Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 6
God knows even angels fall


Notas iniciais do capítulo

Agradecimento aos comentários do capítulo passado. Vocês são maravilhosos. Um agradecimento mais que especial a TOPH BEI FONG por ter editado a capa nova para a história, eu amei o presente, obrigada de coração.

Estou para indicar a fic I CAN SEE FOR MILES, escrita pela ElsBells e traduzida pela Little J(Girl, você arrasa. Como sempre). Agora voltando a história.

Boa leitura.



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            Uma comichão de densidade raivosa tomou a sala sob o olhar de um silêncio mórbido. Quinn tinha a expressão fechada em total incredulidade enquanto agarrava a caneta colorida com força exagerada.

            “Fique calma e sente-se.”

            A óbvia resistência se fez presente.

            “Estou muito bem de pé.” Retrucou um silvo.

            “Então não vou lhe contar nada.” Rachel enrolou os braços e tratou de travar a expressão. Algum tempo passou sem que ninguém cedesse até Quinn resolver se jogar no sofá deformado. “Não roubei se é isso que está pensando. Sua irmã me deu as canetas.”

            A alemã parecia um vulcão prestes a acordar.

“Á quatro anos fugi do campo de concentração de Dachau.” Prosseguiu vendo a expressão inalterada da outra face. “Minha família foi capturada, mas meu pai era esperto o suficiente para nos tirar e conseguimos fugir.” Olhou discretamente para os números lascados na porta. “Sinto falta deles.”

            “O que isso tem haver...”

            “Você vai me deixar contar a história toda?” Rachel interrompeu-a.

            Quinn fez um bico emburrado e bufou.

            “Eu e minha mãe fomos para um caminho diferente do meu pai.” Havia uma leve pitada de tristeza nas palavras. “Porque acabamos nos separando na fuga, ouvi dois tiros antes de apagar.” Tremia um pouco agora. “Quando acordei, minha mãe disse que estávamos partindo para Schwandorf, mas houve um bombardeio e também nos separamos. Caminhei às cegas e cheguei até aqui, encontrei esse casebre abandonado e tentei reformá-lo o melhor possível.”

            “Onde minha irmã entra nessa história?”

            “Eu estava sozinha.” Sibilou encarando o chão. “Uma vez passei pela cidade faminta, encontrei essa capa cinza jogada na estrada e joguei por cima dos ombros para que não me reconhecessem. Caminhei pelos armazéns e roubei um pão quente tentando manter a descrição, mas o dono me viu e acabei sendo perseguida por toda cidade.” Quinn arregalou os olhos. “Ele não me pegou como você pode deduzir, então pensei, já que funcionou uma vez, por que não outra?”

            Contou que retornou ao lugar no dia seguinte e observou o senhor roliço que assava os pães. O cheiro entorpeceu sua razão e estava prestes a cometer outra atrocidade quando se deu conta de estar sendo observada.

            Uma menina de cabelos loiros curtos sorria do outro lado da rua.

             Temeu que ela a reconhecesse e pior a denunciasse.

            Mas tudo que a pequena fez foi colocar um embrulho sob um banco próximo de onde a judia se escondia, piscar docemente e ir embora. Saiu de trás das árvores e vislumbrou uma toalha xadrez embrulhando alguns pães, pedaços de bolo e leite.

             Foi a melhor refeição que tivera em anos.

            “Voltei algumas vezes e sempre havia uma toalha cheia me esperando. “Travou o olhar nela. “Até que um belo dia, sua irmã ficou sentada no banco, me viu chegar e apontou para o jardim da sua casa. Não interagimos verbalmente, mas ela me levou até lá e mostrou como entrar e sair.”

            “Pode pegar a comida que quiser a noite, vou deixar as portas abertas.”  Lembrou-se das palavras de Brittany. “Este vai ser nosso segredo, não conte para ninguém.” Rachel riu nessa parte. Uma sacola foi depositada no pé da escada e quando ela apanhou deparou com um jogo de canetas e um bloco de folhas amarelas. “Talvez queira escrever para alguém da sua família... ou para mim. Você é muito quieta, se daria bem com minha irmã mais velha.”

            “Ontem à noite.” Quinn a interrompeu banhada por pensamentos. “Era você na escada, esperando para entrar na minha casa.” Concluiu o óbvio. “Não acredito! Há quanto tempo isso vem acontecendo?”

