Cold Sun-Faberry escrita por jeanfeelings


Capítulo 1
If you weren't real I would make you up


Notas iniciais do capítulo

Voltei, estava sentindo a falta de vocês. Chegando a minha terceira história aqui e muito feliz com esse feito. Depois de ler tanto sobre segunda guerra eu tinha a obrigação de fazer uma história a respeito. Estou devendo um agradecimento especial a DÉBORA, SWIFTGRON, F4BERRY pelas recomendações em 21.

Sem mais delongas. Boa leitura.



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“Ela vislumbrou uma estrela dourada no meio da escuridão...”

-oooooooooo-

Ter muito para contar acusa uma preocupação incabível de por onde começar? Então farei as honras através de um número grande: 1944. Uma combinação pesada, carregada por almas incandescentes e socorros mudos.

            Cinco anos de guerra.

           

            É prudente prosseguir com as apresentações. Dois nomes poderiam ser acrescentados a lista de convidados: Eixo e Aliados. Os atores principais dessa trama catastrófica.

            Numa extremidade; Alemanha, Japão e Itália.

            Noutra; União soviética, Estados Unidos e Reino unido.

            Você já deve estar familiarizado com alguns deles e se não estiver hoje, não fique surpreso quando for apresentado. Eles deixaram uma marca inapagável, moldada nas asas do tempo.

            O que realmente me deixa descontente é que pensem que foram só eles.

           

            Podem ter sido as pontas de um marco, mas e o meio?

           

            E as pessoas que estavam no centro do fogo cruzado?

            Famílias. Sonhadores. Bons feitores. Não possuem nome, só um adjetivo fajuto que representa uma coletividade desinteressante. Nunca foram lembrados, saudados ou justamente honrados.

            Mas isso irá mudar.

            Há uma história impossível. Dois mundos estavam prestes a colidir e deixar algum vestígio de paz em tempos de extremo caos. Esqueça o que já sabe, porque o que realmente importa é o que está prestes a descobrir.

-oooooooooo-

            O vento soprou uma baforada gélida no desenrolar da noite em Würzburg. Alguns graus estavam abaixo da temperatura habitual. Março chegou imponente, congelando o manto do rio Main.

            Uma oportunidade única.

            “Está escorregadio. Tome cuidado.” Uma menina de pele giz, com cachos dourados alertou à irmã mais nova. “Estou falando sério, Brittany.”

            Não houve muita discussão depois desse impasse. Desceram a beira da colina que circundava a ponte Alte Mainbrücke e caíram num vale de água congelada. As estrelas já estavam sumindo, indicando que em menos de uma hora o dia chegaria.

           

            “Não temos muito tempo.” Alertou a mais velha.

            “Relaxe, Quinn.” Bradou a outra menina arrumando a gola do casaco e calçando os patins. “Vai ser divertido.”

            Quinn revirou os olhos âmbar e tratou de imitá-la. Desceram pelo vidro gelado e começaram a dar as primeiras passadas sobre a leveza glacial.

Era um momento de liberdade fraternal.

            Os primeiros rabiscos foram desenhados sobre a pista. Britanny dava passadas longas e pesadas. Não era o que poderia se chamar de prodígio, mas ela gostava. Afirmava que se pudesse andar sobre o gelo sem cair, todo o resto era possível.

            Quinn era o extremo oposto. Trocava as pernas com uma sutileza inestimável. Abria os braços numa dança ao redor de si mesma e girava por intermináveis vezes. Sem nunca perder o equilíbrio.

            “Você é boa.” Brittany bateu palmas. “Pode ser profissional um dia.”

            Ela apenas revirou os olhos, cética. Tinha uma irmã bondosa e simultaneamente sonhadora, daquele tipo que busca uma maneira de seguir em frente sobre um campo minado.

            Mas ela tinha os pés no chão.

            Andaram por mais alguns minutos. Exploraram a área ao máximo. Sabiam de suas limitações perfeitamente bem. O gelo branco era um sinal de que podia deslizar sem preocupação, mas um simples sorriso de azul por baixo do transparente era um alerta de que deviam voltar.

