A Rainha Branca escrita por luanafrotah_


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Gente desculpem a demora pra colocar esse capítulo, mas é que eu tava com muita coisa na cabeça x.x"



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        Mara levantou, foi até o banheiro e se olhou no espelho. O nariz estava um pouco inchado ainda, mas estava inteiro, e o hematoma em sua barriga havia melhorado muito, ela até já podia se mexer livremente, sem se preocupar com as dores.

         Já fazia sete dias que não saía da casa, a primeira vitória da mãe sobre ela. Uma semana inteira no quarto, fazendo nada. Se pelo menos Michael tivesse ficado do lado dela... Mas não, ele tinha que concordar e apoiar incondicionalmente a idéia de que ela realmente devia tirar alguns dias de descanso. Dois contra um, ficou em casa.

         Mas isso não ia passar de hoje. Não era garota de ficar parada esperando alguma coisa acontecer. Fez questão de não se manter informada sobre nada, assim seria mais fácil não tentar dar uma escapadinha uma vez ou outra. Mas estava bem melhor agora, não faria mal dar uma saidinha. Trocou de roupa e foi tomar um café.

         -Você se arrumou? Não lembro de ter deixado você sair de casa ainda – uma mãe não muito alegre a esperava na cozinha.

         -Bom dia, mamãe, eu dormi muito bem, obrigada. – falou Mara ironicamente, se servindo de café e pegando uma torrada – a senhora me segurou aqui tempo demais. Não tô nem aí se você lembra ou não se eu posso sair, vou dar uma volta hoje. Tá com raiva de quê?

         -Nada não. – falou ela mudando de canal, não rápido o suficiente para a garota não perceber que estava assistindo ao noticiário.

         -Já sei por que não quer me falar – Mara sorriu – o nome disso é consciência. – declarou com a voz triunfante - Mas tudo bem, não se preocupe, hoje mesmo eu volto à ativa – E, sob protestos e gritos da mãe, saiu.

         Mesmo sem saber exatamente porque, Mara achou que seria bom passar em frente à escola, alguma coisa gritava em sua cabeça que deveria passar lá. Não era tão perto, normalmente ia de ônibus, mas como queria andar um pouco foi a pé mesmo.

         Ela realmente não saia o que estava indo fazer lá, já estava tão acostumada a não ir à escola... Essa foi uma das vantagens de ficar em casa: não saía à noite, mas também não ia ao colégio. Mas, às vezes, os amigos fazem falta, pessoas com quem se convive no dia-a-dia. Vai ver ficou com saudades e por isso estava passando lá. Bom, não se podia chamar exatamente de amigos, não tinha tempo para se aprofundar em suas amizades e ela sabe tanto sobre eles quanto eles sabem sobre ela.

         Mara entrou na escola, andou um pouco pelos corredores vazios e sentou em um banquinho para esperar que todos saíssem das salas. Não demorou muito e a campainha soou, agora era só esperar aparecer alguém, no caso, Patrícia, que foi a primeira pessoa que Mara encontrou.

         -Nossa! Você abandonou essa escola, hein? – Falou a garota animada – o que aconteceu pra faltar aula esse tempo todo?

         -Bom... – Mara apontou o nariz ainda inchado – é que eu, hmmm... Você não tá vendo?

         -Ah, o nariz? É, tá um pouquinho inchado. Bom deve ter ficado bem pior que isso pra você ficar uma semana em casa. Como foi que aconteceu?

         Ah, ótimo, ela tinha que perguntar isso! O que responderia agora? Que tudo isso foi obra de um demônio que quase a matou afogada? Mas com certeza Patrícia acreditaria. Tinha que arranjar logo uma resposta.

         -Foi um acidente... De moto – nunca pensou que a conversa que teve com seu Antônio, o porteiro do prédio, um dia seria tão útil.

         -Olha só? Quem é vivo sempre aparece, né? Não sabia que você dirigia motos.