            “Dois anos.”

            Quinn inflamou.

            “Está me roubando esse tempo todo?”

            “Nunca furtei nada seu, Quinn. Sua irmã me deixou entrar.”

            “Ela é uma criança.” Rebateu andando de um lado para o outro. “Não sabe de nada.”

“Aparentemente sabe mais do que você.”

            Uma tremedeira infernal começou a reverberar por todo corpo da loira. Tentou controlar a respiração, mas já estava tomada por uma ira muito pesada.

            “Por que saiu do centro de concentração? Só para começar.”. Ditou apontando para todos os lados. “É um bom lugar para se viver. Podia ter ficado com sua família em Dachau. Ter construído uma vida digna, estudando, trabalhado e...”

            “Não é isso que acontece lá!”

            Rachel gritou. Logo depois se arrependeu. Isso desencadeou ainda mais raiva na menina oposta. Sabia da lavagem cerebral que as crianças alemãs recebiam na escola e Quinn era uma delas.

             “Desculpe.” Tentou reverter o mal estar. “Eu mantive um “contato” saudável com a sua irmã durante esses anos, nunca trocamos palavras, mas acho que compartilhamos muitos sorrisos distantes e foi o que me manteve viva. “O sorriso costumeiro a atingiu.” Lembro da primeira vez que te vi.”. Mudou de assunto automaticamente. “Seis meses depois de me instalar aqui. Você despertou a minha curiosidade. Porque eu me perguntava: Como uma pessoa tão bonita pode ser tão triste?”

            Quinn retrocedeu alguns passos. Já tinham ido longe o suficiente, não toleraria aquele assunto inapropriado por mais tempo.

            “Isso não lhe diz respeito!”

            “Queria te entender.”

            “Você não tem esse direito.”

            “Por quê?” Rebateu mantendo o tom calmo. “O fato de eu ser judia? Eu entendo que seu povo pense assim...”

            “Então você também acha que é apenas uma questão de xenofobia?”

            “Não é?” Alargou os olhos e falou num sussurro. “Tem mais.” Concluiu.

Quinn falou elevando a voz e avançado alguns passos para perto dela.

“Estou farta de julgamentos sem sentido, as pessoas não sabem de nada sobre mim. Como se acham no direito de me condenar?” Parou a uma curta distância. “Estou muito cansada dessa porcaria. Não preciso disso.”

Pegou a bolsa e jogou nas costas.

Rachel nunca a vira baixar a guarda, mas havia um misto tão doloroso de tristeza sufocando-a que ela teve o triste ato de andar em sua direção e lhe tocar o braço com delicadeza para logo em seguida vê-lo sendo puxado para longe.

 “Não encoste em mim.” Quinn uivou.

Ela recuou cabisbaixa.

Virou de costas para a mesa de madeira e prendeu os braços.

Quinn não era uma idiota para deixar passar despercebido seu próprio erro, mas estava tão imersa na própria irá que perdeu o controle de seus atos, esquecendo-se que eles podiam machucar.

Rejeição queima como o frio.

“Eu não devia ter feito isso.” Sibilou as melhores desculpas que encontrou.

“Na verdade, você devia.” Tinha a voz um pouco falha. “Mas eu preferia que não tivesse feito.”

Foi como atear fogo em folhas amarelas. Destruir o que é belo de uma maneira repulsiva, ignorante e brutal. Se tinham algum resquício de intimidade acabaram de matá-lo.

“Termine o telhado sozinha.” Quinn sibilou para as costas de Rachel. “Não vou voltar.”

Depois disso, silêncio.

Engraçado como as palavras não chegam em momentos de injúria.

É como tentar respirar embaixo da água. Um ato desesperado e inútil.

O barulho de porta batendo as suas costas estalou toda a imensidão de vazio. De novo, tudo ficou mudo. Uma lágrima queimou em seu olho esquerdo e caiu sobre a mão trêmula.

“Eu sei.” Sussurrou para o nada.

E a solidão a tomou pelos braços novamente.

-oooooooooo-

Quatorze dias passaram.

Quinn os contou. Inclusive as mudanças.

O rio havia derretido por completo, as árvores começaram a vestir as primeiras folhas da estação, pássaros podiam voar sem o medo de congelar em plena decolagem e as portas permaneciam trancadas.

Todas as noite.

