Amor De Alma escrita por Biih Cullen, Raquel Wright


Capítulo 2
Capítulo 2




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Primavera, 2010


Boston (Massachusetts)

Pov Bella


O homem sujo estava se debatendo no chão ensanguentado e seus olhos aos poucos perdiam o brilho da vida e tornavam-se vidrados. Muitos guerreavam entre si, mas somente aquele homem estava em foco. Seus cabelos negros estavam emaranhados com lama e uma poça de sangue se formava ao lado de seu tórax. Por vários minutos ele balançava freneticamente seu corpo, até que por fim ele balbuciou algo e se entregou relutante aos braços iníquos da morte.



Acordei ofegante, piscando freneticamente até me acostumar com a claridade que entrava pela janela, meus olhos vagavam pelo quarto a fim de descobrir onde me encontrava. Suspirei de alívio ao perceber que fora somente um terrível pesadelo e o único som que estava ouvindo neste momento eram os batimentos acelerados de meu coração e minha respiração ofegante. Senti o suor frio minar de minha testa, sentei-me em minha cama com brusquidão e logo a tontura veio à tona.


Durante uma semana esse homem vem me atormentando à noite em meus sonhos. Quando eu o vi naquele chão ensanguentado, minha vontade era de ajudá-lo a sair daquele local arrepiante, mas por mais que tentasse correr até ele, minhas pernas paralisavam e eu ficava parada em um lugar logo acima da cena, não podendo fazer nada além de assistir àquela agonia. Gostaria de saber a identidade daquele homem misterioso que foi baleado no campo de guerra e que agora despertou algo dentro de mim que até agora manteve-se oculto na mais profunda escuridão, uma sensação que nem eu sabia que poderia existir.

Levantei-me da cama, esfreguei meus olhos com a manga do meu pijama e decidi mentalmente que tentaria tirar aquelas imagens da minha mente pelo menos durante o dia e manteria longe a curiosidade de saber quais foram as últimas palavras daquele homem.

Olhei o pequeno relógio que se localizava ao lado de minha cama, logo acima da cabeceira e constatei que eram oito horas em ponto.

Ângela dormia profundamente do outro lado do cômodo e me perguntei se ela escutou algo, pois tenho a irritante mania de balbuciar palavras durante a noite.

Suspirei demoradamente coloquei meus óculos de grau com armação preta e, logo após ter ido ao banheiro, fui em direção à cozinha preparar uma rápida refeição matinal.

Fiz um omelete e aqueci o café que foi feito na noite anterior.

–Bom dia!- disse Ângela fazendo-me pular da cadeira, pois estava concentrada em ler o jornal e nem me dei conta de sua presença ali - desculpa se a assustei, não era minha intenção- acrescentou em voz baixa.

– Está tudo bem, não se preocupe- disse.

–Você acordou muito cedo, tem outra entrevista de emprego?- perguntou enquanto servia-se de café.

– Sim, mas estou tão desanimada de ir até lá, porque sei que receberei um grande não- disse cabisbaixa.

– Pensamento positivo, vai dar tudo certo, estarei torcendo por você- afirmou eufórica.

– Obrigada Ângela- disse afetuosamente.

– Ah, ia me esquecendo- fez uma pausa- Bella, estou ficando um pouco preocupada com você- revelou Ângela com o cenho franzido- você tem esses pesadelos frequentemente e grita muito durante a noite.

Ao ouvir aquelas palavras, meu estômago se revirou ligeiramente.

–Está tudo bem Ângela, não se preocupe- afirmei ríspida.

– Se você diz...

Terminamos nosso café da manhã e Ângela ficou encarregada de lavar os pratos.

Segui em direção ao quarto e automaticamente meus olhos se dirigiram para o pequeno porta-retrato que ficava acima da penteadeira. Meus pais tinham sorrisos gloriosos plantados em seus rostos ainda jovens e parecia que fitavam-me com afeto através da câmera. Nesta foto, eu tinha aproximadamente dois anos de idade e estava radiante usando um vestido branco com rendas cor de rosa, meus cabelos castanhos estavam presos por um prendedor e eu me encontrava segura nos braços de meu pai.