            Quinn alcançou a borda e ouviu um farfalhar distinto.

            Checou a pobre escuridão e distinguiu uma árvore fina, dançando sem a menor influência do vento. Todos os sinais de alerta foram acordados. Por alguma razão, jurou que tinha alguém ali.

            “Algum problema?” Brittany derrapou parando por perto.

            “Não.” Voltou a atenção para o céu azul cinzento. “Vamos para casa.”

            Brittany assentiu, deixou a irmã passar na frente e arriscou uma espiada na macieira antes de partir. Um sorriso foi desenhado em seu rosto.

-oooooooooo-

            O sol estava martelando as nuvens gordas de cinza. Buscando qualquer brecha para customizar um sorriso a muito esquecido. Quinn agarrou o casaco por cima do uniforme da juventude hitlerista e o dobrou na frente do corpo.

            Adorava a neve.

            Odiava o frio.

            Os dois são irmãos gêmeos. Aparentemente, não faz muito sentido elogiar um e desdenhar do outro, mas há uma grande diferença. A neve era fofa e formava pistas de patinação. O frio era térreo e congelava os pés no primeiro contado fora das botas.

            Nem mesmo o sol era quente.

            Não saberia definir o que seria o calor. Já almejou a sensação por várias vezes, mas nunca soube realmente como era. Talvez nunca soubesse.

            “Ande mais depressa, Brittany.”

            A mais nova apertou os pés contra a areia fofa e começou a assobiar uma música alegre enquanto seguia a irmã de rosto distorcido até a escola.

-oooooooooo-

            A neve prosseguiu imponente, fazendo seu caminho em espirais até o solo. Quinn encostou a cabeça na janela fria e observou o céu. Era cinza manchado de pérola. Soltou um jorro de ar profundo. A aula era sobre o que ocorria nos campo de concentração de que tanto os nazistas se orgulhavam.

            Um vídeo prestigiou a palestra.

            Judeus felizes saudavam as câmeras.

            Alguns apareceram carregando mudas de árvores, outros colhendo e cantando em uníssono. Quinn olhou pelo canto dos olhos e sentiu as mãos tremerem. Não conseguiu reprimir o comprimir da mandíbula e o apertar de olhos flamejantes.

            “Deviam estar mortos.” Sussurrou para si mesma. “Todos eles.”

            A freira Sue Sylvester passou por ela com um pedaço de bambu extremamente doloroso e esmurrou-o na mesa fazendo-a quase cair da cadeira.

            “Receio que minha aula a esteja entediando, senhorita Fabray.”

            “Já que a senhora comentou...” Quinn levantou os olhos negros. “Dizer que está um tédio seria uma grande generosidade da minha parte.”

            Sue quase derramou sangue ao morder os lábios contraídos. Apontou para a porta de saída e levantou sua “arma” contra a cabeça da aluna. Foi uma surra memorável. Quinn ganhou um conjunto de hematomas nas pernas e acima da cintura.

             No entanto, não houve gritos, lágrimas ou reclamações.

            Quinn esboçou um sorriso ao sentar na cadeira.

            Fora mutilada sem dar um pio. Um sinal de força e ausência de medo inestimáveis.

A vitória do dia.

-oooooooooo-

            O refeitório da escola estava abarrotado de palavras altas e mastigação. Quinn sentou-se sozinha na mesa do canto, como de costume, retirou um sanduíche de frango e suco de uva da bolsa e começou a degustar a refeição ao mesmo tempo em que desenhava um esboço de uma macieira.

            Solitária.

            Fria.

Como ela.

Rabiscou vários traços para enfeitar os galhos e esmigalhou um pedaço da ponta do lápis, para em seguida jogar sobre o tronco confeccionando um bonito esfumaçado. Estava perfeitamente igual a que havia visto mais cedo.

A árvore que tinha vida própria.

Não precisava do vento.

“Talvez eu te entenda, gostaria que alguém me entendesse.”

Não obteve tempo para dar continuidade aos devaneios, pois um copo voou na parede do refeitório trincando em vários. Olhou para a origem do arremesso e vislumbrou estática, uma Brittany segura pelo colarinho da camisa por sua maior inimiga.

