Iridescent escrita por Miwa Mazur


Capítulo 20
Epílogo.


Notas iniciais do capítulo

ANTES DE MAIS NADA: Esse capítulo é dedicado à Natália, aniversariante do dia. Obrigada pelas mensagens e reviews surtados, sua fofa!



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Do you feel cold and lost in desperation
You build up hope, but failure's all you've known

–- Nós temos um endereço e um horário, e sabemos exatamente o que fazer. Descansem, treinem, contatem seus entes queridos e estejam prontos para partir em seis horas. Ao anoitecer, nós nos encontraremos no bosque e lutaremos por nossa vida. Preparem-se e esperem por tudo – a voz de Tasha reverberou pelo pátio. Tatiana havia alugado um galpão que abrigaria todos os envolvidos na luta por quarenta e oito horas.

Absorvi as palavras de Tasha como se fossem um hino. Ela havia buscado e recepcionado para dhampir, então havia assumido a postura de líder. Eu não me importava com isso – estava focada demais em assuntos particulares para conseguir me pronunciar sobre algo.

Minha principal responsabilidade era para com Tatiana, e o contato final já havia sido feito. Ela sabia meus próximos movimentos, havia garantido proteção a Meredith e enviado agentes para retirar Phill daquele asilo. Em algumas horas, pai e filha se reencontrariam e estariam a salvos de toda a chantagem e tortura que monstros sanguinários haviam causado em sua vida.

Se havia um Deus, eu rezava para que ele concedesse paz a todas aquelas pessoas que interceptaram meu caminho desde a minha chegada à Rússia. Desde Milla até Gean.

O plano não havia vazado, porém em três horas, Tatiana faria um pronunciamento oficial anunciando que era guerra. Ela diria ao mundo o que estávamos enfrentando e ordenaria confinamento. Em apenas algumas horas, o mundo entraria em caos, daria as mãos e esperaria pela devastação. Todos os Moroi que sabiam utilizar magia ofensiva foram convocados para defender a Corte, e eu tinha certeza que Christian lideraria o grupo.

Três exércitos haviam sido formados, e todos os dhampir já estavam cientes da nossa posição. As aulas foram suspensas e as famílias dos alunos reunidas na Academia. Todos deveriam ter o tempo de se preparar, já que três ataques ocorreriam simultaneamente.

Para tomar todo o poder, os Strigoi atacariam a Corte, a Academia e a Rússia. Robert havia me dado um endereço, porém todo guardião pessoal estava ciente de que um ataque Strigoi poderia ocorrer em todo o país.

Aquele era o fim. Em sete horas, eu saberia o meu destino.

Descobriria se ter forjado minha própria morte valera a pena, se minha resistência valera em algo e rezaria para que Sonya conseguisse reencontrar Mikhail e ter seu final feliz, mesmo que temporário.

Dimitri estava ocupado conversando com antigos companheiros de guarda da Academia, e eu estava grata por isso. Precisava de um momento sozinha – um momento para dizer adeus a mim mesma, talvez.

Eu sabia que perderia muito nessa batalha. A mim mesma, inclusive. Ninguém trava uma guerra e sobrevive; tem seu corpo preenchido por sangue do adversário e sai de cabeça erguida. Eu teria que enfrentar a luta e resgatar minhas forças no último segundo por aqueles que eu amava – incluindo Dimitri.

Escapei para o escritório improvisado, e saquei o celular que Tatiana me dera. Disquei um número que havia decorado e esperei até ouvir a caixa de mensagens. Eu sabia que ela não atenderia ao telefone porque estava ocupada estudando o amuleto que Robert havia criado.

Como eu dissera, precisava ficar sozinha para dizer adeus. Eu amava a minha melhor amiga, e não havia falado com ela desde a partida de Baia. Ela merecia ouvir algo de mim após tanto tempo. E eu precisava falar.

–- Hey Liss, - um sorriso surgiu em meus lábios – acho que nunca fiquei tanto tempo sem falar com você, sem te dizer qual seria meu próximo passo. Bem, eu vou para a guerra. Esse é o meu próximo movimento. Em seis horas, encontrarei Robert Doru e farei o impossível para que ele nunca chegue perto de você novamente.

