Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 8
08. Eu salvei sua vida, você salvou minha vida




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O sol se despedia e deixava em seu lugar curtos arrepios. O frio chegara e com ele a noite começava a se deleitar sobre nossas cabeças.

Daquele lugar eu carregaria  o azul marinho dos lagos misturando-se ao verde da floresta e juntos, os dois tons formando a noite. Era algo incrível de se ver.

As lembranças quiseram vir, lembrei de um barco amarelo ofuscante e com tintas descascadas. Um velho sério e atento a água. Uma garotinha medrosa que passava a maior parte do tempo de olhos fechados temendo ver uma sereia ou algum animal estranho dentro da água. Mal sabia aquela menininha que uma sereia seria o pior dos seres que ela poderia ter visto na vida.

Sorri comigo mesma enfrentando a situação. Hanna e as outras mulheres preparavam as barracas.

- O que eu faço? – perguntei animada para saber como tudo funcionava por ali.

Andrea olhou ao redor e me pediu para que formasse um escudo ao redor da fogueira que Carl e os gêmeos começavam.

Coloquei pedras ao redor e perguntei a Carl se estava bom. Ele me pediu para que empilhasse mais pedras, pois assim a fogueira poderia ficar alta sem chamar atenção. Admirei a inteligência do garoto e continuei o trabalho.

- Rick! – chamou Jonnas de cima do trailer.

Rick se aproximou e olhou pelo que parecia ser uma lupa. Seu rosto montou-se numa expressão claramente preocupante.

- O que é? O que foi? – perguntou Andrea.

- Walkers. Três. – Rick respirou profundamente e pensou durante algum tempo. Ao redor uma sessão de suspiros foi começada e as crianças correram para seus pais. Exceto Carl que ficou parado olhando o pai.

- Precisamos ir. – disse Rick descendo do trailer.

Shane o olhou como se a decisão de Rick fosse absurda. Ele o seguiu argumentando.

- Para onde vamos? Não é seguro viajar a noite Rick, você sabe muito bem disso! Onde eles estão?

- Perto dos lagos.

- Eles vão demorar horas pra chegar aqui Rick, isso se chegarem. O morro é inclinado, eles não conseguiram subir. – argumentou um Shane desesperado.

- Não podemos arriscar Shane...

- É, nós não podemos arriscar e é por isso que ficaremos aqui. São só três deles Rick, você é louco de fugir de três?

Realmente. Contabilizando o número de pessoas e de armas, três andantes não eram nada.

Rick, pelo que eu conhecia. Não era do tipo de cara que tomava ações impensadas. Deixar o acampamento a noite pareceu-me uma medida drástica para um perigo tão baixo.

- Não são só 3. – eu disse imediatamente após observar Rick conversar com Shane.

Rick me olhou assustado e a resposta estava estampada em sua face. Eram muito mais que 3.

O grupo desesperou-se instantaneamente. Todos correram para desarmar as barracas, guardas as comidas e roupas.

- Ele sumiu de novo. – Andrea conversa com Hanna e Brenda. Logo a ausência de Daryl chocou-me a mente.

Eu não sabia quantos exatamente haviam na floresta. Mas Daryl estava lá e somente um deles somado a uma distração podia mata-lo.

Rick apressava as pessoas e fazia não só seu trabalho mas também todo que ele fosse capaz.

- Lara, ajude Andrea e Hanna a fechar o porta-malas. – devido a rapidez com que as coisas foram lançadas ali, nada cabia. A cada tentativa de fechar as portas tudo era vomitado para fora. Mais desespero. Minhas mãos trabalhavam incessantemente naquilo mas minha mente andava por entre as árvores da floresta imaginando o pior.

Jonas mandou outro sinal de alerta a Rick. Dessa vez haviam cerca de dez e eles estavam no pé da montanha.

- Não parecem ter muita dificuldade Rick. – afirmou medrosamente.

Petterson, Ruy, Shane e Rick dirigiram-se aos seus carros. Jonas fazia a contagem e a cada 1 minuto chegavam mais dezenas. Mais meia hora ali e estaríamos ilhados.

Minha alma estava em punho pronta para o que eu precisava fazer.

- Vamos! – gritou Glenn e Dog da porta do trailer. O som das bestas lá embaixo fervia.

