E então a vida passou diante dos meus olhos...

                Foi tudo tão rápido. Eu nem consegui engolir. Até agora estou tentando refletir, jamais imaginaria tal coisa acontecendo, e comigo! ...Essa garota...Ela era capaz de tudo para alcançar seus objetivos, nem se importando com quem estivesse na frente. Ela disse: “Eu não tenho medo de realizar os meus desejos!” e me puxou junto rumo ao desconhecido sem me soltar a mão nenhuma vez, o esperado...

       Haruhi me acordou aos berros e chacoalhadas dizendo que havíamos chegado...Mas ainda estava muito escuro. Então eu me lembrei do fuso horário. Ainda era madrugada no ocidente, talvez eu conseguisse dormir mais um pouco.

    - Kyon! Vamos, não durma! Eu tenho coisas a fazer e você fica aí nessa moleza?!

    - Tá, tudo bem, já acordei... – Shuji estava na porta do jatinho nos esperando.

    - Senhores, deste ponto pegaremos um carro até o hotel já dentro do parque e vocês terão até às nove horas da manhã para arrumarem-se. Encontraremos-nos novamente na porta de entrada do hotel e iremos juntos para o começo da rua principal do parque encontrarmos o resto dos vencedores, entenderam?- Eu juro que tentei, mas ele havia falado rápido demais, fiquei esperando que ele repetisse, mas ele se virou e desceu as escadas...

- Ah...Haruhi, você entendeu tudo o que ele disse?

- Claro que sim!Carro, hotel, nove horas, porta do hotel, rua principal! Kyon, não é hora de brincadeiras... – Falou tão rápido quanto Shuji e correu indo embora. Senti-me o único normal ali. 

             No carro, Shuji nos deu duas pulseiras coloridas com o emblema do parque e a sigla V.I.P. aparecendo três vezes. As minhas eram azul e amarela. De Haruhi eram laranja e rosa.

- Hei, troque comigo...- ela falou.

- Trocar o que?

- A pulseira. Não gosto de rosa. Dê-me a sua amarela. – Sem comentários, que frescura, mas eu troquei com ela e fiquei com a pobre pulseira rosa. Haruhi por usa vez colocou-as e ficou observando sobre a fraca luz do sol que nascia no horizonte. Sua preconceituosa...

- Não precisam se importar com a presença das pulseiras. Elas são impermeáveis, a prova de fogo, grandes altitudes, baixas temperaturas, pressão e produtos ácidos. – Shuji disse como aqueles narradores de comercial de remédio.

- Nossa isso tudo? Estou impressionada com a tecnologia de hoje. – Tecnologia ALIEN você quis dizer...Aposto que isso pode nos dizer exatamente a que latitude e longitude estão, nosso tipo sanguíneo e nosso sobrenome de solteiro, mas não é biodegradável.

    Pudemos avistar aos poucos o Walt Disney World, era lindo demais! O castelo ao fundo, aquele globo gigante, as montanhas-russas! Eu não sei quanto a Haruhi, mas eu havia vindo pra me divertir! Ela me devia essa depois de tudo que me fez passar.

- Haruhi...

- O que foi? – Ela me perguntou sem desgrudar da janela.

- Estou aqui pra me divertir, não pra te tirar de encrencas, ouviu? Não sei o que sua cabecinha anda maquinando, mas não quero me meter em nada desta vez. – Eu cruzei os braços e me mostrei sério, mas ela nem ao menos olhou pra mim enquanto eu falava.

- Eu nunca disse que não iríamos nos divertir... – Ela virou pra mim e deu um sorriso maroto antes de voltar à janela. Acontece que aquele sorriso era sempre seguido de planos absurdos que nos levavam a problemas consideravelmente grandes. Eu a adverti que não queria entrar em plano nenhum, mas eu tinha a impressão que “liberdade de escolha” era um assunto desconhecido para ela.

