Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 3
Breathe just breathe


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal. Consegui postar essa semana. Agradecimento especial a JUSTILIKE pela recomendação em 21. Fico muito feliz em saber que vocês ainda lêem as outras fics que já terminei, comentam e recomendam. Isso faz o meu dia. Tão lembrados que a Quinn está indo entregar a Rachel?



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Os corredores vazaram para o lado.


Pés apressados transpassaram a barreira de pessoas despreocupadas numa corrida sem adversários. Podia ver os armários ficando para trás e adolescentes de olhos grandes saindo da frente.



Parecia uma competição.



Na qual certamente sairia vitoriosa.



A porta da sala da diretora Silvéster quase foi arrancada das dobradiças. Quinn jogou-se para dentro com um segredo nos lábios e um sorriso interno de triunfo, mas perdeu tudo ao adentrar o recinto.



“Ela me sufocou durante minutos.” Marley Rose jazia sentada numa das cadeiras que circundavam a mesa principal. “Eu poderia ter morrido.” Acusou.



Quinn jogou os olhos para o canto esquerdo da sala. Não compreendia direito o que estava acontecendo. Tinha algo importante a dizer, mas tudo foi eclipsado quando vislumbrou a presença temerosa de Emma segurando os ombros de uma Brittany aflita.



Então, tudo ficou claro.



Sentiu os nervos explodirem em súplica.



“Ela me provocou.” Começou a descarregar as devesas que tinha. “Juro que não queria ter feito isso.”



“Então você confessa que a agrediu?” Sue interpôs.



“Sim, mas...”



A diretora fincou os pés no chão com ódio. Rumou até uma cadeira e jogou Quinn pelos pulsos. Puxou uma corda grossa e prendeu-a de imediato. Emma ficou em estado catatônico vendo o desespero da irmã Fabray mais velha tentando soltar as amarras.



“Eu lhe previne sobre o castigo que iria receber agindo de maneira imprópria.” Sue puxou Brittany pela trança e jogou-a no outro canto. Esticou a vara de bambu e mirou nas pernas da menina encolhida. “Parece que vou ter que demonstrar o quão séria são minhas ameaças.”



“Não, não, não!” Quinn se jogou de um lado para o outro. “Por favor. Ela é minha irmã mais nova.” Gritou no meio do desespero como se pudesse surtir algum efeito. “Faça o que quiser comigo, por favor, deixe ela fora disso.”



Marley sorriu num canto distante ao ver Sue andar na direção da menina amarrada e esticar as rugas podres em resposta.



“Devia ter pensado nisso antes.”



Ela berrou em protesto. Sue rumou ao encontro de uma Brittany de olhos perdidos. Emma correu até a cadeira de Quinn e ficou na sua frente, arriou os joelhos lentamente e sussurrou para a menina.



“Não olhe.”



O primeiro grito de criança que culminou na sala perfurou os ouvidos da menina mais velha sob a haste de uma dor sufocante. Fechou os olhos e agitou varias correntes de lágrimas para longe do rosto.



A surra prosseguiu.



“Para, para... Quinn.” Brittany gritou jogada no chão.



Foi o fim do mundo. Pode ser que existam muitas formas dele acabar, como vocês já devem estar familiarizados, talvez por fogo, água, fome ou guerras, mas ver uma pessoa que você ama pedindo ajuda e não servir para nada e o pior jeito de perder tudo.



O ataque de ansiedade voltou a açoitá-la.



Não havia ar suficiente.



“Respire com calma, minha menina.” Emma fez um dique de mãos em torno do rosto de Quinn. Houve um estancar de oxigênio tão grande que ela sentiu o teto girar. Jogou a visão para o lado e quando avistou uma listra de sangue manchando o chão, desmaiou.



–oooooooooo-



O teto voltou a posição normal. Plano e imóvel. Quinn levou o equivalente a alguns segundos para recobrar os últimos acontecimentos. Tinha um nó de suor na gola branca, a mão direita voltou a pulsar firme e um jorro de laminas quis cortar seu cérebro ao meio.



