A Lenda Dos Encantrios escrita por Any Queen


Capítulo 9
Minha morte precoce


Notas iniciais do capítulo

Gente não deu tempo de revisar, se tiver algo errado me deem um discontinho ><, espero que gostem.



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O barco balançou e fez com que todos se afastassem do corpo. Tentei chegar mais perto, mas ele logo foi se desfazendo até virar algum tipo de pó dourado. Lá se ia mais uma das minhas respostas. O estrondo fez com que todos caíssem dessa vez, mas saíram alguns homens da parte de baixo do barco. Eram grandes e corpulentos, as íris eram de cor branca e manejavam arma estranhas feita de algum metal todo preto.

                Não tivemos tempo de nos defender ou correr, os Grandalhões nos agarraram e nos prenderam na parede. O único dos Grandalhões que usavam camisa chegou perto de mim e apontou uma espada para o meu pescoço, engoli a seco.

                - Só vou perguntar uma vez, - sua voz era extremamente cortante – ou você me fala onde está o Olho ou eu mato todos vocês, como eu fiz com o outro.

                - Não temos olho nenhum. – falei com dificuldade.

                - Há, eu não sou bobo garota, não como você, sei muito bem o que eu falo. – ele olhou para a Lily – Me entregue.

                Ele vacilou com a faca no pescoço e eu joguei Dracon pela janela, torcendo para que ele lesse a minha mente e soubesse o que fazer. Olhei nervosamente para Lily e formei as palavras em silêncio; “Me dê o Olho”, e confirmei com cabeça, para que confiassem em mim. Ela hesitou, mas assentiu. Agora só faltava um jeito de afastá-lo por pouco tempo, eu não tinha arma e nem treinamento como os outros, ele só me deu uma opção. Eu dei uma joelhada nele e gritei: “Agora”. Lily jogou o Olho com dificuldade, enquanto o outro Grandalhão a imprensava com mais força na parede. Peguei o globo ocular com nojo e me joguei do navio.

                Comecei a cair, o chão não estava muito longe, seria esmagada por ele em poucos segundos, mas Dracon apareceu no último instante abaixo de mim. Encaixei-me rapidamente em seu corpo gigante, não sabia a direção que deveria ir, nem onde pousar, eu só queria que Dracon corresse, e o máximo que ele pudesse. Não me atrevi a olhar para trás enquanto não achei que estivesse longe o bastante.

                Eu não tive muito tempo para pensar no que fazer, os Grandalhões apareceram do nada e mataram o cara cujo nome brilhou na noite anterior. Esse mundo era uma complicação enorme, sem saída, sem caminho, somente a mercê do destino, e quando eu achava que  poderia ter alguma resposta mais perguntas apareciam, nessa altura eu já tinha deixado de fazê-las, só queria que tudo voltasse ao normal, que o dia do meu aniversario de dezesseis anos nunca houvesse ocorrido, queria que tudo fosse um sonho, que, assim que eu morresse, eu acordaria na cama soando, mas com o alivio de ser só um sonho, extremante familiar e psicótico. Ainda havia esperança dentro de mim que eu estava em coma ou algo assim, porque as possibilidades dessa história ocorrer não eram nem mínimas, não existiam, nada disso existia.

                Mas também havia o outro lado, um lado que eu tentava ocultar dentro dos cantos mais escuros dos meus pensamentos, porém ali, fugindo de um assassino histérico com a adrenalina pulsando dentro da minha circulação sanguínea, eu me vi adorando aquilo tudo, amando a sensação de perigo e de probabilidade de morte, não me importando com nada, nem com os outros em perigo no barco, lutar era tudo o que eu pensava naquele momento.

                Quando eu me atrevi a espiar a cena atrás de mim entrei em pânico, o Com Camisa estava logo atrás de mim, voando com a mesma rapidez, não com um dragão, mas sim em cima de uma sombra em forma do mesmo, não entendi como uma Sombra poderia aparecer a plena luz do sol, mas não era hora de mais perguntas. O bicho soltou um ruído aterrorizante e avançou mais, deixando rastros de escuridão por onde passava, com olhos claros e alucinantes, prendendo a vitima com sua luz elétrica e a atacando, deixando somente a esperança de uma luz no meio da escuridão.

