Soul escrita por Writer


Capítulo 9
Visitas inesperadas


Notas iniciais do capítulo

Ok a culpa dessa vez foi: TVD, recuperação, problemas pessoais (muitos deles por sinal), episódios novos de várias séries que eu acompanho. Eu me dei muito mal nas matérias e peguei um monte de recuperações. Lembrando que: ESSE É O CAPÍTULO EM QUE VOCÊS LEITORAS ENTRARAM COMO PERSONAGEEEENS. Eu acho que não coloquei todas, porque não deu. E tiveram dois que eu não acreditei que fosse de verdade. Um eu coloquei e outro não. PS O CAPÍTULO FICOU ENORME O QUE É MUITO BOM PRA VOCÊS



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-Quer dizer que ele ainda não te chamou? - Anne me perguntou boquiaberta. - Alias, nenhum deles?

-Porque não? - Alice também parecia indignada com uma folha de alface no garfo a caminho da boca.

-Eles tem problema. - Lilith observou enquanto colocava o canudo do suco na boca (N/A: tirei uma letra do nome dela, espero que não tenha problema Izumine).

-Eles chamam se quiserem ué. - Rebati.

-Você está solteira, é bonita, inteligente e legal. Porque ainda não te chamaram pra sair? Ou pelo menos para o baile? - Alice questionou pela terceira vez durante aquele almoço, apontando pra mim com o garfo. O que acabou me fazendo dar um risinho.

-Talvez, porque moramos no mesmo apartamento e seria estranho em algum momento. - Comi uma colherada da minha gelatina.


 

Exatamente um mês havia se passado desde que eu ganhei vida. As coisas se encaixaram melhor. Fiz amizades com quase todos, mantive as inimizades, me aproximei do pessoal e as coisas ficaram menos estranhas. Como com cheiros, sons e toque.

Havia feito amizade com as meninas em um trabalho de Geografia. Elas já eram amigas antes daquilo. Anne era apaixonada por fotografia e lia quase tanto quanto eu. O que nos fazia uma mistura interessante, porque as vezes eu fazia desenhos das fotos que ela tirava. É, eu aprendi a desenhar com os anos. É fácil segurar apenas um lápis ou uma borracha. Enfim. Anne era a mais engraçada do nosso grupo. Era do mesmo tamanho que eu, cabelos e olhos castanhos. Alice era a vegetariana desde pequena. Desastrada como uma criança de seis anos, mas com o estilo levemente parecido com o de Nico. Gostava de rock e era fria com quem não gostava ou não parecia ser alguém decente. Seus cabelos longos pretos e olhos da mesma cor só aumentavam suas semelhanças com ele. Eu havia perguntando se ela poderia ser filha de Hades para Nico, e ele disse que era pouquissimo provável. Lilith tinha uma aparência diferente, como eu. Cabelos pretos, na altura do pescoço e repicados com uma franja de lado. Olhos de um azul arroxeado e claro, pele clara. Parecia uma boneca de porcelana. Não era muito fã de roupas justas. Boa e simpática ou sangue-frio quando queria. Acho que todas ali éramos assim, na verdade.


 

-Nem vem com desculpas. - Alice apontou o garfo pra mim novamente.

-Ah, e vocês? Tem pares pro baile? - Em duas semanas iria acontecer um baile de máscaras, no Halloween mais especificamente. Quase todo mundo estava animado e só falava nisso.

-Sim! - As três disseram em uníssono e meu sorriso vitorioso sumiu.

-Os meninos não tem iniciativa hoje em dia, a culpa não é minha! - Dramatizei.

-Por falar nele. - Lilith apontou sutilmente com a cabeça para a entrada do refeitório, a qual eu estava de costas.

-Eu preciso começar a sentar de frente para a entrada. - Murmurei tirando a franja de lado da minha cara.


 

Me virei para ver, não me importanto muito de ser discreta. Nico estava entrando, junto com Piper e Jason. Jason estava com o braço ao redor dos ombros de Piper, Nico andava com as mãos nos bolsos. Pareceu vasculhar o local, e logo me achou. Murmurou algo que deveria ser um "já volto" para Piper e veio até a nossa mesa. Não desviou o olhar de mim por nenhum momento, me observou. Também não desviei. Nosso relacionamento era o mais confuso de toda a Terra.


 

-Me olhando é? - Ele perguntou erguendo uma sobrancelha daquele jeito legal e charmoso que conseguia.

-Quem disse que você pode e eu não? - Ele deu um sorriso. - Pelo menos não estava te secando. - Toquei no tópico de quase todos os debates.

-Eu não te seco. - Ele falou, cruzando os braços na frente do corpo. - Oi meninas. - Ele voltou o olhar pra mim e eu fiz uma expressão de 'não tenta me enrolar'. - Ok, talvez eu faça isso.

-Muito. Então não me julgue! - Mudei de assunto. - Quer o que aqui? - As meninas iriam brigar comigo por ser grossa com ele.

-Te avisar. Percy e Annabeth vão nos encontrar hoje, no shopping depois da aula.

-Sério?! - Soei animada até demais.

-Não. - Ele disse e eu fiz cara feia pra ele. - Vai sentar com a gente hoje?

-Vou. Só estava esperando vocês chegarem. - Respondi me levantando.


 

Eu tinha um esquema para sentar com eles. Cada dia eu ia com um dos grupos. Era bom, porque nenhum ficava menos do que o outro. Peguei a bandeja e Nico a pegou de mim, parecendo cavalheiro.


 

-Eu levo isso.

-Nossa que educado! - Brinquei. Ele me deu uma leve fuzilada com os olhos. - Pode ir na frente? Só vou falar uma coisa para as meninas.

-Só vou fazer isso se você pegar refrigerante para mim. - Ele disse, me fazendo rir baixo.

-Ok, eu pego. - Respondi, e ele foi para a mesa de sempre perto da parede de vidro.


 

Virei para as meninas para encontrar elas com expressões curiosas e divertidas.


 

-Você é tão grossa com ele! - Viu? Eu não disse?

-Não sou grossa com ele. É que somos assim desde sempre, Anne.

-E aquela conversa? - Lilith deu um sorriso malicioso. - É difícil não pensar que vocês tem alguma coisa.

-Que temos algo provavelmente temos. Só que eu quero que ele faça algo primeiro, não eu. - Roubei um gole da Coca-Cola de Alice. - E também tem o Leo. Nós provavelmente temos algo, apesar de um pouco confuso. Ele é bem mais doce e menos direto que Nico.

-Que drama. - Ela observou.

-Eu vou indo lá. Tenho que fazer a tarefa de inglês que eu ainda não fiz e é pra próxima aula.


