Juntos Através da Noite escrita por Caio Md Castro


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Se quiserem um texto épico daqueles que os autores pegam de algum lugar e colocam no começo dos livros para ilustrar o estilo da obra, leiam o poema "A Noite Dissolve os Homens", do livro Sentimento do Mundo de Carlos Drummond de Andrade... Só falando, não precisa ler se não quiser XD



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Introdução

Eu estava correndo e meus pés doíam.

Meu coração disparava dentro do peito como uma fera revoltada que luta para ganhar a liberdade, e os meus olhos ardiam por causa da claridade excessiva no corredor. Eu não sabia ao certo onde estava. Era algum lugar do castelo, um corredor comprido cheio de armaduras.

A irracionalidade pulsava e corria pelas minhas veias. Estava sendo perseguido.

De súbito meu pé esbarra em uma corrente e minha cara voa de encontro ao chão. As armaduras se colocam ao meu redor e prendem correntes nos meus pulsos e tornozelos. Os gritos de pavor e as súplicas de socorro se atropelam para fora da minha garganta.

Mataram meus pais. Mataram meus irmãos. Chegou a minha vez.

Vejo seus corpos incompletos pendurados no teto alto do castelo, assistindo.

Tudo parece acontecer em câmera lenta, em choro como um menino assustado enquanto as armaduras puxam as correntes e meus membros se separam lentamente do corpo...

Acordei com o meu próprio grito. O peito subindo e descendo loucamente.

A primeira coisa que percebi foi que a janela estava aberta, pois o luar banhava o quarto. Me sentei na cama e peguei o meu iphone no criado-mudo, eram 3:20.

Eu estava ensopado de suor gelado e minhas mãos tremiam. Como imaginei, meu irmão dormia como uma pedra no outro lado do quarto, inconsciente do meu pânico noturno.

Meus pesadelos estavam ficando recorrentes...

Com um suspiro que era uma mistura indefinida de alívio e cansaço, me deixei cair de volta na cama e fitei o espelho manchado no teto.

Olhei para o meu reflexo como se olhasse para uma versão depressiva de Dimitri, o que de fato eu era.

Os mesmos olhos vibrantes, o mesmo cabelo castanho e liso que escondia as orelhas, o mesmo porte, o mesmo corpo. Só que tudo mais triste, mais melancólico.

Meu par brilhante de olhos cor de esmeralda olhou de volta para mim. A umidade lhes concedia uma certa luminosidade azulada em alguns momentos.

A marca genética de gerações da família Dashkov cruzando entre si.

Era muito tarde para dormir agora, meu cérebro não daria o braço a torcer para uma nova onda de sonhos perturbadores, então fiquei encarando a mim mesmo no escuro, na vã esperança de que a calada da noite não terminasse nunca e eu ficasse ali na paz do silêncio para sempre.

Mal percebia eu o quanto teria desejado isso naquele momento se soubesse do banho de sangue que estava por vir.

O grande problema da vida é que o sol sempre nasce no dia seguinte. O tempo sempre chega e nos arrasta com ele para coisas que não queremos viver. Arrasta-nos para a dor e para o amanhecer.

Uma aurora de violência regada com o sangue daqueles que amamos.



Capítulo 1



O clima na antessala era pesado.

Eu estava de pé e colado à porta que dava para a sala de jantar. Usava um copo vazio de um Blue Label para escutar a discussão acalorada que transcorria no outro cômodo.

Às minhas costas Dimitri se remexia na sua cadeira de rodas e Nadja chacoalhava os pés no sofá.

Eu usava uma calça jeans com um moletom azul claro, idêntico ao azul escuro de Dimitri. A mania de gêmeos em se vestir com roupas iguais era algo perturbador, mas que praticávamos de vez em quando.

– Yura – ele sussurrou – Eles ainda estão falando?

– Não – respondi – Pararam.

De súbito as portas se abrem e nosso irmão mais velho surge na minha frente.

Ivan era uma versão mais alta e muscular de mim e Dimitri, com um rosto um pouco mais comprido, que usava o cabelo lambido para trás como um pitboy americano dos anos 50. De uma forma estranha o cansaço e as olheiras escuras enalteciam o brilho esmeralda de seus olhos.

– O quanto vocês ouviram?

– Não o bastante. – respondi, encarando.

Ele passou os olhos em nós três e nos mandou entrar com ele na sala de jantar. Segui Ivan e Nadja veio empurrando Dimitri logo atrás de mim.

Meu pai, símbolo vivo da ordem conservadora da alta sociedade europeia estava à beira de um dos vitrais do castelo, ao lado de seu assessor, tragando um charuto à la Al Capone.

– Eles nos escutaram atrás da porta – relatou Ivan.

O sempre imponente homem de terno impecável que minha mãe pedia que chamássemos de pai nos analisou com frieza.

– Conte a eles, não adianta fingir que não está acontecendo, eles vão descobrir cedo ou tarde.

Ivan puxou uma cadeira da extensa mesa e se sentou fitando a parede oposta. O nervosismo fluía por cada fibra do seu corpo.