                - Corre! – a palavra idiota saiu tão rapidamente que não deu tempo de pensar o quanto soara ridícula – Voa Dracon! Ele está nos alcançado!

                “E depois? Continuar para sempre?”

                - Eu não sei, eu não sei! – disse apavorada.

                Eu não tinha um plano, na verdade, ninguém que tenha que pular de um barco vai ter um plano, e eu não era tão sortuda, eu só queria livrar O Olho daqueles humanóides horrorosos, mas o que fazer era um mistério, eu não fazia ideia para onde pudesse ir. Se ao menos meus poderes saíssem, eu não sabia como fazer isso, na tarde passada eu apenas tinha ficado irritada e naquela hora eu não estava nervosa, apenas assustada e isso não era motivo para que eles aparecessem. A Villa Quantieres passava como um borrão abaixo de mim, logo viria a floresta.

                A floresta.

                Essa era a minha opção de saída ou de suicida, como queira chamar. Não precisei falar para que Dracon percebesse meu plano, não, essa palavra não era certa... melhorando: minha morte precoce. Ele começou a descer com a velocidade de um jato, o Com Camisa demorou um pouco para perceber o que estava acontecendo, o que me deu uma certa brecha para a Minha Morte Precoce.

                Quando as árvores se estenderam como linhas grossas na minha vista, Dracon já tinha entendido a Minha Morte Precoce, era ou morreu ou sair dali muito machucada com a queda. Meu dragão era grande demais para pousar na floresta, fora que Dracon deixaria rastros para onde eu iria fugir. Ele voltaria ser colar assim que as árvores nos impedisse de continuar, e, se a queda não me matasse, com certeza o Com Camisa ia. Talvez não seria uma morte tão ruim, afinal eu tinha conseguido lutar, ou tentava me convencer disso já que não podia declarar que ,na verdade, eu tinha fugido.

                A queda não teria sido tão ruim se não houvesse milhões de galhos batendo nos meus ossos a cada metro, ferimentos foram feitos em cada parte nua do meu corpo, minha roupa foi rasgada e não passava de alguns fiapos, a minha capa ficou em algum dos galhos, o que já não me importava tanto. Assim que o chão atingiu o meu corpo eu gritei um grito tão horroroso o possível, mas me calei o quanto antes, não podia mostrar a minha localidade. Assim que a dor estridente passou, eu levantei cambaleante e corri.

                Corri tão rápido quanto se podia correr machucada, minha mão ainda apertava com força a esfera morta de um dragão. Não sabia em que direção ia, cambaleava para direita e para esquerda e a minha visão se tornava a mais estranha a cada passada. Mas um ponto de luz brilhou na escuridão da minha visão, não sei explicar como cheguei lá, porque eu não sei, o ponto de luz me chamou e eu segui, com puro extinto e nenhum pouco de consciência.

                Só que não era uma luz, (pelo visto não era minha hora ainda de ir para a luz) e sim uma espada. Minhas mãos se fecharam em torno do cabo frio do objeto metálico, não tive tempo nenhum de perceber como era aquele intrigante objeto. O farfalhar das folhas indicava que o Sem Camisa estava perto, e, com ele, minha morte, pelo menos agora eu tinha uma arma, mesmo que não conseguisse usá-la ou nem soubesse empunhá-la eu tinha uma chance de adiar minha morte.

                Achei uma árvore bem grande e me escondi atrás dela e esperei o farfalhar ficar mais alto. Não demorou muito para que eu pudesse ouvir sua voz terrível me chamando. Meus nervos se agitaram e eu entrei em pânico, mas tentei fazer o menor silencio possível, se iria morrer pelo menos tinha que salvar o Olho. Mais uma vez pedi que Dracon tivesse entendido antes de jogá-lo junto com o Olho o mais longe que eu podia.