 

Antes de ir para a mesa, passei na máquina de refrigerante para pegar um para Nico e na de doces para pegar uma daquelas barrinhas pequenas de chocolate. Fui para a mesa e me joguei, escorregando de leve no banco. Empurrei a lata de refrigerante para Nico, que estava de frente pra mim, e puxei a minha bandeja.


 

-Algum motivo para a visita deles? - Perguntei para ninguém em especial antes de começar a comer.

-Acho que não. - Ouvi Jason responder. Eu estava muito ocupada saboreando o macarrão ao molho branco pra prestar atenção.


 

Em cinco minutos terminei de comer. O intervalo era de meia hora. Ainda sobrou um tempo para fazer a tarefa. Coloquei a bandeja na mesa vazia do lado, por preguiça de levar até o lugar certo. Abri o caderno e comecei a fazer a tarefa.


 

-Serio Sophie? Vai fazer isso aqui e agora? - Frank murmurou.

-Só cinco minutinhos.

-Porque você não fez em casa? - Piper me perguntou.

-Porque eu tenho que viver a vida. Não fazer a tarefa de casa de uma professora com sotaque estranho.


 

Ignorei a conversa deles até terminar de fazer tudo. Não me importava muito com essas tarefas. Eu iria tirar ótimas notas nas provas, não precisava entregar tudo. Só fiz porque aquela professora me odiava por nunca fazer nada.


 

-A gente vai no baile né? - Soltei uma indireta e puxei um assunto novo ao mesmo tempo. Bingo.

-Acho que sim. Se não acontecer nada. - Leo respondeu.

-Eu não sou muito fã desses bailes. Espero que o desse ano seja diferente dos outros. - Piper disse, pouco animada.

-Eu nunca fui em um então... - Murmurei.

-Alguém já te convidou? - Leo me perguntou.

-Uns meninos já me chamaram. Mas não aceitei. Só queriam ter a fama de irem com a garota nova. - Evitei trocar olhares com Nico, mas foi inevitável. - Ainda estou esperando alguém legal. - Dei um gole do meu refrigerante de limão.

-Eu estava pensando em convidar Elizabeth ou a Elisa. - O refrigerante entrou no buraco errado e eu quase morri tossindo meus pulmões fora.


 

Elas eram semideusas que conheci duas semanas atrás. Elas eram do outro grupo que morava aqui e estudavam em outra escola. Eram irmãs por parte de pai e mãe. Filhas de Éolo, para ser exata. Elisa tinha cabelos claros, Elizabeth não. Mas ambas eram bronzeadas e com olhos de um cinza extremamente claro. O pessoal já era amigo delas desde o começo do verão. Logo que conheci elas, acabamos ficando muito amigas. Eu, Elizabeth, Elisa, Piper e Hazel. Costumávamos expulsar os meninos a tarde depois da aula para fazer alguma coisa ou saiamos para comer alguma coisa.


 

-Elas podem entrar? - Nico perguntou. Só faltava ele inventar de chamar a outra irmã, ai ferrou pro meu lado.

-Como convidadas, sim. - Respondi, dando outras tossidas. Minha garganta ardia e meus olhos estavam lacrimejados. - Tá doendo!

-Quem mandou ser chata. - Hazel estava brava comigo, porque eu não quis fazer o seu dever de química.

-Toma mais um gole. - Nico disse e eu olhei pra ele incrédula. - Ajuda a passar. - Fui tomando goles enquanto a conversa foi fluindo.

-Você devia chamar Elisa. - Eu disse para Leo. - Ela gosta de você. - Ele corou de leve e disfarçou.

-Sério? Vou pensar ainda.

-Vocês dois pensam demais. - Hazel disse apontando para Leo e Nico.

-Eu não fiz nada! - Nico protestou.

-Exato. Você não fez nada. - Jason completou o sermão, mas ele escondia um sorriso.

-Perdi alguma coisa? - Perguntei.

-Ele quer chamar uma menina para o baile mas não vai.

-Porque? Que gayzisse Nico. - Brinquei. Ele me fuzilou com o olhar, o que me fez apenas rir. - Tem que chamar logo. Ela pode arranjar um par. - Soltei outra indireta. Só esperava não estar sendo óbvia.

-Eu ouvi ela dizendo para uns amigos que está esperando alguém legal. - Puta que pariu. Só jogando um tijolo pra ficar mais direto. Me obriguei a ficar séria.

-Então está espionando ela é? Que coisa feia. - Me permiti dar um sorriso brincalhão. - Posso saber quem é? - Naquele momento, ele abriu um sorriso de lado. Me deu vontade de morder ele, no sentido não-sujo.

-Você é muito besta. - Ele suspirou antes de falar. - Sophie Seele, quer ir ao baile comigo? - Fiquei em silêncio antes de responder, como se estivesse em dúvida.

-Eu iria adorar, Nico di Angelo. - Dei um sorriso enorme, e ele sorriu suavemente. Mas pude ver um brilho em seus olhos que eu via raramente. Alegria.


 

Não tenho certeza do que aconteceu depois. Foi estranho. Assustador. Horrível.

Eu estava me sentindo nas núvens. Era um motivo bobo, mas acabou importando muito pra mim. Eu já pensava em que dia iria comprar um vestido, arranjar uma máscara, ir ao salão, fazer as unhas, cabelo, maquiagem, e mais um monte de coisas que garotas adoram fazer e que eu tinha preguiça na maioria das vezes. O sorriso continuava em meu rosto, agora um pouco mais discreto. O pessoal fez uma gritaria engraçada, e todos nos olhavam torto. Eu nem liguei, apenas ri. Olhei para as meninas na mesa, e elas tentavam entender tudo aquilo. O olhar de Anne se cruzou com o meu, e o mundo real se dissolveu como giz de cera derretendo.

E então eu não estava mais na escola. Imagens dançaram na minha frente. Uma rua. Números. 14 e 27. Anne apareceu. Atravessou aquela rua, um carro a atropelou. Não pude gritar. Não pude fazer nada. A imagem apenas sumiu, dando lugar ao mundo real. Como se nada tivesse sido visto por mim.

Senti um enjoo e uma puxada estranha no estômago. Eu estava suando frio, minhas mãos tremia. As coisas giravam um pouco. O que tinha acontecido ali?

Me virei pra mesa, apertei a beirada da mesa de aço.


 

-O que foi Sophie? - Hazel me perguntou. Não sei porque, mas sua voz soou mais distante do que realmente estava. Fechei os olhos por um momento, como se aquilo fosse me ajudar.

-Eu não sei. - Murmurei assustada. Meus olhos se encheram d'água.

-Você não está bem. Você tá mais pálida do que uma folha de papel. - Nico observou do outro lado da mesa.


