Zona - A última gota escrita por Ricardo Demétrio


Capítulo 1
Prólogo




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- General Walls... - Chamou Kay com a voz fraquinha, na esperança de que ele pudesse esquecer aquela ideia e voltar atrás, ainda que tivessem ido tão longe naquela loucura. Porém, se Nicholas Walls obtivesse sucesso, o que Kay não duvidava, isso traria mais trabalho para ambos.

- Hum? - Resmungou Walls, sem sequer ouvir a si mesmo, correndo os olhos pelas celas malcuidadas e pelos prisioneiros igualmente malcuidados, mas com um toque de melancolia que nenhum objeto jamais teria. Sendo guiados pelo policial encarregado do local, Walls e Kay continuaram atravessando corredores muito semelhantes protegidos pela permissão especial que havia lhes sido concedida pelo mais alto escalão do governo. “Grande porcaria...”, pensou Kay, que não esperava nada abaixo disso dada a crise que se instalava pelo país e afora, a falta de comando era evidente. E agora, ele se empreitava em mais uma das decisões absurdas de Walls.

Geralmente Walls surpreendia positivamente os superiores, por mais excêntricos e perigosos que seus planos fossem, o que lhe garantiu uma alta patente no exército e o respeito de todos os seus subordinados, incluindo o primeiro tenente Kay. Contudo, ele duvidava que isso fosse se repetir no caso atual, a falha parecia predestinada, ou pelo menos era isso o que ele desejava profundamente. O general parecia suficientemente distraído com a estrutura da prisão embora isso não ocultasse a ansiedade estampada em seu rosto agora mal iluminado pelas fracas lâmpadas, as que ainda funcionavam, refletindo em seus cabelos grisalhos.

Walls sobressaltou-se ao perceber que haviam chegado na porta da cela e chocou-se abruptamente com o homem que os guiava, sem notar que este havia parado de andar. Kay aproximou-se logo atrás, esticando-se na ponta dos pés para ter uma melhor visão da cela mais isolada do local, completamente invisível com a exceção de um vidro que mostrava o seu interior, e talvez a mais bem cuidada que havia nas instalações. O local era bastante simples, paredes outrora amarelas já desgastadas e descascadas. Uma cama de ferro com um colchão que já vira dias melhores e duas cadeiras, as mais recentes, provavelmente providenciadas para as visitas que agora esperavam do lado de fora. Lá se encontrava também um rapaz muito jovem, talvez um pouco mais novo do que o próprio Kay, todavia ele não tinha um rosto alegre ou até mesmo simpático que os jovens geralmente possuem, era duro e frio compactuando com o seu olhar. Oliver Young. Esse nome havia estampado jornais e também um relatório o qual apenas o general lera. O primeiro tenente Kay conseguira apenas dar olhadas furtivas e invejosas para a descrição completa e exata do que acontecera no que já era conhecido como o escândalo do século.

Apesar dessa excessiva cautela, Oliver Young encontrava-se sentado em uma cama bem na sua frente, separados apenas por uma porta, idêntico às fotos que haviam sido divulgadas : Cabelos loiros e uma longa franja que se estendia até o começo de seu nariz, entre os seus olhos, um nariz aquilino e pequeno. No físico, Oliver perdia feio para todos os presentes, uma contradição se fosse levado em conta tudo o que ele fez. Ou tudo o que disseram que ele fez, ao vê-lo de perto Kay agora duvidava da veracidade dos fatos.

- Abra, por favor. - Pediu Nicholas Walls calmamente ao guarda que, atrapalhando-se brevemente com o molho de chaves, apanhou a chave certa e girou-a completamente na fechadura arrastando a porta de ferro para o lado. Oliver apenas assistia, sem esboçar qualquer reação, enquanto o general e o primeiro tenente entravam no apertado cubículo.

- Então... - Falou Oliver, desviando o olhar para baixo, como se estivesse profundamente interessado nos diversos buracos que externavam a espuma do colchão onde ele estava sentado. Quase que ocultando um sorriso, ele continuou nessa posição, aguardando o que viria a seguir.

