem algum motivo em especial?

– Capitão, estamos na Grand Line, em plena Era dos Piratas. É normal o movimento deles ter aumentado.

– É, tem razão - o moreno refletiu, enquanto caminhava para a cozinha.

– Nem pense nisso, Capitão. Preciso de você sóbrio para quando chegarmos na ilha - a ruiva gritou do convés.

O marinheiro parou, voltando para a porta e cruzando os braços.

– Você sabe que eu não fico bêbado tão fácil. Além disso eu nem queria mesmo pegar uma garrafa de vinho - Keiichi retrucou, emburrado.

Nara apenas suspirou.

Apenas quando tinha anoitecido que Smoker conseguira embarcar em seu navio. Ele não aguentava mais.

Os habitantes daquela ilha eram loucos. O novo capitão que chegara era louco e terrivelmente alegre. O albino tivera que ficar a tarde toda na festa que teve para comemorar a chegada do novo marinheiro, e francamente, a última coisa que ele queria era voltar a cuidar de outra cidade que não fosse Loguetown.

Se o comodoro tivesse sido informado de que os moradores iam dar uma festa ele teria saído antes que seu substituto chegasse. Mas ele não teve muita escapatória, já que foi uma comemoração surpresa.

Smoker sentia sua cabeça latejar. O pior de tudo nem foi a festa. E sim o quanto o novo capitão, Keiichi, falava. Deuses, quando o homem desandava a matraquear, nada o impedia.

O albino caminhou até sua cama, rastejando até se ajeitar por baixo dos lençóis, se sentindo imensamente aliviado por saber que não veria o capitão louco por um bom tempo.

Até mesmo Ace tinha participado da festa.

Sim, um pirata tinha participado de uma festa para comemorar a chegada de um marinheiro. Irônico demais.

Ao que parece Keiichi era bastante ignorante a ponto de não notar que o rapaz era na verdade o Punhos de Fogo, um criminoso procurado.

Claro que Ace gostou da atitude do novo capitão. Inclusive aproveitou a recepção para incentivá-lo a chamar o comodoro de "Smokey-chan".

Essa foi uma das coisas que fez o maior desejar jogar o pirata no mar.

Smoker gemeu, sentindo o gosto de alcool em sua garganta. Quando exatamente o tinham convencido a beber?

Ele não se lembrava.

Era melhor nem tentar, mesmo.