A Elfa Escarlate escrita por Koda Kill


Capítulo 31
A biblioteca feérica e os sussurros perdidos


Notas iniciais do capítulo

Gente infelizmente eu não consegui gerar uma imagem IA parecida com o que eu precisava então tive que colocar uma imagem real ilustrativa para facilitar a visualização de vocês. Dá pra ter pelo menos uma noção de como é a arquitetura da biblioteca feérica. Só que lá é tudo de madeira.



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Tive que conter um arrepio ao entrar na biblioteca gelada e silenciosa. Me lembrava um pouco da floresta quando eu encontrei o espectro. Como se todos os ruídos de vida tivessem abandonado o lugar. Além disso, as luzes mágicas oscilantes que variavam de acordo com o setor da biblioteca me lembraram um pouco demais o espectro e dava para sentir a mágica palpável do ambiente. Era quase como uma eletricidade logo abaixo da pele. Era inquietante e diferente dos barulhos de luta que eu estava acostumada no centro de treinamento. Não lembro a última vez que estive ali.

Sua arquitetura peculiar e delicada fazia parecer que eu estava dentro de uma árvore gigantesca, com seus veios e formas orgânicas intimamente ligadas. Runas se espalhavam pelas paredes e uma grande árvore erguia seus galhos no centro da biblioteca. Às vezes a árvore emitia uma luz suave, indicando que um livro próximo continha informações valiosas. As prateleiras pareciam se estender infinitamente e cada uma delas pulsava com uma energia e tonalidade única, como se os próprios livros estivessem vivos, ansiosos para compartilhar seus segredos antigos.

Suas capas brilhantes vibravam com sentimentos esquecidos que me contagiaram brevemente ao tocá-los. Eram estranhos e complexos e muitos deles tristes e assustadores. Biologia feérica, feitiços, arte da guerra… Eu ia passando as prateleiras procurando algo que pudesse falar comigo a respeito do que eu procurava. Sinceramente eu não sabia por onde começar e esse foi um dos motivos que me fez adiar esse momento. História feérica, isso poderia ser promissor. Minhas orelhas captaram de repente um ruído. 

Era algo estranho que fazia cócegas na base da coluna, quase como um arrepio. Algo que não deveria estar ali. Eu não conseguia dizer porque. Como se fosse um sussurro tão baixo que eu mal chegava a escutar. Várias vozes sobrepostas e desconexas que iam aumentando bem lentamente. A magia impregnada no ambiente respondia à minha inquietação, fazendo com que os murmúrios se intensificassem tornando-se quase nítidos. 

— Parece que você não consegue mesmo ficar longe de mim, não é? - Perguntou Cadman encostando as costas na prateleira de livros. Me sobressaltei assustada quando sua voz me tirou do torpor. Eu mereço mesmo. Os sussurros sumiram. Suspirei frustrada, eu estava quase entendendo o que eles diziam.

— Você está me atrapalhando. - Respondi irritada. Queria ter essa auto estima de achar que tudo gira ao meu redor. Me recusei a olhar em sua direção e comecei a tirar alguns livros e folheá-los.

— Vamos, não precisa mentir pra mim. Você já conseguiu o que queria: minha atenção. - Disse se inclinando na minha direção. Eu apenas o ignorei e voltei alguns passos em direção à prateleira de criaturas mágicas dando as costas à ele. Eu posso dar sorte e achar algo sobre o espectro. - Não precisa me torturar. Sinto sua falta… - Insistiu ele me fazendo revirar os olhos. Já quis tanto escutar essas palavras, era irônico que agora não significasse nada mais que uma massagem no ego. - Isso é por causa de Alais?

— Você não tem nenhuma maga pra trocar saliva hoje? - Ralhei irritada. Alguns estudantes próximos nos olharam com cara feia. Eu não queria nem estar naquela conversa, que dirá ser expulsa da biblioteca por causa do idiota do meu ex.

— Não fique assim Luna, você sabe que ela é só uma distração. É você que eu quero. Não acha que já está bom de fazer todo esse drama? Eu jamais iria te trair. - Mentiu ele na cara dura. Eu tenho que admitir que ele é bom nisso. Falou com tanta convicção que por um segundo eu cheguei a me questionar. Como se eu não tivesse visto tudo com meus próprios olhos.

