Fazia uma mês que minha mãe morreu. Nesse mesmo dia eu estava ajudando minha tia a cortar os galhos de uma árvore que estava apodrecendo. Era divertido, fazíamos piadas e imaginávamos que o que estava caindo ao nosso redor seria neve e não folhas. Minha mãe estava dando o seu último suspiro, eu estava dando mais um giro no meio da rua. Enquanto ela estava em constante agonia, eu estava em constante alegria. Talvez por esse fato, nunca irei me perdoar por não ter feito nada.

         Ninguém sabia exatamente o que ela tinha. A única coisa que sabíamos era que ela sentia dores absurdas por todo o corpo. Nossa esperança eram que os médicos ajudassem, mas nem eles sabiam o que estava acontecendo com minha mãe. Então optaram por interná-la no hospital sob cuidado extremo.

         Após terminar de cortar os galhos, veio a ligação do hospital, avisando que minha mãe tinha tido um ataque de pânico e logo em seguida falecido. Meu chão parecia ter sumido... sabe quando você se sente perdido? Como se fosse uma criança que não tem para onde correr quando está em perigo ou quando não tem ninguém para protegê-la? No mesmo instante relembrei memórias de carinhos dados, segredos compartilhados, brigas trocadas, conselhos não sendo seguidos... e então eu entendi o que aconteceu muito rápido. Minha mãe tinha morrido e eu nunca mais iria rir com ela, brigar e nem mesmo cair em seus braços como num último abraço. Me desesperei e começei a chorar, minha tia me disse algo que eu não escutei e corri para o quarto.

         Não queria falar com ninguém e nem que ninguém me escutasse. Eu não precisava desabafar e nem de ajuda como o pessoal da família dizia. Apenas queria ficar no meu canto, onde ninguém iria quebrar o silêncio que eu tanto precisava. Ninguém nunca pensa em morrer ou na morte de alguém próximo, porque isso parece coisa de filmes. Ninguém nunca para pra pensar em como será a sua vida depois que seus pais se forem, porque eles sempre nos parecem inatingíveis, como se nada desse tipo pudesse acontecer com eles. Mas acontece. Somos seres humanos e fracos por natureza, contra a morte nada podemos fazer, até mesmo nossos pais que parecem tão heróicos ao ver dos filhos. E você se sente frustrada, revoltada, culpada e inútil. Você se sente quebrada por dentro e um verdadeiro lixo porque nada que você for gritar irá mudar algo.

         Então o melhor a ser feito é se esconder embaixo do lençol, chorar e tentar aceitar a sua nova vida. E realmente eu estava fazendo isso... quando o telefone que fica em meu quarto toca. Achei que deveria dar noticias ao mundo de que eu estava melhor e que estava aceitando a situação, atendi o telefone:

         - Alô?

         Podia se ouvir muita estática do outro lado, mas consegui distinguir uma voz rouca e grossa:

         - Você sente falta de sua mãe?

         A primeira coisa que pensei foi: Como alguém tem a frieza de ligar e perguntar algo desse tipo para uma pessoa que perdeu a mãe recentemente? Mas resolvi responder, afinal eu sentia mesmo e nem esse idiota tentando me botar pra baixo vai mudar isso.

         - Sinto muito a falta dela. Quem é você?

         E em seguida escuto:

         - Ligue para o celular dela.

         Depois disso mais estática e o telefone foi desligado. Ok, isso foi completamente sem lógica nenhuma. Por que alguém se daria ao trabalho de ligar pra perguntar algo óbvio e depois me dizer algo que não faz sentido? Resolvi voltar ao meu ritual de deitar e tentar aceitar. Mas depois de alguns minutos voltei a pensar nesse estranho, e estava muito intrigada com o que ele disse. Por que não ligar? Não ia dar nenhum resultado mesmo. Peguei o telefone e liguei. Quando chegou ao terceiro toque alguém atendeu.