Meus olhos encheram-se de água rapidamente ao relembrar a tragédia que devastou minha vida do mesmo modo como um tornado surge sem previsão e dizima milhares de pessoas em um golpe fatal. Ocorreu tudo de repente e de início, pensei que fosse um pesadelo tenebroso do qual queria desesperadamente acordar, mas com o passar do tempo, minha ficha caiu e percebi que aquele fato realmente acontecera.

Meu pai era policial e em uma operação extremamente perigosa- que envolvia a prisão de dois homens que encontravam prazer em torturar e matar mulheres grávidas- morreu baleado por um dos assassinos, que não hesitou nem por um instante em apertar o gatilho.

A morte do meu pai ocorreu quando eu tinha quatorze anos e na época quando tudo aquilo tinha vindo à tona, eu estava perturbada e queria loucamente vingar a morte dele, mas com o passar dos dias, descobri que não era a atitude certa, pois mais cedo ou mais tarde o destino se encarregaria de dar o troco. Soube através de jornais que, após uma semana presos na penitenciária de proteção máxima em Boston, Andrew e Scott- os assassinos- foram mortos à facadas no refeitório do recinto durante uma balbúrdia que envolvia drogas.

O nome do meu pai era Charlie e devo dizer que era o homem que eu mais admirava em todo o mundo, pois apesar do difícil trabalho em manter a ordem local, ele era um excelente pai, que me dava apoio em todos os momentos. Charlie era muito na dele, não era tão eufórico quanto minha mãe e raramente demonstrava seus sentimentos, mas eu o amava imensamente e sei que, apesar de não ter mais um coração pulsante, ele estará sempre do meu lado.

A partir daí, tive uma vida muito difícil sem a presença de meu estimado pai, pois minha mãe vivia sempre sobrecarregada com o trabalho na floricultura -negócio da qual era sócia junto com Emily -então eu sempre ficava em segundo plano em sua vida. Eu sempre quis ajudá-la com as despesas da casa, trabalhando como ajudante, mas ela sempre convicta, recusava, alegando que eu tinha que me dedicar aos estudos e ter uma vida diferente da dela, já que largou a escola e se casou com tão pouca idade.

No ano passado, minha mãe se casou novamente com um homem chamado Phil, dono de uma empresa automobilística. Fiquei extremamente surpresa quando ela me deu essa notícia e um tanto triste, porque não queria outro homem no lugar do meu pai, mas depois fui aceitando a ideia com entusiasmo porque finalmente depois de quatro anos eu ouvi risos de verdadeira alegria vindos dela e o que eu mais queria era a felicidade de minha mãe.

Depois do casamento, Renée e eu passamos a morar na mansão de Phil, localizada no condomínio mais exuberante e luxuoso de Boston; o lugar era realmente incrível, parecia ter saído de um daqueles contos de fadas onde a paisagem é extremamente bela e encantada. O quarto reservado para mim era do tamanho do nosso antigo apartamento, senão maior e o que mais me surpreendeu foi a estante com os mais variados livros dispostos em ordem alfabética e os aparelhos de última geração.

O jardim parecia parte de um sonho, tinha muitas flores coloridas que emanavam perfumes variados, gramado bem amparado, árvores belas dispostas ao redor de um canteiro orgânico e uma estufa de plantas e flores do outro lado do terreno com lindas espécies verdejantes.

Eu estava deslumbrada com o lugar, mas não me sentia confortável estando no mesmo ambiente que o novo marido de minha mãe, que apesar de ter se mostrado altruísta e gentil, sua forma de conversar comigo e algumas expressões sutis mostravam que ele não me queria por perto.

Durante um mês morando naquela mansão, tudo estava indo bem, até que Jéssica- filha de Phil, do seu segundo casamento - chegou de Londres onde estava morando com sua mãe e veio passar um tempo em Boston e, desde o primeiro instante em que entrou na casa, eu não aprovei muitas de suas atitudes, como por exemplo, tratou a empregada como sua escrava e a xingava como se ela fosse a culpada por suas roupas que estavam na mala estivessem amarrotadas.

