Apocalipse escrita por Fran Marques


Capítulo 9
Nostalgia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/370408/chapter/9

Um corpo estendido no chão parecia um sacode batatas. O infectado estava morto, com o pescoço completamente destorcido após minha tacada. Minhas mãos agora brancas que estavam em volta do taco, fraquejaram e deixei a arma cair. Matt rastejou para longe do cadáver, mesmo sabendo que ele se encontrava impossibilitado de exercer qualquer movimento. Sua respiração não estava controlada e suas pupilas estavam dilatadas. Fiquei olhando para o infectado e percebi que conhecia aquele menino com maxilar redondo e cabelos amarronzados. Era o tipo de pessoa que você nunca descobria o nome, mas alguma vez em sua vida a tinha encontrado no supermercado, na escola ou em uma rua qualquer perdida da cidade. Imaginei minha mãe no mesmo estado daquele garoto. Meu único apelo era que, se ela estivesse assim, não queria nunca encontra-la daquela maneira.

Virei-me para a sala em que Matt disse que estavam as chaves e procurei por uma que correspondia ao mesmo código da placa. Não esperei que meu amigo levantasse, mas quando vi ele estava encostado na porta com a mão na testa suada, encarando-me. Não ousei levantar os olhos. Minhas mãos tremiam, fazendo com que as chaves chacoalhassem e emitissem um som apenas possível de escutar naquela ocasião. Comecei a ter medo de chorar novamente, mas quando percebi as lágrimas transbordavam de meus olhos. Eu tinha matado algo que ainda sabia ser uma pessoa. Em alguma parte do seu cérebro, aquele adolescente sabia de sua existência e de seu passado. Era como matar alguém comum. Um jovem na rua. Encostei minhas costas na parede e deixei que minha cabeça caíssem para trás, batendo no gesso e fazendo um barulho oco. Matt caminhou até mim e eu percebia como ainda estava assustado, mas queria me ajudar. Seus olhos azuis em encararam e percebi que estávamos muito perto um do outro. Ele passou seus dedos em meu braço e me abraçou. Meu corpo ficou comprimido entre a parede e ele, mas eu não me importei, quase sentindo o impetuoso impulso de beija-lo, mas não me permiti. Como eu poderia querer uma coisa dessas nesse momento? Uma voz respondeu dentro de minha cabeça "não percebe como necessita que alguém te proteja? A quanto tempo você não é gostada Maggie? A quanto tempo não beija um garoto ou tem alguma relação?" Rapidamente afastei meus pensamentos com medo do que aquilo poderia me levar e com a estranha tentação no canto de meus pensamentos. Matt encostou sua testa na minha e estávamos muito, muito próximos. Percebi que até minhas mãos tinham tomado uma posição diferente. Eu também tinha puxado ele para mais perto. Seus lábios rachados estavam a par com os meus, á milímetros de distância.

–Temos que descer e sair da cidade.

As palavras saíram de minha boca sem que eu pudesse impedir, apesar de que eu não sabia se estava grata ou irritada por isso ter acontecido. Desci as escadas e Matt foi logo atrás de mim. Chegamos até a moto.

–Você dirige.

Falei para ele e atirei as chaves. Ele pegou no ar e eu tentei sorrir, mas não consegui. Nunca fui uma pessoa que falasse diretamente e abertamente o que eu sentia, o que tornava o nosso caso difícil. Carregamos a moto até a garagem da concessionária e lá abrimos a garagem que dava para a mesma rua em que entramos. Matt subiu na moto e eu me coloquei atrás dele. Coloquei minhãs mãos ao redor de sua cintura e fomos.

Matt sabia exatamente o caminho para sair da cidade, em parte porque caminhávamos muito por aquela ruas sozinhos e porque tínhamos que fazer aquele caminho cinco dias na semana. Tínhamos combinado de parar primeiro em sua casa para procurar seus pais e pegar algumas coisas.

A moto cortava o ar, passando rapidamente as árvores e o asfalto enegrecido. Em meus olhos eu via apenas borrões e a jaqueta de couro de Matt. O único barulho que a moto fazia era o provocado no vento e o ronronar do motor, graças ao silenciador. Percebi o quanto desgastada eu estava e acabei adormecendo.

*******************************************************

–Maggie, nós chegamos.

Abri os olhos e observei o perfil de Matt me encarando. Estávamos em frente a sua casa. Não era uma casa grande, considerando que ela era uma moradia de campo. Tinha dois andares e era toda amarela clara. Desci da moto e caminhei ao lado de meu amigo até a porta de madeira, que era duas vezes o meu tamanho mas parecia perfeita ao lado de Matt. Percebi que já estava com o taco de baseball em minha mão direita e Matt com sua pistola.

–Você abre?

