Radioactive escrita por LastOrder


Capítulo 8
Não é difícil gostar de você.




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Echo colocou a mão sobre o leitor eletrônico; a luz vermelha passou scaneando suas digitais e em seguida a porta de metal se abriu. A voz computadorizada o saudou, mas ele ignorou o computador central da casa.

O quarto comprido em que se encontrava ficava no subsolo.

As paredes eram baixas e azulejos de cerâmica brancos cobriam toda a área. Haviam muitas telas sobre mesas e presas na parede que mostravam todas as cameras de segurança ou rastreadores dos membros da gangue e aliados.

Echo caminhou sem dar atenção aos dados numa tela que indicava que uma tempestade de raios era prevista para as próximas horas. As luzes se acenderam a medida que caminhava mais para o fundo daquele lugar.

Parou na frente da mesa de metal.

Cabos e fios saiam de vários lugares do garoto deitado, porque não era um garoto. Era um andróide. Um robô criado para seguir ordens do seu criador sem questionar. Uma arma.

Os cabelos azuis compridos esparramados na supérficie fria da maca combinavam perfeitamente com os olhos dourados opacos. Uma portinhola abria-se na altura do peito onde varios chips e circuitos integrados compriam a função dos órgãos de um ser vivo.

Ele podia falar, interagir com o meio e até mesmo pensar.

Mas toda aquela alta tecnologia não seria suficiente se não houvesse energia. Sem o urânio, aquele androide não passava de um boneco metálico sem utilidade.

O ruivo retirou os óculos verdes e os deixou sobre um balcão ao lado. Fechou a pequena porta, empurrando-a. A travou deixando-a quase invisível.

- Inicie o processo de hibernação, Avery.

"Iniciando processo de hibernação do Projeto Alfa".

A voz do computador respondeu ao comando e uma cúpula de vidro desceu sobre o corpo robótico inerte.

Echo teria que terminar o projeto enquanto estivesse na base de Morphin. Essas foram as ordens de Snow. E transportar algo que continha tanta informação em plena guerra seria loucura se não tomasse as devidas precauções.

Apenas com uma senha era possível acessar o banco de dados do Projeto Alfa, e ele era o único que sabia essa senha.

Seis lacres de aço se prenderam no vidro temperado a prova de balas. A telinha embutida ao vidro mostrava, entre outras coisas, a temperatura - abaixo de zero -, o estado do andróide - em hibernação - e a cor vermelha indicava que tudo estava bloqueado e seguro.

- O que está fazendo?

Echo se virou em direção a voz e surpreendeu-se ao ver Rosa de Sangue parada próxima ao balcão, perto de um dos vários monitores da sala.

- Como entrou aqui?

- Eu estava te procurando. - Deu de ombros fazendo pouco caso do que acabara de dizer. - A porta estava aberta. Achei que não estivesse ocupado...

Ela cruzou os braços ao redor do corpo. Ainda tinha suas dúvidas de que era ou não uma boa ideia ter vindo até ali. Se despedir dele. Mas não sabia se voltaria a vê-lo. A missão era particularmente perigosa para ambos.

-...Mas eu posso voltar outra hora, não é nada importante.

Quando voltou em direção a saída, Echo segurou sua mão e impediu que desse mais um passo. Ela se virou para encará-lo ;as lentes verdes não cobriam os seus olhos desta vez. Já havia criado muitas suposições e lutado muitas vezes contra a vontade de tirar os óculos com suas próprias mãos apenas para saciar sua curiosidade.

Mas nunca imaginou que suas irís pudessem ser daquele caramelo brilhante quase dourado. Echo não era do tipo de pessoa que escondia o que sentia, e parecia que ler suas emoções agora era ainda mais fácil do que antes.

Podia ver o nervosismo por ter agido por impulso e não saber mais o que fazer; a alegria por estar ali com ela e a leve ponta de desamparo que nunca o abandonava. Ainda não teve coragem de perguntar exatamente o que era o que tanto o perturbava.

- Não!... Digo... Eu não estou ocupado, pode ficar se quiser.

Rosa não teve como não sorrir ao vê-lo tão atrapalhado com as palavras. Tudo nele era adorável, desde o sorriso sem graça, até o jeito como coçava o pescoço. Ele abriu os olhos e ao vê-la sorrindo relaxou a postura tensa, permitindo que o ar preso dentro dos pulmões escapasse.

-Desculpe por ter te derrubado mais cedo. Sabe como os gêmeos são.

- É... Eu sei sim.