 

Ele atravessou a mesa e se abaixou na minha frente, na ponta da mesa quadrada. Segurou meu queixo, me obrigando a olhar pra ele. Em poucos segundos ele concluiu.


 

-Você não está bem mesmo. O que aconteceu?

-Eu quero ir pra casa. - Murmurei, a beira das lágrimas.

-Me diz o que aconteceu primeiro. - Sua voz era suave, em outra ocasião seria sedutora.

-Eu não sei. Eu acho que vi alguma coisa.

-O que você viu? - Ele disse com a sua voz como seda, e eu tentei me libertar de olhar aqueles olhos negros e profundos. Mas não consegui e fui obrigada a me focar naquilo, o mundo pareceu girar mais devagar.

-Eu tive uma espécie de visão. Anne morrendo. - Minha voz foi um sussuro, algumas lágrimas escaparam e Nico pareceu desmanchar junto comigo pouco a pouco.

-Vem, eu vou te levar pra casa. - Ele falou baixo e calmo perto do meu ouvido, me ajudou a levantar.

-Quer a chave do carro? - Frank perguntou. Eu olhei vagamente para eles, tentando não trocar os pés sem nem mesmo estar em movimento. Eles estavam preocupados, assustados.

-Não precisa. - Ele respondeu, passando o braço pela minha cintura. - Dependendo, eu volto. Mando uma mensagem. - Limpei as lágrimas, disfarçando. Era a primeira vez que eu chorava e eu esperava não estar parecendo um tomate inchado. Ele falou baixo no meu ouvido. - Tudo bem ai?

-Uhum. - Murmurei assentindo de leve, o que acabou fazendo o mundo girar. - Porque não quer a chave do carro?

-Vou te levar de um jeito mais fácil. - Ele me apoiou de um jeito mais discreto. - Disfarça um pouco, Sophie. - O hálito quente dele bateu no alto da minha bochecha, o que em outras circunstâncias me mataria. Dessa vez, apenas obedeci.


 

Mantive os passos certos, ou um pouco mais do que antes. Ergui a cabeça e andamos calmamente. Era fácil pra ele. Não era ele que estava com a visão girando, estômago embrulhado, tonta e com dor de cabeça. Se a morte tem uma sensação, essa é a que melhor se aplica.

Saímos do refeitório e eu fui para outra missão: descer as escadas sem cair e sair rolando. Nico me impediu de cair duas vezes e ainda brincou perguntando se eu estava bêbada.


 

-Onde a gente vai?

-Pra casa.

-Eu sei, idiota. - Tropecei nos meus pés, e cai em cima de Nico. Continuei falando enquanto ele me colocava em pé decentemente. - Quero dizer agora.


 

Minha pergunta foi respondida quando Nico abriu a porta da dispensa do zelador.


 

-Se segura. - Ele gritou ou falou?

-Não grita. - Fechei os olhos com força quando a luz de uma das janelas bateu nos meus olhos.


 

Então entramos na dispensa, e foi como se caíssemos na escuridão. Havia um vento frio nos envolvendo, gritos e risadas cruéis. Sem contar com uns efeitos colaterais que duplicaram toda a dor e náusea que eu estava sentindo. Nico me apertou um pouco mais e tudo ficou claro denovo.

Cai dos braços de Nico no chão frio de porcelanato. Meu estômago parecia que iria sair pra fora. Acho que aquilo era uma ânsia de vômito. Sem pensar duas vezes, levantei e corri para o banheiro.

Cai uma vez no meio da sala e outra no corredor antes de chegar até lá. Não foi bonito, ou uma sensação boa. Era como se ácido estivesse passando pela minha garganta e nariz. Na verdade era ácido, mas isso não importa. Quando acabou, louvei todos os deuses mentalmente. Meu corpo inteiro tremia, lágrimas escorriam do meu rosto. Encostei o corpo na parede, me encolhi e desabei ali mesmo.

Tudo estava tão bem, eu estava me adaptando, fazendo amigos, aprendendo a lutar. Ai tudo desmoronou. Aquela visão me assustava. Não queria perder Anne, ou sofrer. Eu acho que a vida não era tão doce afinal.


 

-Sophie? - Ouvi o tom doce e preocupado de Nico. Depois seus passos leves, a tampa da privada fechando e uma descarga. - Sophie...


 

Ele se abaixou mas não fez nada. Ele não sabia o que fazer. Facilitando para ele, joguei meus braços ao redor dele e apertei com força. Ele retribuiu e fez aqules "shh" perto do meu ouvido enquanto eu chorava como uma louca. Quando o choro parou um pouco eu libertei ele do meu abraço apertado.


 

-Vai escovar os dentes e tomar um banho enquanto eu arranjo Ambrosia ou Néctar pra você. - Assenti levemente. O gosto intragável ficou na minha boca. Ele levantou e estendeu a mão para me ajudar. Levantei e um pouco envergonhada limpei as lágrimas do meu rosto.

-Obrigada Nico. - Eu disse e ele deu um sorriso pequeno.

-Não é nada. Eu vou sempre cuidar de você Sophie. - O pensamento dele cuidando de mim sempre me fez sorrir fracamente.

§§


 

De banho tomado e não sentindo aquele gosto terrível eu procurei Nico pela casa. Minha cabeça doía apenas um pouco mas eu estava trêmula, ainda. Vestindo um pijama de bolinhas coloridas, eu fui para a sala, não achei ele. Fui para a cozinha e também não o achei. Vi uma pista de seu paradeiro. A porta para o terraço estava aberta. Por que ele estava no terraço? Subi as escadas com muita preguiça. O sol estava escondido em uma núvem grande, mas infelizmente não era de chuva. Eu ainda não tinha presenciado a chuva, e era louca pra ver. Nico estava na beirada, com as mãos em cima daquele murinho que cercava todo o lugar.


 

-O que você tá fazendo aqui? - Perguntei baixo e calmamente, como se fosse assustar o filho de Hades.

-Nada, só olhando. - Ele virou a cabeça e me olhou pelo canto do olho. Caminhei até ele e olhei a paisagem. Eu nunca havia olhado, na verdade. Eu só subia ali para treinar com ele. - Alias, não vai ter treino hoje.

-Porque não? - Eu sempre ficava infernalmente entediada quando não tinha treino, ou assistia um filme. Nossos treinos eram segunda, quarta, sexta e sábado. Houveram algumas vezes em que nós treinamos de madrugada em uma sexta para sábado. Nesses dias ele me ensinava a lutar no escuro, ouvir e ver bem, e até viagem nas sombras (que era o único poder que ele tinha certeza que eu tinha). E hoje, era uma sexta. - Vamos treinar de madrugada? - Sugeri animada.

