O Filho de Hipnos escrita por Nyk


Capítulo 6
Despertar




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Tristan acordara com várias repetições de sons irritantes. Estava deitado em sua cama com os lençóis rasgados e molhados. Em sua volta, entulhos de um teto desabado, mas não havia nenhum no seu corpo, era como se tivesse um campo de força em sua volta, o defendendo. Mas então ele se deu conta, o chalé estava destruído, podia ver vagamente braços, pernas, e cabeças pálidas por fora das camas quebradas, lençóis rasgados e pedaços de teto.
Tristan tentou se levantar, mas uma tentativa falha. Era impossível mexer qualquer músculo, era necessário muito esforço para mover até mesmo seus dedos. Era como se tivesse uma caixa de uma tonelada em seu tórax, algo que, obviamente, o impedia de se sentar, ou levantar.
Os barulhos só aumentavam e ficavam mais irritantes. Tristan queria tampar seus ouvidos, mas nem isso era possível. Piscava com dificuldade, e só conseguia fechar os olhos quando os mesmos se enchiam de água, mas não se forçava a fechá-los. Como se não bastasse, começou a chover, ou já estava chovendo e ele não percebeu, pouco importava. O cheiro de terra molhada não escondia o de queimado ao seu lado. Pelo que ele deduziu, algum apocalipse aconteceu enquanto ele estava dormindo, e ele tinha virado o único sobrevivente. Algo absurdo, obviamente. Talvez tivesse acontecido outro rompimento das barreiras mágicas do acampamento, como aconteceu há alguns anos atrás, quando nem mesmo Tristan estava no acampamento – na época que Percy Jackson ainda era um bosta, algo que Tristan sempre considerou a maior verdade. Mesmo com o Velocino de Ouro, era possível aquilo acontecer, não? Mesmo com tantas explicações para os acontecimentos, Tristan deduzira que a explicação verdadeira seria pior do que ele imaginava.
Os barulhos esquizofrênicos diminuíram, e se tornaram presenças. Tudo começou a borrar como se fosse papel molhado pela água da chuva, e por cima de seu corpo, pôde ver as tais presenças. Mais que presenças, eram cenas. Cenas da sua vida que ele nunca tinha visto, mas que deveria. A primeira foi de Clove levando um tiro no olho, lágrimas e sangue pulando para fora de sua face, sujando todo seu vestido, enquanto caía de joelhos no chão e agonizava de dor. Era possível ver a sombra do assassino fugindo logo atrás, com o pai de Clove correndo atrás dele, e a mãe abraçando a filha, como se aquilo ajudasse muito. A visão mudou, borrou novamente, e ele pôde ver uma garota de cabelos loiros, com a camiseta laranja do Acampamento Meio-Sangue, com o rosto sujo, e uma posição atormentadora, provavelmente estava com o tornozelo quebrado. Aquelas feições, aquela experiência no rosto, olhos cinzentos... Era Annabeth Chase, filha de Atena e namorada de Percy Jackson. Estava lutando contra uma espécie de monstro com aspecto de aracnídeo, que era gigante e humanoide. Coitadinha... Uma filha de Atena ter que encarar uma aranha gigante dessa forma. Até que Tristan se deu conta. Já tinha sonhado com aquilo, aquela era a própria Aracne.
Quando começou a se preocupar, a imagem mudou, e lá estava um rapaz de cabelos cacheados e desarrumados, com olhos vidrados, soado, se disparando contra um lugar cheio de engrenagens de bronze. Os outros detalhes eram borrados e pouco visíveis, mas pôde ver claramente o garoto de cabelos cacheados puxar uma grande alavanca no meio da sala, e quando isso ocorreu, a imagem deu um zoom e se focou do lado de fora, onde foi disparado um canhão contra um lugar gigantesco, que lembrava muito Roma.
