Híbrido escrita por Musa, Moon and Stars


Capítulo 74
Deceptions


Notas iniciais do capítulo

OLÁ, GENTE! Saudades? Eu sim ): Primeiramente, desculpem pela demora, mas vejam bem. MAIS DE 10.000 palavras não é uma coisa fácil. Muita coisa promete nesse capítulo. Coisas ruins, me atrevo a dizer. Então se preparem logo, vão buscar um pouquinho de água, um suquinho de maracujá, um chá de camomila, qualquer coisa. Eu não vou enrolar muito aqui em cima, mas por favor, não deixem de ler as Notas Finais, tenho coisas importantes pra falar ainda. Sem enrolação! Boa Leitura, boa SORTE e vejo vocês lá em baixo.



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Na sala de jantar, os irmãos Came nos aguardavam cada um ocupando seus respectivos lugares nos assentos dos anfitriões. Eles nos cumprimentaram brevemente e nos deixaram à vontade para escolher nossos próprios lugares. Owen puxou a cadeira para mim e se certificou de que eu estava confortável. Quando ele puxou a cadeira para ele ao meu lado, Jared deu um espirro exageradamente alto – e claramente falso – que chamou a atenção de todos. Com a distração de Owen, ele se sentou no lugar do irmão e esboçou um sorriso cheio de um cinismo dissimulado. Revirei os olhos.

“E então?” disse Jared por alto, já com o garfo e a faca nas mãos. “Onde está nosso jantar?”

Um sorriso macabro cresceu nos lábios de Vucub e alguma coisa em seu olhar me causou arrepios. Hun estalou os dedos duas vezes e uma série de criados começou a aparecer. Eram muitos criados e só quando eles chegaram perto, parando ao redor da mesa, que eu pude reparar mais neles. Todos eram muito pequenos, quase anões, tinham seus membros deformados, feições retorcidas, olhos fundos, escuros e lábios costurados de maneira horrenda. Engoli em seco. Jared me encarava com divertimento. Owen, que estava do outro lado da mesa, à minha frente, me olhou nos olhos e sorriu para mim de um jeito muito tranquilizador. Tentei relaxar. Cada anão sacou uma faquinha tosca das próprias vestes e rasgaram as costuras de suas bocas, que os mutilou ainda mais. Dali saiu uma espécie de névoa negra, como uma nuvem fluida de poeira que me deu vontade de vomitar. Pus a mão na barriga inconscientemente e para minha surpresa, a névoa começou a tomar forma e se materializar em diversos tipos de alimentos, fazendo nosso jantar se tornar um farto e caprichado banquete.

Havia comida de todos os países, coisas que eu nunca tinha visto antes, mas reparei que tudo era massa, fritura e afins. Pela expressão no rosto de Vucub, vi que foi algo proposital, pois não havia nada saudável ali. Tia Jenna teria tido um ataque. Jared se serviu de pizza, fritas e lasanha, tudo em grandes porções. Owen se servia moderadamente de hambúrgueres e algumas coisas lá que eu não conhecia, mas que pareciam ser orientais. Eu estava tão pasma com todas aquelas delícias que praticamente esqueci de me servir. Jared segurou meu rosto bruscamente fazendo-me olhar para ele. Enfiou uma fatia dobrada de pizza na minha boca, forçando-me a dar uma mordida.

“Não se acostuma com a mordomia.” Ele disse enquanto comia uma garfada de lasanha com o queijo derretendo pelas bordas. “Eu não faço favores de graça e você sabe que eu cobro.”

Eu nunca tinha comido tanta besteira em toda minha vida. Nem mesmo quando eu estava de TPM. Sentia-me farta e pesada, com o leve pressentimento de que eu não devia ter comido tanto. Por mais que a intenção dos irmãos Came tenha sido essa, eu culpei somente a mim por não ter segurado a boca.

“Quando pretendem partir?” Hun perguntou para ninguém em especial.

“Amanhã.” Respondeu Owen. “Agora que a Kate acordou, queremos sair o mais breve possível. Para não abusar da hospitalidade, é claro. Só vamos esperar que ela se recupere um pouco mais.”

“Não se atrasem por minha causa, Owen.” Eu disse, pondo a mão contra a boca para segurar um arroto que me pegou de surpresa. Jared riu do meu desconforto. Ignorei-o. “Depois de tudo que a gente passou no caminho para cá, isso não é nada pra mim.”

Owen me olhou com seriedade.

“Descanse um pouco mais, Katherine.” Ele disse enfaticamente. Percebi que aquilo não era simplesmente um conselho, então apenas assenti.

“O que querem fazer na região de Aamon?” Vucub quis saber.

“Uma visita.” Jared respondeu com uma animação sarcástica. “Ouvi dizer que ele anda meio carente.”

Vucub estreitou os olhos para ele e antes que Jared desse continuação às provocações, Owen interviu:

“As Bestáguias já estão prontas?”

“Tudo estará pronto logo pela manhã, não se preocupe.” Vucub respondeu, redirecionando sua atenção para Owen.

“Excelente.” Owen disse. “Partiremos no amenizar da Queima.”

Jared ficou de pé, parecendo nada menos que satisfeito e parou bem ao meu lado, encarando-me. Percebi que ele estendia uma mão para mim. Franzi o cenho sem entender.

“O que foi?” perguntei pondo minha mão sobre a dele, sem saber ao certo por quê.

“Venha.” Ele disse enquanto me ajudava a ficar de pé. “Vou levar você pra cama.”

Todos nos encaravam e eu me repreendi por ainda ficar mortificada com as asneiras de Jared. Ele esboçou seu conhecido sorriso cafajeste, sem mostrar os dentes e me guiou para fora da sala de jantar. Assim que Jared fechou a porta do meu quarto, perguntei:

“O que é Queima?”

“Hm, é como se fosse o sol daqui.” Ele disse fazendo uma careta confusa. “Não sei bem como explicar. Imagine um buraco negro, só que feito de fogo.”

Tentei imaginar como ele havia descrito, mas era um pouco difícil. Ainda assim, deixei a questão de lado. Caminhei em direção a cama, eu estava louca para me deitar, mas Jared segurou minha mão firmemente, fazendo-me voltar. Olhei para ele, sem entender e ele fez um gesto de cabeça indicando uma varanda que havia em meu quarto. Eu não tinha reparado naquilo. Por curiosidade, eu o segui até lá e era como uma sacada de pedra e por ali passava uma forte corrente de ar. Senti que havia certa pressão também e o ar era diferente. Tudo era quente, e tinha um clima estranho que me causava extremo desconforto. No horizonte havia uma mistura de coisas para ver. Alguns pontos brilhavam como se tivessem uma espécie de aura espectral pulsante. Em outros pontos havia fogo, como um incêndio descontrolado. E havia um ponto, para onde Jared apontava, que estava tomado pela escuridão.

“A região de Aamon fica além daquela parte escura.” Disse ele e suspirou. “Vamos pegar Harahel e dar o fora daqui.”

“Achei que você... Gostasse daqui.” Comentei.

Ele olhou para mim de um jeito sério.

“Exatamente.” Ele disse baixando o olhar.

Pus a mão em seu rosto e ele franziu o cenho recuando a cabeça para escapar do meu toque. Não consegui reprimir o riso e agarrei as bochechas dele forçando um bico.

“Você disse que ia me levar pra cama...” Eu disse diminuindo o tom da voz e ergui a sobrancelha para ele de um jeito sensual.

Jared sorriu.

***

Quando acordei vi que Jared ainda dormia, ao meu lado. Seu corpo estava extremamente quente e tão suado quanto o meu. Eu me sentei e estiquei o corpo, sentindo-me relaxada e revigorada. Respirei fundo, aspirando o perfume que pairava pelo quarto. Era impressionante a influência do quarto sobre mim. Observei-o e mais uma vez a estante me prendeu a atenção. Saí do emaranhado de lençóis e fui até lá, passando os dedos suavemente contra o papel envelhecido dos pergaminhos.

Ainda não, criança. Uma voz feminina ecoou na minha cabeça de um jeito suave, porém com autoridade. Saltei de susto.