Como odiava aquilo. Rosa não conseguiu deixar de pensar. Sentia o peso do silêncio sobre sua cabeça. Não era assim que as coisas costumavam ser, e se tinha algo de que não gostava era quando algo era fora do normal.

Olhou para baixo; a sua mão ainda presa entre os dedos finos dele. Provavelmente nem notava a força com que lhe apertava, pois se notasse, já teria a soltado se desculpando desesperadamente, como se houvesse feito a pior coisa no mundo.

- Eu só vim até aqui pedir que tome cuidado. - O chão foi o alvo dos seus olhos durante todo o tempo. - Sei que Reaper está nervoso e pode cometer alguma loucura... E te conheço o bastante para saber que você é o primeiro a se oferecer para o papel de cúmplice.

Levantou o rosto quando sentiu o aperto em sua mão ceder, até tornar-se quase um afago. O olhar cálido que a recebeu fez todo o sangue colorir suas bochechas.

-Não devia se preocupar tanto comigo, as minas são muito mais perigosas. - Rosa sentiu os pelos da nuca arrepiarem quando Echo acariciou seu rosto com a mão livre. - Se eu pudesse, te levaria comigo até a base de Morphin, pelo menos teria certeza que você estaria segura.

A garota nem pensou duas vezes antes de se jogar sobre o corpo do ruivo e prende-lo entre seus braços num abraço forte.

Echo ficou chocado com aquela reação. Era sempre ele quem tomava a iniciativa. Quem a abraçava quando estava lendo algum livro da enorme biblioteca, ou quem sussurrava algum elogio em seu ouvido quando a via lavar a louça.

Tinha um enorme prazer em provocá-la. Se divertia imensamente com o jogo de gato e rato que haviam combinado inconcientemente, e não tinha vergonha alguma em dizer que gostava dela. Mesmo que não soubesse se "gostar" fosse a palavra certa para o que estava sentindo agora.

Tudo era confuso demais.

- Rosa... - Tentou dizer algo, mas o abraço agora era quase sufocante. - Não... Ar...

- Prometa que você vai voltar, Echo! - Ordenou. A voz abafada pela camisa.

- O quê?!

Ele olhou para baixo e se deparou com os olhos acinzentados quase chorosos. Um nó formou-se em sua garganta ao ver a cena e o aperto sobre os ombros finos da ruiva suavizou até parecer que estivesse retribuindo o abraço.

- Prometa, Echo! - Exigiu firme. - Essa não vai ser a última vez que vamos nos ver!

Rosa sentiu os braços do garoto a envolverem e sua respiração no topo da cabeça.

- Desde quando você se tornou tão insegura? - Ela permitiu-se sorrir ao ouvi-lo rir contra seus cabelos.

- Desde sempre. Você é meu melhor amigo.

Echo fez uma careta.

- Me deixando na "Friend Zone" para variar.

- Já falamos sobre isso. - Disse com um riso no tom de voz.

- Mas posso ter esperança, não posso. Quem sabe algum dia você caí em si e vem correndo para mim?

Rosa não tentou segurar a risada e seus olhos se arregalaram quando Echo aproximou-se e deu-lhe um beijo rápido no canto da boca.

- Ah...Eu…

Cortou-a pousando a mão sobre sua cabeça. Os dedos compridos do hacker perdidos nos fios laranjas da médica.

-Você devia ver sua cara. Eu devia tirar uma foto disso. - Ela ficou séria na hora. - Não se preocupe comigo. Eu sempre volto.

Ela suspirou depois de um tempo. Aquelas palavras pareceram significar mais do que deveriam.

- Bom. - E olhou mais uma vez para os olhos dele. Brilhantes e dourados. Únicos. - É bom mesmo.

------*--------

Echo e Reaper saíram naquela mesma tarde no Jeep verde musgo favorito de Reaper. Iriam cortar caminho pelos bairros perifericos da cidade e chegar até Morphin em pelo menos 30 minutos.

Snow e Rosa de Sangue se aprontaram rapidamente, mas sairam quase uma hora depois. E demoraram ainda mais para chegar até a Zona das Minas. Já estava quase escuro quando se viram parados na frente de uma das entradas.

Black Cat já os esperava lá com um habitante das minas, amigo de Morphin, que a havia ajudado a fazer o rastreamento no local.

A entrada era rodeada por pedras e estruturas de ferro enferrujado. Os trilhos abandonados indicavam o caminhos para uma escuridão cega infinita.

- É aqui,mesmo? - Snow perguntar depois de pouco tempo de caminhada.