Marley Rose.

“O que eu disse sobre passar perto dessa mesa, Fabray?” Marley falou para os olhos amedrontados da irmã mais nova de Quinn. “Acho que você precisa de uma demonstração.”

A garota de olhos azuis pesados e cachos chocolate era extremamente invejosa quando se tratava da família Fabray. Rixa que nasceu através de uma discordância entre seus respectivos pais. O problema acabou passando para a próxima geração.

“Solte-a.”

Quinn tinha a mandíbula apertada e os punhos travados junto ao corpo. Marley sorriu triunfante. Puxou um pedaço de papel da bolsa de Brittany e jogou-a com tudo no chão de aço. Abriu-o e ergueu as sobrancelhas em êxtase.

“Ora, ora... Quer dizer que essa é a mãe de vocês? Agora vejo de onde herdaram esse nariz fino horrível!”

Houve um soco deferido de um pulso triunfante, seguido por vários outros. Quinn desintegrou-a no piso e continuou a sessão de jabes acertando principalmente o nariz da garota. O sangue começou a empapar a face distorcida da menina oposta quando uma freira prendeu os braços da agressora e a puxou para longe.

“Quem tem o nariz feio agora, Rose?”

Foi levada para a secretaria.

-oooooooooo-

            Brittany estava deitada na cama, brincando com a ponta do lençol quando ouviu algumas batidas ritmadas vindo da porta. Dobrou os joelhos sobre o peito e sentiu as primeiras lágrimas começarem a chegar.

           

            “Posso entrar?”

           

            Ela só maneou a cabeça em resposta.

            Quinn deu dois passos para dentro e vislumbrou as invenções corriqueiras que enfeitavam o quarto da irmã. Um castelo de madeira feito de palitos de picolé no canto direito, mensageiros de vento feitos de estrelas e conchas emaranhados na janela e um cobertor com divisórias para os braços e as pernas.

            A primeira vez que viu aquele cobertor foi inundada por uma curiosidade nociva. Perguntou qual era seu propósito? Brittany explicou que sentia diferentes tipos de frio em cada região do corpo.

            Os pés ficavam destapados.

            Os braços encolhidos.

            A solução foi colocar poucas camadas para embalar os pés e muitas para os braços e costurá-las num mesmo tecido. Tornando-o ideal para ela e eliminando a necessidade de sentir qualquer desconforto.

            Quinn ficou impressionada.

            Nunca tinha parado para pensar nisso.

            Pequenas coisas podem fazer a diferença.

            “Trouxe um pedaço de pizza.” Falou sentando no espaço vazio da cama. “Você não desceu para o jantar. Deve estar faminta.”

            Não houve resposta.

            Ela insistiu.

            “Hey.” Cutucou-a nas costelas. “Vai me deixar falando sozinha?”

            A irmã mais nova virou delicadamente. Carregava nos lábios um vazio e nos olhos líquido transparente. Agarrou ainda mais a ponta de sua invenção e apertou as pálpebras esperando que a dor parasse.

           

            Não surtiu efeito.

            “Brittany.” Quinn agarrou o braço direito dela e afagou-o com carinho. “Estou aqui. Fale comigo.”

            “Ela levou a foto.”

            Foi a última declaração quando sentiu os músculos da irmã ficarem tensionados numa proporção perigosa. Quinn tinha ataques de fúria muito conturbados e uma falta de autocontrole esmagadora.

            “Não acredito que deixei isso acontecer, eu devia... ela não tem o direito.” Começou a se perder nas curvas confusas do ódio. “Vou resolver isso amanhã na escola, sem falta, ela nunca mais irá importuná-la.”

            Brittany levantou num impulso e rodeou os ombros dela sentindo a pulsação acalentar aos poucos.

            “Eu também sinto falta dela.”

            Quinn trancou os olhos e tentou afastar a irmã que se agarrou ainda mais. Não estavam mais se referindo a Marley, a última frase mudou de sujeito. O peso que carregava com relação a essa segunda pessoa era muito maior.