Olhei em volta, Jared ainda dormia profundamente com a cara enterrada nas almofadas. Não havia ninguém ali. Meu coração foi desacelerando aos poucos e eu percebi que havia sido apenas um truque da minha mente. Voltei a mexer nas coisas que possivelmente pertenceram à própria Luna. Passei a mãos por vários frascos e então ouvi um estrondo que me fez saltar para trás. Olhei para baixo e um livro enorme de capa dura estava caído diante dos meus pés. Praguejei mentalmente por ser tão desastrada. Abaixei-me para pegá-lo, reparando nos detalhes e de folhas entalhadas em dourado contra a capa escura. Era linda. Assim que meus dedos tocaram a capa, o livro se abriu de repente e começou a se folhear sozinho, as páginas virando freneticamente até parar em uma página específica. Franzi o cenho e reparei que se tratava da mesma escritura antiga, Wicca, que estava no feitiço que usei para selar meu pacto com Jared. Reli as palavras, mas continuava sem entender tudo por completo, apenas uma coisa aqui e outra ali.

“Omnibus Anti-Eflfusus. Anti Tudo, poção.” Eu li baixinho. “Defendentibus autem mala omnis generis... Defender todo tipo de mal. Sine viribus invocato... Sem invocação dos poderes.” Balancei a cabeça sem compreender nada mais que isso.

Notei que eu segurava um frasco em minha mão e o coloquei de volta na prateleira para poder pegar o livro e no momento em que o pousei, o livro tornou a se fechar, assustando-me outra vez. Opa. Peguei o frasco novamente o livro se abriu, naquela mesma página. Oh, Luna. Experimentei pegar outro frasco e o mesmo aconteceu, porém em outra página.

Urit...” eu li no topo na página. Esforcei-me para tentar lembrar o que significava.

Queimaduras. Ouvi aquela mesma voz dizer na minha cabeça. Eu devia estar enlouquecendo.

“Luna?” sussurrei para o nada, um pouco esperançosa e temerosa ao mesmo tempo pela resposta.

Uma brisa entrou pela varanda e tocou minha pele, arrepiando-me. Tive uma sensação estranha, como se estivesse envolvida em um abraço maternal e senti borboletas na barriga. Aquilo era tão bom, mas mesmo assim me assustava. Arfei, mal acreditando no que acabara de acontecer. Pelo menos eu não estava sozinha no meio daquele caos.

Leve os frascos com você, criança. Vão ajudá-la a sobreviver e em breve você voltará para sua verdadeira família, com irmãos e irmãs, os Venéficos. A voz ecoava para mim, com uma clareza arrepiante.

Eu não tive reação ou resposta àquilo. Será que eu deveria responder? Eu nem sequer sabia o que pensar! Eu tinha tantas perguntas a fazer, tantas dúvidas, ainda mais depois do que eu acabara de ouvir, mas não consegui pensar em nada para dizer. Era como se as palavras tivessem escapado da minha língua. Decidi ficar quieta e apenas escutar o que Luna tinha a dizer. Ela não disse muito depois disso, mas me orientou durante minha leitura e meus estudos naquele grande livro. Aprendi muito sobre poções e estava estranhamente empolgada.

“O que está fazendo?” perguntou Jared atrás de mim, surpreendendo-me.

Olhei para ele, ainda estava deitado com um olhar sonolento e a voz embargada. Levantei-me e fui até ele, saltitando de alegria e sorrindo de orelha a orelha. Jared franziu o cenho para mim quando pulei nas almofadas, ao lado dele.

“Luna falou comigo!” contei a ele animadamente. Ele continuou a me encarar de um jeito estranho. “Ela realmente falou comigo!”

“Ugh, e daí?” perguntou ele, ainda sonolento, tornando a enterrar a cara na almofada.

Bufei. Apesar do desinteresse da parte dele, contei tudo o que havia acontecido, expliquei o caso dos frascos e a forma como Luna se comunicava comigo. Ele continuou desinteressado, mas dessa vez estava acordado e começou a tentar me distrair com beijos e mordiscadas ao longo da minha perna. Eu tentava fazê-lo parar e prestar atenção em mim, mas ele me ignorava e continuava a me distrair. Eu estava tão animada que quase fiquei com raiva dele, mas por fim percebi que falar com ele sobre essas coisas não levaria a lugar algum e então me entreguei às suas investidas. Quando finalmente cedi, ele sorriu com a própria vitória e rolou para cima de mim, prendendo-me com seu peso e então atacou minha boca com uma fúria que eu não consegui fazer outra coisa senão corresponder.

***

No entardecer da tal Queima já estávamos todos prontos para partir. Fui presenteada por Luna com uma espécie de bolsa que eu podia carregar pendurada em meu corpo transversalmente. Nela havia água, frascos para poções e muitas frutas. Algumas que eu nem sequer conhecia, mas que Owen afirmou serem próprias para longas viagens.

“Está pronta?” Jared perguntou enquanto terminava de vestir uma camisa vinho escura, que também fora presente de Luna.

“O que planeja fazer quando chegarmos à região de Aamon?” Perguntei e tive a impressão de ele ficou um pouco tenso com a pergunta. “Faz alguma ideia de como vamos achar Harahel?”

Ele me encarou por algum tempo, com os olhos semicerrados, os dentes trincados, a mandíbula saltada e os lábios formando uma linha fina. Por fim, ele desviou o olhar resmungando alguma coisa bem baixinho que logo se desfez em um suspiro.

“Acho que vamos ter que esperar para ver.” Respondeu ele friamente, ainda sem olhar para mim. “Não me faça mais perguntas.”

Ele começou a se afastar, mas parou de repente. Virou-se novamente para mim, caminhou em minha direção, segurou meu rosto rudemente entre suas mãos, fazendo-me olhar parar ele, bem fundo em seus olhos.

“Apenas confie em mim.” Ele disse seriamente. Engoli em seco e assenti. “Katherine, falo sério.” Prosseguiu erguendo as sobrancelhas com ênfase. “Quero que você confie em mim.”

“Eu te segui até o Inferno. Isso não é prova suficiente da minha confiança?” indaguei, com igual ênfase.

Senti o corpo dele relaxar e então ele soltou meu rosto, recuando alguns passos.

“Ótimo.” Ele disse. “Agora vamos.”

Jared me deu um rápido selinho molhado e logo saímos do quarto, indo ao encontro de Owen e Needle que nos esperavam do lado de fora. Fizemos quase o mesmo percurso da noite anterior, passando por largos e extensos corredores e subindo longas escadarias até chegarmos ao que parecia ser uma cobertura. Assim que cheguei lá em cima, avistei enormes criaturas aladas, terrivelmente assustadoras. Elas emitiam sons estranhos, berros agudos e altos que me arrepiavam inteira. Congelei no lugar, não tendo coragem de me aproximar daquelas coisas. Apenas um empurrão nas costas me fez avançar, aos tropeços. Fiz uma carranca para Jared, que apenas segurou-me pelo braço e me puxou junto a ele, justamente em direção às criaturas horrendas e barulhentas. Quando nos aproximamos, parei junto a Owen e aos irmãos Came. Só então pude observar melhor as criaturas.

A princípio, achei que fossem aves com algum tipo de anomalia, mas estavam mais para algum tipo de dinossauro. A couraça das criaturas era escura e parecia dura feito rocha. Tinham mais de dois olhos, não me atrevi a contar, e estes tinham uma cor laranja ardente, como ferro em brasa. O tamanho daquelas coisas era absurdamente grande, maior do que eu havia suposto. Elas ainda me assustavam, com seus gritos e seus enormes dentes, que facilmente me partiriam ao meio numa única dentada, mas por um lado elas me fascinaram. Era como estar de volta à infância, quando eu assistia Parque dos Dinossauros com a minha mãe, só que bem mais realista e infinitamente mais perigoso.

“São legais, né?” perguntou Jared quando viu que eu as encarava demais. Ele sorria, também observando as criaturas. “Essas galinhas aí serão nosso transporte até Aamon.” Ele disse animadamente.