                - Adiar a morte não quer dizer que não vai tê-la, filha do vento. – como ele sabia quem eu era? Estremeci só de pensar nas possibilidades. – Acabe com isso de uma vez, me entregue o Olho e talvez eu não te destrua totalmente.

                Eu não sabia onde ele estava, mas pelo som indicava ser perto, muito perto.

                - Achei!

                O Com Camisa me chutou e eu cai com tudo na terra molhada da floresta. Ele colocou o pé em cima do meu pescoço, e respirar tinha sido impossível. A única arma que eu tinha, havia saído da minha mão com o chute e era impossível pegar agora, porém ele não sabia onde estava o Olho, isso iria ajudar em alguma coisa, alguma coisa.

                - Onde está? – ele grunhiu ao ver minha mão vazia.

                - Onde você não vai conseguir pegar! – cuspi, eu tentava alcançar a espada que estava a um centímetro da minha mão sem que o Grandão percebesse, mas por causa de um centímetro era impossível.

                - Que pena matar a última descendente do Ar, seus pais ficariam muito decepcionados com isso, afinal morreram para que se salvasse e você morre por uma coisa impossível. – ele riu, mas que logo virou uma gargalhada irritante. – Você acha que Ele morreu? Há! Adoro ver essas falsas esperanças.

                - Você trabalha para Ele? – perguntei indignada, como alguém ainda trabalharia para um cara mal, seja lá o que ele tenha feito.

                - Ele vai voltar, logo, logo, pena que você não verá. – seu sorriso malicioso logo tomou conta do seu rosto, aqueles dentes deformados e estranhos seriam a última coisa que eu iria ver.

                Ele alcançou a espada negra e a levantou, pronta para atacar mais uma vitima. Instintivamente, como na noite passada, eu estiquei o braço para me proteger. A espada bateu na parede invisível e uma rachadura apareceu em pleno ar, bati com o “escudo” na perna dele e o Grandão urrou de dor. Alcancei a espada por pouco e girei, me livrando do pé dele. Antes de levantar tentei passar a ponta afiada da espada em sua perna, ele percebeu minha ideia cedo de mais e se afastou, mas eu ainda consegui arranhar a perna. Fiquei de joelhos e tentei levantar, mas levei uma joelhada e caiu de bruços no chão. Agarrei a espada e virei, apontando-a para cima, exatamente quando o Sem Camisa se estendia em cima de mim, a ponta da arma deveria atingi-lo na barriga, se ele não tivesse se transformado em ar antes que isso ocorresse.

                Livrei-me da estranha arma de metal e deixei que meu corpo se estendesse no chão úmido da floresta, enquanto chamava silenciosamente Dracon em meus pensamentos. Sem força, ao menos, para formular qualquer palavra. Quando o dragão chegou, derrubando as arvores em que passava perto eu me obriguei a levantar e atentar subir. Dessa vez Dracon me ajudou me apoiando com suas asas. Eu agarrei em seu grande pescoço, encostei minha cabeça e fechei os olhos, desejando que ele seguisse o caminho.

                “Nunca baixa a guarda numa luta, continuasse com o...”

                - Por favor, Dracon, sem sermão agora. – disse baixinho.

                Dracon voou com a mesma graciosidade de sempre, enquanto isso eu esperava intensamente que tudo estivesse bem no barco, mais um dia perdido, ou quase. Eu não sabia a distância que estávamos do segundo Presente, eu não sabia nem como chegar a ela se conseguíssemos achar a ilha. Eu estava odiando não saber as coisas, ninguém iria morrer se me contasse algo (ou iria?), mas naquele momento um cochilo ajudava muito, seria restaurador.

                Dracon parou bruscamente e eu cai no chão de madeira do barco, - mas um machucado na minha lista – um braço forte veio até mim e me ajudou a levantar. Eu já sabia quem era antes mesmo de levantar, conhecia aquele braço muito bem. Foi um alivio enorme ver que ele não possuía nenhum machucado, que estava perfeito, pulei em seus braços apertando-o com toda força que me restava.

