Evocação escrita por Wesley Belmonte, Jaíne Belmonte


Capítulo 11
Tormento




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Nadya e Bruno chegaram ao prédio.

– Muito obrigada, você é um verdadeiro cavalheiro. – Agradeceu Nadya, com um sorriso que mal cabia em sua boca.

– Não fiz mais do que um cavalheiro faria. – Disse Bruno, abrindo a porta do passageiro. – Se não for pedir muito, será que você não poderia me passar o seu número, para quem sabe, sairmos algum dia desses?

– Claro que sim. – Nadya nunca imaginou que um dia veria ele novamente depois da pista de corridas. Desde que colocara os olhos a primeira vez nele, sentiu algo diferente de tudo. Não sabia explicar o que poderia ter sido.

Os dois se despediram com um beijo no rosto e Nadya entrou no prédio.

Ao entrar no elevador, se virou se frente para o espelho e encarou seu reflexo para checar se não tinha passado a noite com alguma coisa fora do lugar, mas estava tudo em ordem. Fitou o colar que Rebecca lhe dará recaindo entre os seios e o achou muito bonito. O cordão era feito de uma corda marrom trançada que por algum motivo, a fazia se lembrar do povo indígena e o pingente era losango com uma tonalidade marrom, com uma pedra azul safira na ponta inferior e na superior e no meio do losango entalhado, o desenho de um floco de neve. Realmente um lindo colar, de aparência antiga. Victor devia mesmo ser um idiota por fazer pouco de um presente como aqueles, mas Rebecca tinha razão em uma coisa: Nadya cuidaria muito bem dele.

O elevador parou no 8º andar, o de Nadya era o 13º. A porta se abriu, mas não tinha ninguém ali, nem um sinal de vida. A porta voltou a se fechar. No 11º andar o elevador voltou a parar e novamente, o andar estava vazio. Deve ter algum problema. Pensou Nadya, começando a ficar apreensiva, afinal, é o pesadelo da grande maioria das pessoas ficar presa dentro de um elevador enguiçado, mas isso não aconteceu, o elevador chegou ao andar de Nadya e ela desceu, se dirigindo ao seu apartamento.

Abriu a porta com cuidado, por medo de acordar as colegas, mas lembrou-se que elas não deveriam estar ali e ficou mais relaxada, adentrou o apartamento e foi para o seu quarto, deixou a bolsa de Rebecca em cima da mesinha ao lado do abajur e se dirigiu para o banheiro para tomar uma boa chuveirada.

Ligou o chuveiro e esperou até que a temperatura da água se estabilizasse, entrou debaixo do fluxo de água e a sensação da água morna contra o corpo a fez relaxar, fechou o registro do chuveiro para passar shampoo nos cabelos, Nadya era extremamente ecológica e uma de suas grandes preocupações era o cuidado com a preservação da água, sabia que ela não duraria para sempre, ainda mais com o desperdício das pessoas. Ah, se todos pensassem como eu. Desejava ela, enquanto terminava de ensaboar todo o corpo, voltou a ligar o chuveiro e enquanto estava com os olhos fechados, retirando o shampoo, sentiu uma apreensão tomar conta dela, um medo de que quando ela abrisse os olhos, se deparasse com alguém ali encarando ela, ainda com sabão escorrendo pelo rosto, abriu os olhos, como era de se esperar, o banheiro estava vazio, mas imediatamente os olhos dela começaram a arder, devido ao contato com o produto que estava em seus cabelos, passou a toalha nos olhos para aliviar o ardor e terminou seu banho. Sentia-se renovada ao colocar seu pijama. Optou por não dormir com o colar, devido ao pingente ser pontiagudo, teve medo de que ele a machucasse enquanto dormia, então o deixou em cima da mesa ao lado da bolsa de Rebecca.

Secou os cabelos com um secador velho e surrado que funcionava aos trancos e barrancos e se deitou para enfim poder dormir.

Seu sono foi repleto de pesadelos.