            Quase insustentável.

            “Prometa que não irá machucar a Rose.”

           

            “Brittany...” Quinn bufou contrariada.

            “Estou pedindo, por favor.”

            Não houve muito que dizer a não ser “sim”. Quinn ficou em extremo silêncio, observando o armário do canto esquerdo. Um compartimento cinza que estragava toda estética do recinto.

            “Pare de encará-lo.” Brittany ordenou.

            “Esse armário é horrível.” Deu de ombros. “Não sei por que quis ficar com ele.”  

           

            A menina levantou sorrindo entre pulinhos e caminho em direção a parede acinzentada.

            “Porque ele é embutido na parede e forrado por aço.” Sorriu muito complacente consigo mesma. “Resistente a explosões e traças.”

            Quinn revirou os olhos, continuou sem entender as vantagens.

            E a noite prosseguiu como um inferno de gelo.

-oooooooooo-

Houve um tiro, gritos e muitas lágrimas. Quinn acordou mergulhada em suor. Olhou um pouco alienada para o relógio e constatou que o pesadelo habitual chegara mais cedo aquele dia.

            Era sempre o mesmo.

            “Droga.”

            Levantou sonsa, trotando entre a escuridão do quarto e o auxílio de uma noite fria. Abriu o armário normal que tinha e colheu roupas quentes. Trocou-se rapidamente e passou a mão nos patins.

            Adentrou a cozinha em total silêncio. Sairia pela porta dos fundos, mas antes queria comer o último pedaço do bolo de chocolate que a empregada fizera. Caminhou até a mesa e puxou a tampa da bandeja amarela.

            Só encontrou migalhas.

            Brittany devia ter comido a sobra.

            “Maldição.” Encaixou o objeto com um pouco de força e caminhou até a porta. “Minha “sorte” deve ser a mais invejável do mundo.”

            Os tripulantes do Titanic certamente discordariam.

            Quinn saiu para o vento fugaz e dobrou-se em duas para retirar um pouco de frio do rosto. Não precisou de força para destrancar o portão que já estava aberto. Passou pelas ruas habituais, traçando o caminho até o rio Main. Não havia muito mais a fazer quatro horas da manhã.

           

            Sentia a cabeça diluindo aos poucos.

            Estava abarrotada por Marleys e tiros. Não queria ter pensamentos mortais antes do amanhecer, honestamente queria a cabeça livre.

            Posicionou os patins arranhando o chão.

            “Take a sad song and make it better, remember to let her into your heart
then you can start to make it better.”

            Dançou seguindo as notas dos próprios lábios. Esticou o braço ao saltar em uma curva e girou tantas vezes quanto foi capaz. O cérebro nublou e ficou negro. Finalmente se sentiu em paz.

            Livre de pensamentos.

            Até que houve um disparo imaginário. Quinn perdeu o equilíbrio ao vislumbrar a arma e caiu no gelo maciço. Fechou os olhos com força e sentiu a força das primeiras lágrimas querendo abandoná-la.

            “Não podia ter acontecido.” A voz saiu num fio. “Sinto sua falta, todos os dias.” Sentiu a pele queimar e esmurrou o gelo com os cotovelos. Uma, duas, três, quatro vezes. Até que a dor se fez presente, mesclada a sangue. “Droga, droga, droga.”

            Sentou-se sobre a cobertura fria e alisou os machucados, mas a atenção rapidamente mudou de rumo quando a mesma árvore de antes voltou a dançar sozinha.

            Tinha alguém ali.

            “Chega.” Levantou furiosa. Esmurrou o gelo com os pés numa corrida até a macieira, rumou para a outra extremidade.

            Deu de cara com o vazio.

            “Mas eu jurava que...” Não podia estar em seu melhor juízo vendo coisas que não existiam. “Estou enlouquecendo.”

            Bufou no silêncio da noite e girou os calcanhares na direção oposta.

-oooooooooo-

            Quinn arrumou a mochila nos ombros e rumou para a cozinha buscando uma fruta antes de ir para a escola. Precisava de energia para realizar um ato impossível: Recuperar a foto sem torcer a cara de Marley pra o lado.