“São Airuasourets.” Disse Vucub, parecendo ofendido com o apelido que Jared dera a elas. Estendeu a mão na frente da criatura e ela curvou a cabeça cheia de olhos e dentes para que ele a tocasse. “Nascidos da explosão da Queima, banhados no Murgetnised, solidificados pela pujança de Baal.”

“E elas não te levarão até Aamon, Híbrido.” Disse Hun. “Elas só vão até a brenha de Tnaf.”

O que?” perguntou Jared, irritado. “Isso não faz parte do acordo!”

“Elas não entrarão na Legião de Aamon!” Hun repetiu, decididamente.

Antes que Jared tornasse a protestar, eu me intrometi:

“Por que não?” perguntei.

“Se tiverem sorte,” disse Vucub. “Não precisarão descobrir.”

Hun abriu um sorriso cheio de malícia para o irmão, que correspondeu ao sorriso, e voltou sua atenção para as bestas. Começou a murmurar alguma coisa pra as feras em uma língua estranha e sussurrada. A fera berrou e balançou a cabeça, parecendo entretida. Olhei apreensivamente para Jared que apenas deu de ombros.

“Katherine, você vem comigo.” Disse Owen segurando minha mão.

Olhei para Jared, que apenas deu as costas para mim e caminhou audaciosamente em direção às bestas. Ele encarou Hun de frente, que fez sinal para que ele montasse a criatura. Jared deu um assovio e em alguns instantes Needle estava com ele. Owen me guiou até a outra fera e me deixou subir primeiro, ajudando-me a me acomodar. Eu estava muito nervosa. Era tão alto ali nas costas daquele bicho. Tudo bem, eu não estava nervosa. Eu estava apavorada! Eu nunca havia montado sequer num cavalo, que dirá numa criatura daquelas. Minha Luna que me acuda. Owen se acomodou bem na minha frente e me instruiu a segurá-lo firmemente. Assim o fiz. Agarrei-o pela cintura e o abracei forte, quase esmagando-o, mas ele não parecia se incomodar. Seu corpo era rígido e quente como o de Jared, mas havia algo diferente. Eu só não sabia o que. Owen tomou um par de correntes grossas e barulhentas nas mãos e eu supus que fossem as rédeas. Logo a criatura começou a se mexer e eu me apertei mais contra Owen. Desta vez ele arfou.

“Desculpe.” Eu murmurei com o rosto enterrado em suas costas, não querendo ver o que viria a seguir.

A fera, não a nossa, mas a de Jared, deu um berro e foi a primeira a levantar voo. Eu pude ouvir e sentir o vento provocado pelo bater de suas asas. Não muitos segundos depois, senti a forte vibração no corpo da criatura em que eu estava montada quando ela gritou. Em seguida, fomos suspensos no ar com um movimento rápido e violento. Talvez rápido demais. Mordi meu lábio com força até machucar tentei não apertar Owen tanto assim, mas foi difícil.

“Katherine, está tudo bem?” Ouvi Owen gritar para mim. Era difícil ouvi-lo com todo aquele vento nos meus ouvidos.

“Sim! Está tudo ótimo!” gritei de volta.

Senti o peito dele subir e descer numa risada casual. Ele devia saber que eu estava assustada. Aos poucos, consegui relaxar. Ele estava perfeitamente tranquilo e parecia confiante naquilo que estava fazendo. Sozinha, percebi que eu não tinha que ter medo. Sim, se eu caísse dali seria com certeza uma queda mortal, mas não devia ser tão ruim assim. Quando abri os olhos, me arrependi imediatamente. Tudo o que se via lá em baixo era rocha e lava e comecei a rezar ainda mais para Luna, tentando não pensar em como eu tostaria rápido naquele magma.

Katherine à flambada, pensei.

Ouvi a risada de Jared ao longe, ecoando em minha mente. Olhei para ele e ele ainda exibia um sorriso torto no rosto. Tive a impressão de ter visto uma piscadela pouco antes dele sacudir as correntes que segurava, fazendo o animal mergulhar em direção à lava. Oh, não. Não, não não... Como eu temia, Owen fez o mesmo, não querendo ficar para trás e nós dois caímos em uma velocidade tão rápida que tive que apertar Owen pelas pernas também. Ele parecia estar se divertindo tanto quando o irmão, como se aquilo fosse algum tipo de esporte fraternal. Como se minha vida não estivesse em jogo! Meninos... Nós pairamos um pouco logo acima do vasto rio de lava borbulhante. O calor ali era terrível, mas a criatura parecia gostar.

Subimos novamente, tendo uma visão melhor. Reparei que o rio de lava fazia uma curva acentuada e tive medo de fazer aquela curva, mas para minha sorte, seguimos em frente, sobre as rochas. Desviamos de algumas tão grandes quanto montanhas e passamos também por baixo de alguns arcos de pedra. Jared fez algumas piruetas exibicionistas.

Pra que tanta ostentação, Jared? Gritei para ele mentalmente.

Porque eu posso! Ele gritou de volta, tornando a fazer outra pirueta.

“Nem pense nisso.” Eu disse enfaticamente no ouvido de Owen. Ele apenas riu em resposta.

Aterrissamos em uma superfície árida, quebradiça, cheia de rachaduras e pedrinhas. Owen me ajudou a descer das costas da criatura e me colocou delicadamente no chão. Perguntou se eu estava bem, oferecendo seu melhor sorriso. Garanti que eu estava melhor e devolvi o sorriso da melhor maneira que pude depois do terror que passei naquele voo. Ofereci preces de agradecimento à Luna mentalmente e suspirei batendo a poeira do corpo. Jared não demorou a se juntar a nós e Needle o acompanhava, como sempre. As criaturas deram um berro que me fez saltar de susto e voaram para longe. Owen segurou minha mão e a apertou confortando-me.

“Então, para onde vamos?” perguntei enquanto soltava minha mão da de Owen tentando não ser indelicada.

Jared apontou para algum ponto além de mim e quando me virei, deparei-me com uma floresta morta e nebulosa. Os troncos das árvores eram grandes, secos e retorcidos. Aquele lugar tinha um clima forte que me apertava o peito. Needle tomou a frente e Jared o seguiu, dando uma leve cotovelada na lateral do meu braço para que eu não ficasse para trás. Quando mais avançávamos, mais aquela sensação estranha se intensificava. Comecei a sentir uma série de calafrios, sentindo no fundo do meu coração que algo de muito ruim estava para acontecer ali.

“O que vocês sabem sobre essa tal ‘brenha de Tnaf’?” Perguntei enquanto tentava aliviar a tensão que crescia dentro de mim. O silêncio só fazia piorar.

“Vucub mencionou o banquete dos fantasmas, não foi Jared?” disse Owen.

Jared apenas assentiu, seus olhos atentos varriam o nosso caminho de um canto ao outro. Como se todos os seus sentidos estivessem em alerta. Não precisei da ligação que tínhamos para saber que ele sentia o mesmo que eu em relação àquele lugar.

“Banquete dos fantasmas?” Perguntei, sem ter certeza se eu queria mesmo ouvir sobre isso.

“Disseram que os fantasmas do nosso passado sempre se vingam à sua maneira.” Disse Jared com o tom de voz banhado em uma frieza profunda enquanto seus olhos continuavam a vasculhar o local. Esperei que ele continuasse, mas ele apenas disse: “Isso é tudo.”

“Só isso?” eu quis saber. “Isso é tudo o que sabemos desse lugar? Eu nem sei o que pensar sobre isso.” Declarei, inquieta.

“Ele me perguntou quantas pessoas eu havia matado.” Jared prosseguiu e deu de ombros. “É claro que eu não soube responder. Quem é que conta esse tipo de coisa? Mas pelo sorriso no rosto daquele boçal do Hun, sei que não vamos encontrar dançarinas exóticas por aqui.”

Senti um arrepio me subir pela espinha. Assim como Jared e Owen não sabiam mais nada sobre aquele lugar, eu também senti minha curiosidade desaparecer. Acelerei um pouco o passo até estar lado a lado com Jared. Movida por uma sensação receosa, minha mão procurou pela de Jared, para que ele me confortasse. Ele afastou a mão dele da minha no instante em que nossos dedos se tocaram e me encarou com o cenho franzido.

