– A diferença é que o que eu sentia por você... mudou.

– Mudou como? – Meus olhos estavam cheios de lágrimas, e minha raiva começara a dar lugar à culpa.

– Eu achei que poderia gostar de você como eu gostava. Eu até queria retribuir os seus sentimentos. – Sua voz diminuiu – Pelo menos eu acho que queria. Mas não consegui. Tudo ficou no passado, eu mudei, você mudou. Você tem seus inúmeros amigos, é feliz ao lado deles. No fundo eu acho que fiquei com inveja de você. Não que eu não tenha amigos, mas como eu disse, eu parecia estar no ensino fundamental de novo. – Ele deu uma longa pausa, pensativo. - Acho que eu não posso retribuir o que você sente por mim.

Senti meu rosto sendo umedecido pelas lágrimas. Apesar de meu corpo inteiro estar quente, aquela última sentença foi como um balde de água fria em mim. Eu queria dizer mil coisas, mas minha mente e coração finalmente concordaram e eu me mantive quieta, apenas tentando controlar minhas lágrimas.

– Desculpa. – Ele sussurrou. – Eu sei que estraguei tudo e que sou uma pessoa horrível. Queria afastar as pessoas de você para que seu sentimento por mim continuasse intacto, e no fundo eu sabia que eu não gostava de você como você gostava de mim. – Minha vontade de bater nele era grande, mas eu me controlava. Em contraponto, minhas lágrimas já inundavam meu rosto sem cerimônias. – Eu vou me afastar de você, Shiemi. Vai ser melhor para nós dois. Desculpa...

Sem que ele dissesse mais nada, o empurrei para o lado para que eu pudesse sair pela porta. Assim que vi que estava no corredor, corri para meu quarto. Queria me jogar na cama e deixar que toda aquela decepção fosse embora de mim através dos soluços e das lágrimas. Abri a porta do dormitório e a fechei rapidamente, virando para ver dois rostos assustados. Assim que me viram, Alexy e Rosa ficaram extremamente preocupados, correndo até mim e me dando apoio.

Segui até minha cama e me sentei, sentindo os braços de Rosa ao redor de meus ombros e as mãos de Alexy nos meus joelhos. Me deram um copo d’água, que eu bebi rápido demais.

– Shiemi, por favor, conta o que aconteceu. Estamos preocupados. – A voz suplicante de Rosalya me fez voltar ao mundo real.

Após algumas tentativas falhas em segurar as lágrimas, consegui me conter. Contei tudo o mais rápido que pude, tentando evitar nova crise de choro, que eu sabia que iria voltar em breve. Assim que terminei, fui envolvida por abraços calorosos.

– Eu sabia que ele estava querendo te iludir- Rosa disse com raiva, suavizando sua expressão assim que me encarou. – Mas estamos aqui contigo, tudo bem? Não vamos te abandonar enquanto você não melhorar.

Alexy concordou, porém logo foi obrigado a voltar para seu quarto. Armin não sabia onde ele havia ido e não era muito bem-visto um menino saindo do quarto de uma menina durante a noite ou logo que amanhecesse.

Não demorou muito para que eu tombasse minha cabeça no travesseiro, cansada de tudo. Rosalya havia me dado um suco para que eu não dormisse de estômago vazio, e eu já estava pronta para pegar no sono. Não fosse minha mente incansável, eu já estaria desmaiada há tempos. Por fim, me dei ao luxo do sono, sentindo Rosa sair dos pés da minha cama antes de apagar de vez.

*

Acordei tarde. Muito tarde. Já havia perdido a primeira aula. Levantei assustada, sentindo meus olhos inchados e minha cabeça levemente dolorida. Arrumei-me em questão de segundos, e planejava ir para a segunda aula sem comer nada, quando vi algumas barras de cereais ao lado da minha cama. “Obra de Rosalya” pensei sorrindo. Sabia que ela não tinha me acordado de propósito, mas nas melhores das intenções. Eu sabia que ela iria querer que eu fizesse o mesmo com ela, caso ela ficasse até tarde chorando (o que tinha ocorrido algumas vezes, quando ela brigada com Leigh).