“Eu não sei o que acontecerá, Liss. E eu estou morrendo de medo das consequências dessa guerra, mas sei que é preciso. Eu nasci para isso, e saber a história da minha bisavó só reforçou a força que eu sempre senti. Eu nasci para lutar, e é isso o que vou fazer hoje. Eu vou lutar.

Mas mais do que isso, eu nasci para proteger aqueles que eu amo. E eu amo você Liss, tanto quanto eu amo Christian e meus pais e Dimitri. Eu amo todos vocês, e hoje lutarei por vocês.

Sou uma covarde por não esperar você atender, mas sinto que assim é melhor. Se você estivesse consciente do outro lado da linha, eu estaria chorando a essa altura – não que eu não queira, mas estou tentando o máximo possível. Eu amo você, Liss. Eu amo você. E eu só queria dizer que ter crescido com você foi a melhor coisa que poderia acontecer.

Seus pais me acolheram quando eu não tinha nada, a não ser revolta por ter sido deixada para trás. E eles me fizeram prometer que eu sempre tomaria conta de você. E eu vou. Eu sempre vou tomar conta de você, Liss.

Muito obrigada por tudo, amiga.”

Eu queria continuar a falar. Eu queria contar a ela como os meus dias haviam sido nublados sem a sua presença e o seu carisma, eu queria ouvi-la descrever todas as teorias sobre o amuleto que Doru criou. Eu queria ter um último momento com ela antes da batalha, mas eu não conseguia me mover mais.

As lágrimas finalmente começaram a cair, e eu senti que havia finalizado algo ali. Encerrei a chamada e deixei o celular sobre a mesa, tendo consciência de que não voltaria a vê-lo até o fim da batalha. Reprimi um soluço e me concentrei no que eu dissera a Lissa segundos atrás.

Eu lutaria por todos eles. Mesmo que isso significasse um último sacrifício.

–- Roza.

Eu não me virei em direção a Dimitri, não conseguia. Apoiei-me na mesma mesa em que deixara o celular e curvei a cabeça. Ouvi a porta ser fechada e trancada, e os passos de Dimitri tornarem-se mais altos conforme ele se aproximara.

Seus braços me cercaram novamente, e eu escondi meu rosto em seu peito. Eu estava apavorada, e tentando esconder isso ao máximo – mas ele havia visto a minha queda. Dimitri sempre veria as minhas fraquezas, e sempre estaria lá para torná-las meu ponto forte.

–- Da próxima vez que você ver a princesa, vocês irão se abraçar como se estivessem separadas há um ano, e conversarão como se estivessem juntas a vida inteira. E esquecerão essa ligação, e a notícia da sua morte, e todos os males que enfrentaram.

–- Você não está assustado?

–- Eu estou morrendo de medo, Roza. Voltar ao campo de batalha é tudo aquilo que eu sempre quis, porém o que mais me aterroriza. Eu já passei pela experiência de cair em meio à luta e não ser capaz de revidar, e pretendo evitar isso o máximo. Mas eu estou pronto – suas mãos se moveram para as minhas costas, e ele descansou-as em minha cintura. – Sabe a razão de eu estar pronto?

Ergui a cabeça, encarando seus olhos castanhos.

–- Porque da próxima vez que eu te ver, logo após a batalha, eu vou te beijar. Eu vou dizer a você o quanto eu te amo, e nós vamos sair daquele bosque juntos. Porque da próxima vez em que pisarmos na Corte, eu vou dizer para a minha família que eu finalmente encontrei a mulher com quem quero casar – uma careta se formou em meu rosto após a última parte –, mesmo que isso demore dez anos – Dimitri completou.

Dimitri repousou uma de suas mãos na curva do meu pescoço, e se abaixou o suficiente para que seus lábios acariciassem os meus: -- Porque da próxima vez que eu te ver, Roza, terei a certeza de que nada pode nos separar. Nada.

–- Você já não tem? – retruquei com o tom mais desafiador que consegui.

–- Eu tenho. Mas quero dizer isso com todas as letras – Dimitri levou uma de minhas mãos aos seus lábios e a beijou. – Eu não vou perder você de novo, Roza.

