Zona - A última gota escrita por Ricardo Demétrio


Capítulo 4
Capítulo três - Inimigos por todo o lado


Notas iniciais do capítulo

Freetalk do autor : Meu personagem favorito apareceu. Me sinto contente.



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Capítulo 3 – Inimigos por todo o lado.


25 de fevereiro de 2015 - Quarta-feira (Vinte e um dias antes do encontro entre Oliver e Walls)


Oliver e Molly tornaram mais próximos do que nunca. Ela contentava-se com a repentina mudança e desejava que continuasse, enquanto ele sabia que isso seria temporário. “A sombra da morte anda junto com a sua”, dissera Mickey, em seu último encontro. Ele não poderia negar, mas agora tinha Molly ao seu lado, em sua doce e inocente ignorância. Embora se questionasse sobre a sua decisão egoísta, a felicidade de Molly servia como consolo para cada pontada que sua consciência lhe dava. A felicidade seria verdadeira desde que ela acreditasse nisso.


Agora ele sentia mais do que nunca como gostava dela. Era uma pessoa normal, mas não sem graça como os outros que o rodeavam. Mesmo a sua observação impecável tinha deixado passarem vários detalhes sobre a aparência dela no decorrer dos anos e agora ele podia notá-los com clareza como o laço rosa que prendia seus cabelos curtos, dava-lhe um ar tão feminino que perguntava-se como nunca a analisara profundamente como fazia com as coisas ao seu redor.


Mickey repetira incessantemente que ela a sua pior falha. Oliver não apenas gastava tempo e atenção com ela como também marcava encontros em locais abertos, “você está pedindo para morrer.”, ele sempre falava enquanto Oliver saia, em tom de advertência. Oliver o achava particularmente engraçado agora que se conheciam melhor. Ao menos uma vez por dia ele o visitava para ouvir os conselhos e aprimorar o seu “trunfo”, como Mickey chamava a estranha habilidade.


Mas “trunfo” não parecia um nome adequado para Oliver, que batizara o pequeno círculo vermelho que surgia aos seus pés quando solicitado de “Zona”, por tratar-se de uma área delimitada, segundo Mickey. Lembrava-se como se fosse ontem da primeira reunião que tiveram, ambos um tanto relutantes, e Mickey antecipando as questões, seu estilo era certamente mais prático :


– Se você me perguntar, eu sei tanto quanto você. Mas há alguns fatos inegáveis... - Ele ainda se lembrava da casa de Mickey. Parecia que ele havia se mudado recentemente embora garantisse que morava ali faziam anos. De uma das muitas caixas de papelão abertas que em sua casa se aglomeravam, como Oliver bem recordava, Mickey retirara um tabuleiro de xadrez e o posicionara, tal como as peças, perguntando :


– Você sabe jogar?


Saber jogar era pouco. Oliver conhecia o jogo tão profundamente quanto qualquer jogador que se denominasse bom. Lembrava-se com frequência das vitórias memoráveis que tivera, preferindo negligenciar algumas derrotas que também acumulavam-se em seu passado. Não jogava faziam vários anos, mas tinha certeza de que não era um jogador comum.

Essa convicção o inclinou a assentir facilmente quando foi questionado porém Mickey, com um ar de superioridade, ignorara a resposta como se não houvesse uso algum para ela :

– Pois bem. Isso não é um jogo. Mover umas peças é fácil para qualquer ignorante, há uma paixão mais complexa envolvida nisso.

– Desculpe? - Exclamara Oliver confuso, até hoje duvidava da sanidade de Mickey, mas nunca de sua capacidade. Perdera o primeiro jogo. O segundo e o terceiro. No quarto notou-se uma diferença, ele foi desastroso. Já impaciente, abandonara o quinto na metade. Agora mais calmo, ele repensava a sua maneira de jogar, ainda não havia encontrado muito bem o que Mickey havia dito.


As verdadeiras aulas práticas eram as melhores. Lentamente ele compreendera do que se tratava a “Zona”. Quando verdadeiramente concentrado, ele conseguia expandir o seu campo de visão, o tom vermelho que dominava a sua visão não era mais um empecilho agora que se adaptara, além de aumentar o seu potencial físico, tornando-o capaz de fazer coisas que nunca faria, e desfragmentar objetos e pessoas ao seu redor, ainda que tivesse confirmado por experiência própria que humanos eram reduzidos a mero sangue ao invés de sumirem por completo.


“Uma arma.”, desdenhava Mickey. Oliver pensava que interpretou ao menos isso melhor do que o “professor”, aquilo abria um mar de possibilidades maiores do que ele poderia imaginar. Entristecia-se por ver algo tão conveniente se tornar uma arma, contudo até o que motivou a sua criação era incerta. “Poucos a tem.”, afirmara ele, de forma sombria, recordando o velho caderno roxo.


Basicamente Mickey o atacava esperando que ele desviasse, o que ele conseguia com um notável sucesso. Sua observação era impecável principalmente quando reforçada por sua zona, era quase impossível atingi-lo embora a sua concentração deixasse a desejar.


Sentado ao lado de Molly, Oliver trazia de volta todas essas recordações como um garoto contente. Sentia-se mais feliz do que nunca, como se houvesse encontrado o lugar ao qual pertencia. Por mais bizarro que fosse, ele ainda tinha dúvidas se aquilo era real, aquilo lhe inseria algo especial. Molly dava-lhe um relato completo do que foram as suas aulas, Oliver tinha começado a ajudá-la nos estudos mas ele estava com a mente muito distante dali.


