In The Dark escrita por BoseBlut


Capítulo 1
Capítulo 1




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Pobre de mim que ousei ter esperança. Preso aqui há tanto tempo que já nem mesmo me recordo do meu próprio nome, ousei imaginar que escaparia e que tudo poderia ficar bem.

Não me lembro de como cheguei aqui, ou há quanto tempo eu fui capturado. Lentamente minhas memórias se esvaíram e tudo o que me restou foi sentar-me em silêncio esperando que finalmente chegasse a minha vez de subir a escadaria em direção á luz. Não sei dizer se o que há do outro lado daquela porta é bom ou ruim, mas imaginava que não poderia ser pior do que esse vazio em que me encontro. Correntes grossas e pesadas prendem meus punhos e pernas ao redor de uma coluna circular de cerca de um metro de diâmetro e somente me permitem ficar sentado na mesma posição o tempo todo. Uma vez ao dia, ou eu imagino que seja esse o tempo, nos é servida uma bandeja com um alimento estranho, de gosto forte e amargo. Simplesmente aparece no chão. Um ponto brilhante na bandeja, muito parecido com o led de um televisor, indica a direção em que a comida está, do contrário, eu não seria capaz de encontrá-la. Sei que mais pessoas estão presas aqui comigo, da mesma forma que eu, pois de tempo em tempo a porta se abre e alguém se vai para o exterior.

Aquela maldita porta.

 O silêncio só é quebrado pelo clique das correntes se abrindo para que possamos nos alimentar ou para que alguém possa ir até a porta. Quando a porta se abre, uma luz branca e ofuscante surge no topo de uma escadaria metálica com cerca de 15 degraus. Não há alegria ou tristeza nos passos daqueles que saem, eles apenas caminham e se vão. Houve um tempo em que eu gritava e tentava atrair a atenção de quem saia, esperando que pudessem me libertar, mas logo percebi que era uma tentativa inútil. Todos seguiam o curso inevitável até a porta, sem nem mesmo notar o que se passava ao seu redor.

Até que um dia eu acordei e senti que havia algo diferente. Alguém estava preso á mesma coluna que eu, e se remexia, puxando as correntes para si. Puxei um pouco a corrente esperando obter alguma reação do desconhecido e, depois de tanto tempo, ouvi pela primeira vez uma voz humana:

“Ei!” A voz gritou atrás de mim.

“Quem está aí?” Balbuciei, sem acreditar que meus ouvidos receberam uma resposta real.

“Nick. Me chamo Nick. Escute, não puxe a corrente, meus braços estão doloridos. Qual o seu nome?”

O meu nome. Não conseguia me lembrar do meu nome até que aquele sujeito perguntou, o que imediatamente fez com que a palavra surgisse na minha cabeça:

“Zain. Me chamavam de Zain. E você vai acabar se acostumando com essa dor, ela é constante” Acrescentei para tentar prepará-lo para a tortura a que todos nós estávamos submetidos.

“Onde estamos?”

“Eu bem que gostaria de saber, mas não sei se vou gostar da resposta.” Respondi, sendo sincero.

“Eu não consigo ver nada... Escute, Zain, nós temos que sair desse lugar. Eu vi essas coisas que me capturaram, eu tenho uma chave, mas não sei o que ela abre, não sabe de nenhuma saída?”

“Espere, você os viu?! Como eles são? Eles falaram alguma coisa?”

“São as coisas mais estranhas que você suportar imaginar. Dobram os joelhos para frente, possuem dentes pontiagudos e membranas entre os dedos das mãos, com se fossem uma espécie de anfíbio. Foi tudo o que consegui ver, acho que me drogaram. Um deles derrubou uma coisa no chão e eu peguei sem que percebessem. Acho que é uma chave. Eu sei que é. Se assemelha com um tubo de metal, mas parece que se encaixa em algum lugar. Estou faminto, eles não nos deixam aqui para morrer, não é?”

Eu não podia vê-lo, mas Nick parecia o tipo de cara espontâneo que nunca para de falar, mas que todas as pessoas gostam assim que o conhecem.