-Sophie... - Ele murmurou sorrindo, ainda olhando a paisagem. - Você deveria ter um interruptor de desligar. - Ele olhou pra mim ainda sorrindo e eu fiz uma careta brava. - Pode ser.


 

Sorri vitoriosa. Ele me entregou uma garrafinha de Monsters University que eu tinha comprado no mercado na noite anterior. Só de ver ela eu tive um ataque de riso.


 

-O que é isso? - Leo havia me perguntado no momento que eu coloquei o objeto no carrinho.

-Uma garrafinha! - Protestei levantando a garrafinha de 500 ml. Era azul estampada com várias carinhas do Sulley e do Mike.

-Pega uma mais... Madura, Sophie. - Hazel disse escondendo um sorriso enquanto empurrava o carrinho.

-Eu gostei dessa.


 

Estávamos eu, Nico, Leo, Hazel e Frank no hipermercado. Só eu e Leo estouramos um saco de farinha, quebramos uma caixa de ovos, quase quebramos um copo, e nos perdemos uma vez. Era pouco provável que os funcionários dali nos deixassem entrar outra vez, não sem a companhia de um adulto ou talvez um segurança do hipermercado nos seguindo.


 

-Não toca, Sophie! - Frank me censurou quando eu encostei em um marinex de vidro. Com cara de cachorro chutado eu tirei a mão dali.

-Não é como se ela fosse quebrar isso também. - Leo disse.

-Você também ajudou a quebrar aquelas coisas! - Disse brava.

-Ok, ok. - Ele levantou as mãos em sinal de rendição. Coloquei a garrafa denovo no carrinho.

-Você que vai pagar seu trequinho. - Nico disse passando do meu lado.

-Não chama de trequinho! - Dei um tapa no braço dele, que não fez muito efeito porque ele estava usando sua imponente jaqueta de couro.

-Não me bate. - Ele respondeu sem dar muita bola pra mim.

-Mas ele tá certo. - Leo disse. - Você que vai pagar sua... Garrafa.

-Ok. - Eu gastei apenas 180 dólares no mês passado, o que me fazia ficar com muito mais da metade do dinheiro do mês anterior e todo o dinheiro do mês atual. Se eu continuasse nesse ritmo ficaria rica.


 

Voltando para a realidade, peguei a garrafa da mão de Nico abri e bebi. Tinha o gosto de Cappuccino do jeito que eu gostava, com duas colheres de açucar e morno. Aquilo havia se tornado meu maior vício. Sem contar que era bom pra acordar por causa do café.


 

-Eu acho que vou - Bocejei no meio da frase. - dormir um pouco.

-Ok vai lá, viciada em cafeina. - Eu sorri de leve.

-Tchau. - Murmurei distraidamente e sem nem perceber. Ele riu da minha confusão.

-Boa noite, Sophie.


 

Desci as escadas e fui para o meu quarto. Chegando lá fechei a porta, diminui a temperatura do ar condicionado, terminei de beber o Néctar e deitei na cama. Peguei o edredom e me cobri. Cai em um sono mais que pesado na mesma hora.

Escuro demais! Foi o motivo de eu ter acordado. A luz que entrava pelas brechas da cortina de blackout havia ido embora. Eu deveria ter deixado a porta entreaberta. Droga. Que dia era? Estava de noite ou de madrugada? Atônita, acendi o abajur da escrivaninha e me sentindo melhor com um pouco de luminosidade. Respirei fundo, observando o quarto. Deitei na cama e dormi denovo.

Acordei mais uma vez, mas dessa vez foi porque eu quis. Me espreguicei e bocejei. Ouvi risadas, conversas altas e animadas vindo da sala. Morrendo de preguiça e curiosidade ao mesmo tempo levantei, prendi o cabelo em um coque que não parecia um coque e sai. Me sentia meio zumbi andando pelo corredor. Meus músculos estavam moles, meus tornozelos reclamaram sem razão. Ao passar pelo portal do corredor e entrar na sala bocejei novamente. A luz queimou meus olhos.


 

-Bom dia flor do dia! - Leo gritou.

-Não grita comigo, eu não te fiz nada. - Passei reto com meus passos preguiçosos direto para a cozinha. - Manifestem sua alegria mais baixo, a propósito.

-Você está melhor? - Nico perguntou aparecendo na porta da cozinha.

-Estou. O sono e o Néctar ajudaram muito. - Ele assentiu e voltou para a sala. Ouvi um "o que aconteceu" e um "explicamos depois".


 

Vasculhei a cozinha em busca de algo pra comer. Eu não havia comido nada depois de ter colocado tudo pra fora, e isso foi um erro pavoroso. Minha barriga parecia um monstrinho dentro de mim gritando por comida. Graças ao deus da comida nós fomos no mercado na noite anterior. Peguei um pacote de salgadinhos e uma lata de refrigerante. Voltei para a sala para perceber que o sofá estava lotado, incluindo Percy, Annabeth e um menino que eu não conhecia.


 

-Ah, oi? - Falei avoada estudando o menino de jeito calculista. Ele parecia um elfo, só que sem as orelhas extremamente pontudas e aqueles cabelões lisos. Olhos e cabelos castanho-claro cacheados, pele bronzeada e orelhas levemente pontudas. Ele tinha uma expressão de que planejava roubar a minha comida.

-Sophie! - Annabeth levantou do seu lugar e veio me dar um abraço. Abracei ela, com a comida ainda na mão.

-Oi. Sem querer ser grossa, mas porque você veio? - Ela me libertou do abraço. Eu ainda era meio nociva a toque e não gostava muito de abraços. - Oi Percy!

-Só ver se vocês estão vivos. - Ela brincou. - Avisar de uma reunião no acampamento no fim de semana.

-Fim de semana tipo, Domingo? - Perguntei e ela assentiu. - Sério?! - Falei. Olhei para o pessoal no sofá e perguntei. - Posso ir?

-Não. - Nico falou ao mesmo tempo que os outros disseram "sim"


 

Mostrei a língua para Nico e ele fez cara feia pra mim. Puxei uma cadeira e sentei.


 

-E você é? - Perguntei para o garoto que eu não conhecia.

-Connor Stoll. - Ele respondeu.

-Já ouvi falar de você. - Abri o pacote de salgadinhos e o refrigerante. Ouvi uma descarga no banheiro e levantei a cabeça. - Tem mais gente aqui?

-Travis Stoll, irmão dele. - Jason me explicou.

-Filhos de Hermes não é?

-Acertou. Você é a garota fantasma.

-Eu não conhecia esse apelido, mas é. Sou.

-Olá, garota de pijama. - Um garoto falou com uma voz sedutora encostado no portal. Quase engasguei com o refrigerante porque não tinha o visto ali.

-Oi... - Semicerrei os olhos, olhando de um irmão para o outro. - Vocês são gêmeos?