Jared... Eu o chamei em pensamento. Seus olhos encontraram os meus e eu pedi silenciosamente para que ele pegasse minha mão. Ele bufou, revirou os olhos, mas cedeu. Entrelacei nossos dedos, mesmo sabendo que ele não gostava daquilo, e apertei com força, sentindo-me mais segura.

Já estávamos caminhando há um bom tempo e adentramos bem a floresta morta. Havia algo diferente no ar, uma brisa fria que fazia meus pulmões gelarem quando eu respirava. Needle estava inquieto e reparei que ele estava ligeiramente eriçado e olhava para todos os cantos, mas eu não conseguia ver nada além de neblina e árvores retorcidas. Jared também estava um pouco tenso ao meu lado e em sua mente vi que ele sentia que estávamos sendo vigiados. Há algum tempo eu também tive essa sensação, mas a guardei para mim, não tendo visto ou ouvido nada de estranho.

Dei um salto de susto e por pouco não gritei quando senti algo se mexer sob meus pés. Os meninos também tiveram uma reação parecida e em poucos segundos estávamos em posição de defesa, um de costas para o outro, preparados para qualquer coisa que nos cercasse. Desta vez, foi impossível não gritar. Algo me lançou para longe, fazendo-me colidir com uma árvore. Owen e Jared também haviam sido lançados, mas diferentemente de mim, eles já estavam de pé. Owen esfregava a parte de trás da cabeça para aliviar a dor e Jared balançou a sua, como se estivesse um pouco zonzo. Lentamente me coloquei de pé, sentindo uma dor imensa nas costas, onde eu havia batido.

Duas figuras se elevaram da lama lentamente. Seus corpos tinham os contornos e os membros semelhantes aos humanos, mas eram feitos de terra e lama. Não tinham olhos, bocas nem ouvidos, mas pareciam sentir nossa presença e mostravam suas garras afiadas e letais para nós. Encaravam os gêmeos, movendo a cabeça de um lado para o outro, fazendo barulhos estranhos e gingando desengonçadamente com seus corpos flácidos em posição de ataque. Eles começaram a avançar e meu coração disparou. Forcei-me a ficar em silêncio, eles ainda não tinham percebido minha presença, o que era uma vantagem. Chamei Jared mentalmente e ele olhou em volta rapidamente, procurando-me, mas tomando cuidado para não baixar a guarda. Tarde demais. A criatura avançou em sua direção e bateu seu corpo lamacento contra o de Jared. O corpo da coisa virou pó e desapareceu. Logo em seguida, vi Jared cambaleando para trás, grunhindo e urrando de dor com ambas as mãos segurando a própria cabeça. Outra criatura fez exatamente o mesmo com Owen, que chocou-se contra uma árvore e berrou de dor, caindo de joelhos no chão, as veias saltando em suas têmporas e pescoço. Jared se contorcia e tinha espasmos violentos enquanto gritava e sofria em agonia. Meu coração se apertou ao vê-los assim e o desespero começou a me dominar.

Tome um frasco! Ele gritou em minha cabeça e por um momento senti uma pontada de sua dor e era insuportável. Era impressionante a forma como ele estava aguentando.

Jared, o que está acontecendo? Perguntei a ele com urgência.

“DOR!”Gritou ele em voz alta e deu mais um berro enquanto seu corpo cedia aos espasmos. Seu rosto estava vermelho e ele estava lutando para respirar.

Todas as mortes que você causou. Ele disse na minha cabeça de um jeito desesperado. Vai senti-las, Kate. Vai sentir cada uma delas.

Meus olhos se arregalaram com a ideia do que eles estavam passando. Forçando meu cérebro a responder meus comandos de acordo com a gravidade do momento, tirei a mochila das costas e comecei a revirá-la procurando por frascos ou qualquer algo útil. Além dos gritos de Jared e Owen, ouvi um som a mais. Senti que algo se aproximava e fiquei em alerta. Quando me virei, uma das criaturas, ainda mais horrenda e deformada de perto, vinha em minha direção. De repente, ela avançou e colidiu contra mim, jogando-me para trás. Quando abri os olhos, meu peito foi tomado por uma dor crescente que foi se alastrando por todo meu corpo. Senti cada golpe no rosto, senti meus ossos sendo quebrados, senti facas cortando minha pele e minha carne, senti mãos agarrando-me pelo pescoço e sufocando-me. Como Jared havia dito, senti a morte de cada pessoa, tudo de uma só vez e a cada segundo ficava ainda pior. Meu cérebro começou a se sobrecarregar e eu sabia que enlouqueceria, aquilo era a pior tortura que eu havia sentido, pior até que o fogo demoníaco. Eu não conseguia gritar, o berro ficou preso em minha garganta e lágrimas começaram a escorrer de meus olhos enquanto eu me contorcia em silêncio no chão, perdendo o controle de mim mesma.

KATHERINE!” A voz de Jared era um ruído longínquo e insignificante.

Comecei a sentir intensas dores latentes na cabeça, que desceram até chegar ao meu coração. Com essas dores pulsantes, vieram à minha mente os rostos de cada pessoa. Vi o rosto de Ray entre Jared e eu e aquela foi uma dor especial, mais intensa por ter ligação emocional. Eu não tinha forças para me mover, ou sequer pensar. Até mesmo aquela parte da nossa mente que resiste e sabe que algo precisa ser feito estava completamente subjugada pelas dores e eu sabia que em poucos minutos eu estaria tão morta quanto qualquer um cuja morte eu provoquei. Meu coração pulsava numa velocidade que parecia estar a ponto de explodir. Virei a cabeça e vi Jared me encarando com os olhos saltados, seus dentes trincados manchados de vermelho, seu cabelo encharcado de suor, sua mãos estendida na minha direção enquanto ele lutava inutilmente para me alcançar. Estiquei minha mão para ele também involuntariamente e gritei com o movimento, pois era como se alguém o tivesse arrancado. Ele estava longe demais, eu não conseguia alcança-lo. Minha visão parcialmente escurecida captou algo que eu não havia percebido até então. Na palma da minha mão, entre meus dedos enfraquecidos, estava um frasco com uma substância espessa de coloração esverdeada. Alguma coisa dentro de mim, uma voz talvez, era difícil dizer, me alertava sobre o que eu tinha na mão. Eu não fazia ideia do que era, ou para o que servia, mas valia o risco. Aproximei o frasco da boca e arranquei a rolha com os dentes e uma boa quantidade foi derramada em meus lábios, escorrendo um pouco pelo meu rosto. Tossi um pouco e arqueei as costas sentindo uma dor absurda que me fez berrar. Meu corpo tombou de repente, cada célula do meu corpo em uma dormência exaustiva. Respirei fundo várias vezes, deixando o ar entrar em meus pulmões e toquei minha cabeça com as mãos, grata pelo silêncio que havia ali agora. Abri os olhos rapidamente quando percebi que a tortura havia passado. Sentei-me e minha cabeça girou com o movimento repentino. Assim meus olhos se ajustaram, percebi que o frasco estava no chão lamacento e ainda tinha pouco menos que a metade do conteúdo.

Peguei-o do chão com uma ferocidade que minhas unhas chegaram a arranhar no solo enlameado. Arrastei-me às pressas até o corpo de Jared que já estava de olhos fechados, com o rosto e o cabelo sujos de lama. Seus dedos estavam cravados na terra e ele estava sufocando. Sussurrei o nome dele, mas ele não fez qualquer menção de abrir os olhos. Eu nem sequer sabia se ele havia me ouvido. Segurei seu rosto, apertando suas bochechas até ele abrir a boca e derramei um pouco do líquido. Ele também tossiu um pouco, engasgando com a poção. Então ele começou a grunhir e a tremer, seus olhos viraram e eu comecei a ficar assustada. Por fim ele arrancou um punhado de terra do chão num gesto violento e deu um berro absurdamente alto que veio do fundo de seu peito. Caí para trás, sentada, por causa do susto e o vi arfando, encarando o nada com um olhar perdido e cansado. Ainda estava suado e com os dedos trêmulos. Fiquei de joelhos ao seu lado e afastei seu cabelo da testa, seus olhos encontraram os meus e ele passou a língua nos lábios secos e balbuciou num sussurro alguma coisa que não consegui entender.