 Ela se certificava disso pessoalmente.

Às vezes ouvia um lamento ao girar o trinco e a borda de dois olhos azuis cintilavam no andar de cima. Outras, jurava escutar passos curtos vindos do exterior da casa, mas provavelmente era sua imaginação focada em Rachel.

Fez muito isso.

Pensar. Nela.

E tentou repelir as imagens tantas vezes quanto foi capaz.

Mas sempre acabavam voltando.

Sentia a garganta seca, como se tivessem dado um nó. Não usava a voz a dias e mal conseguia sorrir, não que ligasse muito para isso, mas sentia falta de alguma coisa. Enquanto caminhava pela escola adentrou o auditório em busca de paz, silêncio e uma maneira lúcida de apagar um sorriso irritante da mente.

Mas tomou um susto e tudo que pôde diferir foi caos.

Marley caminhava com o humor irônico estampado nos lábios e a postura inquebrável na direção de Kitty que rabiscava distraída seu caderno de anotações.

“Devaneando novamente, morta de fome?”

Kitty suspirou em desinteresse.

“Hoje não é um bom dia.”

“Acha que escolho os dias para te infernizar? Ou deveria lhe dar algumas férias?” Gargalhou, a voz ecoou pela acústica do auditório. “Nunca vai se livrar de mim, Wilde. Pode ter certeza.”

Quinn estava pronta para intervir caso Marley resolvesse aprontar alguma para a outra menina, mas ficou paralisada quando viu Kitty reagir e jogar Rose contra uma parede de armários no canto mais distante do palco.

“O que você quer de mim?” Rugiu como uma leoa que descobre a força que tem. “Veio zombar porque leu meu caderno? Porque sabe o que sinto? Pois bem, estou ouvindo.”

Segurou-a pelo colarinho com tanta propriedade que pela primeira vez na vida Quinn temeu pela vida de Marley.

Uma cena se montou a sua frente.

De repente vislumbrou Collins, o garoto gorducho e Rachel.

O garoto baixara a guarda no momento em que ela resolveu enfrentá-lo. Foi naquele instante que derreteu. Pela coragem dela. Por sua ousadia em rebater de igual para igual.

Depois aconteceu.

Exatamente como agora. Pelo menos poderia ter sido igual, pois Marley esticou o pescoço para frente com rapidez e colidiu a boca contra os lábios de Kitty. A menina tentou fugir nos primeiros segundos até perder as forças.

 Não havia pressa, mas muito medo rodeando-as. Estavam se beijando com vontade no meio do salão “deserto” do auditório, mas não tinham tempo para preocupação quando o calor que compartilhavam parecia muito mais intrigante.

Kitty puxou o bíceps pálido e apertou com energia, a outra abraçou sua cintura e acabaram por colidir contra uma parede. Parecia infinito e perfeito em todas as suas imperfeições.

“Não é possível.” Quinn deixou as palavras caírem e percebeu que ficara tempo demais onde não devia. Correu para fora em silêncio e virou um corredor a passos largos. “Como ela pode estar irritantemente certa em tudo?”

E lá estava ela, pensando em Rachel novamente.

-oooooooooo-

Quinn observava as estações mudando do lado de fora da janela. Desde o dia em que flagrara Marley, a menina parecia agir de uma maneira bem peculiar. Sorria com muita frequência e até dava bom dia a algumas pessoas.

Quando passava por Kitty trocavam olhares discretos.

Imperceptíveis aos leigos.

A alemã sentiu uma vontade quase insustentável de contar para alguém sobre elas, compartilhar a constatação assustadora de que Marley Rose tinha um coração batendo atrás do peito, mas a única cúmplice que possuía já não fazia mais parte do seu dia-a-dia.

“Pare com isso, Fabray.” Falou fechando o armário com força. “Saia da minha cabeça.”

“Com quem está falando, Quinn?”

Levou um susto tremendo e quase tropeçou nos próprios pés. Kitty levantou as sobrancelhas.

“Ninguém.” Rebateu forçando um sorriso casual. “Como você está?”

“Não sei responder a sua pergunta.” Ela corou com força e abaixou o rosto. “Está tudo tão...bem.”

Quinn sentiu um alívio tão grande por ela.

E uma alegria imensa.