“Como se sente?” Emma caminhou pelo chão da enfermaria até ela.



“Brittany.” Resvalou. “Onde ela está?”



Ela deu um pulo da maca e quase caiu ao ficar de pé. A enfermeira Pillsbury colocou-a sentada servindo os braços como apoio. Passou a mão pela testa molhada dela e constatou que estava fervilhando.



“Sua febre está alta.” Segurou-a no lugar. “Você precisa descansar.”



“Tenho que vê-la, por favor.”



Emma assentiu, sem muita certeza. Passou um dos braços pálidos sobre seu pescoço e guiou-a até outra maca, jogada no canto mais distante da enfermaria. Uma menininha riscada por arranhões nos braços, roxos nas pernas e sangue na boca recebeu-a com um olhar doloroso.



“Britt.” Quinn segurou na beira da cama. Olhos carregados. Passou uma mão de leve sobre a dela e congelou quando a viu puxá-la para longe.



A garota machucada virou para a parede.



O silêncio invadiu o cômodo.



“Marley.” Quinn fechou os punhos e tremeu. O fluxo de adrenalina energizou seu corpo o suficiente para ela virar e andar rapidamente na direção oposta da sala. Aquela menina de olhos azuis carregados de maldade tinha que pagar.



Muito caro.



“Onde pensa que vai?” Emma entrou na frente da porta.



“Matá-la.” Rosnou com a testa fincada em fúria. “Vou acabar com a Rose. Saia da minha frente.”



“Não. Seja racional” A mulher segurou-a pelos ombros. Houve uma tentativa forte de fuga. “Se fizer qualquer coisa contra ela, sabe que a diretora irá castigá-la novamente. Não quero pensar no que ela pode fazer dessa vez, mas garanto que será muito pior.” Quinn desabou em lágrimas e jogou os braços ao redor da mulher.



Ela estava certa.



“Ela é minha irmã mais nova...” Choramingou no peito ferido de Emma. “Como pude deixar isso acontecer?”



Foi recolocada na maca. A mulher ao seu lado segurou sua mão e arrastou com delicadeza para a própria. Muitos tremores foram emanados de membros cansados e vazios. Quinn estava exausta.



“Precisa entender que coisas ruins acontecem e às vezes não podemos evitá-las, mas precisamos seguir em frente. Sempre.” Ditou para olhos verdes transbordando. “Você não teve culpa.”



Ela queria acreditar nisso.



Tentou com muito empenho.



Mas seu coração estava muito certo do contrário.



–oooooooooo-



O rádio anunciou as notícias exasperantes do dia. Fazia muito tempo que conspirava contra os habitantes daquele país, mas por incrível que pudesse parecer, uma vitória reluziu no meio da escuridão da perda.


Nova esperança para o povo alemão.


Hitler aparentemente ficou com medo de perder seus aliados Húngaros, desde o acordo que tentaram obter com o lado oposto( Aliados), então o Füeher usou sua cabeça abarrotada de idéias brilhantes e suicidas e mandou que seu exército tomasse a Hungria.



Mantendo assim uma linha importante de batalha.



Esse mérito aconteceu em 19 de abril de 1944. Dali a alguns dias eles perderiam o que conquistaram, mas isso é outra história. O importante é ressaltar que Quinn estava jogada sobre uma cadeira com as sobrancelhas erguidas, ouvindo as notícias e encarando o pai.



“O senhor acha que vamos vencer?”



Russel separou o jornal da face. Sorriu de lado ao responder.



“Temos força e coragem para isso, filha.” Ela não pareceu muito convencida. “Uma vez estava em batalha na França. As trincheiras estavam extremamente debilitadas e bombas explodiam para todos os lados. Minha arma estava leve, demais, o que indicava a falta de munição.” Quinn olhou atentamente. “Não havia saída. Pensei que seria o meu fim, então tanques apareceram e resgataram uma luta perdida. Eu fui recolhido por um homem bom e me tornei coronel.”