Ouvi os grunhidos sofridos de Owen e voltei minha atenção para ele. Ele ainda agonizava no chão, preso naquela tortura. Peguei o frasco para levar até ele. Jared segurou meu braço com uma força incrível apesar de ainda estar exausto e me fez olhar para ele. Ele não disse nada, mas apenas por seu olhar eu soube o que ele queria.

“Tenho que ajudar seu irmão.” Eu sussurrei para ele e tentei me soltar, mas ele me segurou ainda mais forte e balançou a cabeça. Franzi o cenho sem entender. “O que foi, Jared?”

“Não pode.” Ele disse, sua voz quase inaudível de tão fraca, mas eu vi que ele já estava começando a se recuperar. Jared engoliu em seco para tentar falar novamente. “Não pode dar isso a ele.”

Eu ainda não conseguia entender e ele viu isso no meu olhar, então me explicou. Disse na minha mente que anjos e demônios não devem ter contato com esse tipo de magia química e aquilo faria muito mal a ele. Tentei argumentar, perguntando porquê a poção não havia feito mal a ele e ele disse que era por causa da nossa ligação.

“O que vamos fazer então?” perguntei e olhei para Owen. Vê-lo sofrendo daquele jeito me partia o coração. “Não podemos deixa-lo assim!”

Jared fez esforço para se sentar e ficou da mesma altura que eu.

“Eu vou curá-lo.” Ele disse olhando para mim seriamente.

O que?” perguntei, surpresa. “Não pode fazer isso! Você está muito fraco ainda, Jared. Não pode usar seu lado angelical aqui.”

Ele se pôs de pé e me ajudou a levantar também. Cambaleei e ele me segurou pela cintura, puxando-me para ele com uma delicadeza que me pegou desprevenida. Jared segurou meu rosto com ambas as mãos, olhando bem fundo nos meus olhos antes de me beijar intensamente. Seus lábios se moviam contra os meus com urgência, mas também com leveza. Eu o senti tremer um pouco e grunhir, mas ele não queria parar. Enroscou os dedos no meu cabelo, prendendo-me ao seu beijo. Eu me sentia estranha por estar beijando Jared enquanto Owen estava ali, jogado e com dor. Mas havia algo a mais naquele beijo. Ele nunca havia me beijado daquele jeito, com ardor e sentimento. Agarrei-me nele, não querendo abrir mão disso apesar das circunstâncias. Então ele me soltou, mas não me afastou completamente, roçando seus lábios nos meus, respirando contra minha boca. Mordi o lábio dele com delicadeza e ele estremeceu. Soltou um grunhido e abaixou a cabeça. Minhas mãos seguravam a frente da camisa dele com força e usei a gola para limpar o sangue que escorria de seu nariz. Toquei seu rosto e ele pôs a mão sobre a minha. Achei que ele fosse afastar minha mão, mas ele a deixou ali. Ergui o queixo dele e dei um selinho nele. Jared colou sua testa na minha e me olhou nos olhos, ainda trêmulo.

“Eu vou fazer isso.” Ele disse. Senti seu polegar acariciar minha bochecha e senti um arrepio. Aquilo era tão incomum. Eu estava estranhando, mas não podia dizer que não estava gostando. O que mais me surpreendia era que eu só fui receber carinho de Jared no Inferno.

Eu assenti para ele e o soltei. Ele foi até o Owen e eu reparei que o chão começara a tremular novamente numa parte mais lamacenta e temi que mais daquelas criaturas estivessem chegando.

“Jared, rápido!” gritei para ele em alerta.

Ele estava ajoelhado ao lado de Owen, de costas para mim. Seus músculos estavam contraídos por causa do esforço e eu vi uma luz branca sair de suas mãos e de seus olhos. Ele estava sangrando e Owen gritava no processo. Corri na direção deles, mas a luz ali era ainda mais forte e tive que cobrir um pouco os olhos ao me aproximar. Owen continuava a gritar e além de seus berros, ouvi o ruído das criaturas que vinham. De repente a luz se apagou e vi o corpo de Jared cair levemente para a frente enquanto Owen respirava pesadamente. Pus a mão sobre o ombro de Jared e só então ele olhou para mim, pálido e com a expressão ainda mais cansada.

“Nós precisamos ir.” Eu disse a ele com firmeza. “Agora!

Ele assentiu e eu o ajudei a ficar de pé. Assim que ele se levantou, tentei ajudar Owen a ficar de pé, mas ele ainda estava com o corpo mole, fraco e grogue. Ele era muito pesado. Comecei a chamar pelo nome dele, pedindo a cooperação dele, garantindo que tudo ficaria bem desde que ele se levantasse. Jared, ainda que não estivesse nas melhores condições, ajudou o irmão. As criaturas estavam muito perto agora, mas para minha surpresa, Needle ficou para trás enquanto nos apressávamos para fugir e atrasou as criaturas. Assim que vimos o fim da floresta, fomos motivados a ir mais rápido e fizemos nosso caminho até o limite. Needle logo nos acompanhou e nos certificamos de que as criaturas haviam ficado para trás. Sorri de alívio com Owen apoiado sobre Jared e eu. Olhei para ele e ele sorriu para mim em resposta. Suspirei, permitindo-me relaxar. Acho que relaxei demais, pois perdi o controle das minhas pernas que cederam e caí de joelhos. Jared cambaleou, pois foi pego de surpresa com o peso de Owen todo sobre ele.

“E agora?” perguntei, olhando para cima, para Jared. Ele se abaixou também, sentando-se ao meu lado junto com Owen.

“Estamos perto.” Respondeu Owen, com a voz fraca. Fiz carinho em seu rosto e ele sorriu gentilmente para mim.

“Quão perto?” tornei a perguntar para qualquer um dos dois.

Jared apontou para um lugar à frente. Quando meus olhos seguiram a direção para onde ele estava apontando, fiquei surpresa por não ter visto aquilo antes. Um imenso castelo se erguia feito de rochas pontudas ao estilo gótico da Idade Média. Olhei para Jared novamente, ele sorriu para mim e disse:

“Muito perto.”

***

A caminhada até o castelo foi silenciosa e eu tentava distrair minha mente daqueles pensamentos horrendos que ficaram cravados na minha cabeça. Estremeci ao pensar na morte de Raymond. Eu pude sentir a dor dele e agora eu estava tomada por uma onda de culpa. Outra coisa também ficou impregnada na minha mente. Owen foi extremamente afetado pelas criaturas. Se não foi tanto quanto Jared, arrisco dizer que foi até mais. Tudo bem, ele foi criado no inferno. E eu entendo também que ele é um Tomás e assim como Jared foi perseguido, ele também foi. Olhei para Owen de relance e vendo-o com seu olhar baixo e pacífico ficava difícil visualizá-lo causando a morte de alguém. Owen à parte, outra coisa também estava me deixando puta. Depois daquela ceninha melosa de Jared pouco antes de salvar o irmão, Jared agora simplesmente me ignorava. Me dava respostas curtas, mal olhava na minha cara e se eu tentasse puxar assunto ou me aproximar de alguma forma, ele me daria um belo de um fora. Mas o que eu queria afinal? Aquele era Jared. Eu não devia esperar muito além do que ele já me oferecia.

Ele caminhava resoluto com Needle ao lado. Owen já estava conseguindo caminhar sozinho, por causa de seu metabolismo regenerativo acelerado. E eu, suspirei, estava apenas me remoendo com meus pensamentos para variar. O castelo estava muito perto agora e quanto mais nos aproximávamos, maior ele parecia ser. Eu já conseguia ver com clareza a entrada dali. Nós tomamos bastante cuidado na nossa caminhada até lá, indo por lugares que Owen indicava por ser mais seguros e assim evitamos vários tipos de demônios e criaturas bizarras. Não pude vê-los direito, mas só pelos sons que emitiam eu já sentia os arrepios. Estávamos andando por uma espécie de canal que nos levaria diretamente para o castelo. Não demorou muito até que meu queixo caísse enquanto eu admirava a grandiosidade do lugar. As pedras que compunham a construção pareciam estar difundidas uma na outra, ou estavam encaixadas, ou as fissuras foram esculpidas na superfície das rochas brutas. Qualquer que fosse a opção correta, eu estava impressionada apesar do clima macabro. O ar ali também tinha alguma coisa estranha. Uma espécie de acidez que me queimava as narinas e a garganta.