- Achamos que está por perto. Mas não podemos ter certeza sem os equipamentos apropriados. - Elliot indicou com a cabeça para o aparelhinho do tamanho de um celular que apitava na mão de Snow.

Elliot era alto, mas corcunda. Por isso perdia pelo menos cinco centimetros. Tinha olheiras profundas sobre os olhos azuis cegos ao sol. E seus cabelos loiros eram muito compridos, assim como as unhas das mãos e pés.

Andava descalço sobre os pedregulhos pontudos do chão sem pestanejar, algo que fazia Rosa ter náuseas.

- Ouvimos ruídos ultimamente, mais fortes do que o normal.

Black Cat seguia calada ao lado do irmão.

- Mas pode ser qualquer coisa.

- O que quer dizer? - Rosa disse engolindo o nó na garganta.

- Digo que é melhor ter cuidado, vocês que vem do sol. - Elliot disse sem olhar pra trás. - As minas são cruéis e gostam de torturar nos fazendo ver e ouvir o que não existe.

Rosa arregalou os olhos e encarou Snow. Ele a tranquilizou com o olhar. Não tinha medo de mina nenhuma. Pelo menos era isso que repetia como um mantra para si mesmo.

Seus passos relutaram por um momento e fechou os punhos com força. Droga, no que é que estava pensando!

Ninguém percebeu a mudança em seu humor. Nem mesmo Black Cat.

Três horas se passaram e nada parecia mudar no cenário escuro e o sensor não mostrava indícios de nada maior do que os carrinhos de ferro tombados hora e outra.

Elliot ia na frente com Rosa de Sangue e sua grande mochila logo atrás, pronta para qualquer eventualidade que a obrigasse a entrar em ação.

Black Cat andava como um fantasma poucos passos atrás. Seu falcão ficara do lado de fora, mas alguns pequenos ratos caminhavam ao seu lado, imperceptíveis.

Snow ia um pouco mais ao fundo, sua mão e testa suavam e os olhos claros iam e vinham por todos os cantos do corredor, como se procurasse alguma coisa. Estava mesmo procurando algo, mas não tinha ideia do que os vultos negros que passavam nas paredes eram.

Nada de anormal aparecia na tela do radar.

- Vamos descansar aqui. - Elliot parou de repente. Snow quase deixou cair o aparelho.

- Como?! - Aproximou-se a longas passadas fazendo o sobretudo escuro balançar. - Desde quando você é o líder desta missão?! - Rosa encolheu-se, olhos cinzentos arregalados pela explosão do líder. - Sou eu quem manda aqui, entendeu?!Não cabe a você decidir esse tipo de coisa, você é apenas um guia! E do que diabos está rindo?!

- Pelo jeito as minas encontraram o membro mais fraco.- Pois as mãos nos bolsos da calça suja e surrada. - Estou curioso agora, o que será que elas estão mostrando ao grande Snow, para deixa-lo como uma criancinha assustada?

Snow deu um passo para trás. Uma pequena parte sua já sabia que seria assim, mas não podia deixar que isso o enfraquecesse. Era a vida de Kore que estava em jogo, de sua irmã e Rosa de Sangue. Todos dependiam de sua liderança e de que se mantesse são para isso.

Sentiu um puxão no casaco e abaixou os olhos. Black Cat segurava-o e mesmo sem encara-lo podia sentir seus olhos cegos sobre ele.

- Snow… - A voz de Rosa saiu num sussurro preocupado.

- Vamos parar aqui. - Disse sério. - Descansem e comam o que trouxeram depois continuaremos.

Montaram rapidamente um acampamento improvisado. A fogueira pequena foi feita com pequenos pedaços de madeira em volta de pedras soltas. Enquanto os três comiam ração não perecível perto do fogo, Snow se encolhia na penumbra tentando clarear os pensamentos.

Seus dedos formigavam, morrendo de vontade de pegar o maço de cigarro do fundo do bolso.

"Archor..."

Virou-se sobressaltado em direção a voz, mas foi acolhido pela escuridão. Não conseguiu mais relaxar depois disso. Sempre que tentava dormir, risos femininos ecoavam pelas paredes de pedra e faziam com que pulasse assustado, apenas para encontrar nada.

Às vezes era passos que ouvia.

"Por que está demorando tanto?"

Levantou-se decidido e seguiu os risos silenciosamente para o fundo do corredor. Tomou o cuidado de não acordar ninguém e se perdeu na escuridão. Não olhou nenhuma vez para trás enquanto seguia o fantasma às cegas.

