–Pelo amor dos Deuses do Mar, eu não aguento mais!

Jack não fora nada daquilo que se esperava. Desde pequeno se mostrara barulhento, indisciplinado e totalmente inumano. Chorava por três dias, não ingeria leite, nem nunca abria os olhos. A tripulação se fartava e foram muitos os que se jogavam das amuradas ao mar, só para ter alguns minutos de paz. Isso, antes da maldição os puxar a bordo novamente.

Capitão John fazia de tudo para apazigua-lo. Temia pela paz, tanto quanto pelo navio, que, se destruía pelas constantes tempestades trazidas pelo choro do garoto.

Mas em certa parte se orgulhava de tamanho poder.

Certa noite após um longo silêncio do garoto o berreiro foi tão forte quanto inesperado e trouxe tamanhas ondas e chuva que nada se podia ver. John, sem alternativa, mandou baixar velas e deixar que a sorte os conduzisse pela espessa cortina branca.

Ao amanhecer, tinham aportado.

Em estase, a tripulação atribuiu aquilo ao fim da magia que os prendia, mas, ao pular no mar, eram levados de volta. Só podiam ir a Terra.

Mesmo assim era um bom sinal, antes só podiam descer para batalhas em nome da profetizada. Mas ela já estava ali.

Algo tinha mudado.

Alissa foi uma das ultimas a descer no pequeno porto pesqueiro, e temeu que os anunciantes de frutos do mar pudessem acordar a criança. E acordaram.

Jack abriu os olhos e foi espantoso.

Seus olhos eram claros como o Sol das manhãs que trespassa uma taça cristalina, era um azul esbranquiçado que hipnotizava. Mais surpreendente, ao olha-lo profundamente, notava-se pequenas ondulações em movimento, e pequenos pontos brilhantes.

Eram ondas e estrelas.

A tripulação se aglomerou, ajoelhando-se, mas, quando os moradores locais se aproximaram, seus gritos foram irreais.

Homens, mulheres, velhos e jovens, todos começavam a ficar cegos de intendimento. Corriam, gritavam, e, só paravam quando conseguiam acabar com as próprias vidas.

Tinha algo errado.

*

– Vamos lá Jack você tem de aprender! - John havia separado o melhor espadachim abordo, mas se desesperava ao ver o total desinteresse do garoto, que, sentado na amurada cutucava as unhas com desatenção.

– Vamos lá meu rapaz, esse mundo exige que saibas se proteger!- Declarava Russi, com sua voz profunda, todos os dias, antes de Jack ir embora para a cabine.

Ele não tocava na espada. E não se interessava por mais nada.

*

–Jack, por favor, volte aqui, eu não aguento mais!- Gritou Alissa por entre a densa multidão.

O navio, que agora precisava aportar, separava mantimentos para Jack, que, correndo, sempre se afastava. Corria feliz ao ver sua mãe o seguindo por entre cabras galinhas, pessoas e casas, e, adorava quando alguém furioso o parava e tinha o desprazer de olhar em seus olhos. Sabia que não era certo.

Naquele dia, tinha avistado uma aglomeração, e se enfiado por entre os observadores até conseguir chegar a frente. Entendendo.

Era uma justa de espadas, onde o pareceu, era até a morte.

O ultimo perdedor estava sendo retirado, e seu corpo foi arrastado para bem perto do garoto, mas que não deu a minima atenção pois, observava, maravilhado o invencível campeão, lutando, agora, com dois.

*

– Logo teremos de comprar roupas novas- entendia Alissa, enquanto abotoava o colete do filho.

– Posso fazer isso sozinho- afastando as mãos da mãe com um safanão.

–Tudo bem, tudo bem, as vezes me esqueço de como cresce rápido- sorriu deixando a cabine. Voltou, lembrando-se -Apresse-se, hoje vamos fazer uma visita a uma amiga especial.

– Báah aposto que vão ficar conversando sobre crochê- e mostrou a língua em desaprovação- se demorar muito, tal vez a peça para olhar meus olhos.

– Sabe que isso não é o certo, e sei que falas somente da boca para fora, além do mais, está muito mais seguro olhar para ti. Acho que está enfraquecendo. - aproximou-se do filho- Nunca te escondemos, sabes que..