Ela odiava parábolas.



Metáforas.



Porque simplesmente não diziam logo o que queriam?



“O que estou tentando explicar é que: Sempre há uma saída.” Deu um tapinha no ombro dela. “Ainda que tudo pareça perdido.”



–oooooooooo-



Um ranger suave, quase mudo, despertou Brittany no inicio da noite. Uma dúzia de dias havia passado desde o pesadelo de hematomas que fora obrigada a receber. Não sentia mais dores, porém carregava o medo como bagagem.



Muito pesada.



“Bittany.” Quinn aproximou-se em pés crus. “Eu trouxe sua torta de morango preferida.” Derramou um prato em cima da cabeceira. “É bem grande.”



Ela não respondeu.



Encolhe-se em vários nós.



“Faz quase duas semanas que você não fala comigo.”



A menina continuou em sua posição de pedra. Não queria brigar, só um pouco de silêncio associado a paz já estaria de bom tamanho.



“Eu não queria que aquilo tivesse acontecido...” Quinn sussurrou perto do rosto dela. “Sinto muito.”



O lençol foi jogado para o lado e Brittany fincou os pés sobre a cama numa pose de fúria que não lhe era característica.



“Sente? Agora é tarde.” Bradou segurando a cintura. “Você prometeu que não ia machucar a Marley. Coisas ruins acontecem com promessas quebradas.”



Quinn perdeu alguns centímetros.



“Ela insultou o nosso pai.”



“Não importa.” A irmã mais nova gritou e empurrou-a para trás. “Sempre a ouço caçoando da nossa família, mas nunca rebato porque é isso que ela quer. Quem você acha que precisa crescer aqui?”



“Escute aqui.”



“Não.” Houve outro empurrão ligeiramente maior que o primeiro. “Talvez você pense que tudo gira ao seu redor, mas não é assim, as pessoas superam e seguem em frente, mas você continua parada no mesmo lugar, isso está te ferindo e a todos a sua volta.”



Em algum lugar, ouvi uma vez: Sabedoria não escolhe idade para se doar. Mais, não quer dizer melhor. Sempre vi pessoas vangloriando-se por ter um acréscimo de anos de vida no bolso.



Uma pena.



Nunca irão aprender nada achando que sabem tudo.



“Não quer falar comigo?” Quinn rebateu perdendo o controle. “Ótimo.”



Saiu trotando fora do recinto. Caminhou para as portas abertas da cozinha, saiu desolada e sem rumo para qualquer lugar longe dali.



–oooooooooo-



As crises de asfixia ocorriam de forma maçante. Uma espécie de bloco de concreto ficava alojado sobre o peito, forçando o coração a empurrá-lo e arranhando-o durante todo o processo.



Mãos empalideciam em lágrimas. Ficavam escorregadias e frias como gelo. Alguns tambores faziam-se presentes sobre as laterais de uma testa apertada.



Não era algo acalentador.



“Droga, droga, droga.” Quinn jogou-se de lado na margem oposta do rio Main. Segurou em uma pedra frágil e caiu de joelhos com as mãos sobre a garganta chorosa. “Para logo.”



Tinha certeza de que apagaria a qualquer momento.



Um tiro foi dado em seu pensamento.



“Respire devagar.” Uma voz surgiu a alguns metros.



Ela abriu os olhos quentes e embaçados, para seu espanto, a menina da estrela dourada estava espiando-a com uma capa cinza gasta, jogada nos ombros, olhos serenos e pés nus.



“Vá... embora.” Quinn teimou.



“Você está passando mal.”



“Não preciso da sua...ajuda.” saiu num rosno.



“Tem razão.” Ela ditou com voz melodiosa extremamente calma. “Você tem que se ajudar. Respire mais lentamente, vai te fazer bem.”