Nadya acordou, se olhou no visor do celular e viu que estava com olheiras, definitivamente aquela não foi sua melhor noite de sono. Lembrava-se de ter tido pesadelos ao longo da noite, mas não se lembrava com exatidão deles, a única coisa que sua mente conseguia lembrar era de vislumbres desfocados de índios com os corpos pintados, colares, como o que Rebecca lhe dera com bocas e pernas que se escondiam nas árvores e atacavam os índios. Tudo muito confuso. Decidiu não se torturar tentando se lembrar de algo que sequer era bom e foi para a cozinha tomar seu café da manhã.

Para seu café da manhã tinha: pão de forma, queijo Mozzarella e presunto; e para acompanhar um achocolatado com leite desnatado. Tudo isso era da compra que as “colegas de apartamento” tinham feito. Nadya ainda não tinha comprado nada naquela semana, os pais ainda não tinham lhe mandado dinheiro e ela esperava ansiosamente pela ligação do pai de Rebecca para começar sua desejada jornada de trabalho.

Instantaneamente, ao se lembrar da amiga, foi até o quarto, pegou seu celular e discou o número dela. Enquanto ouvia o celular chamar, olhou de soslaio a bolsa que a amiga tinha esquecido na festa e a abriu. Dentro havia um espelho de mão, uma paleta de maquiagem e um caderninho preto com uma rosa pintada na capa. A ligação caiu na caixa postal. Ela deveria estar dormindo, deduziu Nadya, mais tarde tentaria ligar de novo. Continuou fitando aquela rosa tão bem elaborada pintada no caderno e sentiu uma curiosidade tomar conta dela. Abriu na primeira página:

Segunda-feira

Olá, essa é a minha primeira página. Então, se alguém ler, saiba que estou escrevendo isso por causa da faculdade. E ah, decididamente não vou escrever essas bobagens de “meu querido diário”, pois não tenho 15 anos mais.

O motivo por eu estar escrevendo aqui é o seguinte: uma de minhas professoras disse que para sermos bons psicólogos para outras pessoas, temos que ser bons psicólogos para nós mesmos. Portanto, só escrevo para analisar minhas atitudes e me aconselhar.

Hoje foi um dia normal, não teve nada de especial, foi meu primeiro dia na faculdade, ainda não consigo acreditar que não fui para a USP, agora vou ter que estudar em uma faculdade que não dará o diploma que tanto mereço. Mas, como conversei com o meu pai, minha pós-graduação será na melhor universidade que o dinheiro pode pagar. Nos Estados Unidos, claro! Não que eu ligue para isso, mas como meu pai tem posses, posso usar sem preocupações.

Já que estou falando dos meus sentimentos, vou falar também de algo que não conto para ninguém.

Hoje eu o vi com mais uma daquelas garotas superficiais.

Ao longo de todos esses anos, venho dando conselhos a ele, para que ele escolha uma garota para ficar ao lado dele. Sempre digo que quando ele for velho, não terá ninguém para dormir ao seu lado e também cuidar dele. Ele riu, como sempre, aquele sorriso maravilhoso, aqueles belos lábios, que mal posso esperar para beijar. Mal sabe ele que eu desejo ser essa garota. Nos meus sonhos, ele é somente meu e eu sou inteiramente dele.

Já tentei namorar, já tentei me entregar a outra pessoa, mas minha consciência me impede. Namorei um nerd há dois anos, mas o relacionamento não vingou. Como poderia vingar se eu não gostava dele? Desde então, não consegui sequer ficar com outra pessoa. Sonho todas as noites com o dia que ele será meu. Vou me guardar para ele. Não importa o tempo que for. Oh não, estou escrevendo como uma garota de 15 anos. SOCORRO.

Mas o que eu posso fazer? Eu sei que tenho de esquecê-lo, ele sempre me viu como amiga. Lembro-me de um conselho que dei para Julia, uma loirinha, ex-namorada dele. Eu era amiga de todas as namoradas dele. Afinal, tinha que ter alguém para controlar a situação e não deixá-lo ficar preso com nenhuma delas.