  Primeira parada, o hotel. Pelo menos eu acho...Shuji disse que ficaríamos em quartos separados e ele também. Oras, mas é claro. Sexos opostos no mesmo quarto não dão muito certo, mesmo sendo casados, e esse nem era o caso. Mas de qualquer modo, se Haruhi fosse um homem eu ainda assim não ia querer desfrutar de sua companhia. Lembro de quando fomos passar uns dias na casa de parentes do Koizumi. Aquela maluca tinha me mandado dizer “eu te amo” em voz alta para ela, mas nem ligou quando eu falei. Afinal, com que propósito tinha sido aquilo? Bem, vou ficar sem entender...Por algum motivo, Haruhi pegou as chaves do seu quarto e saiu correndo pelas escadas sem nem esperar o elevador. Eu fui para o meu, no terceiro andar e desabei na cama...

      Aquele sonho veio me atormentar de novo...

         “Há, há, há, há!....

             Cale-se, imbecil!

             Por que não pode ser uma garota normal e rir junto?

             Ser normal está fora de questão!

             Faça como quiser...”

        De repente, um golpe contra a minha cabeça. Era um travesseiro. Acordei na hora muito assustado.

    - Ahhh! – Dei de cara com Haruhi que me batia com um travesseiro qualquer. Fiquei em estado catatônico. Nem me dei ao trabalho de colocar minha cabeça para funcionar e tentar entender a situação.

    - Vim assegurar que você não se atrasaria! – Ela fez um movimento com a mão imitando um revolver e saiu da cama para abrir as cortinas. A luz do sol invadiu o cômodo na mesma hora e eu saí do estado em que encontrava. Ainda muito sonolento eu tentei gesticular palavras com Haruhi:

    - Co-como...Entrou aqui? – Bocejei em seguida. Ela se virou, a face muito animada e respondeu:

    - Foi simples, eu descobri o número do seu quarto, fui até o zelador, botei o cara pra dormir, roubei as chaves e vim até aqui. – O bocejo foi radicalmente cortado pela informação. Eu olhei Haruhi perplexo.

    -Idiota! Eu não fiz nada disso. Estava brincando. – Ela pereceu emburrada comigo por não ter entendido a piada. Claro que ela não levou em conta que suas piadas não tinham graça nenhuma.

    - Quer dizer, não coloquei o cara pra dormir, mas peguei as chaves antes que ele percebesse... – Ela me mostrou o molho na mão e depois colocou de volta no bolso dos shorts. Olhei para a hora em meu celular, eram sete da manhã. Cobri-me de novo.

    - Haruhi, dá um tempo... – Não sei o que ela fez depois, fechei bem os meus olhos. Só ouvi passos e o barulho da torneira no banheiro sendo aberta...Tudo foi escurecendo, eu estava voltando a sonhar...Estava numa floresta, os pássaros cantavam. Eu estava à frente de um lago...Comecei a ouvir o barulho da cachoeira, olhei para cima e vi que a água cairia sobre mim. “SHHHHHPLAAAHS!...” Haruhi havia pegado uma bacia cheia d’água e jogado todo o conteúdo em mim, eu fiquei completamente encharcado!

    - Mantenha-se acordado! – Colocou a bacia no chão e saiu pela porta de entrada. E eu fiquei ali, próximo de pegar um resfriado. Porque não fiquei surpreso? Por que aquilo era típico de Haruhi e eu já havia me acostumado...Depois daquela eu havia levantado, claro. Troquei de roupa e desci para o café da manhã antes de encontrar-me com Shuji...Aliás, queria perguntar certas coisas a ele. Ele me pareceu mais falante que Nagato-san.

         Avistei Haruhi sentada sozinha tomando algum chá. Fiz menção de sentar em outra mesa, mas sabia que ela iria até mim e me importunaria, então sentei com ela afinal.

    - Obrigada pelo banho.

    - De nada! Bem, agora que você está acordado eu posso finalmente te contar o meu grande plano! – Não quero saber, já falei. E beberiquei meu chá de camomila.

    - Eu geralmente faço tudo sozinha, mas dessa vez eu vou precisar de ajuda, pouca, é claro. E nem venha dizendo que não vai ajudar, eu vou até fazer maioria das coisas, não tem o que reclamar!

    - Humm...-. Mas eu tinha pelo menos o direito de saber no que ela ia me meter?

    - Haruhi, que tipo de plano é esse? – Seus olhos negros soltaram faíscas e eu senti uma pontada de medo. – Ela chegou um pouco mais perto de mim e cochichou:

    - Um roubo...-...Roubo?!

    - Eu também tenho um plano: não participar do seu.