Decidi usar um pouco de maquiagem para cobrir minhas olheiras e disfarçar o inchaço dos olhos. Tomei um analgésico fraco, só para a dor não aumentar com o decorrer das aulas. Saí para o corredor me dirigindo aos armários, para pegar os livros necessários no restante do dia e, para a minha imensa sorte, encontrei-me com Kentin. Não fora só eu que dormira mal e que havia perdido a primeira aula.

Nossos olhos se encontraram. Percebi que ele tinha certa intenção de vir falar comigo, por isso tratei logo de desviar o olhar e fazer o que eu precisava fazer. Agi o mais normal possível, ignorando sua presença. Assim que fechei meu armário, Kentin já havia sumido de vista. Em poucos minutos, o sinal soou. Segui para a sala, tentando despistar qualquer pensamento relacionado ao Kentin.

*

Os dias pareciam durar anos, mas quando chegou o dia da partida de Lysandre, me parecia que a semana havia voado. Seus pais estavam aguardando na frente da escola, e ele já estava pronto para se despedir dos amigos. Dei um abraço apertado nele, com minhas bochechas já úmidas.

– Prometo que não vou perder o contato com você. – Sua voz estava embargada.

– Venha nos visitar nas férias. Ou nos feriados. Ou nos fins de semanas. – Nós rimos, apesar do clima triste de despedida pairar sobre nós.

– Antes que se dê conta, estarei aqui para conversarmos. – Lys olhou para os pais, que lhe lançaram um olhar apressado. – Preciso ir. Até mais, Shiemi.

Outro abraço longo e Lysandre já partia para outra cidade. Me deixei chorar um pouquinho, mas prometi a mim mesma ficar feliz por ele. Meu amigo escritor merecia aquela chance e eu não poderia me sentir frustrada por ele seguir seus sonhos.

*

Estava no clube de jardinagem, já próximo das 18 horas. Terminava de arrumar algumas coisas, tentando distrair a mente. Ouvi a porta se abrir e imaginei ser a professora, para avisar que era hora de fechar. Porém, após alguns momentos de silêncio, eu virei minha cabeça e me deparei com Kentin. A cor fugiu do meu rosto, tentava ter qualquer reação. No entanto, tudo que eu conseguia fazer era encarar sua cara de ansiedade.

– Eu queria falar com você, Shiemi.

– Não temos nada para conversar. – Minha voz vacilante mostrava que não estava certa do que dizia. Ignorando minha resposta, ele inicou:

– Pensei muito essa semana. Eu sei que estava errado, sei que fiz muita besteira e que te magoei muito. – Seu olhar focava em qualquer canto do clube, menos em mim. – Mas eu acho que não deveríamos continuar assim, com esse clima entre nós. Eu me sinto mal toda vez que te vejo, e sei que, estudando na mesma escola, isso vai ser acontecer toda vez que nos esbarrarmos por aí.

Pela primeira vez, ele sustentou meu olhar. Como sempre, minha raiva foi se dissipando. Por mais que eu odiasse admitir, sabia que ele estava certo. Era difícil perdoá-lo, porém não iria adiantar muito eu ficar remoendo tudo que ele fez para mim. Respirei fundo e falei, em voz baixa e firme.

– Saiba que não vai ser fácil para mim dizer que vai ficar tudo bem entre nós, que não vou guardar nenhuma lembrança ruim de você. Eu te desculpo, Kentin. Mas não quero forçar nada, não quero me obrigar a voltar a ser sua amiga.

– Podemos esperar a poeira baixar e recomeçarmos. – Ele me interrompeu, sua voz denunciando uma certa animação.

– Pode ser. – Hesitei antes de dar minha resposta final. – Vamos recomeçar.

O menino dos olhos verdes sorriu sincero, segurou minhas mãos e me agradeceu. Assim que ele saiu dali, a professor Amélia apareceu, para fechar o clube. Me dirigi ao meu quarto, com um grande peso abandonando minhas costas.