***

Quase dois mil dhampirs estavam alinhados em posição de combate.

A premissa da noite já se abatera sobre todos nós, e o sol fugira do céu há alguns minutos. O silencio predominava, sendo seguido pela névoa que dificultava a nossa visão dos arredores e pelo temor.

Ninguém estava preparado para morrer, embora fosse inevitável.

O local apontado naquele envelope indicava o bosque pelo qual eu havia passado ao fugir de Dimitri da primeira vez em que estive aqui. As árvores eram altas e poderiam se tornar uma boa técnica de ataque e defesa, caso precisássemos de refúgio. Entretanto, tanto quanto suas folhas largas tinham o poder de nos fornecer uma vantagem, poderiam ser uma fraqueza e abrigar corpos esguios e olhos vermelhos que pulariam em nossos pescoços a qualquer instante.

Como em um cenário de um filme de terror, a neblina se precipitava entre quatro mil pernas. A tensão irradiava entre nós, combatentes, e todos estávamos prontos para qualquer movimentação ao nosso redor. Dois minutos haviam se passado desde o horário combinado – havíamos chegado com cinco de antecedência – e nenhum movimento havia sido feito.

Até agora.

Como premeditado, a náusea se abateu sobre mim. Esquadrinhei todo o perímetro com os olhos e apertei a mão de Dimitri pela última vez, sinalizando que eles estavam ali. Logo todas as duas mil cabeças alinharam-se, comportando-se como um verdadeiro exército.

Dimitri caminhou até a quarta fileira, Tasha foi para a última e Ethan permaneceu ao meu lado. Eu estava na primeira fileira porque tinha um objetivo em mente. Eu não lutaria como os outros, mas fugiria. Eu deveria encontrar Robert Doru e por um fim em sua miserável existência, e Ethan me daria cobertura durante todo o trajeto.

Repassei a história que Sonya me contara horas atrás. Eu não tinha controle dos meus demônios, é verdade, mas não era tola o suficiente para pensar que dois mil soldados conseguiriam acabar com o exército que Viktor e Robert criaram.

Senti minhas barreiras abaixarem lentamente, e fiz o possível para expulsar toda e qualquer resistência mental que encontrasse. Expulsei todos os medos e preocupações de minha mente e entrei em modo de combate. Vasculhei meu próprio cérebro, procurando por uma gaveta inacessível.

Que pessoa, em sã consciência, convocaria seus demônios para a batalha final?

Aparentemente, minha bisavó, Julieta Maravietsky. E eu também.

Com um leve empurrão, derrubei a barreira entre os mortos e os vivos. Expulsei toda a resistência existente e observei a área ao meu redor ser preenchida por rostos fantasmagóricos e assombrados.

Todos eles clamavam por vingança, eu via. Há uma razão para que almas permaneçam presas entre um plano e outro: a falta de justiça, a morte abrupta. Todas as almas convocadas haviam perdido a chance de encontrar a paz e ansiavam fazer justiça. Essa noite, elas a teriam.

Fantasmas não podem ferir diretamente àqueles presentes no plano terrestre. Mas podem causar desordem, confundir sentidos e proteger pessoas. Naquele momento, me permiti contatá-los de uma forma intima. Acolhê-los. Torná-los amigos, e não assombrações das quais eu corria.

Fiz uma breve oração por cada alma perdida. E então pedi para que nada acontecesse aos combatentes. Que o máximo de vidas pudessem ser poupadas, e que, se havia alguma justiça a ser feita, nenhum mal ocorresse a Dimitri.

Eu rezei por justiça e por proteção, e as almas me ouviram, posicionando-se ao lado de cada soldado enviado por Tatiana e formando um escudo protetor. Fiz, então, uma última prece e pedi pela liberdade deles. Que, nessa noite, pudessem fazer justiça e equilibrar a balança.

Eles não pertenciam a mim ou a qualquer outro shadowkissed, mas a si mesmos.

A névoa se dissipou gradativamente, revelando centenas de olhos vermelhos. Preparei-me para a luta e empunhei a estaca. Um grito cortou o ar, e logo eu não poderia discernir a tênue linha entre dhampirs e Strigoi.