“Alguma hora a comida aparece, não se preocupe. Uma luzinha vai te mostrar onde encontrar a sua bandeja de comida, não aparece muito longe de nós. As correntes se soltam e assim, podemos comer, mas ainda estamos presos pelos pés á coluna, então não há como fugir. Há qualquer coisa nessa comida que te deixa desacordado por um tempo, mas é o único alimento que eu já recebi, e certamente melhor do que morrer de fome. Quando você acorda, está preso de volta ás correntes”

Nesse momento, o aço em torno dos meus pulsos se abriu e eu vi a luz que indicava a comida. Rastejei até lá e logo me pus a comer, faminto como estava.

Diferente de Nick. Ele não tentou comer. Soltou um gemido doloroso ao ter os braços libertos e, ao invés de ir até sua bandeja, começou a tentar se soltar desesperadamente das correntes que prendiam suas pernas. Eu podia ouvi-lo se remexendo no escuro, tentando se soltar.

“Nick, não faça isso.” Disse, sabendo o que viria depois disso. “Eu já tentei fazer isso...”

“Só estou tentan...” A voz sumiu na escuridão. Chamei em vão por ele, antes que a comida surtisse efeito, mas eu sabia que ele havia sido drogado. Certa vez, eu também tentara me libertar das correntes, mas minha tentativa resultou na descoberta de soníferos do mesmo tipo da comida, presentes no interior da corrente que prendia meus calcanhares á coluna. Os soníferos logo foram injetados no meu corpo através de uma agulha no interior das algemas e acabei ficando desacordado e faminto.

Algum tempo depois, Nick acordou, com ainda mais fome do que antes. Ambos estávamos presos de novo pelas correntes. Ele conversava incessantemente sobre os assuntos mais inimagináveis e eu ouvia atento, feliz por ter alguém para conversar, ao mesmo tempo em que minhas próprias histórias eram evocadas do passado de volta para mim. Assim, as horas, os dias, ou talvez meses, passaram. Não me importei em cronometrar o período. Nenhuma vez, em todo este tempo, a porta se abriu. Ninguém havia saído.

E então que Nick começou a reclamar de dores incessantes nas pernas. Fiquei preocupado, tentei consolá-lo, mas nada funcionava. A rotina era a mesma, com o acréscimo dos gemidos silenciosos que Nick soltava de vez em quando e que eu ouvia, impotente.

Um dia após Nick me informar de que as dores subiram para as mãos, a porta se abriu. Nick passara o tempo todo calado, uma ou duas vezes chamei por ele e não obtive resposta. Puxei as correntes, receoso de machucá-lo, mas mesmo assim não ouve resposta. O barulho de algemas muito próximas se abrindo me assustou por um momento, até eu perceber que eram as algemas dele, e não as minhas.

Num instante, senti que ele passava por mim. Chamei-o, gritei, cheguei até mesmo á tentar segurá-lo com as minhas pernas, mas ele persistia caminhando.

“Nick! Nick! Nós conversamos sobre isso, não vá para a porta. Nick! Por favor...” Implorei do chão, já com lágrimas nos olhos quando ele ultrapassou o portal e a escuridão voltou a me cercar.

Estava sozinho de novo, no meio de toda aquela gente que me rodeava, mortos, vazios, sem nada a me oferecer.

Trinta e duas refeições me foram servidas desde que Nick se fora. Por trinta e duas vezes eu me mantive firme, segurando o tubo de metal que Nick tanto dizia ser a chave para a saída daquele lugar. No fim das contas, conclui que era apenas um tubo, largado ao acaso no lugar em que ele fora capturado, mas que agora representava tudo para mim. Era tudo que eu possuía.

Como num sonho, percebi as pequenas dores que começaram a apontar nos meus joelhos, no começo imperceptíveis, até que se tornaram insuportáveis, como se queimassem minhas pernas por dentro e quebrassem cada milímetro dos meus ossos ao mesmo tempo. No trigésimo segundo dia percebi que uma estranha membrana estava crescendo entre os meus dedos. A comida me entorpecera mais do que o normal e mesmo ao acordar eu não conseguia pensar. Pobre de mim que ousei um dia ter esperança. A porta agora se abria, e eram as minhas correntes que se soltavam.


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