         -Oi Mário, não sabia que você estava aí – falou Mara para o garoto de cabelos compridos que estava atrás dela – mas eu não estava guiando, não.

         -Caramba, não acredito que fizeram isso com você? Que cara irresponsável... Quem era que tava contigo, hein?

         -Era eu - Ricardo apareceu na frente de Mário - Algum problema?

         Patrícia fez uma cara irritada.

– Ih, lá vem briga de novo. Sabe, Mara, esse dois não se dão não, viu? Se você tivesse aqui você ia ter visto. Esse menino é um rebelde, viu? E o Mário, estourado do jeito que é... Aí você tá vendo o resultado.

         -Problema sim! Como é que tu faz uma coisa dessas, seu irresponsável? – Mário abria e fechava as mãos insistentemente, sinal de que uma briga estava próxima.

         -Não é pra você que devo explicações – Ricardo percebeu o que Mário quis dizer, estava bem perto dele agora, os punhos cerrados. Mara não ia deixar uma briga acontecer de graça ali.

         -Ok, ok... Ninguém vai brigar aqui – Falou Mara se colocando entre os dois. Olhou para Mário - Mário, deixa as coisas como elas estão agora, vai ser bem melhor assim. E quanto a você, - olhou para Ricardo com os olhos severos - a gente precisa ter uma conversa, agora! Bom, gente, até amanhã, eu preciso levar um papo com ele aqui.

         Mara foi puxando Ricardo até algum lugar mais calmo e com menos gente. Quando os dois pararam e Mara ia começar a falar, Ricardo falou antes.

         -Que idéia foi essa de dizer que a culpa foi minha?

         -Desculpa, é que eles me perguntaram como aconteceu e eu lembrei de uma conversa que eu tive com o porteiro do meu prédio. Ele achava, e ainda acha, que isso foi por causa da moto, porque ele viu a gente conversando naquele dia. Mas não vim falar sobre isso.

         -E sobre o quê, então?

         -Eu não vim nem pensando em te ver... Mas você, rebelde do jeito que é, tinha que arranjar uma briga, com o meu amigo, logo no dia em que eu decido voltar a freqüentar esse lugar! Se é que não faz isso todo dia, né? Escuta, quando é que você vai parar com essas coisas de rebelde sem causa?

         -E quando você vai parar de implicar comigo? A propósito, se é porque são os seus amigos, diga para aquele seu amigo pra ele ficar quieto, se não eu arrebento ele!

         -Ótimo! Então por que você não vai lá e diz isso pessoalmente? Mas, quer saber, esquece, você não tem jeito mesmo... Eu já vou, depois a gente se fala.

         -Pra onde você vai, pra casa?

         -Não, eu vou ao... Vou ver meu pai.

         -Oh... Entendo... Eu vou com você.

         -O quê?! Mas você não pode, esse ainda é o intervalo, ainda tem aula pra assistir e...

         -Deixa que eu me viro. Só me espera lá fora.

        

         ***

 

         Mara ficou cerca de meia hora esperando do lado de fora do prédio da escola até que Ricardo apareceu.

         -Como você saiu de lá?

         -Ah, isso? Bom é que eu... Comi alguma coisa que me fez mal, sabe? – ele respondeu rindo e colocando as mãos na barriga.

         Mara revirou os olhos e saiu andando, quase correndo, sem esperar por ele. Mas ele a alcançou rapidamente.

         -O quê que foi dessa vez? – perguntou com cara de inocente.

-Não acredito que você fez isso! Olha só os amigos que eu arranjo! – falou Mara dando um tapa na própria testa.

         -O quê? Você tava implorando pra eu ir com você, tive que fazer. – Ricardo deu de ombros e sorriu.

         -Eu nunca pedi pra você vir comigo! E isso também não é motivo pra você inventar uma doença pra sair da escola no meio da aula! Me espera aqui, eu volto já.