No entanto, antes que o grito soasse, eu já estava em movimento. Precisava ser mais rápida do que eles e me misturar à multidão, então corri contra a corrente o mais rápido possível, tendo em mente onde Robert estaria.

Ele obviamente não iria para a frente da batalha, mas observaria seus competentes soldadinhos de chumbo morrerem em seu nome. Eu sabia exatamente onde ele estaria, e sorri com a ironia do destino. Uma vez, preparei-me para a morte certa na ponte onde Dimitri e eu nos confrontáramos. Agora, precisava matar um homem nela.

Rose correu o mais rápido que pôde, até que Ethan ficou para trás, preso com algum Strigoi, e havia somente um Strigoi em frente. Ele estava de costas, e encarava a correnteza do rio com serenidade – se é que monstros sem alma conhecem tal tipo de sentimento.

–- Sabia que seria você – a voz de Robert Doru preencheu a escuridão.

Avaliei a minha situação. Robert estava apoiado no corrimão da ponte, próximo ao local em que eu estivera da primeira vez em que vim à ponte. A diferença era que ele não estava sendo coagido e não havia um Strigoi tentando despertá-lo a todo custo.

Talvez porque ele já fosse esse Strigoi.

–- Sabe o que a Corte faz com traidores? Ela os tortura. Envia dois grupos de busca, captura a pessoa, arrasta-a para um dos laboratórios disfarçados em meio ao território humano e a tortura. Eles abrem as suas veias, Rosemarie. Cortam pequenas partes de você, até que seu corpo seja um amontoado de remendas e carne e nenhum médico saiba o que fazer com o que restou de você.

“Eles jogam água fervente em você, e lhe ameaçam. Por sorte, Viktor sempre foi muito mais poderoso do que todos os jogos psicológicos que Tatiana pudesse conhecer, de forma que não revelou nada sobre a nossa pequena rebelião. Mas ninguém consegue escapar da mão de ferro da Rainha, não é mesmo? Depois que eles fizerem tudo o que querem com você, te torturarem e fazerem você gritar por piedade, eles cortarão mais um pouco e te jogarão na beira da estrada. Como um indigente. Foi assim que eu encontrei meu irmão.

Viktor sempre foi o líder, o mais esperto. E foi o que teve uma morte deplorável, também. Não importa quão veemente você lute, nunca consegue escapar da mão da Rainha. Se eles colocarem as mãos em você, é o seu fim.”

Engoli em seco, pensando sobre esse pequeno conto de terror. Eu sabia que Tatiana era impiedosa, mas cortar alguém e abandonar seu corpo na beira de uma estrada? Meu estômago se embrulhou.

–- Felizmente para nós dois, é incrivelmente fácil atingir a Rainha. Basta eliminar seus maiores peões. E é aí que você entra, cara Rosemarie.

Robert tornou-se um vulto e correu até mim, e senti uma agulha perfurar a minha pele. Minha mente girou e e o mundo se tornou um borrão de cores e movimentos indistinguíveis.

–- Sabe quão poderosa a saliva de um Strigoi é? Ela tem o poder de despertar humanos, e também o de corroê-los. Eu acabei de injetar a minha saliva em você, Rosemarie, e caso eu não a morda e a transforme, a acidez corroerá as suas veias e você morrerá lentamente.

Empurrei-o com toda a força que tinha, obrigando-me a encontrar um ponto referencial. Eu precisava me focar. Precisava encontrar um ponto de apoio, algo que despertasse a minha consciência.

–- Quanto mais você tentar lutar, mais rápido será corroída pelo veneno – Robert riu.

Dimitri. Lissa. Meus pais.

Eu prometi que lutaria por eles, e esse era o meu ponto de apoio. Eu sentia o fogo da saliva de Robert, injetada por uma pequena seringa em meu organismo, percorrendo as minhas veias – mas não pararia. Aos poucos, recuperei a nitidez de minha visão e encarei o irmão de Viktor Dashkov.

Se esse era o meu último sacrifício, então eu o faria. Com prazer.

