O Filho de Hipnos escrita por Nyk


Capítulo 3
Boneca




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Tristan abrira os olhos, e foi forçado a fechá-los novamente quando um raio de luz o acertou diretamente. Sentou-se e abriu os olhos aos poucos, com uma cegueira temporária. Arrependeu-se de ter aberto os olhos quando viu onde estava. Era uma sala tão colorida que doía os olhos, parecia mais o berço de um bebê, pois havia brinquedos infantis espalhados pelo chão... Bem... Brinquedos gigantes, inexplicavelmente. Então, Tristan sentiu vontade de se estapear, mas nem aquilo funcionaria. Estava novamente sonhando.
Ouviu um amontoado de blocos de montar do tamanho de sua cama desabar logo atrás dele. E uma garota alta, morena e com um vestido cor-de-rosa bem infantil e feminino. Caiu de bunda no chão após tropeçar em um bloco de montar um tanto menor que os outros. Peninha... Parecia uma boneca grande e desengonçada. Quando percebeu a presença de Tristan, levantou-se e virou para ele. Tristan previa isso, mas era Ninfa. Deveria ter ficado feliz por digerir a informação, mas a boca de garota estava totalmente costurada, e com um contorno rosado, mais puxado para o vermelho, o que indicava que a boca havia sido costurada recentemente, e ao relaxar a gola do vestido, pôde ver que a pele havia sido costurada até o pescoço.
– Ninfa... – disse Tristan, abismado – O que fizeram com você?
Ninfa não respondeu. Obviamente não poderia falar, mas apontou para os blocos de montar coloridos e com letras, que formavam uma palavra sem sentido algum: ARTER.
– Arter...?
Ninfa não assentiu. Apenas balançou a cabeça negativamente, deu um passo para trás para mexer novamente nos blocos de montar, quando sentiu algo pulsar em seu pescoço, e como se estivesse engasgando, ela reproduziu um barulho semelhante a um sibilo. A costura em seu pescoço se desfez aos poucos, fazendo jorrar um pouco de sangue em cada um dos pontos, uma cena desesperadora. Em questão de segundos todos os pontos foram descosturados e de dentro da garganta de Ninfa surgiu a besta que tinha causado tudo isso: a cabeça de uma serpente asquerosa e suja de sangue. A mesma abriu sua boca, mostrando seus dentes e soltando um grito desagradável e metálico, que lembrava muito um atrito. Tristan foi obrigado a fechar os olhos e tampar os ouvidos, devido às visões e barulhos desagradáveis, depois de alguns segundos forçou-se a abrir os olhos, e percebeu que a Ninfa agora estava novamente com olhos vermelhos, assim como os olhos da serpente, e o lugar todo estava com essa cor. Era como se o sol tivesse mudado de cor junto com os olhos delas. O sangue ainda jorrava do pescoço de Ninfa, e só depois Tristan percebeu que as paredes também estavam sujas de sangue. O piso e o papel de parede estavam sem o reboco. As bonecas quebradas e com os olhos revirados. Um cenário de agonia profunda. Ninfa dava passos lentos na direção da cama de Tristan enquanto tentava arrancar a serpente de dentro de seu corpo, mas aquilo só fazia jorrar mais sangue – um sangue que parecia não acabar – e derramar sobre todo cômodo. Tristan se acostumara com o barulho do grito da serpente, e pôde identificar algumas palavras avulsas, tais como ‘’morte’’, ‘’amor’’, ‘’luta’’, e a única frase concreta: ‘’sete meios-sangues responderão’’. Mesmo com significado, o barulho era irritante, e Tristan tinha que se afastar dele e da visão de Ninfa agonizando por ar, e se esqueceu que estava em cima da cama, caindo ao recuar. O chão parecia fritar abaixo de suas costas, era realmente quente e o levantou quase que instantâneo. Estava descalço, o que o deu um motivo maior para continuar tirando os pés do chão. Conforme corria, mais o barulho se extinguia, e isso era bom. Porém, esqueceu-se de Ninfa, que certamente não estava gostando disso, então se lembrou novamente que estava sonhando e Ninfa era uma invenção de sua cabeça, então continuou correndo. Os brinquedos resmungavam palavras de conforto enquanto se arrastavam em direção aos pés de Tristan, o papel de parede continuava sem reboco, e logo não passaria de uma parede de tijolos recém construída. Como se já não bastasse, tropeçou alguns metros depois, caindo de barriga no chão, a dor da queda e da quentura o fez perceber pela primeira vez que a sala não parecia ter fim. Era um berço eterno.
Um líquido vermelho vazou do teto e formou um texto logo a frente do filho de Hipnos: Volte para a cama... Dizia o texto. Ele o ignorou em todos os sentidos, levantou-se em um pulo desajeitado, e continuou a levantar os joelhos em direção ao horizonte sem fim do berço na esperança de acordar, mas antes de alcançar um pouco mais de um metro, ele tropeçou novamente, caindo de joelhos dessa vez, e antes de se levantar, uma mão ossuda puxou seus cabelos com tamanha força, que a dor o obrigou a ignorar os joelhos nus sendo queimados. Uma gargalhada seca e ácida pôde ser ouvida logo atrás dele, e ele percebeu que o puxão de cabelo tinha a intenção de obrigá-lo a se levantar, e assim o fez, sendo obrigado a ficar de pé. O chão já não parecia tão quente como antes, era como nadar em uma piscina gelada por um tempo. Acostumava-se com a temperatura com a maior facilidade. Mas o problema não era a temperatura, era o rosto da criatura que o puxou. A primeira coisa que notou é que era um humanoide, calvo e com uma maquiagem exagerada, e um nariz vermelho redondo. Era um palhaço barrigudo e totalmente tenebroso. Seus dentes eram afiados e sujos, e pareciam morder a orelha de Tristan quando resmungou em seus ouvidos:
– Volte para a cama... Volte... Para... A... Cama...
O palhaço o empurrou, e ele se deu conta novamente da quentura do chão, o fazendo se contorcer como um peixe fora d’água. Nos poucos segundos que ficou de costas, pôde ver: outro líquido vermelho quente cair sobre a careca do palhaço, deformando seu rosto, e aos poucos, o corpo. Tristan pôde ver fixamente os olhos do palhaço derreterem feito a gema de um ovo e cair sobre seu rosto, e sua boca se contorcendo para formar sílabas:
– ...olte para a cam... cama.... volt....
Então, o palhaço gargalhou uma risada ácida e desconfortável, e se tornou um monte de pele, sangue e carne.
Tristan desistiu. Desistiu de tentar correr. Desistiu de tentar assistir. E apenas esperou o seu sonho sumir de sua vista para que ele finalmente possa acordar, talvez. Olhou para seu braço, que derretia como o corpo do palhaço, olhou para o outro. O mesmo. Olhou de canto do olho para o caminho que tinha percorrido, e em passos pequenos e lentos, andava Ninfa, cabisbaixa, com a serpente amarela enrolada em seu pescoço ensanguentado. Andava feito um zumbi, e seus olhos não tinham nenhuma cor, apenas os olhos da cobra, que brilhavam em um tom irritante de vermelho. Havia várias bonecas deformadas penduradas em seu vestido cor-de-rosa rasgado e ensanguentado. Tristan queria falar, mas não podia sentir seus lábios. A pele de suas pálpebras derreteu e caiu sobre seus olhos, e logo, já não se podia ouvir e ver mais nada.


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