O caminho foi longo, mas valeu a pena. A visão era incrível, algo surreal que ninguém um dia poderia imaginar, e ao mesmo tempo assustador. Era como um rio normal, mas de um escarlate profundo, brilhante e reluzente. Mas toda a beleza que havia em todo o vale, não existia aqui, era cedo, fim e tarde, mas aqui era escuro, o chão áspero, fraco e seco, a terra preta, as árvores em volta, retorcidas e mortas, algumas com formas tão estranhas, que chegavam a parecer demônios a espreita, esperando nos virarmos para atacarem. Era algo perturbador, que só as pessoas mais loucas poderiam achar algo bonito de certa forma, e eu sou uma dessas pessoas, pode soar estranho, mas o surreal, o maluco sempre me impressionou, mas esse rio, superou tudo de sinistro que eu já tinha visto. Em algumas partes do rio, o vermelho era mais intenso, e em outras borbulhava, principalmente no alto da cachoeira que ele descia.

- Por que as coisas morrem? - Eu me pronuncio.

- Por que é o ciclo da vida... - Ravenna me olha comum olhar meio surpreso e assustado - eu sabia que a educação mundana não era das melhores mas...

- Não! Não foi isso que eu quis dizer... Eu estava falando daqui... por que tudo aos arredores do rio é morto?

- Bom, porque foi criado pelo sangue de um anjo caído, tanto a parte bela do vale como a morta, é nutrida daqui, o sangue dele ainda tinha a parte angelical quando foi derramado, mas também tinha a parte obscura, ele caio do paraíso por cometer um pecado, ou seja seu sangue estava "sujo", E isso foi transmitido para o rio, que foi feito do sangue dele, e também nutriu o vale...

- Ui! Que incrível... - Cami gargalhou. Todos a olhamos, ela estava andando com dificuldade de andar e  ria a cada minuto por nada.

- Pronto! Era só o que faltava... - Ravenna fala, olha para o alto e ergue os braços.

- O que foi? - fala Lotte.

- Ela está simplesmente bêbada! Não vou poder apresentar nada a vocês com a possibilidade de ela cair a qualquer momento.

Eu olho para ela, para poder provar a Ravenna que ela está errada, que ela pode nos mostrar mais desse lugar, mas percebo que não há como desmenti-la, Cami andava de um lado pro outro, descontrolada, tropeçava e começava a rir de si mesma, e repetia tudo outra vez.

- Ai meu Deus! – Ravenna põe a mão na testa – Eu mereço!

- Ei! – fala Cami – Que tal a gente experimentar um pouco de perigo? – Ela corre em direção ao rio e eu entro em pânico, “entrar em contato com a água do rio é mortal” me lembro de Ravenna dizer.

Corro em sua direção o mais rápido que posso, quando a alcanço ela já esta na borda se balançando da frente para trás e gargalhando.

- Wol, wol... – ela repete a cada balanço.

Até que ela se desequilibra e começa a cair para a frente, eu me jogo a sua frente e a empurro para o chão longe da borda, mas nesse processo eu me desequilibro, mas Ravenna chega a tempo e me segura. Mas o rio borbulha e gotas de sangue caem em meu braço e na blusa, sinto a queimação na pele, e vejo o tecido da camiseta corroer, deixando um enorme buraco na altura da minha barriga.

Cami continua caída no chão, ela olha para o céu e aponta para as nuvens.

- Um unicórnio... não! Um monstro arranco o chifre dele!... Monstro do mal! – A situação ficava cada vez mais estranha.

- Acho melhor irmos logo pra ISSO – Ravenna acena com a cabeça para Cami – e isso – aponta para meu braço que ainda queima, e eu percebo que adquiriu um to de rosa claro – não piorarem, ela não deveria estar tão bêbada assim... Mike, você consegue carregar Cami?

- Sim... – respondo.

- Ótimo! Então leve-a, e eu vou passar na floresta para pegar alguma erva pra ajudar na sua queimadura... Vocês se lembram de como voltar ao bar?

- Eu lembro! – Diz Lotte – Eu guio eles...

- Perfeito! – Ravenna sorri – então, até mais tarde! – diz e sai correndo até que suas asas apareçam e ela saia voando.

- Você se lembra mesmo de como voltar? – Indago.