– Os Dashkov da Rússia também estão mortos. Sonya, Gustav e os outros...

Um silêncio se abateu sobre meus irmãos, até que Ivan resolveu continuar.

– Todos com os membros arrancados e pendurados no teto pelo pescoço...

– Igual aos albaneses – Nadja sussurrou para si mesma.

O ilustre Dr. Henri Dashkov deu um passo a frente, afastando o charuto dos lábios por um momento.

– A verdade é que estamos sendo exterminados. É a vingança dos Yerdanov.

– Vingança de quem? – eu e Dimitri perguntamos em uníssono. Odeio quando isso acontece.

Meu pai pediu que esperássemos e sussurrou algo para o seu assessor atarracado. Ele saiu correndo na direção da ala oeste do castelo e regressou minutos depois, ofegante e trazendo nas mãos uma tela antiga e amarelada enrolada em um canudo.

Henri apagou o charuto e desenrolou a pintura na mesa à frente de Ivan. Eu, Nadja e Dimitri nos inclinamos sobre a tela ao redor dos dois e Nadja emitiu uma exclamação ao ver a figura sangrenta e empoeirada.

A obra era antiga e apresentava sinais de deterioração, mas a cena retratada no centro era bem nítida.

Em meio a um salão de pedra, um senhor de cabelo comprido e armadura negra apontava irado para um homem que pendia do alto numa corrente presa no pescoço e tinha os braços e as pernas mutilados.

Abaixo do miserável amputado uma donzela chorava com o rosto entre as mãos.

– Essa é uma pintura do fim do período feudal – disse meu pai – Representa Lorde Gavril Dashkov, o mais sanguinário ancestral de nossa família, que viveu nestas terras há alguns séculos atrás. Esse que está pendurado no teto é Igor Yerdanov, seu antigo conselheiro. Diz a história que Igor, que era viúvo, se apaixonou perdidamente pela jovem noiva de Gavril, e a desonrou. A partir daí as consequências foram terríveis...

Ele fez uma pausa para ver se todos estavam acompanhando, e é claro que estávamos. Aliás, estávamos nos urinando de medo também, dadas as últimas ocorrências.

– Por ordem de Gavril, Igor foi castrado, teve os braços e as pernas arrancados e depois foi pendurado em local público para que todos vissem a sua morte. Todos os Yerdanov foram banidos das suas terras, sob pena de morte se voltassem. E parece que enquanto iam embora, os filhos e irmãos de Igor amaldiçoaram o Lorde Gavril e todos os seus descendentes, jurando que um dia os Yerdanov voltariam para fazê-los sofrer o mesmo que seu patriarca havia sofrido.

Minha mente deu um nó em si mesma e minhas pernas tremeram. Como podia uma desavença de mais de 700 anos voltar de forma tão violenta depois de tanto tempo? Era uma ideia muito ousada, e muito aterradora também. Uma ideia que não fazia muito sentido.

– Quer dizer então que esses Yerdanov só estão cumprindo a maldição de vingança agora? Depois de séculos?

Dessa vez Ivan se manifestou.

– Não sabemos. Esse é o problema. Não existem registros de pessoas com esse nome que tenham alguma relação real com os Yerdanov da história.

Henri enrolou de volta a pintura e a entregou ao assessor, que correu para devolvê-la ao quarto escuro e empoeirado de onde provavelmente saiu.

– Seja lá quem for, está fechando o cerco – continuou Ivan – Primeiro na Bulgária, depois Albânia, e agora Rússia. Querem que termine aqui no Castelo, onde tudo começou.

Eu e Dimitri nos entreolhamos. Estávamos pensando na mesma coisa.

– Então precisamos sair daqui – ele disse – temos que fugir enquanto ainda podemos!

Nosso pai esboçou um sorriso.

– Isso já estava decidido antes que vocês entrassem por aquela porta.

Desta vez olhei para Nadja, ela não retribuiu o olhar. Estava absorta em seu próprio véu de especulações.

– Antoine vai leva-los até o aeroporto e de lá vocês vão para uma antiga propriedade afastada na Itália.

– Que propriedade é essa? – perguntou minha irmã.

– Uma pequena fazenda numa região de agricultores. Vocês estarão bem escondidos por lá.

A ideia de sair do Castelo Dashkov era interessante, mas o destino me incomodava.

– E quando vamos viajar? – perguntei.

– Em algumas horas. As coisas menos necessárias vão ser entregues depois, mas por hora é melhor que cuidem de preparar o que quiserem levar com vocês no avião.

A notícia da fuga eminente me atingiu com força. Dimitri correu os olhos entre mim e Nadja com determinação.

– O que estamos esperando?

Naquele momento eu soube, não de forma estática e instantânea, mas como a derradeira confirmação de uma desventura que à muito se desenrola no horizonte, que tudo estava prestes a mudar.

Para sempre.


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Notas finais do capítulo

é isso ai, reviews são bons :), nos ajuda a saber se está legal ou se está uma bosta...



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