Parenthood escrita por Aislinn Adler


Capítulo 1
Parenthood




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 A maioria das crianças vê na figura paterna uma espécie de herói: um homem forte e corajoso, que faria de tudo pra proteger e defender seus filhos. Eu nunca consegui enxergar meu pai dessa maneira. Não que eu o visse de uma maneira ruim, algum tipo de vilão... talvez ‘anti-herói’ fosse o termo mais certo pra definir o meu pai.

                Meu pai era (ainda é!) um homem bom, mas com a paciência curta e a mão pesada. De origem pobre, não “ganhou” a chance de estudar e me educar como eu ganhei. Meu pai teve que conquistá-las com o suor do rosto desde cedo. Aos sete anos, ele sempre conta, acordava antes do dia clarear e saia entregar o leite na cidade a caminho do colégio, faça chuva ou faça sol. Depois de estudar a lição, voltava pra casa à tarde e ajudava meus avós a cuidar da fazenda da família até anoitecer.

                Aos 18 anos teve a primeira chance de mudar sua vida: se inscreveu no serviço militar e ingressou na cavalaria. Desde criança fora ‘criado solto’, como se diz aqui no Sul, e todo o trabalho braçal da fazenda lhe rendeu um bom preparo físico, no fim das contas. Na mesma época começou a trabalhar como “auxiliar” para uma empresa da área da construção civil, sendo responsável pelo pagamento dos empregados. Com o salário dos dois empregos somados, iniciou uma faculdade que nunca concluiu, pois preferiu pagar o curso das irmãs mais novas e fazer uma casa de alvenaria para mãe.

                Por um motivo ou por outro, meu pai nunca foi como aqueles que são mostrados no Dia dos Pais – carinhosos, zelosos, amáveis –, o que me ter sempre uma predileção pela minha mãe. Ainda assim, uma das minhas lembranças de infância mais marcantes tem meu pai como protagonista.

                Estávamos de passagem na fazenda da minha avó, a caminho das férias no litoral. Era uma noite de Verão, mas a chuva torrencial trouxera consigo um frio de Inverno. Lembro me de que era madrugada quando aconteceu, mas ainda assim estávamos todos acordados na sala: eu, minha avó, meus pais e meu irmão, ainda bebê, que não parava de chorar com medo da tempestade lá fora, fazendo com que todos ficássemos acordados ao redor dele.

                Foi quando ouvimos aquele misto de sons horríveis, altos e aterrorizantes: O barulho de pneus rasgando-se no asfalto, os gritos agudos de uma mulher e o som de metal se chocando contra pedras. Talvez tenha sido pelo susto, mas não lembro de ver meu pai sair de casa. Quando olhei ao redor, ele e minha mãe haviam sumido e minha avó me segurava pela mão na soleira da porta, enquanto meu irmãozinho inquieto se retorcia no colo dela.

                Vi meus pais descerem correndo até o rio, e lá dentro havia uma caminhonete cinzenta capotada e com quase toda a cabine dentro d’água. Minha mãe não sabia nadar e ficou na margem, mas meu pai jogou-se na correnteza escura sem pensar duas vezes, a água tentando arrastá-lo corrente abaixo enquanto ele nadava para alcançar o carro. Foi tudo muito rápido, e logo ele havia conseguido abrir a porta do veículo e trazer para margem uma mulher desacordada e uma menina pequena e loira, não muito mais velha do que eu. Deitou as duas na grama e, enquanto minha mãe, médica, checava os sinais vitais e dava os primeiros socorros, vi meu pai voltar para dentro da água escura novamente.

                Passou-se mais tempo dessa vez para que víssemos ele sair de dentro da correnteza, caminhando com dificuldade, e logo soubemos por quê: tinha quebrado um braço ao ser jogado contra uma pedra pela força d’água, e carregava um homem adulto que tirara de dentro da caminhonete. Era o pai da menininha que minha mãe já havia trazido pra dentro de casa e agora se aquecia na frente do fogão a lenha.

 Ao voltar para buscar a mulher adulta, já acordada, mas que não conseguia se mexer, fosse pelo frio ou pelo que acabara de passar, minha mãe constatou que o homem que havia sido recém-tirado da água afogara-se, e meu pai inutilmente tentava reanimá-lo com as técnicas que aprendera no exército.

Eu a vi tocar o ombro dele e balançar a cabeça, como quem diz “não adianta mais”. Então subiram para pegar o carro e trouxeram a mulher desacordada e o corpo do homem afogado para casa da minha avó. Cerca de meia hora depois a ambulância chegou na fazenda e tratou da menininha e da mulher, sua mãe, enquanto meu pai ligava para a seguradora do carro delas e tentava resolver tudo para que não tivessem que incomodar com isso.

Eu não tinha mais de cinco, mas ainda assim lembro-me de cada detalhe daquela noite. A menininha loira perdera o pai dela no acidente de carro, e eu poderia ter perdido o meu pai naquele ato heroico que salvou a vida dela.

Mas foi esse ato que me fez ver claramente quem é meu pai. Ele pode não ser tão carinhoso e cuidadoso quanto a maioria dos pais, mas é sem dúvidas um ser humano acima da média. 


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