Run escrita por Nihaxy


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Leu a descrição, né? Angst. Drama. Tristeza. Coisas ruins. You've been warned.

~tudo culpa da perna.



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Dor. Em todos os lugares, forte, sequencial, de uma vez. Dor.

Na cabeça, nos pulsos, nas pernas e braços e, mais que isso, dentro. De que exatamente ela não sabe, muito menos consegue achar algum resquício de força para pensar.

As pálpebras são muito pesadas para serem erguidas. Talvez ela consiga suportar a dor por mais alguns segundos – minutos, horas, dias, anos. Tempo não é uma grandeza que ela pode medir. Tempo, assim como tudo ao seu redor, não é uma coisa que ela pode controlar.

Inspirações e expirações se fundem numa sinfonia pesada, involuntária, entrecortada por algum barulho – água pingando?

Ela não lembra. De nada. E por mais importante que possa parecer lembrar o que aconteceu, ela simplesmente. não. consegue.

Ela não quer se mover, mas alguma coisa, algum instinto, algum alerta desconhecido comanda seu corpo, e ela obedece. Ou tenta. Os membros parecem ter duplicado, triplicado de peso, e não respondem às ordens - como se não passassem de músculos atrofiados, ossos frágeis. Peso morto.

Mas não podia ser, podia?

A dor cancelava essa possibilidade. Ela não está morta.

Ainda.

O ar é pesado ao seu redor. Acuando. Pressionando. Machucando.

Ela não sabe se não pode ou se não quer abrir os olhos.

Ela tenta de novo.

Outra falha.

Enquanto isso, suas narinas percebem o cheiro de mofo e umidade, e a memória olfativa engatilha todas as outras. Sua mente, antes letárgica, agora parece trabalhar com o dobro da velocidade normal – talvez para compensar o tempo perdido. O turbilhão a atinge sem filtro, esmagador, opressivo.

Elas estavam saindo do Dirty Robber, se encaminhando ao carro de Jane, estacionado do outro lado da rua. Então...

Ela faz algum esforço para lembrar-se da sequência, pensamentos embaçados, enevoados.

Então...

Foi enquanto entravam no carro? Enquanto passaram pela frente de um dos becos? Depois que atravessaram a rua?

Ela não sabe. Desses segundos corridos e nebulosos, a única certeza que se impregnou em sua mente foi o cheiro de triclorometano. Clorofórmio. Rápido, barato, eficiente.

Os dias que se seguiram mesclam-se, indefinidos, um caleidoscópio macabro de tortura e sofrimento. Dor. De novo e de novo, repetidamente, sem fim.

–Maura?

É um sussurro. Baixo, tão baixo que ela não acredita que seja verdade. Ela não teria escutado se não estivesse inconscientemente prestando atenção acurada à sua volta.

Ela pode ter pensado em desistir, mas seu cérebro trabalha para viver.

A força necessária para fazer pálpebras se erguerem não devia ser tão grande. Mas é, e leva mais alguns segundos até que essa missão seja realizada com sucesso. Parcialmente, na verdade. O olho esquerdo pulsa e lateja, e ela não conseguiria abrí-lo se sua vida dependesse disso. O efeito da ação, porém, é quase nulo. Tudo à sua frente é escuro como breu.

–Maura?

Mais alguns segundos, demarcados pelo ping-ping-ping da água nas redondezas. Ela tenta se acostumar à escuridão, e, depois de um tempo angustiante, começa a distinguir sombras e silhuetas.

Mesmo sem ver, ela consegue sentir as orbes castanhas encarando-a. Seu foco vai por completo para essa pequena interação.

–Você pode se mexer? – as palavras escapam como sussurros. Perderiam-se no ar se não estivessem sendo avidamente esperadas.

E é só então que ela percebe a posição que se encontra. A dor nos ombros passa de insignificante para insuportável, e seu primeiro reflexo é puxá-los para a frente. Soltá-los. Mas eles continuam imóveis – a ligadura que une seus pulsos está tensa demais para permitir qualquer movimento. Os dedos das mãos estão entorpecidos, anestesiados. Mais peso morto.