Acatar uma esmola de subsistência de uma judia estaria fora de cogitação na maioria das situações, mas naquele momento, que escolha ela tinha?



Quinn fechou os olhos e engatou uma respiração profunda. Sentiu os pulmões relaxarem e o coração começar a desacelerar, depois de muitos minutos a pressão ficou firme e ela tirou a pálpebra das pupilas avelã.



“Isso não muda nada.”



“Eu sei.” A judia deu um mínimo sorriso para ela e jogou as mãos no bolso. Quinn jurou que uma faca sairia de lá e a cortaria em pedacinhos, mas foi apenas um papel dobrado. Ele foi estendido e deixado no chão perto dos pés dela. “Isso é seu.”



Ela foi embora.



Como prometido.



A menina caída engatinhou até o pedaço de nota no chão. Puxou-o com cuidado e deu de cara com sua mãe sorrindo.



A foto.



Algo dentro dela saiu do lugar naquele instante. Não sentia mais tanto frio, uma linha quente envolveu-a como algo parecido com a gratidão, mesmo que fosse inimaginável. Porque aquele pequeno pedaço de papel, não somente trouxe sua mãe de volta, como também traria sua irmã.


–oooooooooo-


Brittany acordou na manhã seguinte saltitando com dificuldade. Tinha alguns roxos lívidos debaixo da blusa, um corte mínimo na covinha da boca e muitas câimbras musculares devido ao frio.



Abriu a porta do quarto pensando no café da manhã.



Seus pés esbarraram em algo.



Arriou as costas contra a parede e arrebatou o papel junto a um embrulho no chão fragilizado. Desdobrou-o encontrando um sorriso a muito esquecido, não pode evitar retribua-lo.



“Oi, mamãe.” Puxou um papelzinho que estava colado na aba do retrato.



Tinha uma mensagem rabiscada.



Você tem razão, a árvore está muito triste, quero que a preencha com vida, use todas as cores que quiser.



Quinn.



Ela puxou o pacote do chão e partiu o embrulho em pedaço.



Sorriu para uma nova coleção de canetas coloridas.



Sabia que esse era o jeito que a irmã tinha encontrado para pedir “desculpas” e que era o máximo que conseguiria dela, mas tudo bem. Brittany nunca guardava rancor das pessoas.



Principalmente das que ela mais amava.



–oooooooooo-



Quinn estava jogada sobre os lençóis dedilhando a janela numa noite nebulosa. Neve caia a espreita, dançando até se juntar ao tapete branco que cobria todo o chão. Estava intrigada com uma coisa muito peculiar.



Por duas vezes, falara com judeus.



E pela mesma quantidade de vezes, eles estavam descalços.



Pés crus na neve traiçoeira. Ela chegou a se martirizar por pensar nisso, mas era curioso o fato de conseguirem ficar com os pés queimando em opaco terroso sem expressar um mínimo de incomodo.



Talvez fossem imunes ao frio.



Ou não tivessem nascido com sensibilidade periférica.


“Não deve ser tão difícil.” Pensou alto. A porta abriu nesse exato momento.


“Posso entrar?” Russel Fabray estava parado no vão de madeira.



Quinn maneou a cabeça.



“Terei que ficar ausente nos próximos dias, querida.” Alertou-a sentando na beirada da cama. “Quero que tome conta da sua irmã até eu voltar. Nada de sair a noite, deixar portas destrancadas ou negligenciar os avisos no rádio.”



Um pequeno acréscimo a essas implicações.



O rádio era uma espécie de mensageiro. Não só atualizava o mundo sobre as noticias diárias como também anunciava a chegada de visitantes. Esses seres que vinham de todos os lugares não eram agradáveis e não possuíam nomes isolados.



Era um agrupamento de pólvora.



Que chegava para por fim a tudo.



Bombas.



“Sim, senhor.” Afirmou sem realmente saber como faria com que a irmã parasse com a mania de deixar portas abertas. “Aonde o senhor vai?”