A imagem mudou novamente, mas dessa vez, ficou escura. Tudo estava escuro, ele não enxergava e não ouvia nada, até que em Stop Motion, uma presença branca surgiu na escuridão. Era branquelo, tinha uma barba loira, uma touca e pijama, fora as asas em suas têmporas. Era Hipnos, e ao seu lado, estava um homem forte, com pele de tonalidade escura, cabelos grandes e lisos. Havia asas negras, quase azuis em suas costas. Era Tânatos. O Deus aproximou o rosto ao de Hipnos, pegou sua mão, e seus lábios ameaçaram se encontrar, porém, a visão começou a borrar novamente, e de preto, começou a clarear, e voltar à realidade.
A chuva molhava seu rosto. Estava trêmulo, mas seu corpo, mesmo dolorido, já o respondia, mas Tristan não pensou em sentar-se na cama. Só queria morrer. Não queria ver o que estava à sua frente. Não queria levantar-se, só queria morrer.
Vai se arrepender de ter sonhado quando Tânatos e Hipnos andarem de mãos dadas, Nico disse. Aquilo tinha sido uma alucinação, mas aquilo não estava fixo em sua mente, era impossível ser uma simples alucinação apenas no psicológico. Seus sonhos tinham uma relação com a vida real, isso Tristan já sabia, mas agora, uma relação que o prejudicaria.
Sentou-se na cama para ter uma visão melhor do local. Seu chalé agora era só um quadrado de entulhos com uma cama no meio, e todos os chalés estavam assim. Não passavam de entulho, destruído, incendiado, incinerado, pisoteado, destruído. A destruição era predominante.
Estava de meias, mas andou assim mesmo por entre os entulhos, com dificuldades, tanto que no terceiro passo, escorregou, e seus dedos se colidiram com um cilindro mole e frio, e quando viu, era um braço, pálido e ensanguentado. No monte de entulho ao lado, Tristan pôde ver a boca de Paul Blofis se contorcendo e resmungando. Havia esmagado o braço de Blofis, genial. Tentou tirar o entulho de cima dele aos poucos enquanto a chuva o molhava, e devido à mesma, não saberia dizer que horas eram. Levantou-se para ignorar o fato e correr, quando viu que embaixo dos entulhos, havia uma poça de sangue. Blofis era uma cabeça longe do corpo, e certamente o braço pertencia a outro corpo. Trabalho perdido. Mas mesmo assim, a boca dele continuava se mexendo.
Tristan pulou o pedaço de parede ainda fixo no chão, e saiu pelo monte de grama e terra queimada a procura de uma resposta.

Ao sair do circulo de chalés, Tristan foi direto para o Pavilhão do Refeitório.
Sua perna estava um tanto dolorido, e mancava levemente. Nada que interferisse na sua caminhada. E quanto ao lugar, estava todo destruído, armaduras jogadas, sangue, campistas mortos ou quase isso no chão, e a paisagem parecia estar desfigurada, quase sem nenhum morro, quase em linha reta. O tempo nublado deixava o cenário muito pós-apocalíptico, como no primeiro sonho da maratona psicológica de Tristan e... Oh, lá vamos nós de novo.
Ao chegar ao pavilhão, Tristan sentiu-se tonto. O mundo girava, era uma tortura manter os olhos abertos, do mesmo modo que era uma tortura manter-se em pé, assim, caiu de joelhos, e ficou de quatro no chão, e forçou-se a vomitar. No princípio não tinha percebido, mas não havia vomitado quase nada além de um líquido esverdeado e grotesco. Tristan estava quase anoréxico, sobretudo, faminto. Quanto tempo estava dormindo? Talvez semanas, meses ou anos. Talvez estivesse em coma esse tempo todo, mas não. Se estivesse em coma estaria numa enfermaria, ou até mesmo longe do Acampamento. Tristan não sabia de nada, mas queria o fazer, pois só sabia que estava se sentindo muito mal, talvez tão mal, que estaria tendo alucinações. Acabara de ver um vulto completamente negro passar em um piscar de olhos por trás dos pilares do pavilhão. Alucinação? Talvez. Não duvidava também que haviam alguns monstros espalhados, mas se isso fosse verdade, teria que manter distância daquele pavilhão.