         Mara entrou em uma floricultura e Ricardo encostou-se na parede, contemplou o céu por alguns segundos. Normalmente, não acharia normal uma garota comprando flores para o pai, esse não é exatamente o tipo de presente que ele gostaria de receber se tivesse filhos. Mas ele já entendia perfeitamente o caso de Mara.

         A garota saiu de lá com um buquê de flores amarelas e acenou para Ricardo. Sem dizer mais nada um para o outro, foram andando. Ele sabia que ela não queria que ele fosse acompanhá-la, mas não teria outra chance de levar Mara para onde queria, e ela estava indo exatamente para lá. Prometeu para si mesmo que quando chegassem lá, antes de qualquer coisa, iria deixá-la sozinha por alguns minutos.

         Ele ficou alguns segundos olhando para ela. Mara andava sem olhar o caminho, como se já soubesse aquele percurso decorado, e brincava com as flores ou ajeitava-as para que ficassem mais bonitas. Então, decidiu ser solidário com ela, não sabia se ajudaria muito, mas não custava tentar.

         -Então... Há quanto tempo ele te deixou?

         -Como? – Mara olhou para ele assustada.

         -Seu pai. Ele foi embora, não foi? Há quanto tempo?

         -Não te interessa! – desviou bruscamente o olhar e acelerou o passo.

         Ricardo foi atrás dela. Não ia ser fácil, ele não está querendo falar sobre isso. Acelerou o passo também e parou na frente dela.

         -Olha, eu sei que não está querendo falar sobre isso, também sei que deve ser difícil, mas eu estou tentando te ajudar.

         -E o que você pensa que sabe sobre isso? – Mara empurrou o garoto e voltou a andar, dessa vez, quase correndo.

         -Eu não tive pai. Nunca vi o meu.

         Parou de repente. Aquela era a última coisa que esperava ouvir dele. Parece, enfim, que ele realmente tem motivos para ser um pouquinho rebelde.

         -Acho que ele... Nem lembra mais que eu existo. Minha mãe nunca fala sobre ele. Ela diz que ele morreu antes do meu nascimento, mas eu sei que é mentira, e a gente sempre briga muito por causa disso. Eu acho que ele a abandonou quando descobriu, sabe, a minha mãe tinha a sua idade quando ficou grávida. Ele deve ter pedido pra ela abortar ou coisa parecida. Deve ter sido isso, porque ela sempre chora depois das brigas. Bom, seu caso é um pouco diferente, eu sei, você viveu com ele, deve ser mais difícil aceitar a perda, mas eu acho que posso ajudar, são dois casos diferentes, mas no fim, nós dois acabamos sem pai, mesmo – ele disse com um sorriso amarelo, cruzando os braços.

         Mara continuou parada, de costas para ele, sem falar nada.

         -Tudo bem – continuou Ricardo – eu entendo se você não quiser falar sobre isso, mas eu acho que seria bem melhor pra você. Mas se for assim tudo bem, vai na frente  e fica um tempo com ele, depois eu te encontro.

         -Dois anos – falou Mara muito baixo.

         -O que foi que disse?

         -Ele morreu há dois anos. Foi por isso que eu me tornei isso.

         Ricardo foi até ela lentamente – Você se tornou o quê?

         -Essa... Coisa. Que não dorme, não vive, e não faz nada, só pra destruir todos os demônios que baixarem por aqui.

         -Do que você tá falando?