“Isso é confidencial, amor.” Beijou a testa dela e a abraçou. “Lembra-se daquele homem bom que salvou minha vida na guerra?” Quinn assentiu. “Estou prestando um favor a ele agora. Eu lhe devo a minha vida.” Explicou. “Pessoas de bem, pagam suas dívidas.”



Russel partiu.



Quinn ficou com a consciência obesa.



“Dívidas...” Ela sussurrou para a neve negra. Estava em sérios apuros. Não dá para encostar a cabeça sobre o travesseiro e dormir uma noite tranquila estando em débito. Principalmente com um preço tão alto. “Joguei a pulseira no rio.”



Tinha obrigação de voltar ao casebre.



–oooooooooo-



Quinn retirou as botas e jogou-as num canto qualquer de gelo. O primeiro contato dos pés com o chão cinzento quase a cegou de dor. Estava prestes a apostar uma corrida para testar sua tese.



Indo vergonhosamente mal.



“Jesus, Maria, José e todos os integrantes do céu.” Gritou ao chegar perto do rio. Marcas roxas começaram a aparecer nas solas gastas dos pés. “Dói, dói, dói como fogo.”



Voltou voando dentro de segundos.



Amarrou as botas novamente com a promessa de nunca mais tirá-las. Sentia os pés em brasa e a pele arrepiada por baixo do casaco. Olhou exasperada para a macieira da outra extremidade.



“Como você consegue?”



Voltou para casa naquela tarde. Esbarrou com a porta da cozinha aberta e correu para o andar de cima. Não viu o obstáculo no último degrau e caiu emaranhada sobre ele.


“Oh, céus.” Levantou com dificuldade. “Brittany, quantas vezes vou ter que pedir para não deixar suas coisas no caminho?”


“Desculpe.” Ouviu o grito no fundo do corredor.



“E parar de deixar as portas abertas?”



“Desculpe.”



“Pare de pedir desculpas.”



“Desculpe.”



Quinn estreitou os olhos.



“O que fiz para merecer isso?” Abriu os braços e olhou para o teto. Quando abaixou os olhos, reparou no objeto que a fizera beijar o chão. Botas de couro marrom. Eram velhas, mas bem conservadas mesmo que Brittany não ligasse muito para elas. “Espera um pouco...”



Ela teve uma ideia.



Para solucionar boa parte dos seus problemas.



–oooooooooo-



O rádio começou a dialogar sobre pilotos ingleses assassinados nos campos de concentração alemãs e a morte do general britânico Orde Charles Wingate, criador das forças de combate especiais durante a Guerra da Birmânia.



Quinn sempre ficava atenta as noticias do dia.



Principalmente quando seu pai estava fora.



Sabe lá Deus onde.


“Aonde o nosso pai foi?” Brittany questionou durante o desjejum.


“Não sei.”



“Berlim? França? África?”



“Não faço ideia.” Já estava começando a perder a paciência. “Apenas coma o seu café, já estamos quase atrasadas.”



Depois dos pratos de cereais, jogaram as mochilas nas costas. Rumaram para as portas abertas e a irmã mais velha fez um esforço enorme para não ralhar com a mais nova.



Parecia que fazia de propósito.



Dobraram uma esquina com Brittany cantando uma musica baixinho e Quinn carregando muito peso pela sua inclinação para a direita. Pararam na travessia e ela virou-se para a menor.



“Siga mais quatro quadras nessa direção e você vai chegar na escola.” Enfatizou a ordem. “Não fale com estranhos e não pare até chegar lá, entendido?”



“Aonde você vai?” Indagou com as sobrancelhas arqueadas.



“Preciso resolver umas coisas.”



“Posso ir com você?”



“Não.” Pontuou. “Já estou a caminho.”



Quinn esperou-a atravessar e sumir de vista. Girou nos calcanhares em direção ao Rio Main. Ultrapassou a ponte e caiu na outra extremidade. Seu coração galgava na garganta quando atravessou o caminho de árvores. Um arbusto se mexeu e ela parou.