Disse a ela que podia contar para mim o que havia acontecido porque eu era sua amiga. Dizia que, para a dor passar, ela tinha que confiar em alguém, pois assim dividiria o peso e ficaria mais fácil se livrar daquele sentimento.

Mesmo sabendo que era eu quem havia causado a separação deles, ao enviar uma mensagem para ela contando onde Victor estava e principalmente com a pessoa que o acompanhava, no final acabou sendo uma boa ação o que fiz. Uma garota a menos para ser enganada.

Agora esse conselho me perseguia. Sim, havia sido um belo conselho, eu deveria contar a alguém sobre o que se passava em minha vida. Mas em quem? Todas minhas amigas são apaixonadas por ele. Preciso dividir o meu fardo.

Nadya terminou de ler a primeira página do diário e sentiu-se confusa. Rebecca não tinha se mostrado a pessoa que confessara naquela página. Um misto de sentimentos tomou conta dela, não sabia se era medo, pena ou quer que fosse. Porém um sentimento predominava, era o de culpa. Estava arrependida de ler aquela página. Ela considerava Rebecca sua amiga, mas nunca imaginou que ela seria capaz de manipulações, ainda mais por um cretino que não merecia uma garota sequer. Ela guardou de volta o diário de Rebecca na bolsa. O que ela tinha feito ou deixado de fazer, não cabia a ela julgar. Todas as pessoas têm suas falhas, e a de Rebecca era aquele garoto cretino e arrogante, Victor. Que ela desejava nunca ter de conhecer.

Nadya voltou à cozinha e terminou de tomar seu café da manhã, depois foi para o quarto. Ia ler o livro que tinha pegado durante a semana na biblioteca.

Deitou-se na cama com um exemplar de Se Houver amanhã, de Sidney Sheldon, era o segundo livro desse autor que estava começando a ler. Só de olhar na capa do livro, ela já sentia como as palavras de Sidney a deixariam. Deitada na cama ela começou a ler as primeiras páginas, quando seu celular tocou com uma mensagem. Um número desconhecido. Abriu a mensagem e leu o conteúdo: “Já está acordada? Bruno.” Imediatamente salvou o número nos seus contatos e respondeu a mensagem. Cerca de dois minutos depois, ele ligou.

– Olá moça. – Cumprimentou Bruno, com uma voz um pouco rouca, dando a impressão de alguém que tinha acabado de acordar.

– Olá e obrigada mais uma vez pela carona de ontem.

– Disponha. A propósito, meu pai me deixou usar o carro dele hoje de novo e... O que você vai fazer hoje à noite?

– Ah... Acho que vou rever os conteúdos que vi na faculdade essa semana, dar uma estudada em tudo e ler.

Não que Nadya quisesse dar fora no garoto, longe disso, ela queria muito vê-lo novamente, mas ela não tinha dinheiro pra nada, como ia sair sem nenhum centavo nos bolsos?

– Serão só algumas horas comigo, prometo que não vou te atrapalhar com seus estudos. Vamos ao cinema, pegar um filminho, comer uma pipoca.

– Eu queria muito ir, muito mesmo... Mas, sinto muito.

– Nadya... – choramingou ele do outro lado – Estou tão ansioso para te ver outra vez e você vai me negar isso?

Não tinha porque ela esconder a verdade dele, ela não era orgulhosa, então desabafou tudo de uma vez só:

– Bruno, não tenho dinheiro para ir ao cinema e nem pra fazer nada, estou dependendo da ajuda dos meus pais para me custearem enquanto não encontro um emprego, espero que você entenda...

– Não acredito que você esperava que eu a deixasse pagar alguma coisa! Como você mesma disse ontem, eu sou um cavalheiro! Jamais deixaria uma dama pagar a conta. A menos que ela fosse uma ricaça, dessas socialites que não sabem o que fazer com tanto dinheiro, aí seria outra história.

Nadya riu e sentiu suas bochechas corarem. Aquele garoto era um amor.

– Então, o que me diz? Posso passar aí Às 18:00?

– Combinado.