         -Eu estou falando que... Antigamente eu não era assim. Eu era só uma garota. Tinha amigos e uma família perfeita como quase todo mundo no universo. E morava em uma cidadezinha pequena, lá no interior. Eu admito que não era tão normal, eu já via fantasmas, mas eram só fantasmas! Eu simplesmente os ajudava a irem para o mundo deles em paz, só isso! Daí um dia, eu conheci ele... E era tão... Ah, não sei explicar... Era tudo tão lindo e eu me sentia tão bem... Acabei me envolvendo. Eu salvei a vida dele e descobri um monte de coisas, até que ele pediu a minha ajuda. Eu acabei aceitando, e daí... Aconteceram muitas coisas, nada boas, eu nem sabia lutar! Eu estava quase morrendo e daí meu pai... – mordeu o lábio inferior - Isso foi uma injustiça, ele nem podia vê-los! A partir daquele dia eu prometi pra mim mesma que nenhum demônio, de todos que pusessem os pés aqui, iriam ficar sem punição.

         -Seu pai foi morto por um demônio? É, - falou Ricardo um tanto admirado com tudo – agora eu sei por que você é tão obsessiva por isso.

         -Daí, sabe como é, ajoelhou, tem que rezar. Entrei nessa história de cabeça. Então eles me ensinaram a lutar, e me apresentaram pro Blank e ele me deu a espada. Agora eu fiquei assim.

         -Sua história é bem mais divertida que a minha. Bom, então vamos, seu pai não pode ficar esperando, mesmo tendo todo o tempo do mundo.

         Um cemitério é sempre um lugar calmo, sempre um lugar deserto, sempre um lugar cheio de plantinhas bonitinhas e passarinhos cantando e sempre um lugar cheio de almas perdidas vagando em busca de paz.

         Mara passou direto, como se não visse nada, mas Ricardo parou e ficou olhando abobado para todas aqueles vultos, todos aqueles rostos atormentados e desesperados. Se até no hospital havia almas, não seria nada incomum que também houvesse muitas delas no cemitério. Mas ele não estava costumado com essa situação, sempre negou seu dom, e por isso na maioria das vezes, os fantasmas nem chegavam perto dele.

Mas aquelas eram diferentes, e não demorou muito, para que percebessem que estavam sendo vistas. De repente, Ricardo não viu mais nada. Como um estouro de manada, ele recebeu a enxurrada de vozes, choros, suplícios, gritos, gemidos e de todas aqueles seres sobre ele. Não podia ver nada, não podia se mexer, mas ouvia. Era desesperador, tentava gritar, chamou por Mara, mas a voz não saía.

Tentou se mexer, as pernas vacilaram, caiu no chão. Cobriu os olhos, como se adiantasse de alguma coisa. As vozes vinham, e ficavam cada vez mais altas. Ele gritava, um grito mudo, e se encolhia cada vez mais. Não, não ia mais agüentar, ia levantar a bandeira branca e ficar a mercê delas.

         Até que uma luz desceu. Foi ficando cada vez mais intensa. As vozes estavam cessando, e as almas se afastando. Ricardo abriu os olhos e viu que formaram um círculo em volta dele, fugindo da luz e mantendo distância. A luz ficou muito fraca, mas elas não ousaram voltar para perto dele. Os anjos têm uma autoridade inimaginável sobre as almas terrenas. A autoridade de Natã não deixava de ser forte, tendo em vista que arcanjos são mais altivos que anjos da guarda.  

         O anjo olhava agressivamente em volta, enquanto as almas se afastavam mais e mais, a espada erguida era só por precaução, às vezes a almas mais revoltadas gostavam de desfiar os anjos, mas nenhuma alma lá mostrou sinais de resistência. Aos poucos, foram dando as costas e desistindo de Ricardo até que todos os espíritos sumiram de vista, e o silêncio voltou.

         Natã olhou para Ricardo, estendeu-lhe a mão. Ricardo hesitou um pouco, mas se era um anjo, e o havia ajudado, não haveria problemas. Levantou e limpou alguma sujeira que eventualmente poderia ter aparecido e ficou olhando para o anjo. Ele embainhou a espada, olhou para Ricardo novamente e levantou vôo.

         -Não acha que é falta de educação ir embora sem se apresentar, não?

         Ele parou no ar e se voltou para Mara. Ela estava encostada em uma lápide, braços cruzados. As flores estavam no chão.