-Não. Todo mundo acha isso, cara! - Travis, o irmão que usou voz sedutora disse frustrado.

-Desculpe então. - Murmurei escondendo um sorriso.

-Sophie, não vai oferecer? - Hazel disse se referindo a minha comida.

-Não. Quem quiser pega.

-Nossa, que doce! - Connor ironizou.

-Desculpe. - Disse sem me sentir culpada. - Que horas são?

-23:33. - Percy respondeu checando um relógio de pulso.

-Nossa eu dormi tudo isso? - Parei pra raciocinar. - Espera aí.


 

O sorriso que eu dei provavelmente parecia um pouco psicopata. Nico continuou sério mas em seus olhos havia uma pontada de divertimento.


 

-Que foi? - Piper me perguntou.

-Preciso trocar de roupa. - Comi mais rápido.

-Onde você vai? - Annabeth perguntou.

-Ah, vocês não vão fazer isso hoje! - Jason protestou, logo notando do que aquilo se tratava.

-Fazer o que? - Annabeth estava frustrada por não saber do que se tratava.

-Treino de madrugada.


 

§§


 

Sai do quarto vestindo uma legging longa e grossa, uma regata e uma jaqueta. Joguei minha pedra pra cima enquanto caminhava até o terraço. Quase não havia vento ali em cima e o ar estava abafado. As luzes estavam acesas mas seriam apagadas.


 

-Vocês não tem medo de cair daqui de cima? - Percy perguntou.

-Não. - Nico respondeu enquanto colocava os bonecos e os alvos em um quase cubículo do lado da entrada. Ajudei ele e levei o último alvo.

-Vocês são loucos, mas isso vai ser demais. - Connor murmurou.

-Vão se machucar e depois ficam reclamando. - Annabeth estava preocupada com a gente.

-Não dá pra machucar caindo no chão. Eu modifiquei o piso. Ele se torna macio quando alguém cai. - Leo explicou orgulhoso e com razão. Aquilo ajudou muito a não nos machucarmos nos treinos.

-Ok, ta pronta? - Nico me perguntou. Assenti e apertei a pedra. Ela virou a minha espada. - Vocês - ele apontou para o pessoal. - ficam ai no canto pra evitar acidentes.

-Espera ai, como isso funciona? - Os olhos de Travis brilharam de curiosidade.

-Eu e Nico temos um poder em comum, e é o único que eu conheço, viagem nas sombras. Então pra mim me adaptar e aprender a lutar com pouca luz, usar a viagem nas sombras enquanto luto, Nico inventou esse método de lutar de madrugada.

-É a pior noite da semana. - Hazel observou e eles riram.

-Tem regras? - Os olhos de Annabeth brilhavam, o que denunciava o tanto que estava curiosa. Eu e Nico nos entreolhamos, pensando.

-Acho que não. Tudo é liberado. - Me posicionei no centro da sala e Nico foi para a parece da direita, ao lado do interruptor. - Não sei se vocês vão poder ver alguma coisa. E não deem dicas. - Ele virou pra mim. - Pronta?

-Aham. - E ele apagou a luz.


 

De primeira eu fiquei desorientada. Muito. Haviam prédios próximos, mas estava tarde e maioria das luzes estavam apagadas. E a lua não dava o ar de sua graça. Também havia uma festa em um lugar próximo. A música estava alta e ainda por cima eu gostava dela. Então somando tudo era: pouca luz, muitos ruidos, música distrativa. Tentei me fechar do mundo. Ignore tudo, Nico havia me dito no primeiro treino. Se foque apenas no adversário. Respirei fundo e fiquei parada um bom tempo, tentando localizá-lo.


 

-Está demorando hoje Sophie.


 

A voz de Nico soou muito próxima de mim. Próxima do tipo que eu pude sentir sua respiração batendo na minha bochecha. Meu coração acelerou e eu me arrepiei. Como ele tinha chegado tão perto de mim sem que eu percebesse?


 

-É a música. Eu gosto dessa que está tocando. - Girei 360 graus em busca dele e só vi o breu. Eu sabia que ele ia ficar falando de pontos diferentes para me confundir.

-Sorte a minha então. - Sua voz dessa veio de longe, atrás de mim. Me virei e ele não estava ali. Maldita facilidade dele de viajar nas sombras.


 

Ele nunca me ensinara um método para rastreá-lo, eu tinha que inventar o meu. Fechei os olhos e me foquei. Nico era silencioso como um fantasma o que não facilitava muito pra mim. Então a melhor opção que eu tinha era entrar em movimento.

Circulei pelo terraço, procurando algum sinal. Minha mente estava focada, encontrar Nico di Angelo era o que eu repetia mentalmente torcendo para que um poder desconhecido aparecesse.

Um ar frio passou por mim. O lugar onde eu estava era um ponto diferente. Antes, eu estava em um cantinho descoberto, sem telhado, vigiando. Agora eu estava no ponto coberto. Não sei como, mas senti sua presença. Ele estava do meu lado caminhando e me procurando. Quando ele se deu conta de que eu estava do seu lado, muito rapidamente por sinal, era tarde demais. Brandi a espada, batendo a minha espada com a dele. Ouvi alguém arfar de susto. Eu podia sentir sua presença, sua espada defendendo da minha, cada movimento seu. Era extremamente diferente de ver. Fiquei assustada com essa mudança súbita. Eu nunca fora capaz de senti-lo, saber o lugar exato onde ele estava.

A sensação que eu sentia quando a espada dele passava perto de mim era interessante. Era como se o ar, a escuridão, se tornasse mais espessa. Eu estava no ataque e ele na defesa. Mas isso mudou quando ele me encurralou na parede com um golpe na diagonal que me fez recuar. Ele colocou a ponta da espada perto da minha garganta, mas não chegou a encostar.


 

-Se rende? - Ele disse com um tom sombrio, me dando uma ponta de medo. Ele não estava falando sério, mas eu tentei imaginar quão assustador seria se fosse de verdade.


 

Em resposta pressionei minhas costas na parede e me foquei, não precisava de muito foco e sim energia. As sombras me engoliram como um vento frio daqueles que saem do freezer. Foi rápido e eu mal senti ou ouvi as coisas estranhas. Me senti um pouco cansada, era mais ou menos como eu me sentia durante as aulas na escola. Eu estava atrás dele agora. Mas ele já devia ter previsto isso.

Ele se virou, com sua velocidade sobrenatural, e fez uma rasteira. Cai de costas no chão, e foi como se o chão fosse de espuma. Nico ficou em cima de mim, prendendo meus braços. O chão gradativamente se tornou duro como o habitual. Meu coração teve aquela aceleração macabra que tinha sempre que ele me tocava ou chegava muito perto de mim. Ele segurava minhas mãos com força e prendia minha cintura com seus joelhos. Pra piorar seu rosto estava perto do meu.


