veneno

a senhora então acha que sou infeliz só para desgostá-la?

lygia fagundes telles

Susan sempre foi bonita. Bonita e cheia de vida, cheia de vontades. Com certa queda por diversões, vestidos bonitos e joias ornamentadas, mas isso não era pecado, ou era?

Susan foi bonita até depois de velha. Mas ela não tinha mais a vida de sempre. Era feita de um amargor, de uma raiva contida, de total e absoluta falta de vontade de perdoar. Tem raiva da vida, diziam, e quem pode culpá-la? Perdeu toda a família num acidente de trem de uma vez só. Susan ainda tinha os lábios armados num sorriso educado e o corpo envolto num vestido caro, até o final.

Mesmo que tenha morrido sozinha, cansada, cética e renegando a tudo — Aslan, Nárnia, o guarda roupa ou uma Rainha Branca, eles todos, que ardessem no inferno —, mesmo assim, depois de tudo, morreu bonita.

Morreu bonita e jurando — a toda e qualquer pessoa que se dispusesse a ouvir a delicada voz de mel que nunca a abandonou — que amou todos os seus irmãos igualmente e do fundo do seu coração.

(mas ela sempre gostou mais de xadrez)