         -Muito bem – falou ele descendo, agora mais calmo, mas ainda preocupado – tem razão... Não tem porque não fazer isso. – se virou para Ricardo – Eu sou Natã, e eu sou seu anjo da guarda. O resto você já sabe. Bom, agora eu realmente tenho que ir – concluiu, dando as costas para um Ricardo de olhos arregalados.

         -O que houve? – perguntou Mara percebendo a preocupação de Natã.

         -Ah, você percebeu? – perguntou ele sem olhar para ela - É que... Isso não é normal. Eles deveriam estar aqui, tinham que estar aqui.

         -Tá falando daqueles anjos, que eu vejo sempre que venho aqui? Eu percebi que eles não estão por aqui hoje. Mas deve ser só...

         -Não, isso não é normal! – Falou Natã num tom agressivo - Eles nunca saem daqui sem um bom motivo, não podem deixar as pessoas sensíveis desprotegidas. Se saíram, algo muito grave está para acontecer, ele também sabe disso, ou então não estaria tão próximo assim.

         Mara olhou para cima. Lá estava Michael. Ela realmente achou estranho o fato de ele ter aparecido assim, do nada, logo que ela entrou no cemitério. Então ele desceu, e Mara percebeu que ele também estava bastante preocupado, e olhava para todos os lados. Natã olhou para ele com ar de dúvida. Michael fez um sinal negativo.

         -Eu estive olhando tudo de cima. Nem sinal deles.

         -Mas são arcanjos! Eles não são fracos, não podem ter sumido assim!

         Ricardo deu alguns passos, e observou atentamente enquanto os três conversavam. Não estava entendendo nada de nada sobre aquilo tudo, mas tinha um palpite. Abriu a boca para falar.

         -Fica quieto aí, você não entende disso ainda! – Mara o interrompeu bruscamente antes de continuar a falar – Mas isso não pode estar acontecendo! A não ser que fossem muitos demônios ou...

         -Pessoal... Eu preciso... – segunda tentativa. Em vão.

         -...Simplesmente não pode! Demônios fracos como esses não são capazes...

         -Gente, eu preciso falar agora... – terceira. Sem comentários.

         -Não podem sumir sem vestígios! É impossível...

         -VOCÊS TRÊS QUEREM FAZER O FAFOR DE ME OUVIR?!

         Finalmente, silêncio. E, finalmente, Ricardo conseguiu com que todos dessem atenção a ele. Três criaturas olhavam surpresas com a atitude dele, mas ele não tinha outro jeito de falar o que queria.

         -Eu só tava tentando dizer, que deve ter alguma coisa a ver com o corpo que sumiu, o daquela menina que morreu brincando com o copo. Foi por isso que eu insisti tanto em vir com você aqui, Mara. A gente devia dar uma olhada, não acha?

         -Mas... – Mara, agora, estava realmente surpresa. Deduções como aquelas normalmente saíam dela. E como ele sabia dessa menina morta? E como ele soube que esse corpo sumiu?

         Como ele soube já não importava mais, agora todos se dirigiam à cena do crime para investigar. Mal chegaram na cena do crime, e já tinham problemas à vista, ou seja, polícia. Para a sorte deles, ela não estava presente, mas havia aquela sempre presente faixa amarela. Não que isso fosse realmente um impedimento, se fosse em uma casa ou algo do tipo, eles até violariam, mas ali só havia terra fofa, o que era igual a deixar pegadas, que era igual a provas de que o local do crime fora violado, e isso tudo era igual a se tornar um suspeito. Mas Michael e Natã ainda podiam entrar. E entraram.