 

-Isso é quase obceno. - Sussurrei, esperando que apenas ele ouvisse. E ouviu.


 

Soube disso no momento que sua gargalhada correu por todo o cômodo, me fazendo sorrir e aproveitar o momento de distração. Usando toda a minha força - o que não era muito mesmo comigo fazendo academia nos meus dias vagos - eu o fiz trocar de posição comigo. Prendi suas mãos juntamente com a espada, e sua cintura.


 

-É, agora eu concordo com você, Sophie. - A sua voz foi carregada de divertimento. Aquilo era a segunda coisa inédita seguida.

-Se rende? - Brinquei.

-Não.


 

E ele me empurrou com força, me fazendo sair de cima dele. Eu devia seriamente ir mais vezes para a academia, ou ficar mais tempo lá. Me levantei ao mesmo tempo que ele. Nico levantando a espada e eu fiz o mesmo esperando pra ver quem iria dar o primeiro golpe. Sem paciência pra esperar, eu ataquei. Nossas espadas colidiram e ele logo se colocou no ataque. Desferia golpes na altura dos meus ombros, meus pontos mais desprotegidos. Quando eu estava quase aprendendo a ordem dos golpes ele mudou para mais baixos. Tentei sem sucesso algum tirar a espada de sua mão. Ele deu um golpe forte e eu defendi muito na ponta de espada. Ela atravessou a sala voando.


 

-Ainda não cansou? - Ele brincou colocando a ponta da espada na minha garganta.


 

Chutei a sua coxa e ele fraquejou por um momento. Tomei sua espada e o ameacei com ela. Era pesada, fria. Dois segundos depois disso ele e a espada desapareceram.


 

-Não vale! - Protestei procurando minha espada. Ela estava na parede oposta a minha. Caminhei até lá, a peguei e a fiz voltar a ser uma espada.

-Desde - Sua voz estava em um lugar quando começou a frase e estava bem na minha frente quando ele terminou. - Quando?


 

Dei um golpe no vazio, ele já não estava mais lá.


 

-Porque você tem mais facilidade pra viajar nas sombras e mal gasta energia. - Girei para procurar um sinal dele e o vi encostado em uma parede.


 

Me concentrei. O ar frio me cercou, tudo ficou completamente e escuro e depois acabou.


 

-É por isso que estamos treinando no escuro. - Ele disse vasculhando o lugar, olhando tudo menos onde eu estava. Do seu lado.

-Eu acho - Ele deu um pulo quando me ouviu falar. Saiu rapidamente do meu lado, quase correndo de costas. Corri até ele, nossas espadas colidiram mais uma vez e eu não golpeei novamente. - que deveríamos limitar a quantidade de viagens.

-Tipo quantas? - Ele perguntou e o chão o engoliu.

-Eu não sei. Você foge demais.


 

Em resposta a isso, braços passaram ao redor da minha cintura e eu soltei um gritinho de susto. Ele meio que me abraçou por trás com força. Me debati, tentei chutar seu joelho, dar uma cotovelada em seu estômago. Não consegui nenhuma das anteriores. Então subitamente ele me libertou e continuou atrás de mim. Levantei a espada, a espera de algum golpe.


 

-Vou fazer diferente então. - Ele deu um passo a frente e eu recuei batendo as costas em, olha que novidade, Nico. - Vou te perseguir.


 

Recuei alguns passos levantando a espada entre nós. Minha respiração estava começando a ficar ofegante. Eu finalmente estava começando a ficar acostumada aos exercícios. Golpeei Nico, o obrigando a lutar comigo. Eu estava usando força demais nos golpes e ele fazia aquilo se voltar pra mim. Estávamos em um impasse quando ele me fez perder o equilíbrio e quase cair. Me levantei desajeitadamente e voltamos a lutar. Ele dava golpes e passos, me fazendo recuar. Minhas costas encontraram a parede pela segunda vez ao mesmo tempo que ele desferiu um golpe e deu um passo. Sua lámina cortou meu braço e eu fiz um barulho por causa do ardor. Ele chegou perto de mim, ambos ofegantes.


 

-Desiste? - Eu estava machucada, cansada, ofegante e soada. Era como perguntar a um chocólatra se ele queria uma barra de chocolate.

-Eu cansei, mas não estou desistindo! - Levantei o dedo pra ele mesmo não tendo certeza se ele ia ver. - Só estou cansada e os cortes que sua espada fazem... - Procurei uma palavra. - Pavorosos, horríveis, ardem...

-Eu te machuquei? - Sua voz soava preocupada. Eu quase sempre acabava machucada nos treinos.

-Não é uma novidade. - Disse saindo da parede e indo acender a luz.


 

Assim que eu acendi foi como se eu estivesse olhando para o Sol. Meus olhos doeram, também, e eu fechei com força e apertei com as mãos. Soltei uns palavrões não muito doces para a lâmpada e continuei naquela posição. Naquele ponto eu nem lembrava que havíamos tido uma audiência.


 

-Devia ter avisado. - Connor ou Travis falou. Eu não havia escutado as vozes deles o suficiente para saber diferenciar.

-Desculpa. - Tirei as mãos do rosto mas não abri os olhos.

-Deuses, Sophie! - Frank falou soando assustado.

-Que foi?! TEM UM BICHO EM MIM?? - Abri os olhos na hora e espanei minhas roupas.

-O que? Não! - Annabeth veio na minha direção rapidamente. Segurou meu braço com força e foi como se seu toque ardesse como fogo.

-Ai! Solta! - Gritei puxando meu braço.


 

Olhei, e eu podia não ter olhado. Havia um corte grande, sangrando. Ao redor estava de um preto arroxeado e inchado. Minha blusa estava com um rasgo no lugar. Ao ver o ferimento pareceu que a dor aumentou.


 

-Nico! - Piper protestou por mim.

-Desculpa! - Eu pude ver a culpa em seus olhos.

-Você deveria trocar a espada pra treinar da próxima vez. - Falei tentando reprimir uma expressão de dor e as lágrimas nos olhos. - Eu vou lá em baixo enfaixar isso.

-Eu acho que vamos precisar dar pontos. - Leo disse tentando soar calmo.

-O que? - Meus olhos encheram de lágrimas de desespero com a menção de pontos. - Não. Eu não quero!

-Eu não sei, acho que não vai precisar. - Percy observou de longe o ferimento.

-Não vai precisar! - Protestei. Meu coração dava batidas rápidas.

-Pelo menos me deixa ajudar a enfaixar. - Annabeth usou sua voz calma.

-Não. Você vai me enganar e dar pontos em mim. - Falei, eu estava parecendo criança mas não me importei.