Despediram-se e desligaram, Nadya correu para o guarda roupa para escolher o que usar. Depois de praticamente metade das roupas estarem jogadas sobre a cama, optou por um usar um vestido preto um palmo acima do joelho, com um cinto branco na cintura que demarcava sua silhueta, no cinto, os dizeres “Long live Rock ‘n’ Roll” e o deixou separado em um cabide no puxador do guarda roupa. Pegou uma sapatilha totalmente preta e deixou ao lado da cama. O look já estava preparado com bastante antecedência, assim ela não passaria o dia inteiro se preocupando com o que vestir, já estava tudo decidido. Virou-se para pegar as roupas que ficaram jogadas em cima da cama para reorganiza-las no guarda roupa e nesse instante, deu um pulo de susto com o baque surdo das duas portas do guarda roupa batendo ao mesmo tempo. Virou-se, encarando o móvel, assustada, olhou pela janela e constatou que sequer estava ventando. Mas optou por ignorar o fato, abriu as portas e arrumou todas as roupas de volta em seus devidos lugares, voltou a se deitar e continuou sua leitura.

Nadya deixou o livro na mesinha e se espreguiçou. Tinha afazeres domésticos para realizar. Foi até a sala, ligou o rádio que havia lá e colocou num volume médio, pois não queria fazer inimizade com os vizinhos. Dirigiu-se para a cozinha e começou a lavar a louça. Nesse momento estava passando uma música de rock alternativo que ela nunca tinha escutado, o som pesado e a voz grave do vocalista chamou sua atenção, o refrão dizia: “Me and mary jane got a thing goin'on...”, ficou atenta para ouvir o nome da banda quando a música terminou, porém quando apresentador ia dizer o nome a estação de rádio trocou sozinha. Nadya ficou perplexa, sempre acontecia algo para ela não saber o nome da música: ou o apresentador esquecia-se de falar ou algo assim acontecia. Saiu da cozinha e foi até a estante onde ficava o som para verificar o problema. Chegando até o rádio mexeu na sintonia e o rádio voltou, estava tocando agora uma música da banda Detonautas Roque Clube, virou-se e voltou para a cozinha. O rádio trocou de sintonia novamente, no entanto começou um chiado estranho com vozes entrecortadas ao fundo e um crepitar que lhe causava arrepios, pois parecia que pessoas estavam sendo queimadas vivas. Seguiu com cautela até o rádio e estendeu a mão para trocar a sintonia. Parou instantaneamente, pois o rádio trocou a sintonia sozinho e com o volume no máximo. Nadya deu um pulo com um susto repentino. Desligou o aparelho e voltou para a cozinha.

– Esse rádio está com defeito, credo.

Terminou a louça, foi para a lavanderia e começou a colocar as roupas na máquina de lavar, um eletrodoméstico que ela não tinha em sua casa. Mas agora, enquanto estivesse estudando, teria uma máquina de lavar e um secador de roupas. Logo eu poderei dar tudo isso à minha mãe. Almejava Nadya, pois sempre quis dar uma vida melhor aos pais, afinal, eles mereciam. A campainha tocou.

– Quem pode ser? Bruno? – Perguntou-se Nadya, enquanto conferia as horas no visor do celular.

Abriu a porta e não viu ninguém. Olhou nos dois lados do corredor e não havia nada.

– Será que estou ouvindo coisas?

Fechou a porta e voltou para a lavanderia. Suas roupas estavam todas jogadas no chão e a máquina estava ligada. Nadya sentiu seus cabelos levantarem com se uma suave brisa batesse neles. Estremeceu. Podia supor que era sua imaginação, entretanto, nesse momento Nadya sentia que não estava sozinha, podia sentir uma presença. Uma presença nada amistosa.

Tentou tirar esses pensamentos da cabeça. Ainda estava assustada com a brincadeira feita na madrugada anterior e sabia que quanto mais atenção desse ao que tinha sido feito, mais sua imaginação lhe pregaria peças.

Tentou esquecer esses acontecimentos e foi terminar o serviço, pois logo chegaria o horário mais esperado do dia: a hora de sair com Bruno.


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