         Mara e Ricardo não podiam entrar, mas podiam ver. A terra estava toda revirada e restos de flores se misturavam à grama verde que surgia vez ou outra por baixo de montes de areia. O caixão estava no chão, próximo ao buraco em que fora enterrado. A tampa foi arrancada e atirada para longe, dava para ver em outro canto, próximo a uma árvore, em outra área isolada. O interior do caixão ainda estava abarrotado de flores. Michael apontou mais restos de flores, mas estes eram diferentes, seguiam uma linha, mais ou menos como um caminho, e camuflavam algumas pegadas. Isso só podia tem um significado.

         -Ela foi andando. – adiantou-se Michael - Parece que chagamos a algum lugar. Temos uma ordem de fatos bem concreta. 1- Eles vieram aqui e desenterraram-na; 2- Ela foi possuída; 3- Ela levantou e saiu andando rápido, se livrando das flores que ainda estavam sobre ela. Estamos todos de acordo?

         Mara e Natã balançaram a cabeça positivamente. Parecia uma conclusão bem exata. Ricardo não se pronunciou.

         -Tudo parece muito certo, mas, um caixão foi desenterrado aqui. E por meios muito humanos. Será que temos outro alguém supersensível aqui? – perguntou Mara olhando de relance para Ricardo.

         -Supersensível não, nem sensível – falou Natã em resposta à pergunta de Mara. Ele estava examinando o buraco cavado – é uma pena que você não possa vir até aqui e ver isso. Tem sim outro par de pegadas aqui, mas está muito perto para alguém que não fez nada. Isso foi cavado por meios humanos e através de mãos humanas.

         -Malditos desgraçados! – Mara recuou alguns passos. Parece que iria ter que salvar a cidade de novo. Isso não era nada bom.

         -Mas o que... Por que ficou assim de repente, isso só quer dizer que eles possuíram um humano pra fazer o trabalho sujo deles, não foi isso? Qual o problema?

         -O problema, Ricardo, é que para esses monstros possuírem uma pessoa, ela tem que estar morta.

         -Nós estamos em um cemitério, isso não é problema.

         -Babaca! Claro que isso é um problema! Eles não vêm pegar corpos num cemitério porque não têm como cavar, e também porque os corpos daqui já estão fracos, em decomposição. Eles gostam de carne fresca, de sangue ainda quente, e de corpos saudáveis.

         Caiu a ficha de Ricardo. Eles gostam de possuir pessoas que eles mesmos matam. Por isso a situação era preocupante, e pela expressão dos demais, dava para ver que possessões não ocorrem com muita freqüência, ou seja, tudo se encaminhava para problemas maiores.

         Não havia mais nada a ser visto lá. Restou a opção de investigarem depois e em outros locais, quem sabe tentar falar com os amigos ou parente da garota. Mas por enquanto, ficaria tudo como está.

         Mara voltou para casa. Depois de todo o esforço que fez para conseguir falar algumas palavrinhas para o pai, mal teve tempo de dizer oi. Mas o dia lhe reservara muitas surpresas, não esperava que metades das coisas que aconteceram com ela realmente acontecessem. Primeiro aquela história sobre o pai do Ricardo, depois a cena do cemitério, e, por último, uma defunta a solta na cidade.

         Mas, o que aconteceu no cemitério era tudo culpa dela. Estava preocupada demais com o pai, e surpresa demais com a história que havia ouvido que esquecera totalmente de falar para Ricardo ter cuidado com as almas, devia ter falado para que agisse como se elas não existissem. Almas que ficam presas a terra contra a vontade podem ser violentas.

         E Ricardo? Ah, ele estava começando a se envolver, quer saber de tudo, e essa curiosidade não é boa, pode acabar sabendo demais. Ela não ia deixar que isso acontecesse com ele. Ela realmente estava feliz por ter encontrado alguém como ela, e que esteja perto dela, mas não sabe se a vida dela era uma vida boa para outras pessoas, eram as palavras do próprio ecoando na mente dela. Mas estaria tudo bem com ele, era só ela convencê-lo a manter distância, ele não sabia lutar e muito menos tinha uma arma, não poderia entrar nessa briga. E ela não ia pedir a Blank outra arma, não mesmo, principalmente se não fosse para ela mesma.