Estiquei meus dedos e segurei a estaca com mais força, preparando-me para atacar. Avaliei todas as minhas opções e combati com todas as minhas forças a ardência que me consumia. Senti o olhar imperial de Robert sobre mim, medindo minhas forças. Ele avaliou a minha concentração e tentou prever os meus movimentos.

–- Então vamos acabar com isso logo – vociferei, atacando-o pela direita. Desferi um golpe contra a lateral de seu corpo, e um chute contra seu joelho, fazendo-o cambalear pela surpresa. Sem parar para pensar no que estava fazendo, avancei mais dois passos e rasguei sua mandíbula com a estaca, fazendo-o uivar de dor.

Viktor Dashkov era um bom lutador. Ele seria capaz de utilizar o seu elemento para me derrubar em segundos, mas Robert havia sido doente por toda a sua vida, não aprendendo a lutar. Ele poderia ser um morto-vivo repleto de força e velocidade, mas não sabia controlá-los.

Eu poderia usar isso em vantagem.

Projetei um soco em seu maxilar e desviei de seu braço, que tentava alcançar o meu pescoço. Chutei-o na altura do estômago e observei enquanto cambaleava, rugindo de frustração. Senti o veneno agir mais rápido, deixando-me levemente tonta.

Robert viu a minha fraqueza e agiu, empurrando-me com todas as suas forças. Fui arremessada para trás, e minha cabeça bateu contra o corrimão da ponte. Pensei em Lissa e em tudo aquilo que havia lhe dito horas atrás, e ergui meu corpo, lançando-me contra Doru.

Dei uma cotovelada em seu rosto, atrapalhando sua visão e enfiei a estaca entre sua escápula. As minhas forças estavam sendo sugadas, de modo que eu não conseguia perfurar as costelas do Strigoi e atingir seu coração com uma mão só. Coloquei toda a força que tinha naquele golpe, e quase senti quando a ponta da prata atingiu o órgão de Robert.

Seus olhos perderam o brilho malicioso, e logo ele estava sendo reduzido ao irmão franzino novamente. Seu corpo pendeu sobre mim, e eu arranquei a estaca, caindo para trás.

Eu precisava voltar. Precisava sair daqui.

Entretanto, não conseguia enxergar nada.

Robert Doru estava morto, então qual era o propósito de voltar? Quanto mais eu me movimentasse, mais rápido seria consumida. Eu havia sido arremessada, empurrada, golpeada e ainda assim conseguira matá-lo – o veneno queimava todas as minhas veias, de forma que eu tive que morder o lábio para não gritar.

Aquilo ardia como o inferno.

Não sei quanto tempo permaneci ali, deitada em frente ao corpo de Robert, mas aos poucos senti os fantasmas se amontoarem ao redor de mim. Seus crânios não eram mais tão assustadores, e alguma coisa em sua postura me dizia que haviam servido ao propósito: haviam conseguido vingança.

–- Vão embora. Saiam daqui – murmurei, rezando para que eles não permanecessem ali por muito mais tempo. A batalha havia terminado, eu sabia disso.

Tentei me levantar pela última vez, e senti os braços de Dimitri me cercarem. Ele sempre me encontraria.

–- Roza? O que aconteceu... – seus olhos me examinaram, tentando encontrar a ferida – onde você foi...?

–- É veneno – admiti, com a voz rouca. – Robert injetou a saliva dele em mim, e isso está corroendo o meu corpo.

Dimitri caiu ao meu lado, segurando-me o mais perto possível.

–- O que eu faço? Como eu...?

–- Não. Você não faz nada. A única forma de retirar o veneno é... – umedeci os lábios, procurando por uma saída – é me transformando em Strigoi. E eu não quero isso. Eu não vou fazer isso. Não é uma opção, Dimitri. Eu não... Eu amo você.

Dimitri me apertou ainda mais: -- Tem que ter uma saída, Roza. Eu vou chamar Tasha, nós vamos carregá-la e levá-la de volta para a Corte. Lissa encontrará uma cura, ela sempre encontrará uma cura.

Um sorriso se formou em meus lábios: -- Não há cura, camarada. Como foi a batalha?

–- Poucas baixas. Os soldados estão capturando humanos a fim de levá-los para a Corte e obter todos os detalhes do plano.