- Sim, achei que talvez fosse necessário decorar o caminho...

Estranho isso um pouco, por que ela teria imaginado que teríamos de nos virarmos sozinho para ir embora? Mas não a questiono, afinal, realmente foi útil. Olho para o chão, Cami está com cara de sono, os olhos quase fechados, a seguro, apoiando suas pernas e costas em meus braços, e sua cabeça em meu peito. Charlotte se vira e sai andando, eu a sigo.

*          *          *

Eu sei que demoramos a chegar, pois quando estamos novamente no bar, Ravenna já se encontra lá. Acho que nós a pegamos desprevinida, pois ao entrarmos ela e Simom estavam extremamente próximos, próximos de mais, principalmente ao dizer dela “Pode-se dizer que somos amigos...”. Mas não a julgo, porque Simom não parece dar muita atenção á ela, ou seja, ela é quase como eu! Percebo seu olhar a cada vez que olha Simom, ela gosta dele, odeia o fato de serem só amigos, mas não pode fazer nada para mudar a situação.

Ela me manda acomodar Cami na beliche de baixo, em um quartinho nos fundos do bar, depois aplica algum tipo de pasta verde com alguns pontinhos vermelhos na queimadura e deixa um pote disso comigo e me manda aplicar cada vez que arder. Simom me dá uma de suas camisetas para eu não ter que ficar com a minha com aquele buraco enorme, eu agradeço. Simom volta ao bar e porque diz que esse é o “horário de movimento”, Ravenna foi ver se há algo pendente a fazer com Angelique e prometeu voltar depois para ajudar Simom com o bar. Lotte disse estar com energia de sobra, então Ravenna falou que ela poderia ir ficar aqui e ajudar ou passear pelo vale, ela saio na hora, mais uma coisa estranha, pois ela sempre foi prestativa, mas estou com tanto cansaço e dor pelo braço que resolvo apenas deixar para lá.

Tomo um banho e visto a mesma calça jeans desbotada com que vim e ponho a camiseta de Simom onde há os dizeres “Calma eu não mordo!” e duas presas de vampiro desenhadas em baixo. Resolvo aplicar a pomada novamente, pois sinto como se meu braço estivesse em chamas, como o braço todo e um pedaço do ombro e do pescoço foram atingidos, sou obrigado a tirar a camisa para passar o remédio, não terá problema, pois a única pessoa além de mim aqui é Cami, e ela está dormindo. Pego a pomada, e passo ao longo do braço, no ombro, e no pescoço, a pele arde muito ao entrar em contato com a pomada, mas depois de alguns segundos, até alivia um pouco a dor na pele. Preciso esperar a pomada entrar na pele, não posso colocar a camiseta ainda, então me sento em uma cadeira na frente da beliche, e de repente, vejo um leve tremor nas pálpebras de Cami, ela abre os olhos, e os arregala ao me ver.

- Uau, hein! Te conheço a tanto tempo... porque sempre me escondeu esse tanquinho? – Ela aponta para minha barriga. Obviamente, ainda não se recuperou da tequila, ainda está bêbada.

Ela começa a se levantar, e tropeça, vou ajudá-la, mas mesmo em meu braços tropeça, ela apoia is braços em meu pescoço e me encara por um tempo.

- Ei! Seus olhos são lindos! – Eu rio, o jeito como falou parece que nunca os tinha visto antes, e ela sempre me disse que eram lindos, muito mais de uma vez – Posso fazer uma coisa? – faço que sim com a cabeça – Você não vai ficar bravo? – faço que não.

E então ela se aproxima do meu rosto com cautela, o que ela está fazendo? Não consigo deixar de pensar, mas se eu sei o que ela vai fazer, não a impeço. Ela encosta seus lábios nos meus, e eu sinto arrepios nos pelos da nuca e por todo o corpo, um frio na barriga como se esse fosse meu 1º beijo, mas na verdade é, é o primeiro que importa. O beijo começa leve, e eu não encosto em mais nenhuma parte dela, mas depois de um tempo não aguento ficar mais ali parado, coloco uma mão em sua nuca e sinto aqueles cabelos macios e sedosos dela, e a outra mão em suas costas, a puxo mais para perto de mim. Nossas línguas se enroscam, tenho medo de que alguém entre e nos veja aqui, mas a sensação dos lábios dela no meu, do corpo dela no meu, é boa de mais para que eu simplesmente a solte agora. Ela me segura com mais força, pressiona seus lábios nos meus com tanta força que chega a doer um pouco, mas é um tipo bom de dor, e depois me solta. Quando me olha, em seu rosto há um enorme sorriso.