         Sua cabeça estava tão ocupada pensando nessas muitas coisas, que nem percebeu que já estava em casa. Sua mãe a recebeu com uma carta na mão.

         -Pra mim? De quem? – perguntou Mara curiosa.

         -Bom, é de um tal de Bruno... Bruno... – falou a mãe consultando o envelope – Ah... Não entendo essa letra direito! Veja você mesma. – entregou o envelope à Mara.

         Mara pegou o envelope, estava leve, como se não tivesse nada dentro. E a letra realmente estava muito ruim, era torta e tremida, como se quem a escreveu o tivesse feito com pressa. Mara leu o nome no envelope, leu e releu. Quem diabos seria Bruno?

         Bom... Abrir não custava nada, e não era sempre que recebia uma carta que foi escrita com... Pressa. Foi abrir a carta só em seu quarto, para fugir da curiosidade da mãe, que não parava de fazer perguntas e estava começando a achar que Mara tinha um admirador. Quando abriu o envelope, encontrou só meia folha de papel, com um texto de poucas linhas que, pelo jeito, havia sido escrito com mais pressa do que os nomes do remetente e do destinatário.

         Demorou um pouco para acabar de ler. Apesar de a carta ser bem pequena, a letra estava quase ilegível. Quando Mara acabou de ler, seu rosto estava muito vermelho e suas mãos tremiam de raiva. Por que será que as coisas nunca aconteciam do jeito que ela planejava? Mas isso não ia ficar assim. Estava na hora de ter uma conversa séria com Michael. Pôs o pedaço de papel de qualquer jeito no bolso, e saiu de casa, ouvindo a mãe gritar até o elevador se fechar.

         Ela foi quase correndo até a casa onde levara Ricardo há uma semana. Trancou-se lá dentro e começou a chamar por Michael.

         -Não precisava dar essa corrida toda só para falar comigo, podia ter sido na sua casa, eu iria do mesmo jeito.

         -Eu não sei se minha mãe ia querer que eu brigasse com meus “amiguinhos” com ela por perto.

         -Como assim brigar? O que houve?

         Mara pegou um pedaço de papel amassado e atirou em Michael. – Aconteceu isso!

         Michael pegou o papel, desamassou e começou a ler em voz alta.

         - “Mara, o que está acontecendo aí? A sua espada quebrou? Está precisando de mais alguma coisa? Olha, eu preciso saber o que está acontecendo. Eles vieram aqui, saíram nesse minuto, e me pediram outra arma. Sabe que eu não faço as coisas quando não sei pra quem são e por que precisam delas. Eles não vêm muito aqui, e isso tá me deixando preocupado. Se tiver quebrado sua espada me mande os pedaços e eu conserto pra você. Assinado: Blank.”.

         Quando Michael acabou de ler, Mara estava andando em volta dele a passos apressados exigindo explicações.

         -Eu preciso mesmo explicar ou você só quer uma confirmação?

         -Eu só queria saber por quê... Por que não me contaram nada? Por que ele não pode ficar de fora, por que envolvê-lo nisso?

         Michael olhava para ela calmamente, como se estivesse sem pressa de responder às perguntas dela. Há alguns dias ela estava chorando para que Ricardo fosse como ela, mas agora ela estava quase chorando para que ele fique o mais longe possível dos assuntos dela.

         E, para quem realmente quis que Ricardo comprasse essa briga, ela agia contraditoriamente ao que pensava, e tudo o que conseguia fazer no momento era gritar com Michael. Gritar-lhe que Ricardo era inexperiente, que não podia ganhar uma arma que não sabia usar, que pôr nessa guerra um garoto que nunca teve experiências anteriores, por pura falta de oportunidade, só traria prejuízos ao próprio, e que não estavam se importando nada com o fato de que ele pode morrer no primeiro dia.