    - Não quero ouvir, Kyon. Já está tudo certo. Shuji também está nessa! – Nossa!Ela convocou até o garoto!

    - Mais tarde eu darei mais informações. Fique atento e de olhos bem abertos! – Ela outra vez saiu correndo muito animada, e eu resolvi tomar mais chá.

          Depois do hotel fomos direto para o parque, finalmente. Ficava a uns quilômetros mais à frente. Shuji contou que não precisávamos ir à bilheteria, teríamos apenas que acenar para os seguranças e mostrar nossas pulseiras.

           Mal entramos e já estávamos sendo bem recebidos. Havia muitos palhaços, pessoas fantasiadas e outros artistas, queriam nos abraçar e nos dar bexigas coloridas. Eu tentei falar que não queria nada, mas acho que tinha falado em japonês... Fomos até a rua principal, já havia milhares de pessoas lá, de todos os tipos, cores e tamanhos; muitas crianças e muitos chapeuzinhos de orelha de Mickey.

              Shuji nos levou ao encontro dos outros participantes, de longe á podíamos vê-los. Um grupo com doze pessoas, eu contei. Quatro trios. Comigo, Haruhi e Shuji, cinco. O nosso tradutor correu até os outros tradutores e deixou a mim e Haruhi a sós, um pouco afastado do grupo. Eu a olhei por um momento, mas ela não estava nem aí pra minha presença. Olhando tudo em volta mais parecia um cãozinho curioso. Shuji acenou para nós e andamos até ele.

    - Este é o líder do grupo, nosso guia, senhor Richard Blitz. – O cara era alto, branco e loiro, penso eu, um típico americano.  Aparentava ter uns trinta anos e uma face cínica.

    - Ah, por favor...Você e esse seu jeitinho formal, Shuji-san. – Ele brincou...Em japonês! Estava falando em japonês...Porque achei isso tão surpreendente?

    -Ahh, vocês devem ser o grupo japonês...- Não, senhor. Enganou-se. Viemos do Haiti e não entendemos uma vírgula do que falou anteriormente. – ...Eram os últimos a chegar para começarmos a passear. Regra número um: fique no grupo. Siga esta regra sempre e viveremos em harmonia. – Esta última frase ele falou um pouco mais perto de mim, seria algum tipo de ameaça?

    - Kyon! O que está fazendo aí parado! Temos muito que fazer, muito! – Haruhi me puxava pela camisa. Seu Richard pode explicar a regra de novo? A Haruhi não entendeu ainda.

    - Suzumiya Haruhi, certo? ...Devemos permanecer em grupo, pois o parque é tremendamente grande...- Ele sorriu para Haruhi, mas ela respondeu com um muxoxo e se virou... – E com o esquema que eu criei, até amanhã, conseguiremos passar por todos os lugares! – Sim, era isso que eu queria, o que mais dava para se fazer num parque de diversões, afinal? ...

    - Venham, irei mostrar o resto dos vencedores! – Seguimos Richard até o grupo e todos que conversavam muito se voltaram para nós. Eu respirei fundo, daqui a diante eu só ouviria o inglês americano...

             Um garoto em particular chamou-me a atenção, ele usava um moicano gigante na cabeça e era vermelho!... Não era ruivo, era vermelho mesmo. Acho que ele percebeu, pois começou a falar comigo.

    - Fala inglês? – Ele perguntou.

    - Um pouco...- Respondi, um tanto tímido.

    - Gostou? – Ele passou a mão no cabelo e fez pose para mim. Claro que eu gostei, quero um também, mas pode ser na minha cor favorita?

    - Ah, claro...

    - Chamo-me Michael Robinson, sou o vencedor de Londres, Inglaterra. E você?

    - Meu apelido é Kyon... Sou do Japão.- Dessa vez eu não estava a fim de dar meu nome verdadeiro.

    - Ahh, aposto que foi aquela gatinha ali que te deu o apelido carinhoso...- Ele brincou. E não, foi uma tia. Mas espera, que gatinha? Ele então olhou para Haruhi... Gatinha?Ela? Estava mais para uma leoa, daquelas bem ferozes...

    - Hei, ela não é minha namorada, se é o que imagina. – Tentei desfazer o mal-entendido.

    - Então não vai se importar se eu tentar, não? -...Não sei o porquê, mas demorei a responder...