            Avistou a fruteira que até poucos segundos estava cheia, totalmente vazia.

            “O que está acontecendo?”

            O apetite de Brittany estava desregulado ou um rato enorme devia estar fazendo a festa com toda a comida. As duas hipóteses eram duvidáveis, mas plausíveis.

            Rumou com o estômago reclamando na mesma altura da cabeça até a porta e não precisou girar a maçaneta.

           

            Estava aberta.

            Odiava encontrar portas que deveriam estar fechadas, destrancadas. Eram tempos de calamidade e extremamente negligente cometer tal deslize. Podia lhes custar a vida.

            “Britanny.” Gritou no último degrau da escadaria que dava para os quartos no andar superior. “Já disse um milhão de vezes para não deixar as portas abertas. Não me faça repetir.”

            “Desculpe.” A irmã apareceu na extremidade do vão.

            Girou furiosamente para fora da casa. O portão estava escancarado. Quinn apertou o passo em total exasperação. Algumas ruas depois sentiu o peito comprimir e a respiração acelerar como se disputasse uma corrida.

            Caiu de lado, apoiando inutilmente na parede.

            “Droga.” Fechou os olhos tentando concentrar-se em qualquer coisa fora a dor e a ausência cada vez maior de oxigênio. O suor frio brotou na pele de gelo entorpecendo os sentidos.

            Sentiu uma mão afagá-la.

            E no segundo seguinte, desmaiou.

-oooooooooo-

            As paredes da ala hospitalar estalaram e mudaram de lugar a medida que olhos avelã tentavam focar um ponto estável. Tinha a cabeça pesada como chumbo e uma das mãos inchada e latejante.

            “Olá, novamente, senhorita Fabray.”

            A enfermeira da juventude hitlerista era uma mulher bondosa, de olhos esverdeados, mãos delicadas e cabelos ruivos caindo acima dos ombros.

            “Enfermeira Pillsbury.”

            “Esta deve ser a quarta visita do mês.” Tentou colocar um espírito mais alegre naquela situação inadequada. “Seus ataques de ansiedade estão piorando. Você caiu sobre a mão direita e sofreu uma torção, ficara sem usá-la por um tempo.”

            Quinn levantou de imediato e perdeu o equilíbrio sendo auxiliada por Emma na quase visita ao chão.

            “Estou bem.” Mentiu.

            “Querida.” A mulher afagou as costas tensas e colocou-a sentada na maca. Observou-a por um instante, lhe entregou uma expressão acolhedora que rapidamente foi repelida com um fechar de olhos. “Você precisa de ajuda. Tem que arrumar um jeito de colocar para fora o que está lhe perturbando para conseguir seguir em frente.”

            Ela estava certa, mas era complicado e doloroso. Pensar no assunto criava uma corrente de náuseas tão forte que ela não conseguia suportar, falar sobre, era quase impossível.

            Quinn apertou os olhos.

            “Estou atrasada para a aula.” Disse apoiando o corpo contra a parede e encarando a enfermeira. “Deixe-me ir, por favor.”

            Emma assentiu tristemente.

            Antes de sair, Quinn girou com uma questão necessária.

            “Como vim parar aqui?”

            A enfermeira juntou as mãos e dobrou os ombros.

           

            “Encontrei-a desmaiada na entrada do pátio, sozinha.” Houve uma explicação curta sobre ela ter caído muito longe dali. Emma trocou as sobrancelhas. “Parece que você deve um obrigada a alguém.”

-oooooooooo-

            O sinal finamente foi acionado libertando a loira de uma gama de correntes tortuosas. Rumou pelos corredores apinhados com a mão pulsando e olhos decididos. Tinha alguém para interceptar. Não iria embora sem cumprir seu dever.

            “Rose.”

            Marley levou um susto e bateu a cabeça contra o armário formando uma inclinação no local. Ergueu as sobrancelhas para Quinn e tentou levantar o nariz, mas recuou devido a dor que o circundava desde o dia que o quebrara.

            “O que você quer?”

