Essência escrita por AnaMM


Capítulo 22
Enquanto há tempo, enquanto agora.


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=ADP65wbBUpc música e inspiração pra segunda parte do capítulo. Se o capítulo está saindo hoje, é graças a esse vídeo.

Estive no Rio e muita coisa aconteceu. Uma delas, um certo empurrão pra continuar escrevendo, vindo de ninguém mais, ninguém menos, que Rosane (sim, Ela), Paulo Halm, Linn e Guilherme (sim, o próprio). Eu não ia abandonar as fics, ia continuar a escrevê-las, mas o apoio e as palavras deles quatro foram fundamentais pra agilizar o processo ;) E, claro, os pedidos de vários leitores, todos especiais pra mim. Espero que gostem do capítulo, e que não deixem de libertar as imaginações na parte final, ao som da linda música indicada. Indico o clipe também, que tem exatamente o clima que eu queria na parte final do capítulo e não sei escrever ;)

https://www.letras.mus.br/ben-howard/1955358/traducao.html



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Vitor observou Adriano desescalando o casarão, pulando a tempo de evitar que Gil o visse.

— Pode ir na frente, Gil. – Vitor instruiu.

— Tudo bem, eu deixo uma distância de privacidade pros pombinhos. – Debochou, afastando-se distraidamente.

— Pombinhos... – Dinho repetiu mal humorado, surgindo das sombras do edifício.

Lia respondeu à provocação com um beijo rápido e seguro.

— Vocês ainda vão ser pegos assim...

— Não é problema seu, ô Lady Gaga.

— Dinho... – Lia o repreendeu.

— Na verdade, sim, é problema meu, senhor machinho. Caso você não esteja lembrado, eu sou o namorado titular, apesar das circunstâncias.

— Se você tivesse coragem de assumir quem é, não teria esse problema.

— E o meu pai estaria me cercando de verdade, Adriano, então nós temos que agradecer o Vitor, e não provocá-lo. – Repreendeu-o, incapaz de controlar o humor em sua voz.

— Isso mesmo. Se não fosse por mim, vocês não teriam tanta facilidade de se comportar como coelhos, se encontrando toda noite. Daqui a pouco alguém escuta, e daí sim, quero ver quem ri por último!

— Realmente, se o Lorenzo ou o Gil escutarem a Lia gemendo, daí sim que vão saber que não é você-

— Chega! – Lia os interrompeu, mais vermelha que sua guitarra. – Chega vocês dois! A gente já tá praticamente na porta do Quadrante, Dinho, por favor.

— Certo, essa é a minha parada... Comportem-se! – Zombou.

Lia e Vitor se afastaram rindo, enquanto Dinho dava meia volta até a praça, como se tivesse sido sua intenção desde sempre. Jamais pensara que sentiria falta de seus tempos de aluno do Quadrante. Ali, solitário em um balanço da praça Raul Seixas, desejava poder estar em mais uma aula insuportável de química ou de português. Desejava estar zombando dos robôs do professor Leandro, rindo das caretas de Lia servindo como assistente da professora Isabela ou se mordendo de ciúme em mais uma interminável aula do professor Cézar. Dava tudo por poder estar em sala de aula, zoando com Orelha, Fera, Pilha e Fatinha, roubando olhares e beijos de Lia e rindo das caretas enciumadas de Gil. Pôde cumprir seu sonho enquanto tudo mudava no colégio Quadrante, mas nenhuma aventura era plena sem seus amigos por perto, sem ver sua marrentinha todo dia. Era com pesar que percebia que isso jamais voltaria a acontecer. Que dali a pouco tempo estava com passagem marcada para retornar aos Estados Unidos, para mais um vazio inadiável e inevitável. Ao menos teria sua família, mais completa do que nunca, ainda que Orelha fosse tão seu irmão quanto Tico e a nova irmãzinha. Ainda que Lia fosse tão indispensável quanto seu pai e sua mãe.

“Hoje à noite, lá em casa. Você vai, não vai?”

Confirmou sem pensar duas vezes. Era como se o melhor amigo lesse seus pensamentos. Precisava aproveitar seu tempo com eles enquanto podia. Intervalo. Correu até as grades do Quadrante, ávido por ver seus amigos e uma certa marrentinha. Lia foi a primeira a aparecer, já na expectativa de encontrá-lo.

— Tendo uma manhã animada? – Cumprimentou-o com um selinho tão rápido quanto possível.