O clima de tensão havia aumentado e aquele silêncio todo não estava ajudando em nada. Jared parou de andar de repente de quase bati contra suas costas. Meu coração acelerou de susto e depois mais ainda quando ouvimos um som grave e ritmado. Os intervalos eram contados e breves e logo percebi que se tratava de passos. Jared fez um sinal para que esperássemos, então esticou o pescoço e foi um pouco à frente para conferir. Engoli em seco, nervosa, mas relaxei quando ele fez outro sinal indicando que era seguro prosseguir. Seguimos em frente até um extenso corredor declinado que nos levou até uma escadaria em caracol que descia para o subterrâneo. Conforme descíamos, o odor de azedume piorava. Senti a bile me subir pela garganta e cobri a boca com uma mão enquanto a outra me apoiava contra a parede de pedra. Owen olhou para trás, percebendo que eu havia parado e me lançou um olhar preocupado. Jared revirou os olhos e não parou e nem se importou em ver se o estávamos seguindo ou não.

“Kate, eu sei que o cheio é horrível.” Disse Owen oferecendo-me um meio sorriso. “Mas se você vomitar vai ser pior, não acha?”

Não consegui conter o sorriso e concordei. Ele me ofereceu a mão e continuamos a descer. Prendi o cabelo em um coque solto e pesquei um frasco vermelho na minha mochila retirando a rolha para sentir o aroma fresco que vinha de dentro. Um alívio e tanto. Eu estava guardando o frasco de volta na mochila com muito pesar, quando ouvi a voz de Jared ecoar em nossa direção:

“Achei!” gritou ele.

Eu e Owen nos entreolhamos e apressamos o passo até avistarmos Jared novamente, parado na base da escada e bem na entrada de um enorme corredor cheio de celas com grades feitas de ferro enferrujado. Jared foi à frente outra vez, checando de uma a uma dando passos largos e apressados. Ele passou por uma, mas se deteve bruscamente e retrocedeu. Correu até ela e meu coração palpitou quando percebi por sua expressão que ele havia encontrado o que procurava. Fomos até ele sem pensar duas vezes, Jared já havia dado um jeito de abrir a cela. Quando chegamos lá, ele já estava ajoelhado ao lado de um corpo. Harahel. Jared segurava em seus braços com uma firmeza exasperada. As roupas do homem estavam puídas, rasgadas e sujas de sangue. Aproximei-me ousadamente, sem me dar conta do movimento, para ver seu rosto com mais clareza. Ele se parecia muito com o homem que eu havia visto em minhas visões e lembranças de infância embora eu nunca o tivesse conhecido de fato. Mas ele estava maltrapilho, os cabelos e barba grandes demais, escuros demais e embolados em uma bagunça de nós e cachos. Porém, nada em sua aparência me alertou mais do que o fato de que ele não parecia respirar. Fui tomada por uma sensação estranha de medo, pesar e alguma coisa a mais que mexeu com meus nervos.

“Ele está vivo?” perguntei baixinho, minha voz arranhando em minha garganta enquanto eu temia a resposta.

Vi o maxilar de Jared se contrair. Ele não desviou seus olhos vítreos do rosto de Harahel e assentiu tão discretamente que se eu não estivesse olhando diretamente para ele não teria percebido. Owen passou por mim em silêncio e se ajoelhou ao lado de Jared e os dois trocaram um olhar intenso e significativo. Jared passou Harahel para os braços de Owen que olhou para o homem com uma expressão que não consegui identificar. Era difícil não imaginar o que se passava no interior de Owen. Ele estava segurando o corpo morto do próprio pai. Um homem que ele nem sequer havia conhecido. Senti-me comovida e percebi que eu estava lutando para não chorar e não fazer papel de idiota ou piorar a situação. Resolvi apenas respeitar o silêncio de Owen e agora que cumprimos nossa missão, mesmo que em vão, logo estaríamos fora daquele lugar. Então vi algo que me pegou completamente desprevenida. A mão de Owen que estava sobre o peito de Harahel começou a brilhar e ele pôs a outra na nuca do homem e esta começou a brilhar em seguida. A pele de Harahel ficou avermelhada nas regiões em que a luz o tocava e então vi que seu peito começara a subir e descer em um ritmo fraco, porém constante. Não pude conter meu espanto. O homem estava morto! Como se ele tivesse lido meus pensamentos, talvez tenha, Jared me encarou e eu percebi que ele não estava de fato morto. Talvez quase.

“Tomás?” ouvi a voz rouca de Harahel, baixa como um sussurro. Ele tinha os sonhos semiabertos, era notável que suas pálpebras pesavam, mas ainda assim pude ver a cor acinzentada de sua íris.

“Acha que consegue se levantar?” Jared perguntou em um tom sério, porém respeitoso. “Temos que sair daqui o mais rápido possível.”

“Vo-você não devia ter vindo...” Harahel respirou fundo e passou a língua nos lábios. “Era isso que...” sua voz esmaeceu e ele adormeceu novamente.

“Temos que tirar ele daqui.” Jared disse com urgência.

“Ajude-me a levantá-lo!” Owen pediu e logo os dois estavam trabalhando juntos para carregar o corpo desacordado de Harahel.

Já estávamos subindo as escadas numa lentidão lamentável quando ouvimos Harahel murmurar baixinho algumas coisas incompreensíveis.

“Vão embora... Tomás.” ouvi-o dizer. “Deixem-me aqui.”

“Não vamos te deixar, Harahel.” Disse Owen para ele com convicção. Depois disso, ele não protestou mais.

Jared começou a andar mais rápido, entrando e virando em alguns corredores.

“Você está indo para o lado errado.” Harahel grunhiu e tossiu um pouco.

“Jared, como sabe para onde estamos indo?” Owen perguntou de repente e eu olhei para Jared. Eu não tinha pensando nisso até então.

Chegamos a um imenso portal de pedra que dava em uma sala grande e iluminada, não consegui ver mais que isso. Mas reparei que Jared parecia ansioso por chegar nela.

“Estou indo para onde meus instintos mandam.” Ele abriu um sorriso que me arrepiou todo o corpo e fui tomada por um medo cegante.

Infelizmente, era tarde demais. Já estávamos dentro da sala e não havia jeito de sair de lá.

***

A sala parecia uma côrte da Idade Média em ruínas. Diante de nós, um majestoso trono e sobre ele estava um demônio que sorria para nós abertamente.

“Híbrido, pensei que nunca fosse chegar.” Disse ele com sua voz retumbante enquanto se levantava de seu trono.

“Jared.” Eu sussurrei para ele nervosamente. “O que está acontecendo? Vamos embora daqui. Agora.”

Estiquei a mão para tocá-lo no braço, mas ele se desviou bruscamente do meu toque, lançando-me um olhar assassino, seus olhos se tornaram negros por um segundo e então voltaram ao normal. Ele voltou sua atenção para o demônio, tirou o braço de Harahel de seu ombro, quase deixando-o tombar no chão se não fosse por Owen segurando-o. O demônio caminhava despreocupadamente em nossa direção. Ele podia se passar por um humano se não fosse por seus enormes dentes de tubarão. Suas vestes eram maltrapilhas, também seguindo o estilo medieval. Seus cabelos eram negros e espetados, os olhos eram verdes, em um tom que puxava para o dourado e o seu jeito elegante e altivo de andar era o que mais me apavorava. Ele parecia estar se divertindo.

Sem saber ao certo o porquê, me coloquei à frente de Jared em um gesto rápido e protetor. Jared segurou meu braço com força e me encarou nos olhos com uma raiva flamejando em seu olhar. Seus lábios se tencionaram como se ele fosse rosnar para mim. Eu o encarei de volta, sabendo que aquele não era ele. Eu não queria acreditar que ele estivesse fazendo aquilo. Balancei a cabeça em plena descrença para ele.