                - Que bom que está bem!

                - Eu? – Frank deu uma risadinha – Claro que estou, olha só para você? – ele me afastou e olhou para o que sobrara de minhas roupas, e os diversos machucados em todo meu corpo, ela não podia ver a dor interna que eu tinha, eu queria cair na minha cama fofinha e dormir até não poder mais, comer direito e não comer como se fosse a sua última refeição.

                - Eu estou bem... – olhei para o outro lado para ver os outros, não estavam tão bem quanto Frank, minha fora se desvaleu por inteiro – O que aconteceu aqui?

                Lily segurava o braço como se estivesse quebrado ou torcido, sua cabeça estava roxa e seu lábio cortado, e suas roupas estavam inteiramente preta. Brian não estava melhor,sangue estava saindo da sua barriga e seus olhos estava fechados, de tempos em tempos ele fazia uma careta de dor. Mindy estava com um corte se estendo pela testa, o sangue seco estava por todo seu rosto, mas o pior foi Liam, ele estava deitado num canto desacordado, Lily fazia carinho nele incansavelmente, o pior era ver o corte profundo na sua perna.

                - Liam... – não consegui terminar a frase.

                - Ele está bem, só está dormindo. – Lily disse triste – Estará melhor quando acordar, - ela se levantou e veio até mim. – Brian está sofrendo mais, só que ele não quis dormir ou passar os remédios enquanto você não voltasse.

                - Por que você está tão bem? – perguntei para Frank, ele fez uma careta envergonhado.

                - Levei uma pancada na cabeça, quando acordei, tudo tinha acabado.

                - Você precisa cuidar desse ferimentos – Lily alertou – parece que você caiu de uma árvore.

                - Bem, não foi só uma, foram muitas árvores. – fui até o canto me sentar com Brian, não era o melhor lugar, mas já era um começo.

                O barco estava destroçado, estava irreconhecível, o corpo já estava no meio do convés, madeiras espalhas por todo o lado e sangue com cheiro metálico também se estendia por ele. Abaixei com dificuldade perto do garoto loiro e esperei que ele estivesse dormindo, mas assim que cheguei perto ele se mexeu procurando a minha mão, ele a apertou com medo de que eu fosse escapar ou por dor, ou as duas coisas. O ferimento dele estava pior, sua roupa estava toda suja se sangue e seu cabelo tinha pó preto por toda parte, seu rosto estava tão feio de ver que meu coração se apertou tanto que doeu.

                - Você está péssima. – ele tentou sorriu, mas logo veio a careta de dor, ele se virou com dificuldade e tirou uma das muitas folhas que estava no meu cabelo.

                - Por que não deixou a Lily cuidar de você? – perguntei apertando sua mão.

                - Ela só achou um pouco daquela folha e Liam precisava muito mais do que eu, você não faz ideia como ele estava. – ele encarou a minha cintura – Que espada é essa?

                Eu pensei tê-la deixado na floresta assim que o Sem Camisa tinha sumido, mas ela reapareceu, agora embainhada em uma capa de couro, com uma cinto rodeando a minha cintura, era tão leve que eu não perceberia se Brian não falasse. Contei a história resumida para ele do que aconteceu, ocultando a parte que eu cai de uma altura mortal. Ele sorriu com a minha versão estranha e apoiou a cabeça no meu ombro, em outras circunstancias eu ia adorar aquele gesto, mas naquela hora ele só queria apoiar porque não tinha mais forças.

                Eu desejei intensamente que Roterford estivesse lá, só para cuidar de meus amigos machucados, e até de mim, eu sentia que com certeza tinha quebrado um osso,  estava toda machucada, não gostava de me mostrar fraca, mas naquela hora eu já estava cansada de mais.