- E o Daryl? – perguntou inocentemente.

Glenn e Dog desceram do trailer e vieram até mim. Dog parecia nervoso com toda a situação.

- O que eu disse sobre Daryl não ser uma opção? – gritou raivoso sobre meu rosto. Assustei-me de imediato e recuei um passo. Glenn se entrepôs e segurando meu rosto suplicou.

- A sua vida, ou a vida do Daryl? Nós ou o cara que não faria nada por você? É simples. Você precisa vir.

Eu olhei a montanha repleta de andantes e a floresta atrás deles. Era imensa e Daryl podia estar em qualquer lugar, inclusive no estômago de algum deles.

- Ok. – eu concordei olhando para minha alma e me rendendo as súplicas dos dois.

- Vamos lá.

Caminhei levemente apressada atrás dos dois. Pausei os passos, esperei que tivessem a uma boa distância.

Olhei para o lado. Um estreito caminho levava para dentro da floresta. Os andantes olhavam para o outro lado e se eu me atrevesse, se eu resolvesse cometer aquela loucura. Eu teria tempo o suficiente para correr sem que eles me vissem.

Olhei Glenn e Dog já distantes. Fechei meus olhos por um instante e apenas disse um “Perdão” interno para mim e para eles.

Corri para o caminho estreito com minha Alma em punho. Não sabia que direção tomar mas me arrisquei floresta a dentro sem captar com precisão o caminho. O barulho atrás de mim era aterrorizante. Eles cavavam a terra do morro com fúria. Alguns a colocavam na boca tamanha fome.

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Eu já havia percorrido um bom pedaço da floresta. A esta altura o pânico já tomava conta de mim. O silêncio havia tomando conta novamente. Grunhidos não era o melhor som para se ouvir naquele momento. Mas pelo menos eu saberia aonde eles estavam. Ali eu parecia demasiadamente vulnerável. Não só parecia como estava.

- Daryl! – eu gritei olhando ao redor.

- Daryl você está ai? – e nada. Gritei umas cinco ou seis vezes e não obtive resposta. Caminhei mais um pouco e nem sinal dele. Ficava cada mais difícil expulsar da mente o que me parecia óbvio.

Um ronco familiar soou as minhas costas. Puxei o gancho e temendo o que veria quando me virasse segurei a arma com toda a força.

Um andante estava a poucos metros. Não titubeei e acertei sua cabeça assim como Dog havia me ensinado. Atrás dele outras dezenas o seguiam. Juntos eram bem mais rápidos.

Corri desesperadamente sem nada a frente. Apenas mata e mais e mata e a possibilidade de encontrar mais um grupo a espreita. Não conseguia pensar, não conseguia parar. O barulho deles a me seguir nunca diminuía me fazendo parecer que eles podiam correr a mesma medida que eu. A salvação veio. Um pequeno morro, e quando digo pequeno ele era mesmo pequeno. Subi com dificuldade, eles quase me pegaram. Gritei desesperada. Cabeças dilaceradas, órbitas vazias e mosquitos aos montes. O estado deles era mais assustador que a possibilidade de ser comida. Acalmei-me até onde consegui.

 Vigiei ao redor e não havia nenhum sinal de nada. Nem de andantes, nem de Daryl, apenas nada. Eles estavam todos lá embaixo desesperados pela minha carne. Me ilhando cada vez mais naquele pedaço de terra.

Julguei-me por estar ali, por ter sido uma garotinha rebelde e irracional de novo. Afinal, que droga de sentido aquilo fazia? Tentar salvar alguém que não faria o mesmo por você? Eu tentava buscar em mim alguma droga de sentido, o mínimo. Mas não havia. Nada se enquadrava no que eu sentia.

Eu apenas não conseguia considerar a possibilidade de fugir covardemente deixando um ser humano para trás. Por mais que Daryl não fosse ou não parecesse um, ele era. Não importava o quanto sua mente ou seu coração funcionassem mal ele era humano, havia um alma nele. E eu não gostaria nenhum pouco de participar da sua ida ao inferno.

Não era o que eu era, não era o que eu faria mesmo que o mundo não estivesse como estava. A necessidade de salva-lo não era um motivo particular, até porque eu não teria motivos particulares para salva-lo. Era algo comigo e com quem eu era. Daryl Dixon e suas atitudes estavam exclusas do que eu estava a fazer.