“Por que?” perguntei. Ele abriu um sorriso descarado.

“Porque ele é um príncipe.” Aamon respondeu. “Com todas as mortes que causou, as pessoas que ele levou a pecar... Ele já pode ter uma pequena legião de almas.” Olhamos para ele. Eu com nojo das palavras dele e Jared com orgulho que lhe enchia o peito. “Eu os vi chegar.” Aamon prosseguiu. “Eu sabia que ele viria até mim.”

Jared me empurrou para o lado, derrubando-me no chão, e foi até Aamon.

“Então sabe que o principal motivo não foi o Arcanjo.” Ele disse.

“Ah, sim.” Respondeu Aamon sorriu. “Você anseia pelo poder, criança de Asmodeus. Aliando-se a mim você pode ter o que quer e você sabe disso. Com sua chegada, a profecia terá um novo rumo.”

“Que profecia?” perguntei enquanto eu me levantava. Aamon prendeu seus olhos em mim.

“Uma filha de Luna.” Disse ele, como se me visse pela primeira vez. “Que interessante... Como isso me escapou nas visões? Tudo o que vi foram os irmãos Híbridos.” Olhou para Jared e assentiu lentamente com a cabeça. “Muito inteligente.”

Grunhi e fui até Jared, ignorando os calafrios que a presença daquele demônio me provocava.

“Vamos embora agora!” Eu disse para ele com tanta firmeza que foi quase uma ordem.

“Meu plano nunca foi sair daqui, Katherine.” Disse ele.

Ele está tramando alguma coisa. A memória da voz de Owen ecoou na minha mente e foi como levar um soco no estômago. Por um momento, o ar me escapou.

“É claro que era.” Eu disse, ainda não querendo acreditar. “Viemos salvar Harahel. Você precisava de mim.”

“Sim,” ele disse e tocou meu rosto com a mão, acariciando minha pele. Mas não havia carinho naquele toque, apenas uma frieza profunda. “Eu precisava de vocês. Salvar Harahel foi só um pretexto para arrastar vocês para cá.” Ele abriu um largo sorriso e soltou uma risada grave, tirando a mão de mim. “Como você foi estúpida.”

“O que está dizendo?” perguntei, sentindo-me tonta de repente.

Jared riu, agora mais alto.

“Eu tinha uma filha de Luna apaixonada por mim e você acha que eu não aproveitaria isso? Eu tive os dois na minha mão.” Ele olhou para Owen. “Eu achei que você fosse mais esperto, irmão. Confiou em mim simplesmente porque Katherine confiava.” Balançou a cabeça e tornou a olhar para mim. “Precisei de Owen para passar pelos Irmãos Came. E você...” ele deu de ombros. “Foi precioso ter uma Venefica do meu lado. Ainda mais uma vadiazinha com quem eu pude trepar sempre que tive vontade.”

Minha fúria começou a crescer, o sangue fervia por todo meu corpo, meus punhos estavam cerrados nas laterais do meu corpo, mas eu não conseguia me mover. Dizer que eu me sentia traída era menos que mínimo. Eu estava arrasada, mas antes de qualquer coisa, eu estava revoltada. Como pude me deixar enganar? Tudo o que vivemos foi uma grande mentira. Eu sentia ódio de Jared, e nojo de mim mesma por tudo o que fiz por ele, pelo amor que cheguei a sentir.

“Não fique assim tão nervosa, bruxinha.” Ele disse, ainda com aquele sorriso presunçoso e orgulhoso estampado nos lábios. “Foi bom enquanto durou, não foi? A gente se divertiu bastante.”

Cortei sua risada com um soco bem dado no maxilar, que fez o rosto dele virar. Assim que se ergui novamente, trincou os dentes, seus olhos negros como o breu. Sua mão em gancho segurou minha garganta, sufocando-me e tirando meus pés do chão. Eu não conseguia respirar, nem me debater. Meus olhos ardiam e as lágrimas embaçavam minha visão que já havia começado a escurecer.

“Você não pode fazer nada agora, Katherine.” Ele disse, cuspindo meu nome como se fosse veneno em sua boca. “Nenhum de vocês pode. Então seja uma boa bruxinha antes que eu transforme você em cinzas. Eu tive que me segurar muito para não fazer isso antes, então não me dê motivos para fazer isso agora.”

Eu o olhava nos olhos, odiando-o com cada parte do meu ser. Suas mãos apertaram um pouco mais meu pescoço antes de afrouxar e me arremessar longe. Meu corpo colidiu contra uma coluna de pedra. Eu estava caída, zonza, tossindo e lutando por ar.

“Tomás!” ouvi Harahel gritar, ainda muito fraco.

“Jared, como pôde?” perguntou Owen.

“Ugh, cale a porra dessa boca, seu viadinho!” Jared disse para o irmão, sem um mínimo de paciência e eu o vi caminhando em sua direção. Fraquejei e quis ir até lá. Não queria que Jared o machucasse. “Eu só não acabo com você agora, porque eu estou esperando por uma plateia maior.” Ele sorriu. “Mas muito em breve, princesa, seu doce reinado cor-de-rosa no castelo mágico da Barbie vai acabar.”

Owen estava fumegando de raiva e se não fosse por Harahel em seus braços, ele teria avançado em Jared.

“Acabe logo com eles.” Disse Aamon.

Continuei tentando me levantar, mas eu ainda estava tonta por causa da falta de ar e do impacto. Implorei pela ajuda de Luna, eu não podia ficar ali parada, ainda mais depois do papel de otária que eu havia pagado. Eu precisava fugir, precisava ajudar Owen e Harahel.

“Tomás, não!” Harahel gritou.

Jared se aproximou dele e quando Owen tentou defende-lo, Jared o chutou no estômago, empurrando-o para longe. Harahel caiu e Jared o ergueu novamente.

“Você, Harahel, não faz alguma ideia de quanta dor você me fez sentir forçando-me a aprender os poderes celestiais?” Ele disse no ouvido de Harahel, mas alto o bastante para que todos o escutassem. Segurou o rosto de Harahel com força, obrigando o homem a encará-lo. “Hein? É claro que não. Mas eu vou fazer você pagar.”

“Faça-o pagar agora!” Aamon o instigou. Ele claramente se sentia entediado e queria um pouquinho de ação.

Jared sorriu para Harahel pouco antes de jogá-lo contra o chão e se virou para mim, olhando-me nos olhos. Tudo o que vi nos seus era o breu, as veias escuras ao redor de seus olhos, contrastando sua pele pálida. Ele deu dois passos na minha direção e parou, sem deixar de me encarar.

“Não.” Ele disse e olhou rapidamente para Aamon. “Eles tem que voltar.” Disse e voltou a olhar para mim, inclinando a cabeça como um predador intimidando sua presa. Lutei para não encolher sob seu olhar. Eu não daria esse gostinho àquele filho da puta. “Alguém precisa espalhar a notícia de que o filho Híbrido de Asmodeus escolheu o lado em que vai lutar e que Glosbe está próximo.”

Terminou de caminhar até mim e me vi recuando, mas bati contra uma parede fria e cheia de irregularidades. Ele me segurou pelo braço e me levantou com um puxão.

“E você, por toda a dor que me causou com aquelas lembranças ridículas.” Senti sua mão se aquecer em meu braço, ele queria me queimar.

Alarmada, tentei me soltar, mas não consegui. Chutei-o, mirando o meio de suas pernas, mas acertei sua coxa. Soquei-o no rosto e no nariz, mas tudo o que ele fazia era gargalhar. Ele torceu o nariz, onde eu o havia acertado e olhou para mim novamente.

“Minha vez.” Sussurrou ele e me estapeou com o dorso da mão.

