Era um fim de tarde desbotado, com o sol terminando de afundar no horizonte e as nuvens tingidas de vermelho. Como se não bastasse, o lamento do mundo voltava à terra em uma chuva grossa, impiedosa. O frio, porém, não era o que incomodava a solitária garota, tomada pelo cenário depressivo. Tão pouco sua roupa encharcada, ou o roteiro da peça em que faria seu début. O problema era ele — a falta dele, melhor dizendo.

            Desde que Shiki fora embora, há seis meses atrás, tudo aquilo que considerava como sonho deixou de ter importância. Ainda se lembrava do sorriso dele, do modo que disse adeus, sem deixar transparecer uma emoção sequer, enquanto Rima precisou se segurar para não derramar as lágrimas que enchiam seus olhos — falhando inutilmente quando ouviu aquelas duas palavras deixarem os lábios dele. Tentou brigar com o garoto, exigiu explicações, mas quando percebeu, ele não estava mais ali.

            E depois — nada; perdeu a conta do número de vezes que visitara o jardim do estúdio ao pôr-do-sol. Queria girar o relógio ao contrário de qualquer forma e apagar aquelas duas palavras; tampar a boca dele, talvez, antes que elas pudessem chegar aos seus ouvidos na voz conhecida. O tempo, no entanto, insistia em desafiá-la e continuava a destruir seus sonhos.

            Seis meses não podiam ser mais recuperados, mas ela não queria acreditar. Não podia. Afinal, se a chuva pode fazer o caminho inverso e voltar às nuvens, por que não o tempo? Ela só precisava descobrir como. Precisava haver uma maneira, por mais difícil que fosse.

            E havia, de fato. Ela chegou na voz ligeiramente preocupada — Rima! — Logo depois, parou de sentir as gotas que a assaltavam sem cessar, mas só percebeu quando a outra frase veio. — O que está fazendo aqui na chuva? Vai pegar um resfriado desse jeito — virou-se, apenas para ter certeza de que era Yui, sua manager, segurando o guarda-chuva e vestindo aquela face de mãe, quando percebe que sua filha está com problemas. Expressão que não saíra de seu rosto nos últimos seis meses, mas parecia um pouco diferente daquela vez.

            Rima observou os olhos negros, levemente maiores que o comum, fitaram-na, esperando por qualquer explicação. Desviou o olhar para o horizonte, suspirou, deu as costas para Yui e caminhou de volta para dentro do estúdio.

            Tentou, na verdade. A mão da mulher segurou o braço de Rima antes que ela pudesse dar três passos. A vampira parou, com o olhar baixo, mas não se virou.

            Yui pensou em brigar com a garota — e por pouco não o fez. Mas respirou fundo e caminhou lentamente na direção dela, abrigando-a da chuva, então caminhou lentamente para o estúdio.

            — Quando eu era mais jovem, tive um namorado que precisou se mudar para uma cidade distante.

            Elas dobraram em um corredor longo, cheio de cenários ao redor, então em outro um pouco mais curto, com alguns camarins. Por fim, entraram na última porta à direita, onde se podia ler “Tooya” na porta. A mulher continuava a explicar como se sentiu depois da separação, embora Rima tenha entendido apenas algumas palavras soltas.

            A vampira se virou, enquanto terminava de vestir a blusa, e disse, — Como você fez para esquecer...?

            Yui ficou estática por um instante. Seus dedos desenhavam círculos imaginários na mesa, enquanto pensava em como responder. Não chegou a conclusão nenhuma até que os passos de Rima apressaram-na. — Mas algumas vezes, — ela se levantou, pegando a caneta prateada que estava sempre em seu bolso, — é melhor não lembrar, ne?

            Quando Rima se virou, Yui estava apenas a dois passos, a mão estendida, com a caneta que mais parecia um tesouro para sua dona, e um sorriso radiante no rosto. Ficou sem saber o que fazer, então a mulher continuou. — Eu ganhei essa caneta da minha avó. Ela disse que é uma caneta mágica — sorriu ainda mais, apressando Rima a pegar a caneta, —, que tem o poder de alterar a memória. Se você escrever uma lembrança dolorosa com ela, pode riscá-la e substituí-la por outra.

            Rima queria rir, dizer não, mas tudo o que saiu da sua boca foi — Obrigada —, dito enquanto aceitava a caneta, segurando-na com tanto carinho que parecia sua última esperança. Espantou-se por acreditar nas palavras de Yui. Mas como não poderia, quando o sorriso no rosto dela lembrava o de Shiki?

            No dia seguinte, Rima estava novamente a observar o crepúsculo. Tinha um sorriso discreto no rosto, que quase completava o céu vermelho, sem nuvens. Em suas mãos uma cópia do script da peça — que Yui fez questão de entregá-la naquela manhã, depois de encontrar os restos da cópia de Rima encharcados no jardim — estava aberta na última página.

            — Markus chegou.

            Markus Steiner era o nome do fotógrafo estrangeiro que veio para fazer o photoshoot de uma campanha publicitária. Ele era loiro, de olhos azuis brilhantes, feito vidro, e alto, muito alto. A primeira coisa que pediu foi para Yui guardar o roteiro que ainda repousava nas mãos de Rima. A garota o fechou e entregou para sua manager, junto com a caneta.

            — Obrigada, mas acho que prefiro deixar o tempo cuidar dessas coisas — foi o que ela disse, fazendo Yui sorrir fraternalmente, com um olhar de quem entendera tudo, e por isso mesmo apenas se virou e foi até o camarim de Rima, deixou o script e a caneta sobre a mesa e saiu.

            Queria ver qual lembrança atormentara tanto a jovem modelo nesses últimos seis meses, mas resistiu à curiosidade. Afinal, a magia da caneta só teria efeito se Rima fosse a única pessoa ciente do que estava escrito ali; O “Adeus, Rima”, cortado por uma linha trêmula, e o “Até logo” que o seguia eram agora o eterno segredo da vampira loira. E somente dela.

— fin. —