                - Até que enfim você admitiu isso, Kassie! – aquela voz me tranquiliozou por completo, como se uma morfina tivesse sido injetada em mim, me virei para encarar o velho que estava sentado ao meu lado. – Vou cuidar deles, e depois de você. – ele sorriu e estalou os dedos, o barco começou a ganhar vida, segundos depois estávamos voando. – O bom desses barcos voadores é que sempre tem vários quartos em baixo, junto com banheiros. Vá tomar um banho, para chegarmos a Ilha da Tristeza vai demorar sete horas, bastante tempo para se livrar dessas roupas horríveis, roupas melhores já foram colocadas n banheiro.

                Olhei relutante para Brian, que ainda estava apoiado no meu ombro, tão branco e frio que ,se não fosse por seu rosto mostrando nitidamente a dor que estava sentindo,  eu pensaria que estava morto.

                - Vai cuidar dele?

                - É o que eu faço. – Roterford sorriu e eu me levantei.

                                               ***

                O banho ardeu mais que mil navalhas em meu corpo, os ferimentos tinham sido mais profundos do que imaginava, e, com certeza, tinha quebrado alguma costela. A sensação de limpeza era ótimo depois de tudo, meus cabelos não estavam mais um ninho e eu não cheirava mais a lixo, era bom se sentir nova de novo.

                Coloquei a roupa que Roterford me deixou – uma calça de pano apertada e uma blusa de manga branca, bem comum – deixei meus cabelos soltos e fui encontrar um quarto, não gostava de ser egoísta, mas eu estava igualmente derrotada. A única coisa que eu senti necessidade de pegar daquele quase possível morte, foi a espada, que estranhamente  tinha ficado perfeito em mim.

                Achei um quarto no canto do corredor, só possuía uma cama e um criado mudo, com um pequeno espelho pendurado atrás da porta. E não foi possível não olhar. Meus olhos estavam caídos, como se eu não tivesse dormido na noite anterior, os colares – do dragão e o outro de pedra – estavam tão acostumados com meu pescoço que eu sentia como se fosse parte de mim. Os muitos machucados em todo o meu rosto e partes expostas do meus corpo, pareciam feitos aleatoriamente, cada um ardia de uma forma estressante, só queria me livrar da sensação. Apoiei a espada no criado mudo e peguei o Diatiz Encantrios – que incrivelmente na noite anterior tinha se encolhido e ficou do tamanho do meu dedão – e o abri, deixando que ele escolhesse qual página se abrir.

                “A Divisão”.

                Foi o titulo que o livro escolheu, e curiosamente comecei a ler.

                “Antes de Pórfiron existir, havia dois reinos em guerra. Demétria e Loker, ambos abrigavam feiticeiros e outras criaturas mágicas, mas Demétria possuía as Sombras. Por muitos anos os Reis e Governantes tiveram que lutar todas as noites para salvar a vida de seus povos, mas um dia, o Rei Arcamant se separou de Demétria, dividindo os dois Reinos e criando Pórfiron.

                Demétria foi exilada por um portal cuja chave só o Rei possuía, assim todos os piores habitantes e sombras foram exilados nesse Reino proibido. Mas até hoje, eles procuram a Said.

                A Cidade Central foi batizada de Arcamant, em homenagem ao seu Rei, que expulsou as sombras e livrou todos de um destino escuro.”

                Com isso minha vista pesou, e eu cabei dormindo. Sem sonhos. O que foi avivador.

               

                                               ***

                Levantei temendo ter dormido demais. Guardei o Livro no bolso, amarrei a espada na cintura e passei a mão pelo cabelo. Sai aos tropeços na porta, pisando com tudo em um prego que estava a deriva no chão, como que estava descalça, tive que prender um grito de dor terrível. Roterford apareceu na minha frente do nada, só que não me assustava mais com isso.

                - Precisando de ajuda? – disse ele botando a mão em cima do machucado fazendo o sangue parar.

                - Obrigado, mas estou bem.

                - Você está com três costelas quebradas, vários machucados profundos e uma distensão no quadril, está mesmo bem? – ele perguntou ironicamente.

