Viaduto escrita por AHB


Capítulo 1
Viaduto


Notas iniciais do capítulo

Para minha mãe.



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A normalista ia vindo com seus livros. Era moça do interior, ficava na casa da tia enquanto completava os estudos na metrópole. Gostava de lá: arranha-céus, aviões, automóveis e outdoors - tudo inspirava modernidade, pura música urbana. Gente, então, tinha que não acabava mais! Ficava deslumbrada com a multidão que se deslocava velozmente pelas calçadas espaçosas e brigava por um lugar no ônibus. Tantas histórias diferentes passando tão rápido que às vezes mal conseguia percebê-las.

Tão imersa na realidade citatina, a moça esbarrou na mesma sobre imenso e pesado viaduto sobre a avenida 23 de Maio. Eram um homem e sua mulher. Três filhos agarrados na saia dela. Todos os cinco secos de fome, como se saídos de uma pintura modernista. O homem botou a perna por cima da contenção de concreto. Projetou o corpo. As caras esquálidas dos filhos emoção nenhuma mostraram.

A normalista gritou - podia ver o final da cena adiantando-se sobre seus olhos claros. Aquele homem estatelado no asfalto, interrupção abrupta de uma vida sem esperanças. Por acaso passou uma viatura da polícia a tempo de impedir o suicídio. Disseram para a moça que levariam os cinco para um abrigo. Mesmo que ela jamais fosse saber o verdadeiro destino daquela familia, a promessa do guarda a consolava da tontura em se deparar com a extensão da pobreza assolando, para além da cidade, todo o país.

A metrópole rugia, faminta. Ainda com o peito doendo e a boca aberta em choque, a moça então notou o detalhe sórdido, a prova da brutalidade social se batendo contra todas ideologias de mundos melhores:

Um carro de luxo havia parado, próximo. O motorista uniformizado - tinha até escovinhas nos ombros! - contemplava qualquer coisa para além do parabrisa, enquanto sua patroa abriu um filete do vidro do banco traseiro e mostrou os olhos maquiados, afiados e indiferentes, para assistir e apenas assistir a tragédia.


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Notas finais do capítulo

Nota: Tenho predileção por escrever história curtas, de apenas um capitulo. É um questão de adequação de tempo disponível, com uma inspiração um tanto quanto capenga.