— Claro, sua língua na garganta dela foi só um grande mal entendido.- Respondi irônica. Parei enquanto ajustava os livros nos meus braços. - Não tenho tempo pra essa besteira. Para de encher meu saco. - Virei as costas para sair, mas sua voz ameaçadora me fez parar por um segundo.

— Estou perdendo minha paciência com você… Luna. - Apenas continuei andando em direção às mesas. Em algum momento ele iria superar aquilo certo? Eu nem consigo entender porque ele estava tão fixado em mim. Não é como se ele gostasse de mim de verdade. Do contrário não teria me traído.

Ainda assim era satisfatório escutar que Alais era apenas uma distração. Queria poder esfregar isso em sua cara ridícula. Suspirei algumas vezes para recobrar o foco e me debrucei sobre os livros. Eu folheava as páginas dos livros antigos tentando achar qualquer coisa que saltasse aos meus olhos. Nada parecia ter relação com o brilho ancestral. Era muito vago.

“É conhecido que há muitas centenas de anos atrás os feéricos coexistiam em harmonia com os humanos, estabelecendo um sistema de comércio baseado primordialmente no escambo. Os humanos trocavam recursos essenciais por matéria-prima e pedras preciosas, abundantemente disponíveis entre os feéricos por conta da sua conexão única com a magia e a terra.

Essa ligação simbiótica era pautada por uma coexistência pacífica, visto que os feéricos dependiam da mana emanada do planeta para se auto regular. E os humanos, por sua vez, se beneficiam da perícia feérica no trabalho com recursos naturais. Isso concedia ao povo feérico a posição de guardiões dos mais significativos depósitos de matéria-prima da terra e garantia uma posição geográfica privilegiada. 

A sociedade feérica era caracterizada por um governo descentralizado, com aldeias distribuídas de acordo com os biomas terrestres. Cada uma delas era liderada por um feerício. Estes líderes regionais eram escolhidos através de um sistema de medição de mana, que selecionava o indivíduo com maior habilidade no domínio da magia para representar e defender a respectiva região, podendo se filiar a outros feéricos de sua escolha dependendo do tamanho da sua aldeia.

Durante esse período áureo da história, a comunidade humana era modesta em comparação aos feéricos, possuindo ferramentas e lanças ainda rudimentares se comparados à perícia do manuseio dos metais que os feéricos possuíam. Logo, eles não representavam uma ameaça substancial para seus vizinhos dotados de magia. A paz prevalecia, sustentada pela confiança do povo em suas habilidades mágicas para proteção e prosperidade e os humanos muito aprenderam sobre os seus ofícios e manuseio do metal.

Inicialmente…”

Suspirei entediada e pulei algumas páginas.

“Por volta da idade média as pressões territoriais cresceram, com os humanos insatisfeitos com a corrente distribuição dos recursos naturais e almejando uma redistribuição deles em seu favor. A monarquia humana procurou estabelecer acordos e tratados que pudessem regular e flexibilizar o uso desses recursos, apoiando-se em argumentos humano-tecnológicos e como a expansão da tecnologia poderia beneficiar ambas as raças, assim como apontavam para o crescimento exponencial do seu contingente humano.

Em contrapartida, os feéricos, dependendo da natureza e dos seus santuários para sobreviver, e considerando a sacralidade da natureza em sua cultura secular, resistiram à abrir mão desses territórios. 

O início de várias campanhas políticas contra os feéricos marcou um período de contaminação das relações entre as duas raças, levando a ameaças por parte dos governantes e ao começo de uma corrida armamentista. Os humanos cresciam com muito mais facilidade que os feéricos, o que exacerbou as tensões visto que os humanos rapidamente superaram os números feéricos.

Ainda sob a alegação do desenvolvimento, os humanos começaram a violar os tratados com os feéricos começando a desmatar as florestas, minerar, criar reservatórios de água e lançar químicos que envenenaram lentamente a floresta e seus habitantes.”

Engoli em seco e pulei mais um pouco.

“O rei Ilíon, o luminoso, emergiu como um dos líderes mais amado pelos feéricos. Caracterizado por sua bondade, benevolência e habilidades estratégicas, ele era admirado por aqueles que liderava. Suas políticas internas impulsionaram o comércio feérico gerando muitas profissões que existem até hoje nas capitais e tradições seculares como festivais e rituais religiosos.