Ela exigiu que eu me mudasse de quarto, pois não aceitou a ideia de ficar em um quarto menor que o meu já que ela era dona da casa, então levei meus objetos pessoais para um quarto de hóspedes e no caminho até lá, Jéssica debochou de minhas roupas afirmando que estavam fora de moda.

Depois de duas semanas na casa de Phil, Jéssica sempre conseguia encontrar um modo de me humilhar na frente de seus amigos que iam lá uma vez ou outra e eu sempre ignorei seus comentários maldosos saindo do lugar onde eles se encontravam.

Apesar de poder ter tudo o que o dinheiro podia comprar, Jéssica era infeliz, eu podia ver isso em seus olhos quando ela pensava que ninguém a estava olhando ou quando a ouvia chorando baixinho na calada da noite quando eu não conseguia dormir.

Eu fiquei com pena dela e tentei de verdade me aproximar com a finalidade de poder ajudá-la apesar de não gostar dela, mas infelizmente ela não me deu essa chance e se tornou ainda mais agressiva que antes.

Nesse ínterim, eu comecei a trabalhar como secretária em uma clínica médica conceituada no centro da cidade, porque decidi juntar algum dinheiro para me sustentar quando estivesse na universidade, pois não queria dinheiro algum vindo de Phil. Lá eu tinha uma colega de trabalho chamada Ângela e com o passar do tempo nos tornamos grandes amigas, pois tínhamos os mesmos gostos e assim como eu, ela sonhava em cursar uma universidade e ser independente, já que tinha um pai que a espancava e uma mãe alcoólatra.

Eu percebi que, as pessoas que sofrem muito, Ângela por exemplo, valorizam mais às pessoas e à própria vida do que as pessoas que tem uma vida relativamente boa, como Jéssica, que tem muitos amigos e pais amorosos.

Uma vez Ângela citou uma frase que ela mesma criou e que jamais saiu da minha mente: “Somos constituídos por matéria, então corra atrás de seus sonhos e viva intensamente, pois ao contrário dos gatos, temos apenas uma vida”.

Depois de alguns meses decidi sair de vez daquele lugar -embora não saiba como iria conseguir me sustentar por muito tempo- minha mãe chorou um rio de lágrimas quando lhe notifiquei, mas não me deixei abalar por sua reação. Eu sabia que Renée ficava em casa ao invés de viajar com Phil por causa de Jéssica, que não parava de me atormentar e criar confusão. Isso deixava minha mãe triste, pois eu sabia que ela adorava viajar com Phil.

Então, em dezembro do ano passado, Ângela e eu estávamos conversando em uma lanchonete sobre minha decisão de ir embora de casa e inesperadamente ela me pediu para ir junto, alegando que poderíamos alugar um apartamento modesto com o dinheiro que cada uma juntou e depois disso poderíamos nos inscrever na Universidade Harvard e quando o dinheiro já estiver acabado, procuraríamos empregos para dividirmos as despesas e pagarmos o material exigido pela universidade.

Encontramos um apartamento humilde, sem muitos móveis, do outro lado da cidade por um preço que cabia no nosso bolso e colocamos em prática nosso plano. No início desse ano, conseguimos bolsas na Universidade Harvard, pois no ano anterior demos uma pausa para podermos estudar com afinco e atualmente Ângela cursa direito e eu fisioterapia.

Não me arrependo de nenhuma escolha que fiz até aqui, pois todas elas me levaram para onde sempre desejei estar, trilhando meus próprios caminhos, sem nenhuma interferência.

Obriguei-me a sair de meus devaneios para enfrentar o mundo real, onde quase tudo é ultrajante. Desviei meu olhar do porta-retrato com relutância e tentei pensar com mais clareza.

Fui tomar um bom banho e ao sair de lá, coloquei uma roupa formal, constituída de uma saia preta, saltos altos igualmente pretos e uma camisa branca de seda. Arrumei meu cabelo em um coque, onde alguns fios escaparam, dando um ar sofisticado. Despedi de minha amiga pedindo que me desejasse sorte, peguei a chave do carro que Ângela tinha me emprestado, saí do apartamento quase correndo, logo depois entrei no carro e coloquei a chave na ignição. Dirigi até o local onde seria feita a entrevista de emprego torcendo para que eles me admitissem.


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Notas finais do capítulo

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