– Eu sei, eu sei- mudou a voz para o tom decorado- Pelo seu ato errado, você e os seus serão castigados, somente quando a divindade e a mortalidade se fundirem em um só, terás liberdade. E o hibrido governará o novo ciclo mortal. - Eu sei, tenho que aprender sobre ser um bom governante, aprender sobre honra, justiça, esgrimas e blá, blá..

Alissa riu.- Ahh e minha amiga, ela é uma bruxa- e saiu, deixando o curioso garoto animado.

Jack subiu as estreitas escadas de madeira e sentou-se no convés, esperando que aportassem. Alissa Read, se arrumava mais a frente.

John Jack que ficava a cada dia mais calado, apareceu com Russi.

– Hey garoto que tal um treino antes de descer? Nunca pegastes na arma, como sabe que não seria capaz de lutar? - E sorriu em deboche.

–Eu sei lutar- disse Jack concentrado num bolo de pequenas cordas.

–Arrg nunca pegastes na espada!- insistiu Russi.

–Eu sei lutar.

–Então venha e eu..

– Chega- interrompeu o capitão- estamos em terra.

A tripulação desembarcou, e como combinado, desceu uma rampa para que barris de água e rum, fossem rolados para cima. John desculpou-se com Alissa e disse que tinha resolver alguns assuntos, mas que estaria logo atrás deles.

Jack desceu apressado e correu a frente para a casa da bruxa, até se lembrar que não conhecia o caminho, e procurar por sua mãe logo atrás.

*

Alissa saiu da tenda da bruxa com uma expressão de tristeza, e tentando esquecer, dirigiu seu olhar para onde tinha exigido que Jack esperasse.

Ele não estava lá. E ela não se surpreendia.

Ele havia ficado zangado por não entrar, e mesmo que ela o tivesse visto se sentar, não acreditava que havia permanecido quieto por mais de alguns segundos.

Mesmo assim estava feliz por não o ter deixado ouvir a consulta.

Andou por entre o fluxo de pessoas, perguntando diversas vezes por Jack.

– Com licença, viu um garoto mediano, 13 ciclos de vida, cabelo ondulado, algumas condas, bandana?

Até que já quase perto do navio aportado ouviu:

– É mesmo um maricas de calças! - seguido de risos gruturais.

–Então chegue mais perto para que eu te conte um segredo. - era a voz de Jack.

Alissa dando-se conta do que o garoto iria fazer, correu e avistando-os, entrou no meio, pondo o filho resmungando atrás de si. Virando-se para o homem com uma perna de madeira, que discutia com Jack, objetou:

–Ele não é uma maric.. não..- esbugalhou os olhos.

–Alissa, não.. não é possível, é.. é você mesma? - disse Marco suspirando- Mi-minha esposa...

Capitão John que havia sido alertado da confusão que seu filho tinha se metido ao apostar, com homens perto do porto, se encaminhava, e , ao ver Alissa estática perto de um homem, segurando o filho atrás de si, se adiantou.

–Meu amor est..

Marco, entendendo como sua esposa raptada tinha ficado viva nos últimos anos, e entendendo o parentesco dela, com o garoto,  encheu-se de ira cega e trespassou Alissa no abdômen com uma fina espada de ponta,  girando-a enquanto soltava a lamina.

Alissa arfou.

John que estava perto suficiente para observar a cena,  sentiu sua visão embaçar e caiu com os joelhos ao chão. A tripulação observava pasma, e até mesmo Marco se dava conta do que fizera. Em meio ao silêncio, somente algo se mexeu.

Jack agarrando a pequena cimitarra, enterrou a fina ponta no coração do assassino.

Observou-o cair deixando um caminho vermelho na parede. Sem uma sequer lágrima, sem olhar para o corpo caído de Alissa, ou sem qualquer ou pequena hesitação, aproximou-se com uma pequena adaga que levava sempre consigo, cortando profundamente a garganta de Marco,  fazendo-o engasgar-se com seu próprio sangue.

Ainda com a espada na mão, dirigiu-se ao Navio, avistando Russi que já desembainhava a espada temendo os companheiros do homem que antes observavam, começavam a desembainhar suas armas. Declarou, frio como o sangue que secava em suas mãos:

–Agora já toquei em uma.