“Espera.” Ouviu um grito.



Brittany vinha correndo em sua direção com uma mão erguida e outra sobre o peito.



“Que diabos...” Praguejou vendo-a ficar cada vez mais próxima. “Você me seguiu? Não acredito que me desobedeceu...” Parou de bronquear quando viu um chumaço de papel erguido em sua direção pelo braço direito da menina.



“Esqueci de entregar.”



Quinn puxou o documento e abriu para encontrar uma macieira totalmente preenchida por vários tons. Verde, vermelho, algumas variações de rosa e amarelo. Arrependeu-se por ser tão insensível e engoliu em seco.



“Certo...” Coçou a garganta. “Agora, eu quero que me prometa que vai para a escola e não vai mudar o seu caminho. Promete?”



“Sim.” Ela sorriu e abraçou-a momentaneamente pela cintura. Depois saiu correndo em seus pulinhos habituais.



“Você sabe o que acontece com quebradores de promessas, não sabe?”



“Sei.” Parou do outro lado da ponte. “Eles ficam iguais a você!”



Quinn riu internamente na outra extremidade.



“Garota esperta.” Sussurrou.



Agora tinha um dever a cumprir.



Procurar uma pulseira perdida num inferno de gelo.



–ooooooooooo-



O pequeno córrego de água cristalina culminava num rio de pequeno porte e alicerces rasos, mas mortalmente frio. Quinn deixou as botas descansando na margem e amaldiçoou-se por ter escolhido um lugar tão terrível para se livrar da pulseira.



“Droga.” Resmungou.



Foi cada vez mais de encontro ao centro do oceano calmo. Quanto mais se afastava da extremidade mais submersa ficava.



“Porque não joguei essa porcaria numa cama quentinha ou numa lareira? Não, tinha que ser num rio congelado. Muito inteligente, Fabray.”



A água já estava na altura dos seus ombros quando um brilho dourado reluziu do fundo. Caminhou até uma ninharia de minério e avistou a estrela protegida por uma pedra de porte médio.



O problema era que estava presa.



Teria que mergulhar para apanhá-la.



“Que maravilha.” Saiu um sopro sarcástico.



Puxou uma forte corrente de ar e contou até três uma centena de vezes até o mergulho. Ela já esperava um choque térmico nada luxuoso vindo de baixo do gelo. Todas as suas terminações musculares ergueram-se em câimbras.



Mas não podia parar.



Estava em débito. Tinha que pagar.



Arrastou os dedos pelas pedras e chegou até uma linha mórbida amarela, puxou-a delicadamente. Não houve deslocamento. Usou o pé para empurrar a pedra enquanto entranhava os dedos na corrente. Fez uma força considerável, mas nada aconteceu.



Depois de alguns minutos o ar fez falta e ela cometeu a injúria de abrir a boca. A água cegou e rasgou sua garganta. Precisava sair dali, mas não queria ter o desprazer de mergulhar novamente.



Um último pensamento a atingiu.



Tinha que ser rápida e jogar todas as forças num último puxão. Agarrou-se a pedra, preparou os pés e empurrou ao mesmo tempo em que navegou para cima.



Saiu da água com asfixia e jogou-se na outra margem do rio. Tremia por completo e mal conseguia sentir as extremidades do corpo. Olhou para o lado, sua mão descansava sangrando e enrolada por um fio de ouro.



Sorriu por trás do vermelho.



“Consegui.”



–oooooooooo-



O casebre continuava de pé mesmo parecendo balançar com os sopros do vento. Quinn caminhou com cuidado pela propriedade antiga. Não via sinais de que alguém estivesse ali.



“Talvez tenha saído.”



Pensou em deixar as coisas ao lado de uma caixa na varanda, mas foi interrompida pela pancada de um galho contra sua cabeça. Caiu no chão com a testa latejando em protesto.