Perguntei e apenas recebi a confirmação de Matt com a cabeça. Ele abriu. A casa estava em perfeita ordem. Sem sangue ou objetos jogados no chão. Nós a vasculhamos duas vezes e não achamos nada. Os armários do quarto de seus pais estava vazio e um dos carros não se encontrava na garagem.

–Eles já se foram. - disse Matt em um tom melancólico. - Deixaram a Ange e eu.

As lágrimas brotaram de seus olhos azuis e no momento ele me lembrou um menininho jovem, perdido no supermercado e com saudade dos pais.

–Matt, provavelmente eles escutaram sobre a cidade e tiveram que ir embora. Passamos um dia fora lembra? Eles devem achar que Ange e você estão mortos. Meus pais provavelmente também fizeram isso.

–Isso já é esperado do meu pai. Óbvio.

Mattew vociferou. Ele subiu as escadas e eu o segui. Acabamos na porta de seu quarto, ele o abriu. Tudo continuava no mesmo lugar da última vez que eu vira. Matt não se ocupava em fazer grandes mudanças.

–Está igual a sempre.

Ele não respondeu. Apenas pegou sua mochila, abriu seu armário com uma raiva imensa e começou a colocar suas roupas ali dentro.

–Matt, pare um pouco. - ele continuou com os mesmos movimentos bruscos. -Matt - eu repeti, mas ele não se fez de diferente - MATTEW! Me escute!

Ele parou e me encarou. Empurrei a porta branca de seu quarto, como todas as vezes que seus pais tinham chegado em casa e nós não queríamos que eles escutassem nossos planos. Me aproximei dele e tive o imperpétuo momento de lembrar algo que acontecera a dois meses atrás e que eu tinha constantemente tentado evitar. Me lembrei de quando Matt me beijou, naquele mesmo lugar, numa ocasião em que brigamos e chegamos muito perto um do outro. Ele me puxou, mas eu não resisti e deixei que ele tocasse seus lábios nos meus. Fui para casa mais cedo naquele dia, mas mais confusa que nunca. Abandonei aquele pensamento e me concentrei no que tinha para dizer.

–Deixe de ser idiota e pensar só em você, okay? Seus pais acham que você está morto. Que razão eles teriam para ir à cidade? Acalme-se e use a lógica. Vamos acha-los porque não podem estar muito longe daqui. Agora, arrume isso direito e vamos embora.

Senti que seus músculos relaxaram. Ele balançou a cabeça em afirmativo e voltou a se organizar. Deitei em sua cama e deixei minha jaqueta de lado. Quando ele acabou, descemos as escadas e percorremos o caminho até minha casa.

Passamos as duas árvores tortas e seguimos o caminho de pedra a pé até chegar em minha casa. Ela era diferente compara à de Matt. Era toda feita de tijolos e parecia 30 anos mais velha. Os carros que costumavam ficar ao lado de uma pequena jardineira não estavam ali, calculei que a casa também estaria vazia. Eu estava certa. Peguei uns pacotes de doces que eu gostava muito e subi.

Meu quarto estava bagunçado, como sempre. Era complicado escolher a roupa para ir à escola, então no pânico eu retirava tudo de dentro do armário e jogava em cima da cama. Três xícaras de cafés estavam sobre minha escrivaninha de madeira, junto com livros e papéis com rabiscos e escritos que não faziam a menor importância. Comecei a arrumar minhas coisas calmamente, sabendo que eu ainda teria o resto do dia. Estava colocando uma blusa na mala quando escutei Matt dizer:

–Nossa Magg, você já usou isso com alguém?

Virei minha cabeça para ele e o vi encarando meu sutiã preto de renda, que se encontrava no fundo de um dos meus armários, escondido pela vergonhosa história por trás dele. Eu nunca fui o tipo de pessoa que corava facilmente, mas nesse momento tive certeza que minhas bochechas não ficaram da cor habitual.

–Deixe isso quieto. - peguei a lingerie e a guardei rapidamente dentro da minha mochila, por um motivo que eu não soube explicar.

–Ganhou de quem essa belezura?

Semi-serrei os olhos, franzi a testa e bufei, sabendo que ele não seria digno de uma resposta.

–Vamos lá Magg, foi de um ex-namorado, por acaso?

–Foi presente de uma tia minha, okay? Agora esquece isso e vamos embora. Peguei um mapa do nosso estado e algumas regiões próximas.

–Está bem, vamos. Agora, caso você queira experimentar essa sua lingerie um dia na minha presença, eu fico numa boa.

Olhei para ele com um ar de que iria mata-lo se não calasse a boca e rapidamente ele entendeu. Caminhamos pelos corredores até o andar térreos e parei para olhar um antigo retrato de família, quando todos nós vivíamos em harmonia, sem brigas. Tempos velhos. Peguei o porta retrato, retirei a imagem, a dobrei e coloquei no bolço. Um segredo meu e apenas meu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Deixem uma review :3 Obrigadaa!!