Música De Elevador escrita por Mariana
Eu detesto reuniões. As de condomínio então chegam a me irritar, com direito a uma dose de analgésico para a dor de cabeça que certamente virá.
Pensei em não ir.
Não me sinto muito à vontade para falar que o filho da senhora do quarto andar costuma prender o elevador toda vez que eu chego com as compras. Sei lá, acho que não vai dar em nada, fora que se eu fosse o garoto, iria querer me vingar daquela que me denuncia publicamente.
Mas eu precisava ir desta vez.
Parece que algumas mudanças iriam acontecer e eu precisava pelo menos saber o que eu iria pagar — porque é sempre assim: reunião marcada, decisões acertadas sem que você ao menos proteste e queda brutal no orçamento.
Então fui fazer uma visita no meio da tarde a uma das obras que estou acompanhando — vida de arquiteta não é tão glamurosa quanto pode parecer — e voltei mais cedo pra tal reunião.
Fiquei espantada ao reparar que eu não conhecia muitos dos meus vizinhos. Embora seja um prédio de apenas quinze andares e trinta apartamentos, pelo menos umas nove pessoas eu nunca tinha visto por lá.
— Hoje a garota que adora Paris parece mais séria com esse casaco.
— Olá pra você também — disse com um sorriso um tanto tímido.
— Olá. Gin, prazer — ele disse, sorrindo.
— Rangiku, prazer.
— Rangiku. Rangiku. Belo nome. E o que faz a Ran-chan além de adorar Paris?
— Eu passo o dia supervisionando obras, desenhando projetos e fazendo o planejamento urbano.
— Hmmm, interessante. Em outras palavras, você é...
— Arquiteta.
— Legal. Eu nunca consegui desenhar uma casa sem que ela saísse toda torta. Parabéns pelo talento.
— Talento?! Talvez — ri com certo desconforto — na verdade, um dia comecei a trabalhar e assim as coisas foram acontecendo. Não chega a ser talento. Uma escolha, talvez.
— Escolhas são importantes — ele disse, irônico, acho — eu mesmo, escolhi ser um astro do rock, e optei por comprar um piano aos quinze anos.
— Piano?! Você não tem cara de nerd. Sempre achei que os nerds gostassem de tocar piano — disse, assim, sem pensar, inaugurando o primeiro fora da noite.
Ele riu como quem não se incomodou com o meu comentário.
— Ai, desculpa. Eu não quis dizer que...
— Ok, já disse, agora vou propor um aumento do seu condomínio pela calúnia. E não adianta pedir perdão porque eu sou um tanto vingativo.
Eu ia responder alguma coisa, mas não deu tempo.
A Nanao começou a falar e ficamos em silêncio por um tempo, um ao lado do outro.
Na verdade quem é o síndico é o marido dela. O Shunsui, um homem que vestia uma camisa colorida o suficiente para me deixar com tontura, mas era ela quem fazia todo o trabalho.
A primeira parte da reunião eu não lembro direito. Só sei que começaram a discutir sobre as crianças e realmente me abstrai de tudo aquilo.
Peguei um chocolate da bolsa e fui interrompida com um comentário engraçadinho do Gin:
— Chocolate pras horas de estresse?!
— Oh não, não, não... eu não tenho filhos, na verdade é apenas uma maneira de passar o tempo fazendo alguma coisa.
— Mastigando?
— Sim. Parece estranho, mas pelo menos não chama tanto a atenção — falei baixinho.
— É, essa parte também não me interessa muito, embora eu esteja morrendo de vontade de falar para a Nanao-chan que o filho dela costuma passar trotes pelo interfone.
— Sério?! Nossa. Esse menino merece ser torturado mesmo!
Rimos juntos.
O senhor do apartamento doze ouviu o comentário e fez uma cara de desaprovação. Rimos de novo.
Uns quinze minutos depois, o Gin levanta o braço direito e pede licença pra falar alguma coisa, e acho que foi uma das coisas mais engraçadas que eu já ouvi numa reunião de condomínio:
— Nanao-chan, boa noite. Boa noite a todos. Eu queria sugerir que colocássemos um som ambiente no elevador principal.
Percebi um certo olhar de surpresa e algumas testas franzindo enquanto o Gin falava.
— Ah, boa noite. Desculpe-me, qual seu nome mesmo?
— Gin. Ichimaru Gin.
— Oi, Ichimaru-kun. Bem, você me pegou de surpresa. Na verdade não creio que esta sugestão seja uma das prioridades do condomínio, ainda mais...
— Desculpe Nanao, tudo bem?! — eu disse um tanto envergonhada — Eu concordo com o Gin, acho que seria interessante uma musiquinha no elevador, algo relaxante, e acredito que não esteja fora do orçamento e...
Eu nem terminei de falar e a sala com quase cinquenta pessoas resolveu ser um recinto pra conversas paralelas, comentários ávidos contra e a favor da tal música ambiente no elevador.
— Obrigado pelo apoio.
— Tudo bem — eu disse, sorrindo — achei que se falasse alguma coisa não iria parecer tão absurdo.
— Mas você achou absurdo?
— Não chega a ser absurdo, mas é estranho. Ainda mais porque na hora que você pediu atenção, a Nanao falava da troca do portão da garagem.
Ele riu, riu como uma criança que descobre que falou bobagem e se diverte com isso.
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