–- Bom... Isso é bom. Os fantasmas cumpriram seu papel, então. Isso é muito bom.

–- Mas e você? Eles não protegeram você, Roza.

–- Eu nasci para lutar, Dimitri. Eu nasci para a batalha. E eu lutei o máximo que pude, e fiz tudo aquilo que fui capaz. Eu reencontrei você, não reencontrei? Eu protegi Lissa. Eu... Eu fiz a minha parte.

Dimitri permaneceu em silêncio por alguns segundos, seu queixo apoiado em minha cabeça. Seu corpo balançava o meu para frente e para trás, como em uma canção de ninar. Então, como se fosse ensaiado, ele abaixou seus lábios e capturou os meus, beijando-me com toda a paixão que ele tinha.

–- Eu amo você, Roza. E nada, nada pode nos separar. Nós vamos voltar para a Corte juntos, e minha família estará lá, esperando por nós – sua voz falhou nessa parte, e eu apertei a sua mão, pedindo para que ele continuasse. – Eu direi a elas que finalmente encontrei a mulher com quem quero passar os últimos e melhores anos da minha vida, e você protegerá Vasilisa. Nós compraremos uma casa, e minha família morará por perto. Veremos os filhos de Sonya e Karolina crescerem e estaremos presentes em cada reunião de família.

–- Quando você fizer vinte anos, eu vou te convencer a se casar comigo. Você vai reclamar no início, dizer que está muito jovem, mas vai acabar cedendo. E nós vamos nos casar. Todos estarão lá por nós, incluindo Sonya e Mikhail. Vai ser lindo – eu não duvidava que seria. Eu bebi as palavras de Dimitri como se ali pudesse encontrar uma forma de eliminar a saliva de Strigoi do meu sangue, e encarei Dimitri com todo o amor que sentia por ele. – E eu vou passar todos os meus dias te protegendo, Roza. Eu vou te proteger e te amar a cada segundo da minha existência. Nós estamos destinados, Roza. Nós estamos destinados a encontrar um ao outro, quantas vezes for preciso.

Lágrimas se formaram em meus olhos, enquanto eu me lembrava da promessa que ele havia feito horas atrás, após o meu telefonema para Lissa: -- Dimitri... por favor. Isso dói. Demais.

Labaredas queimavam a minha pele. Eu temia que se continuasse a conversar com Dimitri, começasse a gritar de repente. Eu não conseguia pensar de forma sã mais, não conseguia me concentrar. Não havia nenhum ponto referencial que pudesse fazer com que eu recuperasse a minha racionalidade, não quando todos estavam salvos e Dimitri estava ao meu lado.

–- Por favor, Dimitri – choraminguei. – Eu preciso que você me salve.

Os olhos de Dimitri analisaram o meu rosto e acompanhei o modo como eles se encheram de lágrimas. Eu queria pedir para que ele não chorasse, queria dizer que o amava novamente, mas... eu não conseguia. Meu corpo estava sendo consumido pela ardência, pela vingança, pela consciência de que aquele era o meu fim.

Lentamente, Dimitri assentiu e retirou a estaca do cinto. Seus lábios repousaram sobre a minha testa, e eu passei a mão, uma última vez, pelo seu cabelo sedoso. Eu amava aquele homem mais do que tudo, e rezava para que ele ficasse bem.

Em alguns anos, Dimitri encontraria outra pessoa. Ele exorcizaria os seus demônios e reencontraria a felicidade. Quando essa época chegasse, eu torcia para que ele estivesse protegendo Lissa e perto de sua família.

–- Obrigada, camarada – soprei uma última vez, enquanto sentia a estaca perfurar minha pele com precisão e acertar o meu coração.

Meu nome é Rose Hathaway e eu nasci para lutar. E contanto que todos aqueles que eu amava estivessem unidos e seguros, o mundo dos mortos poderia me ter.

***

Os ventos açoitavam Tasha como se quisessem puni-la. Ou melhor, como se quisessem evitar que ela escalasse aquela área e encontrasse a pedra lapidada que indicava onde o corpo daquela que passara a ser sua amiga estava enterrado.

Ela precisava fazer isso. Precisa enfrentar seus próprios demônios da mesma forma que Rose enfrentara os dela, e ao fim daquela colina, estaria a cena que ela rezava não ter que testemunhar.