A voz saiu rasgando, áspera, seca.

–Não.

Ela capta um som. Como... dois materiais ásperos sendo esfregados. Cerrando um pouco o olho, o movimento repetitivo dos ombros da outra a denuncia: Jane está tentando cortar o cabo que prende suas mãos. Segue-se um silêncio de segundos.

–Mexa os dedos. Ou as pernas. Devagar. – e ela volta a mexer os ombros. Dadas as circunstâncias, não é possível saber se algum progresso está sendo feito, mas a outra opção é ficar ali inerte e esperar a hora.

Não exatamente uma opção.

A cãibra é quase insuportável, mas, fora o roçar rítmico da ligadura e as respirações pesadas, nenhum som é escutado.

A dor é superestimada, e só pode ser sentida depois. Suas vidas dependem disso.

Depois de um tempo interminável, perpassado por pausas amedrontadas ao menor ruído do lado de fora, um avanço é alcançado. Alguns grunhidos e palavrões murmurados depois, um respirar aliviado. Mãos soltas, e movimentos um pouco mais livres ao seu lado. Por menor que seja a evolução, o quadro é significativamente melhor que o de antes.

Ela continua a lutar contra a cãibra, e uma ardência característica começa a se manifestar nos pulsos ainda amarrados. Seus braços estão para trás, e ela não pode mexê-los devido à coluna de madeira em que está encostada – que se posiciona entre suas costas e é rodeada por seus braços, unidos do outro lado, com a parte de cima dos pulsos unida na vertical.

Infinitos segundos depois, ela pode sentir o corpo se aproximando, devagar, quase se arrastando. Alguma coisa dura faz contato com seus pulsos sensíveis, e ela tem que morder os lábios rachados para não gritar de dor.

Todo o seu corpo dói, coberto por hematomas e manchas de dias e dias de pancadas, chutes, murros.

Um desmaio seria bem-vindo como forma de anestesia, mas ela permanece acordada durante todo o processo, que inclui soltar as amarras dos tornozelos. Adrenalina é bombeada incessantemente pelo seu corpo, o que diminui um pouco a dor. Mesmo assim, não é suficiente. A dose deveria ser aumentada exponencialmente para que a situação ficasse ao menos aturável.

Ela só percebe que também foi solta quando a pressão em suas pernas cessa um pouco. Passos furtivos podem ser escutados na pequena cabana – agora identificável, uma vez que seus olhos se acostumaram à falta de luminosidade. Apesar de feita de madeira no que parece uma vida atrás – o cheiro denso de mofo e bolor não poderia ser ignorado mesmo que ela quisesse -, não há como quebrar uma das tábuas sem fazer barulho. Não há janelas, e a fechadura da porta é a única coisa que aparenta ter menos de dez anos, e não cede.

Possibilidades são pensadas, mas a escolha continua a ser dual: esperar a porta ser aberta e tentar lutar contra quem quer que as tenha prendido, ou arriscar afastar e quebrar algumas tábuas, que com certeza irão ranger.

Os pares de olhos se acham novamente, apesar da escuridão. Nos segundos carregados em que elas se encaram, a decisão é tomada.

Do jeito em que estão, tentar lutar parece ridículo. Totalmente ineficiente.

Ambas se aproximam da parede que parece ser mais frágil. Duas investidas, e, como previsto, o silêncio é cortado por um rangido.

Tudo para.

Quando o silêncio volta e perdura por alguns segundos, ela sente a mão na base de suas costas – a já tão familiar sensação de segurança passada por um gesto tão simples – e, o mais calmamente possível, se encaminha para o buraco quebrado à força na madeira.

Do lado de fora, suas narinas inflam com o cheiro de ar puro, chuva e mato. Não existe realmente surpresa ao constatar que elas estavam enclausuradas no meio de um bosque.

O céu parece um veludo negro, e não há estrelas. A única luz fornecida pela lua é parca e amarelada.