“ Como você ficou desse jeito, Archor?”

Sua visão periférica captou o relance de fios escuros passando perto de uma das saídas da mina. A iluminação era fraca por causa da fiação velha naquela parte dos túneis e Snow tinha que tomar certo cuidado para não tropeçar nos trilhos soltos.

“ Tão corrompido e sujo.”

Mas era quase impossível se concentrar no caminho com aquela voz terrivelmente conhecida gritando tais palavras em sua mente. O chão veio ao seu encontro com força e tão repentinamente que Snow mal conseguiu se proteger da queda.

Os risos pareceram aumentar quando ergueu o rosto e seus olhos claros se encheram com o pânico oprimido. Estava sozinho, perdido e com apenas uma luz amarela que cederia a qualquer minuto para protege-lo da escuridão.

No entanto, o orgulho fazia com que ainda tentasse lutar com a voz em sua cabeça.

- Apareça de uma vez, inferno! Onde você está?!

Nunca admitira que poderia estar ficando louco naquele lugar.

“Como você ficou assim?” A estranha voz suspirou tristemente atrás de Snow. Ele se virou na direção, nervosismo estampado no seu rosto manchando pela poeira.

-Droga. - Murmurou entre dentes. Os olhos rastreando cada canto alcançável do túnel. - Pare de brincar comigo, Sophia!

“Eu não sei…”

O silêncio se arrastou por minutos que pareceram durar anos apenas para ser cortado por passos. Os olhos azuis do albino se arregalaram quando finalmente a viu. Havia passado tanto tempo sem vê-la, o choque era tão grande, que até se esquecera que aquilo não passava de uma ilusão. Era impossível que ela estivesse livre todo esse tempo, não era?

- Archor.

Snow mal conseguia formar as palavras. Sophia estava parada alí, tão perto que era só preciso esticar o braço e tocá-la.

Não podia acreditar… Mas queria tanto…

- Três anos depois e é isso que você tem para me dizer? - O sorriso não alcançou os olhos verde oliva.

-Sophia...Eu…

-Não gaste suas palavras, Archor. Eu posso ver que ainda se culpa.

Snow se levantou num salto e estava a poucos centímetros da morena.

- Eu vou encontrar você! - O vazio nos olhos verdes de Sophia fizeram a revolta ferver em seu peito. - Estou quase encontrando a fita, apenas espere mais um pouco, por favor. -A última frase saiu como um pedido.Pelo menos o máximo que Snow era capaz de implorar.

Sophia negou com a cabeça. As ondas negras até seu pescoço balançaram suavemente com o movimento.

- Não há mais tempo.

Snow sentiu o sangue congelar nas veias enquanto todo o seu ser recusava-se a acreditar naquelas palavras. Engoliu em seco e seus olhos não deixaram os dela nem por um único momento.

- Não… - Disse baixo. E depois firme. - Não! Pare de mentir para mim!

- Não estou mentindo. - Rebateu seca. - Esqueça logo a droga da fita. Acabou, Snow. Ignis venceu.

- NÃO! - Ele a segurou firme pelo antebraço fazendo com que seus narizes roçassem. Sparky não recuou perante o ódio que fervia em seus olhos. - Você continua mentindo para mim. Por que você ainda faz isso, ein?! Acha que eu tenho cara de idiota, Sparky?!

Snow aumentou o aperto tendo certeza que deixaria a marca de seus dedos na pele na garota.

-Eu vou trazer você de volta! - bradou firme.

E nada aconteceu por o que pareceu uma eternidade.

Apenas ficaram se encarando em silêncio, parados, como se fossem estátuas de pedra esquecidas nas minas.

Por fim, Sophia sorriu. Um sorriso encantador e sincero que desarmou o albino e fez com que toda as suas forças sumissem. Ela pôs a mão livre em seu rosto num afago e lembranças de cinco anos atrás voltaram a sua mente.

- Realmente, não é difícil amar você.

Snow fechou os olhos quando sentiu os lábios finos de Sparky sobre os seus…

“Subiu até o quarto e pegou o presente que havia comprado para Sparky e correu até o segundo andar Entrou sem bater no único quarto em que Sparky ficava quando não estava por aí pregando peças nos outros.

- Spark…

-QUAL É O SEU PROBLEMA?!

Não era exatamente essa a recepção que esperava: Olhar verde cheio de raiva, a garota baixinha o ameaçando com uma bandeja, e tudo isso numa sala vermelha.