- Sabia, que eu sempre quis fazer isso? – Diz ela ainda sorrindo.

- Eu queria mais! – A contradigo – Você não tem noção de como! Eu te amo... Te amo muito!

-  Também te amo... – Ela fala e meu coração dispara – Kurt Cobain!

- O quê?! – Eu grito e a solto, e ela cai no chão, a levando, e a deixo no sofá.

Segundos depois Simom entra na sala.

- O que aconteceu? – seus olhos se arregalam ao me ver sem camisa – Pensei que tinha te emprestado uma camisa...

- E emprestou, mas eu tirei para passar a pomada...

- Ah, claro – ele diz sem muita crença – Mas quem gritou?

- Han... Cami! Ela beijou... a... a mão, e disse que a amava... e que ela era Kurt Cobain...

- O quê?! – ele gargalha – Acho que tinha pó de fada na tequila... devo ter pegado a errada...

- Como assim?

- Pó de fada seria a maconha do mundo sobrenatural, só que não vicia... Ela te deixa louco, “feliz”, vamos dizer assim, eu demorei pra procurar uma garrafa de tequila, porque queria pegar uma sem ele para vocês não acabarem fazendo besteira, mas devo ter pegado a errada... E como ela bebeu três copos, o efeito nela foi feio...

- E ela vai ficar bem?

- Sim, mas provavelmente amanhã vai acordar com uma ressaca dez vezes pior que uma normal...

- E ela vai... lembrar... do que ela fez... com a mão...?

- Sim e não... ela vai lembrar de ter beijado Kurt Cobain – ele ri – mas não que era apenas sua mão...

- Ah! – me tranquilizo – que bom!

- Acho melhor você colocá-la na beliche novamente... E durma com ela para garantir que ela não vai acordar no meio da noite e fazer mais alguma besteira...

- Claro! – assinto com a cabeça.

Simom coloca o dedo indicador na testa e o joga para frente como um “tchau” e fecha a porta.

*             *            *

Acordo com os braços em volta da cintura de Cami, e sua cabeça apoiada em meu peito. Me levanto com o máximo de cuidado para não acordá-la, lavo o rosto e escovo os dentes. Quando volto ao beliche vejo um papel preso na madeira, nele está escrito em uma letra floreada:

Mike, Camille e Charllote,

Saí daqui cedo para ajudar Anggie, Simom deve estar no treinamento, caso estejam com fome, vão até a despensa do bar, há uma geladeira lá, deve haver algo do agrado de vocês. E Mike, certifique-se de que Cami está bem, caso ela esteja com dor de cabeça, dê a ela o remédio que está na 1ª prateleira do balcão do bar.

Ravenna

Olho a beliche de cima, Lottie dorme em silêncio lá. Quando será que ela chegou? Isso não importa agora na verdade.

Ouço a madeira ranger e olho para baixo, Cami está acordando, me sento ao seu lado, e ela abre os olhos.

- Bom dia! – Digo.

- Bom dia! – diz ela sem ânimo – minha cabeça dói...

- É a tequila fazendo efeito... Han, Cami você se lembra de algo estranho... que aconteceu ontem á noite?

- Sim... – ela suspira e se senta na cama – me lembro de ter beijado Kurt Cobain...

- Ah é! – rio, tanto por alivio, como por perceber agora, que a cena foi até cômica – Você me... você beijou sua mão e disse que era ele!

- Ele disse que me amava... que me amava muito...

- É, ele disse...

Eu me deito e olho para a madeira da cama de cima, e penso se devo contar a ela que ela me beijou, e não beijou a sua própria mão, decido que não, é melhor que ela não saiba, assim eu evito humilhação.

- Cami?

- O quê? – ela vira a cabeça e olha para mim.

- O Kurt beija bem?

Ela se deita ao meu lado, olha para a madeira da cama de cima, e suspira.

- Por mais que isso pareça estranho... Foi o melhor beijo do mundo...

Eu rio.