No entanto, pressionado pelos monarcas humanos para ceder mais recursos e aliar-se através do casamento de sua filha unigênita com um humano em troca de paz e tecnologia, Ilíon resistiu. Muitos conselheiros, inclusive o Arcano Malachai, o conselheiro real chefe, aconselhavam o rei a aceitar a aliança visto que as tensões entre as raças crescia mais a cada dia. 

Eles afirmavam ser um mal necessário compartilhar um pouco dos nossos territórios para aplacar a ambição humana tendo em vista seu crescimento alarmante. O rei Ilíon, contudo , desconfiou das intenções humanas e afirmou que sua ambição não iria parar com a aliança. Do contrário, apenas enfraqueceriam o poder feérico ao ceder territórios e que era necessário buscar formas de conter o crescimento populacional humano de forma não letal. 

Os conflitos internos entre os defensores da aliança e os opositores, aliados às tensões externas provocadas pelos humanos, pavimentaram o caminho para o início de uma guerra entre os povos. Após diversas tentativas frustradas de reconciliação, os humanos começaram a perseguir e caçar os feéricos sob uma fachada política contra a “bruxaria”, queimando o povo mágico em fogueiras, torturando mulheres e matando crianças. As barbáries humanas feriram profundamente a comunidade feérica e seu uso do ferro e novas tecnologias bélicas enfraqueceram o poder da magia contra eles. 

Ilíon liderou os exércitos feéricos da maioria das monarquias próximas com bravura e implementou várias estratégias de guerra que retardaram os humanos, mas com o advento das armas de fogo e a vantagem numérica humana a guerra ameaçava dizimar o povo feérico. 

A crescente pressão dos números humanos e sua força bélica levou Malachai a liderar um golpe de estado contra Ilíon. Os generais começaram a ter dúvidas sobre a liderança do rei e o conselheiro chefe realizava reuniões estratégicas em nome do rei inspirando dúvidas sobre sua conduta e como eles deveriam se render à aliança humana.

Malachai então liderou uma emboscada contra Ilíon, deixando-o à beira da morte durante uma batalha contra os humanos perto das minas de Aurórea Opala. O golpe teria sido um sucesso, não fosse por Eldritch Merlim, o mago real.

Eldritch esperava uma traição por conta de uma antiga profecia do agora extinto oráculo de Solarion e fez preparativos caso o rei ficasse em perigo iminente. Ele chegou a tempo de desmascarar Malachai e derrotar os generais rebeldes. Com o sacrifício do rei Ilíon e do sangue feérico derramado naquele dia, Eldritch abriu mão de sua poderosa magia ao lançar o feitiço que garantiu a sobrevivência de seu povo.

Através do seu amuleto sagrado ancestral ele selou as cidades feéricas e seus principais recursos naturais em uma dimensão inacessível aos humanos. Essa foi a vantagem geográfica que permitiu aos feéricos fugir do poder bélico humano. O feitiço foi amplificado pelas minas de Aurórea que refratam e refletem o brilho do amuleto amplificando sua magia, de modo que pôde abarcar um imenso território. 

O brilho mágico gerado pelo amuleto, juntamente com as notícias sobre o rei à beira da morte, confundiu os exércitos das cruzadas humanas e fez os humanos acreditarem ter conseguido derrotar o rei feérico. Isso permitiu que os exércitos restantes recuassem para as florestas.” 

Fechei o livro com mais perguntas que respostas. Era muita coisa para pensar. Então o brilho ancestral seria o amuleto usado por Eldritch? Poderia ser. Gostaria de saber mais sobre o Oráculo de Solarion e que profecia foi essa. Teria alguma relação com a poesia do espectro? 

Fazia sentido que a aliança a que ele se referia fosse a aliança com os humanos. Só que isso me deixava ainda mais preocupada. A ignorância pode mesmo ser uma benção. Peguei alguns livros e aluguei com a bibliotecária. Eu não podia ficar mais tempo, tinha detenção com o chato do professor Will.


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Notas finais do capítulo

Will e Luna estão de mal, quanto tempo será que isso vai durar? Alguém arrisca?



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