            “A foto que pegou da minha irmã.” Se aproximou com um brilho perigoso nos olhos. “Devolva e prometo não terminar de arrancar o seu nariz.” Rosnou.

            Claro que a menina engoliu em seco diante da ameaça, mas não iria perder assim tão fácil. Jurou que vingaria seu pai da vergonha de perder um cargo de confiança para Russel Fabray.

            Estava na hora.

            “Não está aqui comigo.”

            Quinn cerrou os punhos. Duas coisas evitaram que ela cometesse uma atrocidade naquele local público. Primeiro, sua mão estava muito prejudicada para ser usada corretamente. Segundo, ela prometera a Brittany.

            Se existia algo de bom nela era valorizar a palavra.

            “Onde está?” Perguntou arquitetando uma paciência inexistente.

             “Hoje à tarde, vá até o rio Main.” Marley sugeriu com o rosto impassível. “E eu lhe devolverei.”

            Houve uma troca de olhares destrutiva.

            E o acordo estava selado.

-oooooooooo-

            O portão ter sido novamente deixado aberto, as sobremesas terem se esgotado e a pouca circulação nos dedos entorpecidos não foram suficientes para abalar a irmã Fabray mais velha aquele dia.

            Apenas um objetivo a importunava.

           

            Recuperar a jóia da sua irmã.

            Desceu a inclinação do rio rumo a ponte. Caminhou, cobrindo o rosto para proteger a pele contra os flocos de neve que insistiam em lhe queimar. Jogou o corpo para frente lutando contra o vento congelado e o escurecer.

            “Rose.” Gritou ao avistar a menina na outra extremidade. “Onde está?”

            Marley sorriu branco, mas algo estava muito errado por trás daquela alegria. Ela esticou o dedo, indicado um local abaixo da ponte. Quinn inclinou-se na borda para ter uma visibilidade maior.

            Na superfície fina, preenchida de azul, segura no lugar por um barbante preso em uma pedra, descansava um papel solitário.

            “Achou que seria assim tão fácil?”

            Quinn teve vontade de rumar até ela e jogá-la da ponte. Sentiu os músculos implorando para comprimir aquele pescoço ridículo, mas prometera a Brittany. E podia ser tudo de ruim, mas cumpria suas promessas.

            “Honestamente, está fácil demais.”

            Desdenhou. Uma mentira óbvia. Ela sabia muito bem, mas ver a expressão de descontentamento no rosto daquela imunda foi compensador. Desceu com o peito reto até os confins do rio.

            Acelerou quando pisava no branco.

            E diminuiu ao colidir com o azul.

            “Eu consigo. Posso fazer isso.” Esticou o pé para testar a reação que o peso esboçaria no gelo. Nada. Continuou, passo a passo. Cada vez mais perto do que queria. Sorriu quando pisou a alguns centímetros da foto e abaixou para pegá-la. “Sugiro que seja mais criativa da próxima vez, Marley. Apesar de não poder culpá-la. O fracasso está no sangue.”

            Nesse exato momento uma rachadura arranhou o chão de gelo.

            Um emaranhado da mesma entrou em combustão.

           

            E cresceram como raízes. Quinn sentiu o coração quebrar de medo quando caiu de lado sobre uma ilha pequena de gelo. Agarrou-se a borda errante com a mão ferida e acabou escorregando para o abismo de água congelada.

-oooooooooo-

            Um sorriso negro.

            Foi a última lembrança de Quinn antes de emergir num terror líquido infinito. O primeiro contato com água dobrou todas as terminações musculares e encolheu seus nervos. Destroçou parte dos pulmões ao abrir a boca em busca de ar.

            Nadou em direção a superfície, mas já estava alienada.

            Mantinha os olhos fechados para evitar uma dor ainda mais excruciante. Martelou o teto de gelo, num pedido mudo de socorro. Tudo em vão.

            Vou morrer.

            Eu já pensei nessa sentença. Você também. Ela certamente estava pensando agora, mas o que estou tentando sublinhar é o fato de que todos que concordam com o que acabei de afirmar estão vivos.

            Quão irônico, não?