- Acho que cheguei num mau momento.

- Claro que é um mau momento! - Sparky respondeu. - Você acabou de estragar todo meu trabalho com essa luz! - Respirou tentando se acalmar - O que você quer afinal? Não viu a placa na porta?

-Não, desculpe por isso.

A morena pôs a bandeja sobre a bancada e voltou deu as costas para o albino.

- Bem, o que está esperando? Feche logo a porta. - Ouviu a porta se fechar e continuou com seu trabalho de pendurar as fotos no pequeno varal do quarto.

Snow permaneceu em silêncio durante todo o tempo e isso a surpreendeu. Eles se conheciam a quase dois anos agora, e sabia que o albino era orgulhoso, chato e prepotente. Do tipo que não levava desaforo para casa.

E por isso odiava quando recebia ordens. Ainda mais dela.

Sparky se virou para trás, apenas um pouquinho, só o suficiente para ter certeza de que ele ainda estava ali.

Olhos azuis encontraram os seus no mesmo instante. Ela sentiu o sangue subir ao rosto. Por sorte a sala já era toda vermelha.

- Você cortou o cabelo.

-É, estava me atrapalhando um pouco.

- Hmn… Eu preferia do outro jeito.

Snow suspirou e revirou os olhos.

- Você é tão irritante.

- Eu sei. - E sua risada aguda ecoou pelo pequeno quartinho. - Ai ai, você está tão estranho hoje.

Ela o viu coçar a nuca sem jeito quando esticou o braço para entregar-lhe uma caixa mal embrulhada. Sparky franziu o cenho e terminou de retirar o papel presente para ser surpreendida com a câmera de vídeo que há muito vinha cobiçando de uma das lojinhas da cidade.

-Como foi que conseguiu isso?

- Não importa agora, você gostou?

A garota ergueu o olhar. Snow estava mais perto dela do que antes, a ansiedade brilhava nas obres azuladas e os cabelos refletiam a luz vermelha do aposento. Há pouco tempo havia começado a reparar na estranha beleza do albino.

Sparky deixou que seus lábios encostassem levemente no rosto pálido do garoto. Snow sentiu o coração perder uma batida e voltar a mil por hora no instante seguinte. Fechou os olhos aproveitando a sensação da respiração, do calor e das batidas ritmadas do coração da morena contra seu corpo.

Quando ela se separou pareceu simplesmente rápido demais.

- Obrigada.

Snow a encarou em silêncio e Sparky sustentou seu olhar sem dizer uma palavra. Sempre faziam isso, desde que se conheceram ainda pequenos na gangue. Parecia que conseguiam trocar mil palavras com o olhar quando na verdade não diziam nada. Era apenas silêncio no ar e em suas mentes.

- De nada. - Murmurou antes de beija-la castamente nos lábios.

Sparky separou-se dele sorrindo enquanto uma das mãos acariciava as pontas brancas dos cabelos que iam até a nuca. Snow encostou a testa na dela e a segurou mais forte pela cintura.

- Sabe, não é nada difícil gostar de você.

Agora foi a vez dele responder sorrindo.

- Eu sei.”

Quando Snow abriu os olhos ela não estava mais ali. E a frieza da realidade o atingiu mais forte do que ele teria imaginado. Sentia falta dela mais do que demonstrava. E se culpava mais ainda pelo seu desaparecimento.

- Não devia perseguir as sombras desse jeito.

Elliot o encarava com olhos vazios. Sua voz também podia ser qualquer coisa, menos preocupada.

- Não devia ter deixado as garotas sozinhas. - Falou com frieza e passou pelo loiro sem uma palavra mais.

Elliot o segurou e em seguida uma pequena agulha em seu braço fazia um filete de sangue escorrer do ferimento ao chão. Levantou a mão até os olhos e retirou a arma finíssima sem pestanejar. Parecia que não sentia nada.

- Ficar espetando aliados por aí. - Sorriu. - Gosto do seu estilo. - E lhe estendeu a agulha. Snow franziu o cenho numa careta emburrada. - Então era por isso que Sparky gostava de você?

O albino reagiu no mesmo instante ao nome da moreno. Se jogou sobre Elliot empurrando-o ao chão de pedregulhos. Suas mãos seguravam com força o colarinho da camiseta suja, quase o suficando.

- Como você a conhece?! Onde você a viu?!

- Eu vi quando eles a levaram. - Não parecia minimamente perturbado pela alteração no humor do rapaz. - Até pensei em ajudar, mas sabia que seria inútil se me pegassem também.