“Oh, Deus.” A judia de porte pequeno abaixou a arma e alargou os olhos. “Desculpe, pensei que fosse um nazista.”



“Eu sou nazista.” Quinn rebateu com a mão sobre o coro cabeludo. Ao ouvir isso a judia levantou a madeira novamente e a loira se arrependeu das palavras esticando a mão direita. “Calma, vim devolver isso.”



Depositou a linha de ouro lentamente sobre a neve fofa.



Os olhos chocolate dissolveram em agradecimento.



Ela ficou muda e recolheu a pulseira.



“Seus pés devem estar congelando.” Quinn olhou-os cautelosamente. Ela tinha um par pequeno, chamuscados de roxo nas laterais e levemente rosados no calcanhar. Retirou lentamente um par de botas da mochila e deposito-os no mesmo lugar em que deixara a jóia. “Eram da minha irmã, acho que vocês calçam igual.”



A garota ficou estática, encarando-a.



Quinn devolveu o olhar sem pestanejar e sentiu novamente uma fagulha de calor perto do peito, mas tratou de repeli-la rapidamente.



“Minha dívida está paga.” Falou ríspida.



“Do que você está falando?”



“Você me ajudou e eu te ajudei.” Deu de ombros. “Estamos quites.”



“Quer dizer que uma pulseira de ouro e um par de botas valem a sua vida?” Ela riu curtamente da cara fechada de Quinn. “Achei que fosse me relatar.”



“Eu vou.” Bradou entre dentes.



“Bem, você não parece estar fazendo um bom trabalho.”



Quinn ficou rubra com a ousadia da garota.



“Você está me provocando?”



“Não.” Ela pareceu muito complacente e verdadeira. “Estava brincando. Você é muito séria.”



“Isso é problema meu.”



Ela esticou as mãos para o alto em rendimento. Calçou as botas, ficou feliz ao constatar que lhe caiam muito bem. Sorriu para a garota oposta que permaneceu numa expressão inquebrável.



“Obrigada.” Sibilou melodiosamente. “Mas se quer realmente me ajudar, talvez pudesse me dar uma mãozinha na reconstrução do meu telhado.”



Quinn olhou para a construção cambaleante com esgar.



“Você só pode estar de brincadeira.”



“Não.” Contrariou sorrindo. “Você não gosta de brincadeiras.”



Outra provocação?



A alemã bufou e virou as costas.



“Espera.” Ouviu o grito e amaldiçôo-se por parar. “É que faz um tempo que eu não falo com ninguém.”



“Problema é seu.”



Saiu trotando para longe. Não deu nem dois passos na direção oposta e começou a se sentir uma inútil. “Quer dizer que uma pulseira de ouro e um par de botas valem a sua vida?” Ela sabia que não. Isso iria ecoar e assombrá-la por noites se deixasse as coisas dessa maneira.



“É oficial.” Resmungou. “Eu me odeio.”



Fez o caminho de volta. Encontrou a judia carregando madeiras e olhando-a com as sobrancelhas erguidas.



“Só vou ajudar até o telhado ficar pronto. Não vamos conversar, respirar ou rir juntas. Tenho aversão ao seu povo. Não sou sua amiga e nunca serei. Entendeu, judia?”



“Rachel.”



Quinn franziu o cenho.



“O quê?”



“Meu nome é Rachel.”



“Tanto faz.” Rebateu vendo-a rir novamente e perguntando internamente o que podia ser tão engraçado? “Virei amanhã depois da escola.”



Ditou e correu para longe.



Estava atrasada e receberia um alerta por isso.



Sentia-se com uma corda no pescoço cada vez mais apertada. E por incrível que pudesse parecer, de alguma forma inexplicável, tinha consciência de que estava fazendo o certo.



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Notas finais do capítulo

Obs: O barulho de um cuco soando no rádio anunciava a chegada de bombas nas cidades alemãs. Isto é verídico. Estou seguindo a cronologia da guerra. Boa semana e até o próximo.



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