            O mundo começou a ficar silencioso e os pensamentos vagaram para algum lugar distante. Não havia mais sentidos em gritar sob desespero. Só existia a espera.

            Curta.

            Certa.

            Conformou-se. Então a dor voltou num solavanco. Num minuto o mundo explodiu em chamas e começou a devorá-la. Devia estar sendo carregada para um lugar terrível, mas estranhou o fato dos pulmões estarem agradecendo por inundarem-se de...ar.

            Algo amarelo brilhou no canto do seu olho antes de tudo apagar.

           

-oooooooooo-

            A alienação de acordar em um local desconhecido é aterradora. Quinn viu muitos vultos causados pelo que parecia ser a sombra confeccionada por labaredas de uma lareira fraca.

            Tentou esticar os membros doloridos, mas foi parada. Uma corrente de braços a manteve no lugar e afagou seus cabelos.

            “Calma...” Ouviu uma voz feminina.

            “Onde estou?”

           

            Sentiu a pele sobre a mão dissolver quando entrou em contato com uma solução fugaz. O cheiro inconfundível de álcool entorpeceu o olfato fazendo-a perder o mínimo de consciência que restava. 

            “Está segura.” Sentiu braços puxarem-na para cima. “Estou tentando controlar sua febre, tente dormir.”

           

            Quinn exalou preocupação. Estava morrendo de medo, mas não se importou em ficar ali. Onde quer que fosse, pois havia algo diferente. Novo.  Que fazia a dor perder peso até perecer.

            Por incrível que pudesse parecer, ela reconheceu.

            Calor.

            Não devia confiar em estranhos, mas nesse momento não tinha muitas opções. Relaxou o máximo que pode aproveitando a sensação de acalento acariciando seus ossos moldados em gelo.

            “Eu morri?” Sussurrou debilmente a beira da inconsciência.

            “Não.”

            “Você é um anjo?” Estava delirando.

            “Não.” Sorriu uma nota de música. “Mas vou cuidar de você.”

            A escuridão queria engoli-la. Estava pronta para se entregar quando algo dourado reluziu no escuro. Uma estrela descansando sobre o pulso que a segurava. Os olhos verdes brilharam depois de muitos anos até serem lentamente fechados.

-oooooooooo-

            O frio voltou. Despiu um sopro debochado nos ouvidos vermelhos de Quinn. Ela acordou desnorteada. Estava rodeada por familiaridade. Sentou-se na cama e observou ao redor.

           

            Seu quarto.

            “Como vim parar aqui?”

           

            Observou o corpo. A atadura na mão machucada estava intacta, assim como todo resto. Nada parecia diferente. Não havia fotos, rios ou estrelas.

            “Não, não, não...” Correu para o lado de fora e vislumbrou a noite que se despedia. O portão estava aberto como sempre. Caminhou até ele se apoiando na lateral. Se tudo que aconteceu foi uma pegadinha de sua imaginação, só podia chegar a uma conclusão. “Estou louca. Meu Deus.”

            Girou o corpo quando sentiu algo lhe cortar o pé nu. Uma gota de sangue caiu solitária e moldou o gelo ao lado de uma linha amarela. Quinn entrelaçou as sobrancelhas e dobrou os joelhos para pegar a pulseira.

            “Uma estrela dourada.” Sussurrou com o objeto perto dos lábios. Dobrou a relíquia entre os dedos e segurou-a triunfante. Aquele pequeno pedaço de ouro era a prova irrefutável de que tudo realmente acontecera. Não estava louca. Olhou ao redor, não viu ninguém, mas afirmou para o nada. “Você é real.”


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Notas finais do capítulo

Obs: Quinn canta uma parte de Hey Jude nesse capítulo. Os Beatles surgiram em 1960, ou seja, anos depois da segunda guerra, mas honestamente, em tempos como aqueles, músicas que trazem esperança já deveriam ter sido compostas. Então, vamos usar a imaginação um pouquinho.

Tentarei ser bem leal a cronologia da guerra.

Obrigada a todos que ainda me acompanham e vem aqui me aturar sempre. Vocês fazem tudo ficar ainda melhor. Boa semana e até o próximo.



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