Ia se aproximar mais do rio, pra tomar um pouco de água – algo que ele necessitava, porque acima de tudo, estava faminto, com sede, e dolorido. Ouviu, e sentiu o ar se movimentar, de alguma forma. Um barulho assombroso e rápido, sobretudo, selvagem o fez gelar, aquele vulto negro, não era nada mais que um cão infernal, que agora, estava vindo na direção de Tristan, que tentou correr, mas seu estômago pareceu endurecer e pular contra seu tecido, e ele se forçou a cair, e se revirar. Os olhos amarelos e brilhantes da criatura se movimentavam com frequência, junto com sua língua, que parecia querer escapar da boca.
O desespero estava começando a tomar conta de Tristan, tentaria escapar, mas seu corpo doía mesmo jogado na grama, podia sentir seus ossos. Seu estômago vazio, cabeça dolorida, garganta seca... Estava num total leito de morte, e não adiantaria correr do cão infernal, pois morreria de qualquer forma. Sem saber o que estava acontecendo... Que piada.
O monstro já estava a poucos metros de distância quando freou bruscamente, ou foi isso que pareceu, mas longe disso, ele foi arremessado para o lado, e só depois Tristan percebeu o rastro de sangue que o cão infernal deixou e o acompanhou com os olhos, e quando chegou ao fim do rastro, obviamente onde o cão estava, ele por sua vez tinha uma lâmina de bronze cravada em sua bochecha peluda. Tristan logo ficou curioso para saber de onde tinha vindo a lâmina, e olhou ligeiramente para o lado oposto, sendo forçado a girar seu corpo à 180°, mas notou também que poderia ter usado esse esforço para sentar-se, já que ainda estava jogado e sujo na lama.
O que Tristan viu quase o aliviou. Enfim não estava sozinho no acampamento, tampouco no mundo. O próprio Percy Jackson estava caminhando em sua direção, quase mancando. Por cima de seus ombros, havia uma garota de cabelos loiros e bagunçados, sua namorada, Annabeth Chase. Seus corpos ensanguentados e devastados, ambos pareciam ter saído de uma guerra, hipótese que Tristan não descartava.
– Você está aí, seu inútil? – Percy caiu de joelhos, deixando Annabeth ao seu lado. Ambos haviam deixado um rastro de sangue, e onde deveria ser o braço de Annabeth, não estava nada mais que um toco, ou então metade do seu antebraço – Viu... Não que você pudesse ter ajudado alguma coisa, mas você e seus colegas de chalé dorminhocos não ajudaram nem um pouco. E olha o que aconteceu...
Percy olhou de relance para Annabeth, que não se mexia nem um pouco. Estava pálida e não se mexia, nem respirava. Estava morta, evidentemente, e Percy estava tenso, tão pálido quanto ela. Tristan sentiu-se culpado, mas decidiu falar.
– O que aconteceu? O que aconteceu esse tempo todo?
Percy começou a encarar Tristan, cerrando os dentes de tanta raiva. Ergueu as mãos e tentou se levantar, mas caiu de joelhos, com uma expressão amarga de dor, e com as mãos pálidas no estômago. Começou a babar, e sua saliva começou a se misturar com um sangue, saindo da sua boca, como se aquilo estivesse transbordando em sua boca. Depois daquele espetáculo, ele simplesmente cuspiu o sangue que ainda restava em sua boca, e a limpou com o braço, como se tivesse acabado de tomar um suco ou algo do gênero.
– Eu poderia te matar agora – disse Percy – caso não estivesse tão cansado.
– Bem, você conseguiu matar um cão infernal.
Percy revirou os olhos novamente, que por sua vez se encheram de lágrimas após se encontrarem com o corpo de Annabeth.
– O que aconteceu?
– Você fica o tempo todo dormindo... Perde uma guerra, e depois quando está tudo acabado, quer saber o que acontece?