Seu verdadeiro pai provocava-lhe arrepios e não era por ter uma aparência assustadora. Seus segredos mantidos eram o verdadeiro motivo de preocupação. Mickey lhe advertira que a confiança deveria ser concebida a poucos ou quase ninguém. Willians, o seu pai, de alguma forma estava ligado naquilo tudo e isso, acima de tudo, fizera Oliver adotar o objetivo de Mickey : Viver tempo o suficiente para descobrir a verdade.


– Molly, que surpresa te ver por aqui. - Uma voz, embora não direcionada para ele, atraiu Oliver de volta para a realidade. Estava no campus da faculdade, com Molly, ajudando-a. Recostavam-se em uma árvore procurando amenizar um pouco o frio que fazia naquela tarde. Em pé em frente a eles, um rapaz ruivo com cabelos mais longos do que os negros cabelos de Molly, atingindo até os seus ombros. Suas roupas eram tão vermelhas quanto possível, com exceção da gravata branca que levava na camisa, vermelha, um pouco amassada pela mochila que apoiava-se em suas costas. O azul brilhava em seus olhos.

Sua aparência trazia uma mistura de desleixo e ao mesmo tempo parecia impecável, como se fizesse parte dele. Molly, como Oliver astutamente notou, não demonstrava surpresa, pelo contrário, parecia acolher bem o recém-chegado embora nada dissesse. Antes de responder, seu olhar cruzou com o de Oliver por breves instantes :

– Eu estudo aqui, Phileas. - Lembrou-lhe, de uma forma cortês, fechando o livro que trazia no colo e suspirando.

– Certamente não aqui. - Retrucou de forma sagaz, dando uma olhada em volta como se esperasse que os locais ao seu redor se transformassem para mostrar que estava errado. Essa ironia irritou Oliver, embora ele não soubesse o motivo, ele próprio, embora de forma diferente, costumava lançar desafios para que mostrassem que ele estava errado. Poucas vezes um argumento o convencera. - A sua ocupação não envolve medicina? - Concluiu, com um pouco de desdém. Molly parecia prestes a dar uma resposta, porém :

– Desculpe-me... - Oliver levantou-se, era muito mais alto do que Phileas mas pôde encará-lo nos olhos. O azul refletiu no marrom. - Mas acho que você foi um pouco grosseiro.

– Oh, fui? - Ele exclamou teatralmente, em seguida estendeu a mão. - Nesse caso, peço que me perdoe.


Seus olhos azuis brilhavam e um sorriso brincava em seus lábios, ora pendendo para um lado, ora pendendo para o outro. Uma longa franja ruiva cobria parte de sua testa e caia sobre partes dos olhos. Se aquilo o incomodava, Phileas não demonstrava, assim como não demonstrava arrependimentos. Oliver pensou imediatamente em recolher a mão, contudo a sua ira irracional dissipava-se tão rápido quanto surgira.

Lentamente ele inclinou a mão e apertou a de Phileas. O aperto foi breve, tal como a reverência que Phileas fez antes de continuar a falar :

– Molly fala bastante sobre você. Mas eu gostaria de te conhecer melhor... - Ele puxou da mochila que jazia nas suas costas um tabuleiro de xadrez. Oliver pouco conhecia dele, mas não recusaria, não isso. “O pior oponente que você poderia encontrar.”, pensou ele, testaria o que aprendera com Mickey, não havia oportunidade melhor. Molly se limitou a mais um suspiro e a se levantar :

– Ótimo. O viciado do teatro achou sua alma gêmea. - Ela deu um beijo na bochecha de Oliver antes de sair. Phileas arrumou o tabuleiro e as peças em cima da própria neve e se sentou.

– Bom, podemos começar.

Oliver perdeu a noção do tempo. Phileas não era bom, era excelente, beirando à perfeição. Perdera quase todos os peões e uma torre enquanto Oliver se limitara a perder dois peões. Mas mesmo ele conseguia ver que estava perdendo.

– Ousado demais para um peão. - Comentou Oliver, quando um dos peões de Phileas fez uma investida suicida, mandando um peão sem qualquer peça cobrindo-o. Oliver apenas recuou a torre, tinha planos para mais adiante.

– Covarde demais para uma torre. - Ele retribuiu. Algumas jogadas a mais se passaram e Oliver sentia como ele apenas brincava, dava pouco valor para as próprias peças, como se a partida precisasse de alguma emoção. “Então eu sou entediante?”, desafio Oliver, em pensamento, preferindo falar de outro modo :


– “Um rei não se esconde atrás da morte dos subordinados.” - Recitou, como Mickey havia lhe dito em sua segunda partida. Phileas soltou um longo bocejo e moveu um bispo. Oliver observou todo o tabuleiro aflito, uma única possibilidade não havia sido vista. Suas próprias peças, aquelas que ele recuara, aquelas que ele poupara, que evitara sacrificar, agora prensavam o seu rei, impedindo-o de escapar.


– É o tipo de coisa que o Mickey diria. - Divertiu-se Phileas, brincando com o nó da gravata enquanto olhava o tabuleiro. - Ah, mas não se preocupe em perder. Essas partidas são tradição entre os olhos vermelhos. É uma boa história, Mickey poderia lhe contar, se tiver tempo.

Phileas e Oliver se encararam. Nunca, em momento algum Phileas estivera naquele caderno roxo, que continha os usuários de Zona. Mesmo assim, ele não teve coragem de lutar. “Molly.”, ele pensou desesperado, “Molly é o meu ponto fraco”. Quantos mais estariam nas sombras espreitando à sua espera? Phileas apenas sorriu e se levantou, limpando as calças de neve :

– Xeque-mate. - Ele entoou, enquanto se afastava pela neve deixando um desolado Oliver cheio de peças que jamais teriam um Rei para comandá-las.


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