— Você vai estragar o disfarce. – Dinho riu em resposta.

— E você devia aproveitar melhor essas férias. Ficou aí todo o tempo?

— Na praça.

— Devia ter aproveitado pra dormir. Uns com tanto...

— Aí, Lia, eu mal olho pro lado e cê já tá com esse cara? – Vitor se aproximou fazendo alarde.

— Viu? É assim que se faz. – Dinho debochou. – Daqui a pouco a tal fachada não serve mais nem pra esconder do Robson, se você continuar assim.

Vitor virou o rosto tentando controlar o riso. Outros alunos começavam a aparecer no pátio da frente.

— Eu preferia vocês brigando. – Lia protestou, ignorando as risadas de ambos.

— Shh, pessoal tá vindo. – O moreno de olhos azuis alertou.

— Dinho, hein? Exemplo de civilização, convivendo com o atual da ex! – Fatinha provocou, aproximando-se do trio. Talvez o namoro de fachada não fosse tão crível senão pela ajuda da vizinha de Ricardão.

— E aí, Fatinha? Como tava o professor Cézar?

— Ih, meu amor, daqui não sai mais nada! Eu sou uma mulher casada, agora, não posso mais babar no professor de biologia.

— Não seja por isso, o professor Cézar estava realmente de tirar o chapéu! – Fabi interrompeu, rindo da reação de Pilha, que vinha ao seu lado. – Tudo bem, Dinho?

Adriano sorriu. Pouco a pouco, era como se não estivesse mais do outro lado das grades do Quadrante. Orelha, Morgana, Fera, Rita, um a um se aproximaram, seguidos por Gil e Ju, que pareciam estar à procura de Lia. Estava tudo como imaginara, exceto pela incômoda e urgente vontade de estar com a namorada em seus braços, não a um seguro quase metro de distância, tendo Vitor entre ambos, posando ao lado da garota como ele, Dinho, deveria estar. Discretamente lutava contra uma expressão insatisfeita que teimava invadir seu rosto. Tinha ciúme do professor de biologia, obviamente o teria do namorado fictício de Lia.

— Controla esse ciúme, aí, Dinho. Eu quero ambos civilizados hoje à noite, que, se der briga, vai ter bagunça e vai sobrar pra mim. – Orelha provocou, embora estivesse um tanto desapontado por ver que Lia seguia com Vitor.

A roqueira, por sua vez, tentou conter o riso. Tinha que admitir que gostava dos ataques de ciúme do namorado. Pelas costas de Vitor, alcançou a mão de Dinho na grade e segurou-a firme em sinal de apoio, onde ninguém poderia ver. O garoto respondeu com um sorriso de lado, contendo o olhar agradecido que não podia lhe escapar, não ali, em frente a todo colégio. O motoqueiro, sentindo a movimentação às suas costas, aproximou-se da grade com Lia, facilitando as interações entre os reais namorados. A loira beijou seu rosto, agradecida. Surpreendeu-se ao não se importar com o gesto. Talvez estivesse finalmente amadurecendo, talvez fosse apenas os sorrisos de seus melhores amigos que o cercavam novamente, anestesia a qualquer dor. Passara tanto tempo buscando a si, tentando vencer tortuosas lembranças, e a resposta estivera sempre no rumo oposto. Jamais poderia enfrentar seus demônios fugindo. Esquecer o Rio de Janeiro, deixar-se levar por etílicos milagrosos fora remédio contra sua identidade, não contra seus erros. Invalidara-se por completo. Amava Lia, era uma de suas maiores certezas, como a de que, sem seus amigos, era nada mais que um vulto perdido entre os sete mares. Orelha, Fatinha, Fera, Pilha... Como pudera deixá-los tão facilmente por um coração partido? Eram mesmo tão desimportantes que se restringiria a aproveitar com eles os poucos momentos combinados, entre muros de escolas e festas à noite? Estava ali, naquele exato momento, com todos eles à sua frente. Lia sabia exatamente o que queria, e estava com ele pelo tanto que desse. Seus amigos também. Talvez devesse cortar o ato de romântico overdramático e aproveitar, apenas aproveitar.