Pavorosa e funesta.

Sua mão direita é tomada por outra, e dedos se entrelaçam num movimento automático e familiar.

Ela ousa pensar que conseguirão sair dali.

Não é preciso pedir silêncio. Os passos são comedidos, pelo menos até que possam ser escondidas pelas árvores. A chuva acaba sendo favorável, as folhas umedecidas no chão não fazendo tanto barulho quanto esperado.

Ela tem medo, porém, que escutem as batidas apressadas e descompassadas do seu coração. Parecem tambores graves, ecoando em seus ouvidos.

Ela pode ver as passadas irregulares ao seu lado, a perna esquerda da outra sendo puxada. As feições bem marcadas exibem claros traços de fadiga e dor, e o braço que não está ligado ao seu repousa na altura das costelas. Provavelmente uma está quebrada.

Apenas alguns metros.

É tudo o que falta para que possam ser protegidas pela densa vegetação.

Apenas alguns metros.

Três quartos da distância já haviam sido percorridos. Só mais um pouco, ela pensava.

Um puxão brusco e um “corra”.

Imediatamente obedecendo à ordem, ela forçava um pé na frente do outro, mais rápido e mais rápido. Suas vidas dependiam unicamente disso.

Apenas alguns metros, mas elas haviam sido vistas.

As árvores agora não eram mais proteção, e sim um labirinto interminável, com folhas e galhos que se estendiam em todas as direções, arranhando, como garras, atrasando.

Ofegantes, elas param. Jane geme de dor, e é possível sentir a umidade escura em sua camisa.

Não são precisos testes para saber que é sangue.

Respirações pesadas. O ar parece estar se extinguindo. Seus perseguidores podem ser escutados, um pouco atrás. Parar não é um luxo ao qual elas podem se dar.

A mão entrelaçada na sua escorrega, e a ausência é imediatamente sentida. Ela vira a cabeça, inquisitiva.

–Você vai por ali. Eu vou pelo outro lado.

–Mas...

–Não temos tempo para discutir, Maura. Você sabe que é menos provável nos pegarem desse jeito. Confie em mim.

Claro que ela confia. Com sua vida.

–Não pare de correr. Haja o que houver, não pare. Fique segura. Agora vai!

Ela tem certeza de que não é realmente muito rápida, mas utiliza o resto de suas já escassas energias e dispara na direção indicada.

Subconscientemente, percebe que a outra fica um pouco para trás. Seu primeiro instinto é virar-se, voltar para ajudá-la, mas a ordem foi clara. Não pare. E ela confia, como sempre fez.

Todo o seu corpo queima. Seu coração bate descompassado. Respirar nunca foi tão árduo.

E então ela para.

Um grito, visceral, culminante, que lhe atinge as entranhas.

Ela conhece bem demais aquela voz.

Ela tem que se apoiar na árvore mais próxima, ou, com certeza, não se sustentaria em pé.

Se ela fosse um mínimo religiosa, estaria rezando desde que saíram da cabana para que nada desse mais errado. Preces que nunca saíram de seus lábios agora voltam à memória, e ela não é orgulhosa o suficiente para impedir que o pedido saia de seus lábios. Que tudo acabe bem. Que ela fique segura.

Ela percebe a estratégia. Tarde demais.

Mandando-a correr na frente, atrasando de propósito. Fazendo-se de isca.

Sacrificando-se, para que ela tivesse uma chance de sobrevivência.

Dividida entre continuar e frente e voltar atrás, ela decide-se pela segunda opção.

Mas de novo, é tarde demais.

Um barulho surdo, e suas pernas cedem e seu corpo flácido desaba no chão.

Ela reconheceria um tiro em qualquer lugar.

Antes que seus olhos se fechem e ela sucumba de vez e se renda à dor, ela tenta se consolar.

Talvez o fim não seja assim tão ruim.

Longe de tudo e de todos. Separadas em seu próprio mundo particular.


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Notas finais do capítulo

Sorry (not sorry) .-.



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