Ele mirou desgostoso seu próprio reflexo no espelho. Feio. Muito feio. Estava muito feio. Claro que nunca conseguiria atrair A Pessoa Que Amava daquela forma. Quem via refletido no espelho – ele mesmo, mas como era doloroso admitir...! – enojava-o.

Isso mesmo! Enojava-o! Tinha nojo de si mesmo. Pelo que era. Pelo que almejava ser. Pelo que almejava ter. Suspirou, querendo chorar, e colocou a mão sobre o rosto, logo então a afastando e mirando-a. Mão nojenta! Corpo nojento!

Relutante, voltou a mirar-se no espelho – e voltou também sua vontade de chorar. Ele era magro e esguio, tinha cílios longos e a barba, apesar da puberdade, não dava sinais de que ia aparecer. Mas mesmo assim, não chegava nem perto de ser... adorável. Por que Ele havia nascido assim...? Sinceramente, o mundo não precisava de pessoas como Ele. Pessoas... Desviadas.

Meus Deus... Que nojo de si mesmo!

Aquelas outras pessoas... aquelas... As Garotas. Elas tinham o que Ele queria, e podiam fazer o que Ele não podia. Embelezavam-se com maquiagem, porque o podiam. Adornavam-se com acessórios – brincos, presilhas, colares... –, porque o podiam. Mudavam seu cheiro com perfumes, porque o podiam. Usavam saias e mostravam suas lindas coxas, porque o podiam. Vestiam justas blusas para mostrar a saliência de seus peitos e as curvas esculturais, porque o podiam.

Era por isso que os garotos amavam as garotas.

As garotas eram tão... delicadas.

Isso mesmo... Garotos sempre amavam Garotas!

Isso mesmo... E para que eles as amassem, Elas, as Garotas, usavam blush.

Então por que Ele usava blush também neste exato momento?

... Usavam batom.

Então por que Ele usava batom também neste exato momento?

... Agrandavam os olhos com rímel, sombra e lápis-de-olho.

Então por que Ele usava as mesmas ferramentas neste exato momento?

... Vestiam-se com lindos vestidos que ressaltavam suas curvas.

Então por que Ele vestia o mesmo tipo de roupa...? Para ressaltar que curvas?!

O espelho... Sua imagem no espelho. Que horrível se encontrava. Que nojento. Ele não parecia um homem, mas também não parecia uma mulher! O que ele era...? Ele mesmo sabia responder: Uma Aberração.

Olhou para o lado, mas especificamente a janela de seu quarto. Na casa ao lado vivia A Pessoa Que Amava. Eram amigos desde a infância que sempre estavam juntos. As casas eram bem próximas, então sempre era possível passar de uma sacada à outra para conversarem juntos.

Ajoelhou-se em frente ao espelho. Credo. Queria apenas desaparecer.

Por que Ele era assim?!

Não que Ele quisesse ser mulher, não exatamente... O que queria era ser amado. Pura e simplesmente.

De relance, mirou mais uma vez sem querer seu feio reflexo. Não aguentou. Não queria ver mais aquilo. De onde havia tirado aquela ideia desde o começo?

Num impulso, pegou uma escova de cabelos e jogou sem dó nem piedade no espelho, espatifando-o. Mas não ele todo, e ainda pôde-se ver uma reminiscência de seu Feio Eu. Desatou a chorar.

Apoiou uma mão no chão que de tão copiosamente que chorava, quase não notou que havia apoiado-a em cima dos caquinhos. Aquele era realmente seu dia de azar.

De repente, a janela de abriu — Oi, e aí! Ouvi um barulho estran-... — era A Pessoa Que Amava, e Ele sabia muito bem o porquê da interrupção da frase. — Mas o que diabos está fazendo? — nojo, nojo em sua voz.

Mesmo que relutante, não resistiu em tirar mais uma vez as mãos face e olhar para cima, de encontro aos olhos dA Pessoa Que Amava.

Meus Deus... Que nojo de si mesmo!

E parece que ele não era o único no quarto a pensar isso.

Sentiu uma suave e fria brisa tocar-lhe a face.