                - Tenho que admitir que seu raio x é o melhor que eu já vi. – ironizei.

                O Mago posou a mão na minha cabeça e começou com sua cantoria estranha, logo depois toda a minha dor tinhas se desviado para um canto irreconhecível. Ele sumiu logo depois. Segui até o convés e sorriu ao ver quem estava sentado na proa.

                Toda a parte superior do barco já tinha sido reconstruída e voávamos graciosamente pelo céu, o sol estava avivado, mas não estava quente, o tempo estava perfeitamente comum, se eu fechasse os olhos talvez eu pudesse voltar a minha casa. Segui até o moreno desgrenhado e sentei ao seu lado, olhando as miniaturas de baixo de nós.

                - Quem está pilotando isso? – perguntei indelicadamente.

                - Mágica. – ele disse tristonho.

                - O que foi? – disse pegando a sua mão.

                - Estou me sentindo um inútil, todos vocês se sacrificaram e eu simplesmente apaguei, não fiz nada. – Frank me olhou nos olhos e me puxou para perto, me apertando com tanta força que foi difícil respirar, mas eu não argumentei. – Você precisa ser menos inconsequente.

                - Era o único jeito. – olhei novamente para seus lindos olhos verdes – E eu nunca vou deixar de ser inconsequente, você sabe disso.

                - Queria ter lutado. – ele fez uma careta confusa – O estranho é que eles só me golpearam, mas se quisessem podiam muito bem ter me matado.

                - Vai entendê-los. – ficamos em silêncio por um tempo, mas eu tinha uma pergunta que não me deixava em paz. – Frank... O que você negociou com aquelas fadas?

                - Nada de mais. – ele disse rapidamente sem dar novas explicações. – Faria mais se possível.

                - Mas como você as encontrou? – perguntei curiosa.

                - Na verdade elas me encontraram e me fizeram uma proposta. – Ele passou a mão pelo meu cabelo. – Esqueça isso, está bem? O importante é que você está sã e salva.

                - Obrigado. – disse relutante.

                Ficamos alguns minutos em silêncio até Frank perguntar novamente.

                - Você e Brian...? – ele não precisou terminar.

                - Não. – disse estranhamente triste por isso.

                - Por quê?

                - Eu ainda não sei o que sinto por ele, logicamente nos conhecemos há alguns dias, e tem você. – queria ter ocultado essa última parte, queria muito. Frank sorriu e perguntou já sabendo a resposta.

                - O que tem eu? – sua cicatriz se contorceu com seu sorriso sínico no rosto, que escondiam muito alivio.

                - Frank por mais que você tenha me traído, isso não significou momento algum que eu tinha deixado de gostar de você, por mais que... – eu não pude terminar a frase, Frank me puxou para perto, selando o espaço entre nós com um beijo.

                Eu não hesitei um minuto sequer, o puxei mais para perto, passando meus braços pelo seu pescoço e fazendo carinho na sua cicatriz que eu tanto amava. Ele me puxou para seu colo e fez carinho por toda a extensão das minhas costas. Ele parou bruscamente e me olhou nos olhos:

                - E nem eu deixei de gostar de você. – ele me beijou novamente, segurando a minha cabeça e me abraçando mais forte, querendo difundir nossos corpos em um só, eu não podia compará-lo com Brian, mesmo que isso fizesse tudo ficar mais difícil. Relutante, me afastei de seus braços e voltei a sentar na proa. – Desculpe. – Frank disse triste.

                - Eu não sei o que estou fazendo, não sei! – declarei. – Tem você, tem Brian, tem essa coisa toda, está me deixando pirada. – respirei fundo – Desculpe Frank, mas eu não deveria ter te beijado. Só serviu para magoar mais ainda.

                - Eu... Eu te entendo Kassie – ele pegou a minha mão – eu não mereço que confie em mim, e Brian é o cara que todas as meninas querem, não é? – disse ele derrotado.