Levantei-me e com a lupa da alma procurei floresta adentro. Arvores, flores, arvores, arvores, arvores. Nada além de uma imensidão verde.

De repente, num relance, avisto o que parece ser Daryl encostado em uma árvore. Ajusto meu foco e confirmo, é ele. Um sorriso se forma em meu rosto mas logo é desfeito quando ouço o  barulho da terra se desfazendo lá embaixo. Eles estão tentando subir.

Mantenho os olhos em Daryl. Ele se move com precaução. Algum andante deve estar a espreita. Penso comigo. Levo os olhos até onde sua flecha está apontada e vejo um grande e gordo Veado. Daryl estava relativamente longe de onde estávamos. Os zumbis pareciam não ter passado por ali ou Daryl não havia notado a presença deles.

Daryl se preparava para atirar em sua presa. Quando a idéia veio a mente. Eu provaria a ele o quanto minha alma era ágil. Mirei sobre sua caça e sorri com a vitória garantida.

- Essa é minha Daryl – falei confiante.

Entre o ranger dos fios e o semicerrar dos olhos. Um zumbi se aproximou silenciosamente de Daryl que estava totalmente inerte e distraído com sua caça. Ele abria sua mandíbula sobre o pescoço de Daryl e quase que involuntariamente minhas mãos miraram para sua cabeça e uma flecha foi enterrada naquele crânio numa fração de segundos.

Daryl deu um pulo assustado e virando-se para trás viu o andante morto com uma flecha enterrada na cabeça. Daryl observou a mata ao redor com um olhar desconfiado. Depois de muito procurar ele encontrou a mim em cima daquele monte de terra.

Mas o olhar de Daryl não me parecia grato. Ele tinha uma expressão fechada e extremamente raivosa. Ele apontou sua besta na minha direção. Abaixei-me imediatamente.  A flecha acertou um andante atrás de mim. Um deles havia conseguido subir. E outros também começavam a vir. Acertei três, mas continuava ilhada e as flechas não matariam todos. Não havia como sair dali.

Procurei Daryl, mas ele não estava mais lá.

Um pedaço do barranco desabou e eu sentir a terra tremer embaixo dos meus pés. Ou eles subiriam ou eu cairia.

Os roncos dos motores soam por toda a montanha. Olho pra trás e vejo o trailer e os carros saindo.

Eu havia desobedecido as regras de Rick e ele havia as obedecido. Eles iriam mesmo embora.

Senti mais uma vez o fio entre a vida e a morte esmaecer. Isso aconteceria muitas e muitas vezes ou aquela era a última?

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De repente um assovio agudo penetrou por entre as árvores.

Glenn, Andrea e Dog se aproximam do morro.

- Nós vamos distrai-los! Você desce e volta por onde veio. Estamos te esperando na estrada – Glenn disse isso e logo após saiu correndo com os outros dispersando aquela multidão por entre as árvores. Cerca de 7 ficaram ao pé do morro insistindo que eu descesse.

Agora desbarrancada a descida parecia ainda pior que a subida.  Mirei na cabeça, acertei cinco, preparava-me para matar os outros dois mas percebi que as flechas haviam acabado. Que ótimo. Olhei para estrada, eles estavam bem aonde eu precisava correr para alcançar. Olhei para o outro lado. Suspirei e corri barranco a baixo. Meus pés falharam e eu rolei pela terra. Eu só precisava levantar e correr. Levantar e correr. Assim o fiz. Eles me seguiram. Um deles agarrou minha cintura. Senti as mãos geladas tocarem meu ferimento. Os olhos se arregalaram quando seus dedos tocaram meu ferimento e fizeram o sangue verter pela minha pele. Aquilo foi o suficiente para atiça-los ainda mais. Chutei a cabeça de um, com a arma atingi a cabeça do que o seguia.

A ferida se abria a cada passo que eu dava, podia sentir a pele recém cicatrizada descolando-se. Ignorei a dor e continuei a correr pela floresta em direção a estrada.

- Continue caminhando, continue caminhando – eu repetia em voz baixa.