-Não vou não. - Ela se defendeu calmamente.

-Sério? Jure. - Ela ficou quieta. - Viu?

-Vamos logo lá. - Ela falou indo e me puxando pela mão do braço bom.

-Não Annabeth! - Choraminguei. - Por favor, eu não quero.


 

Desci as escadas com ela me arrastando. Acredite em mim: eu tentei fugir. Mas ela tinha segurava forte e não me deixava sair de jeito nenhum. Lágrimas caiam do meu rosto. Eu sei que parece idiota, mas eu tinha medo da dor. Os cortes finos e nada profundos que eu ganhava no treino eram uma coisa. Ter que enfrentar o pavor do álcool e da agulha me dava o sentimento básico de desespero. Ela pegou um kit de primeiros socorros e me arrastou para o meu quarto.


 

-Annabeth, por favor. - Eu murmurei.

-Não vai doer tanto. Pode ficar tranquila. - Ela tentou me acalmar enquanto preparava algodão com álcool. Duvido muito. - Tira o casaco.


 

Teimei muito antes de tirá-lo. Foi como uma sessão de tortura. Aquilo queimava, tinha um cheiro horrível, era gelado. Exclamei de dor a todo o momento. Quando ela acabou ela passou para a missão de dar pontos. Nunca tive a ilusão de que enfiar uma agulha na sua carne com uma linha e essa linha ficar passando dentro de você, fosse algo bom ou indolor. A cada ponto que ela dava eu chorava mais e reclamava. Chegamos a um ponto em que ela começou a falar comigo pra me distrair.


 

-Eu ia te perguntar o que aconteceu hoje, mas acho que o máximo que você faria é me xingar. - Ela deu um leve sorriso e mudou de assunto. - Sabe, eu não vejo Nico feliz assim desde... Nunca. Acho que ele só era assim antes de Bianca.

-Quem era Bianca? - Perguntei tentando segurar os soluços. Ela pareceu se sentir vitoriosa por me fazer falar.

-Ela - Ela deu um ponto novo e eu me encolhi com a dor. - era irmã dele.

-O que aconteceu com ela?

-Ela virou caçadora e morreu.

-Naquela missão para salvar você e Ártemis não é? Eu lembrei.

-Como você... Ah. - Ela se esqueceu do meu passado como espiã-fantasma. Ela deu um sorrisinho. - Mas voltando ao tópico, nós somos gratos à você Sophie. Antes ele era frio e impenetrável. Hoje eu vi ele dar uma gargalhada.

-Eu nunca ouvi ele rir daquele jeito antes. - Dei um sorriso pequeno que sumiu quando ela terminou um ponto e começou outro. Comparando os pontos de dor, ela estava dando o penúltimo.

-Ele é diferente perto de você. Menos sombrio, assustador. Mais...

-Humano? Vivo? - Sugeri.

-Isso. É divertido. - Ela riu e eu olhei pra ela curiosa. - Uma filha de Tânatos que trouxe a vida de volta pra alguém. - Dei um risinho e ela continuou. - Você gosta dele não é? - Fiquei quieta.

-Eu não sei. - Admiti com vergonha. - Acho que sim. Essa coisa de sentimentos ainda é confuso pra mim. Eu os tinha antes mas não tão fortes.

-Tenho quase certeza que ele gosta de você também. - Ela deu um sorrisinho de lado. - Você seria a primeira.

-Ele... Ele nunca gostou de ninguém? - Perguntei curiosa.

-Já ficou com outras meninas - Sou obrigada a admitir que não gostei disso. - mas nunca com sentimentos envolvidos.


 

Murmurei algo sem sentido ao mesmo tempo que ela colocou uma bandagem em cima.


 

-Viu? Doeu tanto assim?

-Sim, Annabeth. Doeu pra caramba. - Briguei movendo meu braço bruscamente e quase gritei com a dor. Murmurei pragas e fechei os olhos com força pra segurar as lágrimas. - Em algumas semanas vai ser o baile. Eu não posso ir com o braço assim. Vai ser um parto achar um vestido que cubra...

-Calma! - Ela disse terminando meu bombardeio de palavras. - Até lá isso já vai ter sumido.

-Acha que vai ficar cicatriz? - Murmurei com um tom triste. Ela não me respondeu. Suspirei exasperadamente. - Que maravilha.

-Eu vou pegar um néctar pra você. - Ela disse se levantando e deixando o quarto.


 

Fiquei sentada curtindo a dor. Espiei por debaixo da bandagem e senti uma dor terrível só por tentar levantá-la. Fiz cara de dor e xinguei, denovo. Annabeth voltou com um copo de néctar, ela ainda não devia saber da minha garrafinha de criança. Sentou na cama do lado da minha, ficando de frente pra mim.


 

-Você pode me contar o que aconteceu hoje? - Ela perguntou.


 

Se eu dissesse "não" seria muito rude, até pra mim. Então entre goles, eu contei pra ela a história tentando não reviver, o que era relativamente impossível. Encarei a luz para impedir lágrimas. Quando terminei ela imediatamente disse.


 

-Eu vou falar com o Nico. Termina de beber ai e pode ir dormir se quiser.

-Ok. - Eu disse enquanto ela levantava e me deixava sozinha denovo. Só que dessa vez ela encostou a porta.


 

Fiquei parada tentando entender a mudança brusca de humor. Bebi aos poucos a bebida, enjoei do gosto ainda na metade. Ai ela mudou de cappuccino para refrigerante de limão. Terminei de beber o Néctar disfarçado de refrigerante e fiquei sentada na cama, encarando o nada e não pensando em nada.

Acordei da sessão de encaramento do vazio minutos depois e levantei. Me espreguicei, peguei a garrafinha que eu havia esquecido no quarto e sai. Caminhei pelo corredor, feliz por não estar sentindo tanta dor. Ouvi vozes sussurradas como nunca havia escutado naquele apartamento, e diminui o passo.


 

-Não pode ser possível. Não é justo pra ela! - Era Annabeth.

-Não dá pra ter certeza Annie. - Percy disse calmamente, mas seu tom era sombrio. Encostei na parede do corredor ouvindo uma conversa que eu não devia estar ouvindo, visto que não me avisaram.

-Isso é crueldade. Saber que alguém vai morrer e não poder impedir. - Eles estavam falando sobre mim. A frase de Hazel havia dedurado tudo.

-Não dá pra saber se é mesmo verdade. - Nico falou, e depois completou. - Ela não sabe.

-Talvez a gente possa falar com o pai dela. Ter certeza se é mesmo verdade. - Sugeriu Leo.

-Ela perceberia o jeito que agiríamos e iria começar a fazer perguntas. - Nico contrapôs.