Um grunhido saiu pela garganta de Snow quando exigiu:

- Quem?!

- Ora, aqueles que as gangues vem lutando desde sempre, os que governam tudo e são os responsáveis pela nossa miséria. - Elliot pareceu sério pela primeira vez. - Os mesmos que Ignis protege até hoje.

- Os Soldados de Chernobyl. - Sussurrou.

- Liderados pelo próprio Radius da matriz das fábricas, nas cordilheiras.

- Osíris achou que poderia haver um caminho escondido até a matriz pelas minas…

- E havia.

Naquele momento ambos estavam sentados no chão.

- Parte do grupo conseguiu chegar lá. - Elliot disse. - Eu vi coisas interessantes. E sei que há coisas ainda mais interessantes na segunda fita.

- Aquela que Ignis pegou.

- Sim.

- Eu preciso encontrá-la. É o único meio que tenho para chegar até Sparky. - A determinação que irradiava de Snow era quase sufocante. Mas Elliot podia facilmente ignorá-la.

- Não seja tolo, você está perdendo tempo. Eu vi quando a levaram, ninguém volta depois de cair nas mãos dos Soldados de Chernobyl. Eles são terríveis, nem mesmo os seguidores de Ignis podem se comparar a eles.

- Pare! - Snow se levantou com os punhos fechados ao lado do corpo. - Você não sabe o que está dizendo. Eu vou encontrar Sparky e trazê-la de volta nem que seja a última coisa que eu faça. - E olhando para o chão continuou. - Eu sei que ela está viva… Ela tem que estar.

Elliot não teve tempo nem vontade de responder. Um grito agudo cortou o silêncio e se espalhou pelo túnel.

Ambos saíram correndo em direção do som. Snow só conseguia pensar em Black Cat e Rosa de Sangue, como havia podido ser tão egoísta e imprudente!?

Chegaram pouco tempo depois. O acampamento estava revirado e completamente destroçado. Black Cat estava encolhida num canto escuro, as mãos sobre os olhos lacrimejantes arregalados pelo medo. O vestido rasgado e sujo.

Snow foi até ela e se agachou para poder abraçá-la.

- Shh, acalme-se Terabit. - Disse baixo em seu ouvido. - Já passou. Estou aqui. - Ela o abraçou forte entrelaçando os braços magros pelas suas costas. - Eu sinto tanto… Tanto…

Terabit não parou de chorar no peito. Archor apenas ficou ali em silêncio confortando-a. Não sabia mais o que fazer. Na verdade, desde que assumira o lugar de líder de Osíris só tinha que se preocupar com o que fazer… E isso era um fardo que odiava ter que suportar.

- Snow. - Elliot apareceu de repente. - Ela se foi.

A única resposta que o loiro recebeu foram os olhos arregalados do albino.

--------*------


 

Rosa foi largada num quartinho pequeno de ferro. Ficou lá por horas e aquilo só a deixava mais nervosa.

Não sabia o que estava fazendo alí ou por que não haviam matado ainda. Mas pelas máscaras que seus sequestradores usavam só podia ter dedo de Ignis naquela história toda… Como odiava aquele garoto.

A porta de metal se abriu e um garoto de mácara de rato entrou.

- O que Ignis quer comigo?! - Exigiu. E recebeu o silêncio como resposta.

O garoto veio até ela e a segurou com força pelo braço visando arrastá-la para fora do quarto, com ou sem seu consentimento.

- ME SOLTA!

Ela gritava e se debatia e o estranho só aumentava a força sobre seu aperto. Era fácil perceber como ele odiava essa tarefa, tanto como ela odiava estar ali.

- DEIXE-ME IR!

Finalmente ela conseguiu se soltar dele. E quando ele investiu novamente, Rosa, sem pensar duas vezes, desceu o soco direito contra o rosto do seu agressor.

A máscara de rato voou para o mesmo lado em que o seu rosto pendeu com a força do impacto. Os cabelos loiros cobriram suas feições, mas não o bastante para evitar que o choque se estampasse no rosto da ruiva.

O rato voltou para encara-la. Olhos azuis escuros, frios com um leve brilho de divertimento sádico realçado pelo sorriso. Rosa deu um passo para trás.

- Não… Não pode ser… - Balbuciou consigo mesma.

O garoto sorriu ainda mais e num movimento jogou os cabelos para trás.

- Por que tão surpresa, Rosa?

Aquela voz. Como podia ser?!Não...Não!Não!

- O que… O que significa isso, Echo?!


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