Depois de algum tempo caminhando, notei que o frio e o peso sobre as minhas pernas não era culpa do vento ou do cansaço. Não havia vento. Só um monte de sangue lavando minhas pernas.

- Não pare! – eu gritei interiormente. Ignore toda essa mancha vermelha e continue. Estamos chegando.

Um estampido foi solto a meio metro da minha orelha esquerda. Um tiro havia acertado algo atrás de mim. Rick, Shane e Dog empunhavam as armas e atiravam com precisão.

- Vamos! – Dog me colocou sobre seus braços e correu por entre a mata.

- Pro carro! Todos para os carros! – Shane e Rick acompanharam Dog sem deixar de olhar para trás. Levantei a cabeça afim de ver no que eles atiravam. A resposta era óbvia. Andantes.  Mas eram muitos, bem mais do que eu havia visto ao pé do acampamento ou ao redor do monte de terra. Eram o dobro, o triplo, eu arregalei os olhos para ter melhor proporção de quantos eram mais antes que isso pudesse acontecer, meu corpo foi se desligando lentamente. Minha visão começou a falhar e eu desmaiei no colo de Dog.

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- Dog, fique calmo ok? Ela está bem, ela está bem, está viva, não vai morrer. – ouvi essa frase, uma, duas, três vezes até que consegui abrir os olhos por completo. O céu e milhares de nuvens brancas era a única visão que eu tinha.

- Eles estão seguindo a trilha do sangue dela. Precisamos sair daqui agora! – Andrea e Glenn vinham correndo pela pista.

- Não temos tempo! – Andrea afirmou nos olhando desesperada.

Glenn me colocou deitada sobre o trailer. Em meio minuto todos estavam em seus postos prontos para partir. O barulho vindo de dentro da floresta estava mais próximo.

- Daryl? – eu chamei buscando forças.

- Ele vai sobreviver, eu garanto – Quando Andrea disse isso, foi como se uma balde d’água tivesse sido jogado sobre o meu cérebro me fazendo recobrar a consciência.

- Vocês não podem! – gritei.

- Nós não podemos morrer, é isso que não podemos! – gritou Dog.

- Vamos! Vai Petterson! – Petterson era o primeiro carro, e antes que Dog terminasse a frase ele já havia arrancado pela pista seguido dos outros.

No primeiro balançar do trailer meu coração apertou-se de uma maneira semi igual. Meus olhos nada viam, mas não era a tontura ou a falta de sangue que os impediam de enxergar. Estavam envoltos de lágrimas.

- Puta que pariu! – gritaram os três dentro do trailer.

- Que diabos você está fazendo? – Dog perguntou olhando para o lado de fora. Tive a certeza de que era ele. Não deu outra. Daryl subia pelo canteiro da pista carregando um imenso e gordo animal. O veado que ele estava caçando na floresta.

- Pare de perguntar e me ajude a colocar ele ai. – Dog hesitou e preparava-se para pensar mas não havia tempo. Ouvi um coro de pedidos apressados e desesperados.

Até Andrea ajudou a colocar o enorme animal dentro do trailer.

Não havia mais tempo. O bicho não cabia ali e os andantes já invadiam a pista. Os carros de Petterson e Ruy, Andy e Sarah já estavam longe. Só sobrara o trailer e o carro de Rick e Shane. Os dois desceram dos seus e começaram a atirar.

- Larguem isso e vamos embora! – ordenou Rick pausadamente.

Glenn arrancou com o carro, e o animal preso com metade do corpo para fora e metade para dentro foi sendo arrastado.

Os andantes invadiram a pista, o barulho vindo deles era mais assustador que a aparência. Eu já devo ter dito isso.

- Daryl!!! – eu gritei pela janela. Batia descontroladamente sobre o vidro até que um deles se aproximou o suficiente para enfiar as mãos pela janela. Andrea a cortou. A cena foi nojenta, mas não o suficiente para me fazer parar.

Mas meu desespero tornou-se a toa quando ele subiu na moto e acelerou pista a dentro. Nem sequer olhou pra trás. Dog e Andrea atiravam pelo teto. E eu nem sequer reparei que Jonas usava sua metralhadora lá em cima. Eu só o observei indo embora como se nada, absolutamente nada o cercasse. Como se todos aqueles animais não o pudessem matar. Só observei e nada mais.


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