“Fico muito contente, Kitty.” Sorriu calorosa. Não ia questionar o motivo da felicidade da garota, porque sabia ser complicado e não criaria um problema para elas. “Você é uma boa pessoa, merece ser feliz.”

Nesse momento a menina de armação tartaruga enrolou os braços no pescoço da dela. Um abraçou inusitado. Quinn corou, mas retribuiu com palmadinhas nas costas magras.

“Obrigada por tudo que fez por mim.”

“Não precisa agradecer.”

Coçou a garganta e soltou-a.

Marley virou o corredor antes da separação.

Quinn foi deixada no hall e viu olhos azuis de pedra a encarando com uma certa fúria contida.

“O que estava conversando com Kitty?”

“Quer dizer que, depois de uma década, finalmente aprendeu o nome dela?” Quinn rebateu fingindo espanto.

“Eu...quis...dizer...quatro olhos.” Retrucou, mas foi tão fraco que não convenceria uma criança de dois anos. Não conseguia mais xingá-la para valer.

“Primeiro, não é da sua conta.” Virou os pés na direção dela e espiou o corredor quase vazio. Sussurrou mudamente para que apenas ela pudesse ouvir. “Segundo...Ela é toda sua.”

 Marley Rose quase teve um enfarte fulminante. As mãos começaram a tremer em alerta e os olhos encheram-se de lágrimas, mas travou as emoções e foi embora antes de desabar.

Quinn sabia que não devia ter feito aquilo.

Mas isso era seu trunfo.

Depois desse impasse, Rose nunca mais a perturbaria.

“Espero que você mude.” Desejou no intimo. De alguma forma estava ligeiramente mais confortável na presença dela. O que era um progresso. “Para a melhor.” Completou.

Parou um pouco para refletir.

Como o amor pode surgir nos lugares mais inimagináveis.

E quantas pessoas podiam ser sortudas de ter uma reviravolta daquelas?

-oooooooooo-

Kitty escondeu a mão sobre o queixo e observou Marley chorando e praguejando por todos os cantos do auditório, até vê-la cansar e se jogar numa das cadeiras que formava a primeira fileira.

“Ela sabe sobre nós.” As palavras tinham gosto de ferrugem.

“E?” Sentou ao seu lado.

Marley começou a bater os dedos contra a coxa em sinal de puro nervosismo.

“Se contar para minha mãe?” Lágrimas quentes foram derramadas novamente. “Motivos para me odiar é que não faltam.”

Kitty uniu as mãos dela nas suas, levou com delicadeza aos lábios e soprou ar quente contra a pele gélida. Ficaram paradas naquele afago por algum tempo, até que Marley relaxou por completo.

“Quando li no seu diário que gostava de mim não pude acreditar.” Marley sibilou encarando o chão. “Eu sempre fui tão ruim para você. Como você pode ser real?” Kitty sorriu grande vendo medo que a menina tinha em perdê-la mesmo que  internamente soubesse que Quinn jamais lhe faria algum mal. “Percebi que tinha uma chance e não queria estragá-la, mas não sabia como me aproximar, então continuei sendo uma idiota.”

“Deu certo.”

“Sim.” Levantou o braço da cadeira para ficar mais próxima e poder tocar uma mecha dos cabelo de sol. “Todas as coisas ruins que eu dizia na verdade são o contrário do que acho.”

“Quer dizer que sou alta, morena e tenho a visão perfeita?” Brincou.

“Bom, nem todas as coisas que eu dizia.”

Recebeu um tapa.

“Aqui vai a verdade sobre o que eu penso sobre você Kitty Wilde.” Levantou e puxou-a para perto. Compartilharam o mesmo ar. “Não podem existir pessoas que ajudam outras quando elas são as que mais precisam. Que carreguem peso sem ganhar nenhum benefício próprio. Ou arrisquem a própria vida para salvar quem as inferniza. Espere... Encontrei uma.”

Kitty jogou os braços ao redor dela sorrindo alto.

“Para de falar e me beije.”

“Acho que vou acrescentar ideias brilhantes na sua lista de qualidades.” Inclinou-se, fechando a proximidade. “Gostei muito dessa.”

Se beijaram com ternura.

-oooooooooo-

Um oficial do exército foi levado para o hospital e interrogado quando sua cabeça parou de dar voltas. Não lembrava como ganhou um buraco no crânio e muito menos do próprio nome.

A notícia de sua amnésia voou pelo vento.