Conhecia trilhas, praias obtusas, rochas dos formatos mais curiosos. Conhecia cada canto do Rio de Janeiro, e queria uma boa lembrança para cada. Amava aquela cidade. Passou o resto da manhã programando percursos e programas, com uma certa ajuda de seu velho amigo marujo. Um barco diferente dessa vez, sem fantasmas. As mensagens logo se espalharam pelos celulares. Essa seria sua grande despedida: não uma festa, mas várias, agora, mais tarde e depois. Cada descoberta desperdiçada pelo álcool, compensada na sua cidade natal, com a melhor companhia.

Lia foi a primeira a deixar o colégio, apressando-se para chegar a tempo de beijá-lo sem ser vista.

— Bem-vindo de volta, nerd da geografia. – Zombou.

Dinho sorriu, satisfeito. Tudo se encaixava aos poucos, e faria o melhor que pudesse do que recuperava. Fatinha e Orelha apareceram pouco depois, mochilas recém sendo fechadas em meio à empolgação.

— Por onde a gente começa? – Fatinha cobrou, sua face iluminada por um sorriso característico, especial para o melhor amigo, antes único amigo.

— Bom te ver de volta, moleque. – Orelha acrescentou. Qualquer diferença em seu tom de voz, mera ilusão. Não estava sensível. – TV Orelha a postos pros melhores dias do ano!

Fera, Pilha, Gil, Ju, Morgana, Rita, Fabi, Vitor. Aos poucos, o grupo se completava. Mathias e Robson, de alguma forma, arranjaram bicicletas para todos que não tivessem. Uma pequena homenagem a um certo ex-aluno. Quem passasse pelo enorme grupo montado em bicicletas, gargalhando e gritando aos ventos, jamais entenderia que por ali passavam os adolescentes mais unidos e felizes do Rio de Janeiro, ou era assim que se sentiam. Sentiam-se donos do mundo, reis de seus próprios sonhos e futuros. Cada um, aos poucos, se encaixaria à vida adulta, encontraria sua vocação, escolheria uma faculdade, mas ali... Naquele momento, tinham tudo de que precisavam a seus pés, e a brisa lhes conduzindo à liberdade. Não era uma despedida, mas uma celebração. Uma celebração da família que se formou no colégio Quadrante, da família que os forjara jornalistas e engenheiros e professores e irmãos e pais. Que lapidara suas personalidades por meio de paixões, de brigas, de grandes amizades. Dinho iria para Miami, e quantos mais não viajariam ao se formar. Seus futuros eram incertos; seu presente, estava sendo decidido agora, e era o presente do jeito que queriam e podiam fazer. Correndo pelas praias, dançando sobre rochas, jogando-se contra as ondas e rolando pelos gramados. Pneus e rodinhas de skate guiando-os para onde o sol os levasse. Ladeiras abaixo, morros acima. Um píer. Lia e Dinho o conheciam bem até demais. Uma cavalgada das valquírias de pedalinhos, gritos e mais gritos. Nenhuma palavra, todo significado do mundo. De volta à lagoa, não deviam nada a ninguém. Suas angústias não existiam, suas emoções libertas, gritos soltos. Uma certa lembrança. Dinho e Lia dividindo um cisne, ignorantes a qualquer questão alheia. Olhavam à sua volta e sorriam.

— Você criou monstros. – Ironizou a loira.

— Ajudou, não ajudou? É a vez deles, agora.

— Você ainda vai ser processado pelo dono dos pedalinhos...

— Só se for proibido beijar a namorada secreta nos cisnes. – Sorriu para a garota sugestivamente.

A roqueira juntou suas forças para resistir-lhe e olhar em volta. Todos distraídos rindo de seus berros estúpidos. Deixou que Dinho se aproximasse, seus dedos rapidamente se enrolando nos conhecidos cachos, línguas encontrando-se automaticamente. Longos dedos e coxas desnudas encaixavam-se perfeitamente. Pele vibrando sob o toque, podiam ouvir música... Toque... de celular.

“Caros pombinhos, favor ser mais discretos. Vitinho agradece.”

— Fatinha. – Leram em uníssono, segurando o riso. Dinho lhe lançou um ok com o dedo e um meio sorriso, suas mãos nervosas rebagunçando seu cabelo.

Por fim, trocaram de píer. O novo barco de Rômulo os esperava. Velejariam até que o pôr-do-sol os alcançasse. Antes, cachoeiras e rios os esperavam. Tinham muito o que viver pela frente. Juntos, antes que o mundo os conquistasse. Antes que o exterior os chamasse de volta. Estavam com 18 anos, e apenas começando.


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