Os 7 Irmãos - Livro I - Cidade Da Redenção escrita por Débora C Leão, JulioPanco


Capítulo 6
V




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V

Essa história de acordar sem saber o que aconteceu já estava me irritando.

Novamente, acordo em um lugar totalmente desconhecido. Dessa vez, acordei nua. Estou deitada em uma cama simples e dura, mas suficientemente confortável, em um lugar pequeno que poderia ser uma cabana. Um pequeno armário ficava do lado direito da porta, e quando o abro, encontro roupas ali. Unissex, são apenas túnicas – isso mesmo, túnicas, em pleno ano de 1998, no país mais poderoso do mundo - cor-de-pele, que alcança o meu joelho quando visto uma.

            Eu não estou machucada, posso ver. Não externamente, pelo menos, e não sinto nada que me indique que tenho ferimentos internos. A única coisa que se sobressai é meu cansaço. Muito cansaço. Meus músculos estão endurecidos, como se tivesse feito muito exercício, o qual logicamente não me recordo de ter feito. Faço uma fraca tentativa de me alongar, mas desisto. No momento, o mais interessante é sair desse lugar, se eu puder, e descobrir onde estou.

            Quando eu chego à porta simples de madeira e a abro, é uma paisagem estranha. São algumas cabanas – pois não têm tamanho suficiente para serem chamadas de casas - de madeira, espalhadas de maneira desordenada nas cercanias da cabana da qual eu saía, que era ligeiramente menor que a maioria. Não era asfalto no chão, mas grama, autêntica e não sintética, eu podia saber até mesmo pelo cheiro. Era ainda de tarde, então eu conseguia ver bem. Aparentemente atrás da minha cabana, vejo quando dou alguns passos a sua frente, há um pequeno bosque, com árvores espaçadas e comuns. Parecem baixas comparadas a outras árvores, mas podem ter quase o dobro da minha altura – e eu tinha quase 1, 70m. Consigo ver alguns animais, o que quase me faz bufar – animais selvagens de verdade, soltos num bosque nos Estados Unidos? Parecia irônico. E havia lobos caçando-os.

            E é só então que reparo que há algumas pessoas transitando no local. Crianças brincam no final da “fileira” de cabanas que consigo enxergar, à minha direita. São apenas quatro ou cinco, correndo uns atrás dos outros. Uma anciã passa, carregando baldes nas mãos, onde consigo ver que há mais daquelas túnicas que visto, que ela aliás não veste, e nem as crianças. Mas não dá tempo para observar mais. Um grito vem de um cara à esquerda:

            -Orvalho, ela acordou! – E ele começa a se aproximar, apenas um pouco – Olá, Theodora. Por favor, fique em sua cabana, nosso líder vai falar com você.

            Eu encaro o sujeito, e ele parece não gostar de mim. Uma cicatriz na testa, cabelo arrepiado, por volta dos 25 anos. Moreno, olhos escuros, lábios carnudos e uma expressão de desgosto e desprezo. Ele fica ainda mais carrancudo quando me vê encarando-o.

            -Tudo bem – eu soo mais lacônica do que imaginei. E eu adentro novamente a cabana, mas já começando a ficar apreensiva e irritada.

            Se eu tivesse um relógio, poderia ter marcado dez minutos. É a média de tempo que calculo desde o momento em que entrei novamente na cabana até o momento em que alguém se junta a mim. É um homem, maduro, talvez na casa de seus quarenta anos. Seus cabelos ainda são escuros, apenas com um toque de áreas grisalhas, e têm um estilo Joãozinho, mas para trás. Ele tem uma cicatriz de corte debaixo do olho direito e uma marca de queimadura na testa. Sua pele é morena, recobrindo toda sua constituição muito avantajada, principalmente para alguém de sua idade. Ele era mais alto do que eu. Tinha costas largas e músculos definidos, mas um rosto que poderia ser considerado amigável, mesmo embora lógico e sério. Ele, sim, usa uma túnica idêntica à minha, e um colar com um dente no pescoço. Seus olhos, estranhamente verdes, num tom muito intenso, me fixam nesse momento.

            -Theodora Martell. Posso entrar? – Sua voz é muito grave e imponente. Eu poderia apostar que esse homem era o líder daqui. Quando eu assinto com a cabeça, ele dá alguns passos para dentro da cabana e fecha a porta, parecendo receoso com algo.

            -Eu acho que você tem perguntas a me fazer.

            -Apenas as coisas de sempre nessa situação.

            Quando eu digo isso, ele sorri, um sorriso de dentes muito brancos e alinhados.

            -Você está em Dakota do Sul, Theodora. No nosso caern. Meu nome é Orvalho Gelado, e eu sou o líder daqui neste momento. Seu Rito de Passagem teve... Complicações, e é por isso que você está aqui nesse estado.

            -O que são “complicações”?

            Ele parece desconfortável, posso ver. Não como se fosse algo que tocasse a ele, mas sim como se ele não gostasse de ser o arauto de notícias ruins. Que é certamente o que ele me traz.

            -Você entrou em frenesi. – Pausa dramática. Talvez para analisar minha reação.

            -Mas isso não me explica as “complicações”.

            -Ãhn... Antes de tudo, Theodora, você tem que entender que o frenesi é parte da vida Garou. É contra ele que lutamos, pois no momento errado, pode causar grandes problemas... Mas é um reflexo de nossa Fúria, que faz parte de nós, e por isso, não deve ser ignorado. – Ele me encara- Durante o seu frenesi, duas mortes ocorreram. Lobo em Pé, um Theurge dos Uktena, morreu devido aos ferimentos causados por balas... E o soldado Mendez foi morto por você, Theodora, em sua fúria.

            Acho que ele não esperava o silêncio como retorno.

            Pois é exatamente o que eu faço, e continuo em silêncio, até ele ver que eu não vou reagir. Não vou responder nada. E eu não ligo se ele achar isso muito sangue-frio, ou pensar que eu não me importo por ter um coração de pedra, porque isso sempre foi minha fraqueza. Meu ponto fraco não era matar, descobri com tudo isso – mesmo isso sendo incomum; não era falhar cumprindo alguma tarefa. Meu ponto fraco era causar algum erro com danos coletivos. Meus erros são os meus erros, eles não têm que afetar ninguém. Nenhuma família.

            -Bem... Só queria vir lhe informar isso, e que não se preocupe, os integrantes da matilha que você conheceu já foram transferidos de caern. Mas você, se quiser, pode permanecer aqui. As refeições são feitas no início da tarde e da noite, embora você possa conseguir frutas de manhã. Qualquer coisa, pode me procurar na minha cabana.

            Conforme o meu tratamento de silêncio avança, ele vai se sentindo desconfortável. Ele diz algo, que eu não presto realmente atenção e se levanta da cama dura em que estávamos sentados, indo em direção à porta. Ali ele para e se vira para mim, como se tivesse esquecido algo, conquistando novamente minha atenção.

            -Ah, Theodora... Nós já lhe demos um novo nome, um nome Garou, pelo menos temporário. Por enquanto, e partir de agora, você é conhecida entre nosso povo como “A Grande Fúria”. – Ele sorri, de um modo irônico mas triste, à menção do nome. Depois, assente com a cabeça e se retira, fechando novamente a porta.


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Notas finais do capítulo

Foi um pouco mais curtinho, não ? Relaxem, o próximo virá com a força total de sempre. Rs.



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