Quinn a segurou com as mãos.

Estava livre de encrencas, mas então porque se sentia tão mal? Os últimos dias foram uma espécie de borrão. Estava sentada na mesa do almoço, acompanhando pela irmã enquanto observava Marley lançar um sorriso calmo e gentil para Kitty do outro lado do salão.

Internamente, desejou ter um pedaço daquilo.

Não importa que nome tivesse.

“Porque está me encarando como se fosse me matar?” Quinn questionou a irmã de olhos duros.

“Estou fazendo isso mentalmente.”

Brittany tinha os braços preços embaixo dos ombros.

“Não seja boba.”

“Ela vai acabar definhando de fome.”

Quinn sabia de quem a pequena falava, para seu constante desgosto.

“Não vamos conversar sobre isso.” Rebateu trancando o olhar frio. “É perigoso deixar que estranhos entrem em casa. Sabe disso.”

“Mas eu a conheço um pouco. Não é uma completa estranha e nunca me fez mal.” Ditou levantando emburrada e trotando pesado para a próxima aula. “Você é uma idiota.”

-oooooooooo-

A alemã bufou cansada. Colocou botas curtas e saiu para a manha de sol fraco. Caminho pela beira do rio Main quando alcançou a ponte. O vento estava ligeiramente agradável e calmo. Deixou-se ser guiada para a outra margem e parou alguns segundos para encarar a floresta.

Estava cogitando seguir em frente.

E se martirizando por isso. No fundo, nunca admitiria, mas sentia falta de conversar com alguém que tivesse uma opinião forte, que de alguma forma a fizesse refletir sobre coisas que nunca pensara.

Mas como poderia voltar depois de tudo?

Confiar que um estranho entrasse em sua casa estava fora de cogitação, não importava quem fosse. A segurança de Brittany vinha primeiro. Além disso, houve o impasse do toque.

Agiu tão amargamente que lhe doía pensar sobre.

Como fugiu.

Um rugido ecoou ao longe. As engrenagens de ferro titubearam pelos trilhos enferrujados rumo ao leste. Uma nuvem de cinza contornava o céu de negro e criava um bonito esfumaçado.

“Não sabia que o trem passava aqui.”

Ficou observando-o ir de encontro ao crepúsculo.

-oooooooooo-

O cheiro de pães recém aquecidos era de dar água na boca de qualquer um que passasse pelo armazém principal da cidade. Uma pequena estalagem comandada por um homem sem pescoço de tão gordo, chamado Gorn Faddren. Seu temperamento não era conhecido como caloroso.

Muito pelo contrário.

Quinn estava passeando pela cidade quando tropeçou num galho denso e resolveu dar uma parada num dos bancos próximos a esse lugar. Esticou as pernas e relaxou os braços em busca de algum alívio.

Os pesadelos continuavam assolando-a durante a noite.

Tiros longos.

Gritos mudos.

Braços manchados.

“Bom dia, senhor Faddren.” Um homem de terno o cumprimentou e recebeu um dedo do meio como resposta. O padeiro caminhou sobre seus joelhos que mais pareciam um par de bolas para dentro do estabelecimento.

Os pães ficaram na janela para pegar ar.

Muito oportunamente.

“Só pode ser brincadeira.” Quinn sussurrou.

Na sua frente, entre os arbustos de uma árvore vazia, uma sombra de capa cinza pulou para fora da mata e caminhou a passos quase surdos até a janela. Abaixou para limitar a visão de possíveis testemunhas e começou a tatear a borda de madeira em busca dos pães.

Um segundo depois uma enxada apareceu sobre sua cabeça.

Foi rápida para proteger a frente, mas as costas receberam o impacto.

Um corte brutal e profundo ficou totalmente exposto na capa cinza, agora tingida de vermelho vivo. Rachel cambaleou para trás e conseguiu desviar do próximo golpe com muito esforço.

“Não, não, não, por favor.” Gritou para o gigante de banhas.

“Nunca mais vai furtar nada meu, vadia.”

Investiu novamente. Houve outra fuga. Quando se preparou para massacrá-la sentiu um estalar doloroso na nuca e largou a enxada urrando em desespero. Virou para encontrar uma alemã de cabelos dourados e galho denso em mãos.

Recolheu o objeto e lançou contra a menina pálida.