         Estava tão descontrolada, e com tamanha raiva, que Michael teve que agir com ela como só agia nos casos mais extremos: com agressividade. Então ele a segurou pelos ombros e lançou-lhe um olhar de gelar a alma.

         -Não falamos nada pra você justamente porque sabíamos que reagiria assim! Mara, você sabe que essa decisão não cabe a você!

         -Também não cabe a você! Não podia ter feito isso! – falou Mara, recomposta tentando se desvencilhar das mãos de Michael, mas tudo o que conseguia era balançar a cabeça para todos os lados e ficar descabelada. Ela odiava o fato de que Michael poderia ser realmente grosseiro com ela quando queria, por isso adorava o fato de ele ser muito paciente, também.

         -Essa escolha não foi minha! Não pode agir pelos seus instintos, sabe que vai ter muito mais chances de descobrir o que está acontecendo e de vencer essa suposta ameaça se ele ficar conosco. Você sabe, que ele tem muito mais poder que você, que as chances de você sobreviver são maiores se ele ficar! Por que não entende? Tente lembrar daquela conversa que tivemos. Aquela não foi uma decisão sua, e tampouco foi minha, mas os fatos daquele dia automaticamente o colocaram em nosso meio, a partir dali começariam nossos esforços para convencê-lo. Com ou sem o que aconteceu hoje!

         Mara desistiu de tentar se soltar. Minhas chances de sobrevivência? Quer dizer que ele ia deixar Ricardo arriscar a vida por causa dela? Muito bem, Michael, está se mostrando um ótimo anjo da guarda, e está pensando tanto em mim que está esquecendo de pensar na vida dos outros! Natã vai gostar de saber que você é a favor da provável morte de Ricardo, para a minha óbvia sobrevivência!

         Lembre-se da conversa. A conversa... Aquela conversa que tivera com ele, em seu quarto, naquele dia em que Ricardo salvara a sua vida, que um demônio quase matara sua mãe. As palavras de Michael faziam tanto sentido naquele exato momento, mas depois de uma semana refletindo e por causa dessas mesmas palavras havia decidido desistir de Ricardo. Mas as palavras ecoavam em sua cabeça a toda hora, juntamente com as palavras de Ricardo, ditas naquele mesmo dia, enquanto brigavam. Se ele era forte assim como Michael dizia, as chances de demônios brigando por ele, ou seja, conflitos constantes por aqui, e trazendo problemas bem concretos para cá era de dez mil em mil. Fora o risco altíssimo de morte, dele, claro, e dela, quem sabe.

-Eu sei que ele é forte – falou Mara derrotada – também sei que se, naquele hospital, fosse eu que estivesse naquela janela, o demônio não teria se materializado. Mas é por isso que eu quero que ele fique fora. O poder dele ultrapassa barreiras, até agora nós não sabemos até que ponto isso pode chegar, se pode passar pelas paredes... As chances de desastres são tão altas quanto as de vitórias.

         Michael soltou Mara, que caiu de joelhos. 

         -Se ele não sabe do que é capaz, quem somos nós para dizer isso?

         Ele olhou para ela, e assim ficou por um longo tempo, só olhando. Não escutava mais o que ela falava, só sorria. Ela aprendeu bem, não estava pensando apenas nela mesma, não estava simplesmente querendo alguém que ficasse com ela. Estava pensando em Ricardo também. Por mais orgulhoso que estivesse no momento, não podia mudar o que estava feito, como já havia dito, não era uma decisão dele. Mas cabia à Mara explicar a situação e levá-lo até Blank, depois não seria mais com ela. Foi isso que disse, com todo cuidado, para ela, que relutou, mas aceitou.

 

***



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Notas finais do capítulo

Então é isso ^^

Desculpem meus possíveis erros de português, não importa quantas vezes a gente revise sempre deixa passar alguma coisa
XD



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