    - Nem um pouco, boa sorte... – Eu falei muito sério, será que ele percebeu? Mas já estava longe. Vi cena toda e achei um tanto engraçado. O tal Michael começou a se apresentar para Haruhi, ela por sua vez apontou para o cabelo do rapaz, uma terceira personagem apareceu, uma garota que não parecia muito feliz. Pegou o Michael pela orelha e saiu arrastando-o pelo caminho. Depois, Haruhi juntou-se a mim e eu comentei:

    - Gente fina, esse Michael...

    - Muito estranho aquele cabelo...

    -Sério? Eu achei que você fosse gostar.

    - Pessoas fazem isso para chamarem a atenção. São pessoas que não confiam em si mesmas. – Humpf. O roto falando do esfarrapado. Não foi você mesma que tinha mudado o corte do cabelo só porque eu tinha falado dele?...Será que se eu falar que ela ficaria bem de moicano Haruhi o faria?...Mas antes que eu pudesse testar a idéia Richard nos juntou e começou a dizer:

    - Senhoras e senhores, darei um mapa do parque a cada trio e seguiremos com os horários do programa! E por favor, não saiam do grupo! Todos nós devemos ficar juntos! – Eu tentei prestar atenção no que ele falava, mas além de estar em outra língua mais parecia texto de pastor de igreja. Lembrei que Haruhi estava quieta demais e me virei pra confirmar que ela estava lá, e adivinhe, ela não estava. Onde ela poderia ter se metido?

    - Haruhi...Haruhi...Vou colocar um microship em você! – Eu saí a sua procura, mas a multidão que tinha lá não ajudava. Aquilo parecia uma vila! Tinha lojas para todos os lados! Achar uma japonesinha irritada não deveria ser tão difícil...Enquanto corria e olhava para os lados, me distanciando cada vez mais do grupo, não percebi que havia trilhos no chão e tropecei neles. Quando me levantei dei de cara com um cavalo que relinchou alto e levantou, eu pulei para o lado e ouvi a mulher que comandava o cavalo gritar palavrões em inglês para mim. Andei de costas e bati em alguma coisa.

    - Hei, olhe por onde anda! – Era Haruhi.

    - Haruhi! Onde você estava?! – Pensei ter falado como uma mãe aborrecida.

    - Compras! É claro! – Ela falou e me mostrou algumas bolsas presas ao braço.

    - Será que não podia esperar que o cara acabasse de falar primeiro?

    - Não! O tempo é precioso! Eu estava comprando coisas muito importantes! – Começou a remexer uma das sacolas.

    - Coisas tipo o quê?

    - Tipo isso aqui...- Haruhi colocou na minha cabeça aquele chapeuzinho sem-vergonha do Mickey.

    -...Isso era importante?

    - Muito! Logo entenderá! – Ela deu aquele sorriso típico de um malandro outra vez e eu só pude ajeitar melhor o chapéu que havia ganhado. Afinal, o que ela escondia? ...Então levamos nós dois um susto, alguém começou a gritar conosco. Era o tal de Richard.

    - Como ousam sair da formação?! – Eu nunca tinha visto alguém tão vermelho na minha vida. – O que eu já havia explicado?! Para permanecerem no grupo! Nós já íamos começar a visitar as lojas!

    - Gomen! – Eu abaixei ressentido e forcei a cabeça de Haruhi para baixo também, ela não gostou nada e ficou tentando tirar o meu braço dela.

    - Shuji-san, trate de cuidar bem da sua dupla! – Richard gritou com o garoto que correu até nós e ficou do nosso lado.

    - Não faremos mais! – Eu falei, ainda de cabeça baixa.

    - É bom que não façam! – Nossa, acabo de conhecer uma pessoa mais esquentada que Haruhi. ...Richard se virou para o grupo e fomos atrás, um pouco afastados. Haruhi começou a me tapear por ter feito o que fiz com ela.

    - Ficou maluco?! Por que fez aquilo? – Ela parou do nada e começou a ajeitar o cabelo.

    - Pra podermos voltar nos Estados Unidos, afinal.

    - Quem liga para esse aí...Vamos seguir o programa por enquanto e depois entraremos em ação! – Ela correu para perto do grupo e Shuji foi a sua cola. Eu fiquei parado por um momento tentando entender a situação. Sabia que isso seria impossível...