Quinn desviou com perícia, todas às vezes, até que perdeu o equilíbrio ao chegar ao meio fio e caiu soltando a única proteção que possuía. O homem sorriu amarelo e ergueu a enxada acima da cabeça.

“Ninguém me ataca e sai impune.”

Ele pendeu para trás e largou a arma de vez quando uma Rachel furiosa o agarrou pelo pescoço e prendeu todo seu ar ao redor dos braços finos, porém fugazes. Cambalearam cegos até a parede. Rachel foi esmagada e a ferida aberta a impediu de manter o aperto. Caiu no chão de concreto com força.

“Vou te matar.” Rosnou o roliço.

Mas não pode completar a ameaça, pois quando bateu as costas contra a madeira da construção o teto da varanda ficou instável. E agora estalava bem acima dele e da judia.

No segundo seguinte, tudo veio abaixo.

Quinn protegeu a cabeça com os braços quando várias tábuas chamuscaram contra ela. O coração gritou muito alto e momentaneamente ficou surda pelo impacto da construção.

Acalmou-se e levantou com dificuldade.

Só vislumbrou destroços.

O medo a tomou por completo.

“Rachel!” Gritou com intuito e correu para o mar de tábuas partidas. Jogou uma quantidade significante para longe e livrou uma mão pequena dos escombros. “Pode me ouvir?”

“Oi.” Tossiu a declaração.

“Eu pensei... pensei... Deus do céu.” Quinn caiu de lado quando Rachel levantou sobre os joelhos. “Você está sangrando.” Constatou apavorada.

“Preciso ir.” Ditou olhando ao redor e reprimindo um grito de dor quando ficou de pé meio errante. “Tenho curativos no casebre. Vou ficar bem.”

Trocou um breve olhar.

Antes de partir.

-oooooooooo-

“É tudo minha culpa.” Quinn jogou um bloco de papéis para longe do armário, tinha a respiração profundamente falha. “Por que fechei as malditas portas? Ela não precisaria roubar e não estaria machucada... O que eu fiz?”

A porta do quarto foi aberta.

“Q?” Brittany estava pendurada na fechadura. “O que houve?”

“Uma coisa horrível.”

Quinn caiu no chão e colocou a cabeça entre as mãos. Envergonhada. Abismada. Nunca pensou que pudesse fazer mal a uma pessoa que tivesse salvo sua vida, independente de quem fosse.

“Como assim?” Brittany abaixou ao lado dela.

Pela primeira vez, sua irmã contou tudo.

Não aguentou o peso da culpa.

“Sou um monstro.”

Brittany sorriu curto e puxou as mãos dela para longe daquele rosto desmanchado.

“Hoje não.” Sibilou a pequena. “Acho que Emma ficaria feliz com uma visita essa hora, você também tem alguém para visitar, não acha?”

Quinn nunca a amou tanto como naquele momento.

-oooooooooo-

As árvores foram ficando para trás em velocidade a medida que se embrenhava pela densa floresta. Chutou algumas pedras para fora do caminho e seguiu tranquila para o casebre.

Parou na encosta da subida quando avistou um rastro.

Sangue.

Como um grande tapete vermelho até a entrada da construção.

As estrelas atropelavam os céus naquele inicio de noite quando desembocou numa colina e desceu com o coração martelando na garganta. Correu pelas tábuas rabugentas e adentrou o recinto iluminado por uma única vela.

Estacou impotente.

Um corpo jazia no chão.

Olhos fechados.

Mãos rubras.

Sorriso morto.

“Não.” Caiu da boca pálida. “Meu Deus.”

 Pendeu em cima dos joelhos olhando para o corpo imóvel a sua frente. Não conseguia checar a respiração da garota, pois tinha medo do resultado. Fechou os olhos e sentiu as primeiras lágrimas queimarem.

“Você não pode estar...”

Foi impossível falar.

Queria que fosse apenas um pesadelo...

Mas sabia ser inútil, pois não poderia acordar.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela paciência. Estaria perdida sem isso. Percebam que durante os capítulos o tempo tem dado uma corrida, eu preciso adiantar um pouco as coisas, porque uma reviravolta de ideias não acontece da noite para o dia, a Quinn ficou questionando por dias se voltaria ou não e digamos que as circunstâncias ajudaram nisso..Fiquem atentos aos detalhes. Até o próximo leitores, boa semana.



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