-Então o que? Esperar acontecer alguma coisa? - Annabeth disse exaltada e foi censurada por alguns "shhh".


 

Eu não sabia o que fazer. Parte de mim estava dominada pelo medo de perdê-la. Ela era a minha melhor amiga, cuidava sempre de mim. Na minha primeira aula de educação física, ela levou uma bolada por mim mesmo mal me conhecendo. Eu não podia deixar aquilo acontecer, por causa de pequenas coisas como aquelas. Então eu só fiquei ali, ouvindo o que eles iriam dizer a seguir.


 

-Eu acho que ela pode decidir por si mesma se acredita ou não se aquilo é verdade. - Percy disse. Não ouvi as vozes de Travis e Connor. Provavelmente porque eles não tinham muita coisa a ver com aquilo, então ficaram quietos.

-Pelo menos deve ter algo que possamos fazer. - Annabeth disse, com uma pontada de agonia. - Tem que ter.

-Eu não acredito tanto nisso, Annabeth. Você pode enganar pessoas ou fazer tratos com elas, mas não se pode combater a Morte. - Hazel murmurou assim que eu notei que eu estava chorando. Limpei as lágrimas desajeitadamente, só para alguns segundos depois meu rosto se molhar novamente.

-Não se trata de combater a Morte! - Ela disse em um sussurro exasperado. Me peguei me preparando para dizer algo e percebi que eles estavam certos. A morte é inevitável, não importa o quanto se tente fugir. Mas ao mesmo tempo eu me recusava a concordar com aquilo. Eu não queria acreditar. - É só...

-Adiar o inevitável? - Leo disse, e eu ouvi um suspiro.

-Eu sei que não é assunto meu, mas eu realmente acho que vocês deviam deixar isso pra ela cuidar. - Disse Travis ou Connor, e eu fui obrigada a resistir ao impulso de olhar pra descobrir quem era. - Ajudar se ela pedir ajuda, se vocês verem que ela precisa. Agora, eu só acho que vocês deveriam distrair ela.

-Droga, odeio quando você tá certo. - Nico reclamou e todos eles riram. Eu segurei.


 

Eles ficaram em silêncio, e eu limpei as lágrimas e o suor do rosto. Respirei fundo repetidas vezes e entrei na sala, caminhando em velocidade normal para eles não notarem nada. Até bufei impacientemente, para retomar a minha mini raiva de Annabeth.


 

-Hey Sophie. - Leo disse me fazendo diminuir o passo.

-Hey. - Respondi dando um sorriso cansado. O que eu mais queria era deitar na cama e dormir até a próxima noite.

-Você tava chorando? - Frank perguntou.

-É, e-eu... - Respirei fundo antes de começar uma frase. - Os pontos doeram muito pra dar. - Murmurei envergonhada, sentindo meu rosto esquentar com todos eles olhando pra mim.

-Você é muito dramática. Nem dói tanto. - Annabeth protestou.

-Na verdade dói pra caramba, Annabeth. - Travis me apoiou.

-Ainda mais pra mim que não estou acostumada a sentir nada, principalmente dor. Ou vontade de chorar. Ou agonia. - Argumentei novamente.


 

Depois disso fui para a cozinha e eles continuaram com o assunto. Coloquei tudo na pia, me despedi deles e fui para o meu quarto. Chegando lá tirei as coisas da minha cama, joguei almofadas no chão e mantive apenas o travesseiro. Tirei a colcha da cama, me deitei e cobri com ela. Mantive a porta fechada, a luminária acesa e o ar condicionado em uma temperatura baixa. Cai no sono na hora.

Pareceram apenas minutos depois que eu acordei, o que eu realmente acreditei que era ao ouvir as vozes ainda na sala. Sem abrir os olhos eu me aconcheguei e quase dormi. Quase.


 

-Acorda pequena Sophie! - Ouvi uma voz estranha dizer e gritei assustada. Esperei pelos outros aparecerem e não ouvi nada. Vasculhei o cômodo para encontrar: um homem muito moreno, de cabelos escuros, camiseta preta e jeans azul escuro e asas pretas, sentado na minha cadeira na escrivaninha com os pés em cima da mesma. Gritei mais uma vez. - Seus amigos sabem que eu estou aqui, não adianta.


 

Eu estava em um estado de choque, ou o susto havia me congelado. Talvez os dois. Havia um divertimento e um pouquinho de curiosidade em sua expressão. Quem era esse cara e o que eu fiz pra ele? Olhei para o relógio e eram 4:53. Que tipo de infeliz iria me acordar assim depois que eu dormi? E por Hades! Porque deixaram um cara esquisito com asas entrar no meu quarto desse jeito?


 

-O que você quer? Quem é você? E porque é tão infeliz pra me acordar as 4 da manhã? E tira esse pé da minha escrivaninha, não é sua casa. - Bombardeei.

-Depois de apenas um mês, você não lembra de mim? Que falta de consideração com a família.

-Mas que mer... Ah. Você é Tânatos. - Agora eu estava em choque.

-Bom palavreado. Papai está orgulhoso. - Ele ironizou.

-Gostei da sua presença na decisão do meu futuro, lá no Olimpo. A sua filhinha está orgulhosa.

-Você é igual a mim. Que horror.

-Que coisa doce de se dizer. E TIRA O PÉ DA MINHA ESCRIVANINHA. SE VIRAR UM DEUS ALEIJADO A CULPA NÃO VAI SER MINHA! - Ele bufou e tirou o pé. - O que você quer?

-Nós vamos passear.

-Tipo, ir ao shopping comprar vestidos? - Falei entre risos.

-Não. Tipo dar uma voltinha pelos países, matando as pessoas que precisam morrer hoje.


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Notas finais do capítulo

SE VOCÊ NÃO MANDOU A SUA FICHA MANDE AGORA
Lembrando que: é pra escrever sobre VOCÊ! Não invente algo. Uma das leitoras mandou uma personagem dela e eu aceitei de boa porque ela é a minha leitora favorita e é quase uma amiga pra mim.

OS REQUISITOS DA FICHA SÃO:
—Nome, apelido;
—Aparência;
—Um pouco sobre você (o que você gosta, sua personalidade, e o que mais você quiser. Pode escrever bem grande. Eu adoro ler essas fichas kkkk)

Eu quero saber uma coisa de quem já respondeu a ficha e quem não respondeu pode me dizer também. Do que vocês são fãs? Eu por exemplo sou fã de MUITA coisa. THG, Divergente, A Seleção, Supernatural, TVD, PLL, Heróis do Olimpo, PJO, CDK, TMI, TID, Vampire Academy, Beautiful Creatures, e A Hospedeira. DEUSES QUANTA COISA. Me respondam leitoras lindas que eu amo tanto ♥33