- Molly Pryce. - Falou Walls, como que deixando um lembrete para Oliver. Registrando a expressão de espanto dele, Walls prosseguiu. - Conversei com ela dois dias atrás. - E mesmo repreendido com os olhares de Kay e Oliver simultaneamente surpresos pela extensão do que ele havia feito e provavelmente sabia, ele continuou. - Você tem bons amigos... Eles tem uma boa opinião sobre você apesar de... Hum... Tudo.

Oliver não gesticulou nem deu qualquer sinal de encorajamento após ouvir o final da frase, porém ouvia atentamente quase que desesperado por informações ainda que o seu coração, estivera inquieto nos últimos dias, tivesse se acalmado : Molly estava bem. Sem se abalar pela falta de reação, Walls continuou falando :

- Você com certeza não sabe, mas o país está em um caos generalizado...

- Por minha culpa...? - Interrompeu Oliver, se ajeitando um pouco mais ereto entre a parede e o colchão embora fosse impossível obter um mínimo de conforto naquelas condições. Ainda assim, seus olhos castanhos confrontavam o olhar cinzento de Walls. Antes de perceber, Oliver sentiu todo o ar escapar por sua boca, seus braços involuntariamente se levantarem e a sua cabeça se bater estrondosamente contra a parede que o apoiava.

- Sua petulância me irrita. - Falou Kay, enquanto recolhia o joelho que tinha usado para atingir estomago de Oliver, agora agasalhado por seus dois braços enquanto se curvava tossindo. - Ouça com atenção, não vamos desperdiçar muito tempo aqui.

- Kay, por favor... - Walls gesticulava com os braços aflito, como que tentando evitar que as coisas piorassem. Mesmo sendo difícil dado o espaço da local, Kay afastou-se de Oliver recostando-se na parede oposta. - “Seus olhos queimam como chamas” quando você quer, hein? - Notava o general. A expressão desinteressada de Oliver mudara em uma fração de segundos, o suficiente para ele perceber, e pela primeira vez ele emanara algum calor humano que antes era bem ocultado.

- “Ninguém esconde emoções, embora todos tentem. Alguns são menos eficazes...” - E nesse ponto ele dirigiu o olhar ao seu subordinado que fingia não ouvir. - “E outros até são bem sucedidos. Diga-me, que tipo de pessoa é você?”

Ainda ofegante, Oliver levantou a cabeça fazendo os seus cabelos loiros caírem com mais força sobre a sua testa sem contudo cobrir os olhos que ainda mostravam um resquício de ferocidade. Olhando de esguelha preocupado para Kay, Oliver perguntou :

- Você conheceu Elizabeth Ries?

- Na faculdade. - Assentiu o general, levemente satisfeito, para continuar. - Ela me encontrou há algum tempo, muito empolgada, falando sobre um garoto cujos olhos eram um livro aberto.

- Que fofoqueira. - Oliver virou o rosto para o lado, talvez emocionado ou simplesmente constrangido. Walls levantou-se e colocou a mão na cabeça do jovem prisioneiro :

- Meu nome é Nicholas Walls, e eu sou general do exército. Mande me chamar se precisar de alguma coisa. - E virou-se para a porta, pronto para sair :

- Espere! - Oliver gritou, quando a sua mão já segurava a maçaneta. - O que foi tudo isso?

- Esperança. Alguns me dizem que sou louco, outros que sou um gênio, eu apenas acredito. Entendeu?

- Você acredita em mim?

Oliver e Walls se encararam. Durou dois segundos, ou talvez dois anos. Naquele momento, eles estudaram um ao outro e perceberam que um seria ou o melhor amigo ou o pior inimigo do outro. Suas posições eram completamente contrárias, mas o ambiente, o tempo, tudo sumiu, eram apenas duas pessoas e seus motivos por mais egoístas ou excêntricos que fossem. Por fim, ele riu e abriu a porta :

- Claro que não. Só um louco acreditaria em um absurdo desses! - Já do lado de fora, ele deu mais uma olhada pelo vidro e piscou. Dois segundos ou dois anos, ele esperaria. Embora mal pudesse esperar.


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