                - Eu só não quero magoar vocês, queria que fosse mais fácil, mas infelizmente não é, só me dê tempo, talvez Brian não seja o que acho que seja. – menti, eu não acreditava nem um pouco naquilo.

                - Estou interrompendo o casal? – disse uma voz irritada logo atrás de nós.

                Sorriu ao vê-lo tão bem novamente, me livrei da mão do Frank e corri para abraçá-lo. Pulei em seus braços, Brian me apertou e pousou a cabeça no meu ombro, ele estava incrivelmente quente. Afastei-me e olhei para o que deveria ser seu ferimento, mas no lugar havia uma blusa azul nova, arrumei seu cabelo e perguntei:

                - Não deveria estar na cama?

                - Estou bem, Senhora Eu Aguento Qualquer Coisa.  – ele sorriu e colocou uma mecha  atrás da minha orelha, e passou o dedo no contorno do que deveria ser alguma, das minhas muitas, cicatrizes. – E, afinal, já chegamos.

                Olhei para frente  por puro reflexo, a Ilha se erguia na nossa frente. Não parecia ser tãoa anormal, mas sim, como qualquer ilha da Terra, o que me fez ficar mais calma com alguma coisa normal. Tinha arvores verdes vividas, uma praia com uma areia tão branca que doía olhar com o reflexo do sol e um vulcão que se estendia tão alto que eu imaginei o desastre se ele entrasse em erupção. Uma vontade louca dentro de mim queria que descemos logo, só que um pergunta me fez falar.

                - Como vamos descer? – perguntei confusa.

                - Eu nã... – Brian não pôde terminar a frase, o barco se inclinou para frente o jogando para cima de mim, nós caímos no chão, e minha cabeça bateu com força nele. A boca de Brian parou a alguns centímetros de mim, e foi impossível não pensar em beijá-lo.

                Ele se levantou relutante e esticou a mão para me ajudar.

                - Vamos ser felizes! – disse ele ironicamente.

                                               ***

                Depois de o barco pousar – ou sei lá o que se fala quando é um barco voador – nós descemos bem rápido e nos concentramos no meio da praia, sem saber para onde ir.

                - Onde vamos achar o Cálice nesse lugar gigante? – Mindy perguntou entediada, seus cabelos ao sol ficavam tão vibrantes como fogo, e eu acho que ela tinha percebido isso, pois não parava de se mostrar, o que obviamente não mudara muito estando em outra dimensão. – Eu não vou andar nessa ilha inteira, de jeito nenhum!

                - Kassie, o Livro. – disse Brian com um olhar significativo.

                - E se ele não quiser me mostrar? Eu não tenho nada a oferecer.

                - Ei! – Lily gritou, interrompendo nosso contato visual – Do que vocês estão falando?

                - Depois eu explico – peguei o mini-livro no bolso, quando ele abriu eu quase o derrubei no chão, porque estava escrito em sangue na página: O Traidor de sua vida será aquele mais fiel.

                - O que foi Kassie? – perguntou Frank colocando as mãos no meu ombro, eu rapidamente passei a página.

                - Nada. – menti e lhe enviei um sorriso, esse título era menos aterrorizante: “Ninfas da Ilha”, eu já ouvira muitas histórias de Ninfas e não eram tão felizes assim. – As Ninfas da Ilha da Tristeza ficam debaixo do vulcão, remoendo seu passado sombrio. Destinas a permanecer em presídio pela eternidade, as cinco imortais mulheres vagam a chorar, protegendo seu único troféu: O Cálice de Fogo.

                - Eu vou, - Brian logo se proclamou – ninguém resiste ao meu charme.

                - Nem pensar. – Lily se encolheu – Prefiro não ver mulheres vingativas e imortais.

                - Não vou com esse idiota. – falou Frank.

                - Chega de aventura, já é demais para mim. – Mindy fingiu cansaço.

                - Eu vou. – disse por fim, não gostando nem um pouco da ideia de entrar num vulcão – e mais perigo.

                Assim, entramos na floresta escura a mercê do destino, e de mulheres que provavelmente nos mataria.


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