– Wow... Eu não tive culpa, entendeu?! Eu queria mesmo acordar, pra ser sincero eu nem lembro muito bem quando eu fui dormir e...
– Tristan... – disse Percy, com um tom melancólico, porém, confortante – Você estava esse tempo todo dormindo, mas sabemos que não foi culpa sua. Seus companheiros de chalé tentaram acordar você no primeiro dia para uma reunião geral, mas você não acordava de jeito nenhum. Levamos você para a enfermaria, mas não encontramos nenhum caso de coma, você só estava dormindo e não conseguia acordar, como se estivesse em coma, mas não era uma. Eu sei que não foi culpa sua, mas não vou pedir desculpas por te entregar a culpa, porque todos nós temos que dividi-la.
– Então... Quer dizer... – Tristan começou a gaguejar, e notou que não era um momento bom pra falar. O que ele queria saber era sobre o que estava acontecendo no mundo de fora enquanto estava sonhando, e agora, soubera que para ele, seu sono eterno ainda era um mistério.
– Bem, mas ainda tem mais. – Percy voltou a voltar, depois de pigarrear milhares de vezes – Depois de você ter adormecido daquela forma, dia após dia, outros filhos de Hipnos do seu chalé começaram a ficar assim também, até que todos ficaram em um sono profundo e eterno e eu achei muito estranho você ser o único sobrevivente, porque aparentemente, assim como todos os outros campistas, os seus colegas de chalé morreram...
Tristan rolou e ficou de barriga para cima, com suas costas quase nuas na lama. O cheiro de cachorro ainda estava no ar, e ele ainda havia dúvidas.
– Mas... E essa guerra... Que você diz... Como ocorreu?
– Lembra quando enfrentamos Cronos? Algo semelhante... Só que foi Gaia. Ela está despertando aos poucos. Alguns gigantes e monstros foram suficientes para destruir o acampamento, e Gaia só vai acordar provavelmente para esmagar tudo... Porque estão todos mortos.
– Então... Gaia despertou?
– É isso mesmo. É engraçado falar com tanta simplicidade, porque é o fim dos tempos... – Percy olhou de relance para Annabeth, e seus olhos se encheram de lágrimas novamente, mas dessa vez, ele as deixou escorrerem – Eu só queria ter alguém para abraçar agora... Se fosse para morrer junto com o mundo, eu queria que fosse com a pessoa que amo. Eu odeio tudo isso. Eu odeio essa injustiça. Por que tudo tem que ficar acima de tudo? Porque não pode ser justo? Por quê...?
– Cala a boca – Tristan disse – eu esperava mais do herói mais conhecido do acampamento. Acho que eu estava certo, você é um bosta.
Ou então todo herói se torna fraco quando tudo acaba, Tristan pensou, mas decidiu não falar, porque ia ser uma contradição absurda.
Achou que Percy ia levantar e matá-lo ali mesmo, mas não, ele só deitou ao lado do corpo morto e devastado de Annabeth, e o abraçou, aos choros.
Aquele momento, Tristan deitado na lama em silêncio, era uma ocasião boa para organizar os pensamentos. Como sonhador lúcido, ele lembrara muito bem dos detalhes dos seus sonhos, e se lembrara no começo, de Ninfa ter dito que Ela tinha a criado e chamado um guia, no caso Tristan, para ajudá-la na vida. Ela, no caso, era Gaia. Era fácil deduzir, porque tudo se encaixava. No terceiro sonho, ele perguntou para Ninfa de quem ela estava falando, e ela embaralhou as palavras, formando a palavra ARTER, que desembaralhando, ficaria TERRA, forma romana de Gaia. Ninfa havia respondido todas as perguntas de Tristan, e ele só não prestara atenção. Mas Tristan não sabia, como de certa forma, tudo aquilo tinha relação com a realidade.
– Eu estou com fome e sede – Tristan disse sem pensar – eu vou para o rio beber alguma coisa.
– Você vai morrer de qualquer forma – disse Percy, sem sequer tirar a cabeça dos cabelos de Annabeth.
– Eu sei...
 


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