Minha pele ardeu, não só pelo tapa, mas porque sua mão estava em chamas. Gritei, o fogo penetrando minhas células. Ele não parecia satisfeito e tornou a me segurar pelo pescoço, queimando-me ali. Berrei e chorei de raiva, dor e uma decepção tão grande que me fez querer morrer. Fui jogada no chão e quando ergui a cabeça, vi que Owen o havia atacado. Os dois começaram uma luta rápida, violenta e que parecia divertir Aamon. Era difícil acompanhar, mas ao invés de ficar ali apenas assistindo, rastejei até onde estava Harahel que delirava em sua fraqueza semiconsciente. Eu não sabia o que podia fazer por ele, mas eu tinha que pensar em um jeito de escapar. De repente, ouvi um barulho alto e quando olhei, vi que Owen e Jared estavam no chão, Jared sobre o irmão, prendendo a cabeça do outro contra o chão.

“Se quiser que o seu papai e a putinha ali voltem pra casa em segurança, você não vai poder morrer agora. Ou para com essa porra, ou não terei misericórdia.” Jared disse para Owen, que bufava cheio de adrenalina, seu rosto corado grudado no chão. “Minha paciência está acabando.”

Jared o soltou e deixou que o irmão fizesse sua escolha. Owen lutou intensamente para controlar a própria raiva, mas resolveu escolher nos tirar de lá. Recuou e Jared abriu um sorriso brilhante.

“Como eu havia suposto.” Ele disse. “É uma boneca mesmo.”

Owen deu um passo à frente, mas corri até ele e segurei seu braço, lembrando-o de que não valia a pena. Aos poucos ele cedeu à minha presença e nos viramos para ir embora, Owen foi em direção à Harahel. Eu o estava seguindo, quando uma mão segurou meu pulso. Fiquei surpresa ao ver que não era Jared e sim Aamon. Seus olhos brilharam agora mais dourados que verdes.

“Vocês temerão nossa chegada, que está próxima.” Ele disse em um tom grave e um tanto particular. “Vejo uma grande mentira no seu passado, filha de Luna. Uma mentira que virá à tona em breve. Você ainda não está pronta para a morte, mas esteja certa de que ela chegará bem antes do que você espera. Você não morrerá pela mentira. Esteja pronta.”

Suas palavras me penetraram e eu não sabia ao certo como processar aquilo. Me tirou o fôlego e olhei uma última vez para Jared, mostrando a ele todo o ódio que eu era capaz de sentir. Seus olhos não estavam mais negros, e seu cenho estava franzido. Eu o vi engolir em seco enquanto meu olhar o atingia.

Você me subestimou, seu filho de uma puta. Eu disse a ele mentalmente, mostrando-o o que eu sentia. Você vai se arrepender.

De repente seu olhar escureceu novamente, bloqueando nossa conexão telepática e ele sorriu de canto.

“Nos vemos depois, Katherine.” Ele disse para mim e virou-se para Aamon. “Mande-os embora. Passei tempo demais com esses idiotas.”

Fui até onde Harahel e Owen me aguardavam e assim que me juntei à eles, um círculo de fogo nos rodeou. Por trás das chamas, vi Jared sorrir. Ele piscou para mim e então apaguei.

***

Meus pulmões pareciam estar prestes a explodir, a pressão na minha cabeça era uma tortura, então gritei sentindo minha garganta arranhar. Por um momento, me senti insana, fora de mim. Um par de mãos me sacudiu e quando abri os olhos, encontrei os de Owen, encarando-me assustado e cheio de preocupação. Ele estava sujo de terra, fuligem e sangue. Não tinha sido apenas um pesadelo, tudo foi verdade. Fechei os olhos novamente, concentrando-me em respirar, então um aperto em meu peito me sufocou enquanto eu era dominada por uma crise de soluços e lágrimas. Eu não podia acreditar que Jared havia nos traído. Ele me usou durante todo esse tempo, me manipulou, me seduziu. Eu estava desesperada, confusa, cheia de sentimentos ambíguos e intensos. Eu não sabia o quanto mais eu seria capaz de suportar. Eu estava tão furiosa, que meus membros tremiam. Owen me envolveu em seus braços em um abraço caloroso e não pude deixar de me culpar por não ter acreditado nele. Eu não podia ficar chorando por causa daquele monstro. Ele finalmente havia se mostrado e eu tinha que guardar todo meu ódio para o dia da morte dele.

“Kate, por favor, fique calma.” Ouvi Owen dizer contra meu cabelo.

Eu percebi que o estava agarrando pela camisa, talvez até machucando-o, então o soltei. Pisquei algumas vezes, expulsando as lágrimas e clareando minha visão. Estávamos no meio de árvores, árvores de verdade. O céu sobre nossas cabeças foi o que mais me fascinou, o ar puro e o vento em nossos rostos. Owen tinha um olhar alerta e percebi que ele não me encarava. Só então notei que estávamos rodeadas por dezenas de pessoas com facas e armas apontadas para nós. Ajeitei-me, ficando de repente na defensiva e tentei entender o que estava acontecendo. Harahel os encarava com um ar de autoridade e eles nos encaravam de volta com desgosto.

“Como saíram do Inferno?” um dos homens perguntou. Estava na casa dos quarenta, vestia jeans e uma camisa cinza, assim como a maioria deles. Ele tinha uma espingarda apontada para nós.

Levantei-me, grunhindo com minhas dores, mas consegui mostrar compostura. Minha cabeça girava, eu me sentia meio grogue, lenta.

“Aamon Agência de Viagens. Ele está com promoções bem quentes, mas o serviço é péssimo.” Respondi, impaciente.

“Sem brincadeiras, garota.” Disse o homem, carregando sua espingarda e mostrando que eu era sua principal mira. “O que vocês são?” perguntou.

“O que eu sou?” indaguei e sorri, algumas feridas repuxaram em meus lábios e senti um forte gosto de sangue. Afastei-me e os observei. Todos me encaravam, atentos, esperando por algo. “Eu não passo de uma garotinha.”

Assim que disse isso, cerrei os punhos, os olhos e quando tornei a abri-los, uma onda de poder saiu de mim, uma aura arroxada me cercava e eu os vi sendo arremessados para longe, todos eles. De pouco a pouco, todos se puseram de pé, pegando suas armas, alguns se posicionando para defesa, outros para ataque. Engatilharam as armas.

PAREM!” Alguém gritou atrás deles. “Não atirem!”

Era uma voz que fez meu poder esmaecer de meu corpo. Comecei a tremer e perdi o ar. Os homens começaram a se mover, abrindo caminho para a pessoa que se aproximava. Meu coração acelerou, minhas pernas cederam e caí de joelhos no chão sentindo as lágrimas me subirem aos olhos. Não. Não. Não. Não. Não. Não pode ser. Minha garganta estava seca e eu achei que eu fosse desfalecer quando ela apareceu na minha frente. Ela me encarou com um choque quase tão grande quanto o meu próprio. Fraquejei, sem conseguir formar nenhuma palavra, embora apenas uma ansiasse por escapar. Ela deu um passo na minha direção, e eu me encolhi em minha incredulidade. A palavra era forte e eu não conseguiria contê-la.

“Katherine.” Ela disse.

O som do meu nome invadindo meu peito. Olhei para cima, encontrando seus olhos. Minha voz saiu baixa, fraca e sofrida.

“Mãe.”


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Notas finais do capítulo

É. Eu sei. Eu sei. Também me sinto assim. Mas não há nada que eu possa fazer. Vamos falar de algo legal. Sabiam que estou entrando pra Liga dos Betas? Pois é, Monique em breve, será uma Beta Reader! Mas não é isso que tenho pra falar. Vocês sabem que a fic está chegando ao fim, que eu to de saída, todo mundo ta muito triste com isso (ou não), mas eu não vou sair assim sem nada de especial como despedida, né? Então. Estou preparando uma coisinha especial. Um capítulo Bônus! Ele virá depois do Epílogo e será.... *toca tambores* UM POV DO JARED! Sim, eu sei que vocês devem estar odiando ele agora e tal, mas fala sério. Quem aí nunca quis um pov dele? Eu e a Musa vamos selecionar três capítulos da fic que vocês vão escolher para ser o pov. Os capítulos serão anunciados em breve, então não deixem de checar. Vou detalhar ainda como vai ser feita a votação, portanto não se preocupem com isso agora, sim? Por enquanto é isso, deixem reviews dizendo o que acharam do cap, podem xingar, berrar, o que quiserem. Beijos da Moni ;*