Ela precisava encarar o túmulo de Rose pela primeira – e talvez última – vez.

A farsa havia se tornado realidade. A missa que um dia fora em vão, a fim de encobrir uma verdade mais feia e mais mortífera, cumprira seu propósito e agora as palavras um dia rabiscadas em um granito qualquer foram substituídas por outras, com maior impacto e significado.

Rosemarie estava morta, mas a avalanche de sentimentos e momentos que ela passara com os demais, com aqueles que tiveram alguma participação em sua vida ainda estava viva. Por onde andasse, Natasha Ozera podia sentir o perfume adocicado e o temperamento picante da alma que um dia que lhe causara inveja.

Um dia, há muito tempo atrás. Natasha havia lutado ao lado de Rose até o fim, e seu único arrependimento era não ter se aproximado antes; não ter sido cativada e conquistada por sua alma jovem e tempestuosa meses atrás. Ela não estava lá quando a luz abandonou os olhos de Rose, e ela não sabia que seu sangue estava envenenado.

Se soubesse, teria trocado de lugar com ela.

Rose era jovem, ela ansiava por um final feliz. Ela ansiava por passar mais tempo com as pessoas que amava, por descobrir as origens de sua própria família, por conhecer seus pais e ter um relacionamento digno com eles. Ela ansiava muitas coisas, principalmente refazer as memórias que Robert Doru incendiara.

Mais do que tudo: ela sonhava em estar com Dimitri. E por um breve espaço de tempo, ela estivera. Rosemarie e Dimitri Belikov tiveram seu final feliz naquela cabana, dois anos atrás. Eles se amaram e se dedicaram integralmente um ao outro naquelas poucas horas de paz e calor. Ela conhecera a felicidade e a liberdade, e quão bom era estar cercada pela única pessoa que realmente importava.

Ela conhecera o seu “felizes para sempre”, provara dele.

Mas o que todo conto de fadas não diz, é que o feliz para sempre não é o fim. Pelo contrário – é o começo de uma nova jornada, de uma nova luta. Rose vivera mais do que qualquer autor pode ousar escrever, e sua história perpetuará por diversas eras, assim como a história de Julieta Maravieskty agora era recontada em cada aula, admirada por cada alma.

Rosemarie Hathaway teve seu final feliz. E agora abraçava a imensidão de seus atos. Um dia, em alguns anos, ela reencontraria aquele que fez com que ela se sentisse a dhampir mais amada do mundo – e assim outro ciclo se findaria. Mas até lá, cabia a eles, almas deixadas para trás e agraciadas pelo espírito de Rose, sobreviver.

E fazer com que a sua teimosia não fosse em vão.

Corpos são perdidos em meio aos caos e à devastação, mas almas não. Elas sobrevivem, e a cada vez que você menciona o nome, a história, ou uma lembrança de uma pessoa perdida para a vastidão do universo, elas pousam ao seu lado.

Natasha Ozera nunca pararia de relembrar Rosemarie Hathaway.

E assim, a jornada de Rose nunca teria um fim.

Remember all the sadness and frustration
And let it go.


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Notas finais do capítulo

Então... Acho que é hora de fazer um breve agradecimento, certo?
Gostaria de agradecer muuito à Maria Salles (autora de 'Enchanted') e à Aline Mariz (pseudo-psicopata-literária). Não posso descrever quão divertidas foram as noites em que surtava com vocês pelas redes sociais porque não acreditava no rumo que minha própria fic estava tomando!
Obrigada à Miwa, por desenvolver a ideia original comigo. À Talita, por gritar ~até que enfim~ quando eu disse que havia terminado de escrever Iridescent. E a vocês, leitores, por não desistirem de mim!
Muito obrigada por essa jornada! Não sei se voltarei a escrever ou não... essa é uma icógnita mesmo para mim. E se eu voltar, será daqui há algum tempo, porque nunca quero passar por um hiato TÃO grande novamente. Logo: fanfic concluída antes de postar, porque sim!

Beijos enormes, e foi um prazer compartilhar essa jornada com vocês! ♥
Daniele Almeida.