Depois de alguns instantes fitando aqueles olhos escuros e nebulosos, me permiti enxergar o dono deles.

O menino aparentava ter minha idade, talvez um pouco menos. Ele era alto, magro e sua pele era tão pálida que me lembrava papel. Seus cabelos eram de um preto muito intenso e despenteado.

Ele manteve seus olhos sobre mim e eu senti um desconforto percorrendo todo meu corpo. Ele parecia sério demais. E poderoso demais também. A habilidade de um semideus em reconhecer coisas perigosas aumenta em crescente a partir do momento que ele se descobre. E aquele garoto era nitidamente uma dessas coisas.

 — Oi – disse o garoto. — Eu sou o Nico. Nico Di Ângelo.

Encarei por mais alguns instantes, me dando conta de que estava certa e que aquele era um dos filhos dos três grandes. Uma das subcelebridades da qual mais havia escutado especulações na fogueira da noite anterior.

— E você deve ser Isabelle — concluiu. — irmã de Annabeth, certo?

— Sim — confirmei, sem me surpreender com o fato dele ter rapidamente identificado nossa semelhança. —Annabeth já me falou muito sobre você.

Eu pensei ter enxergado um lampejo de algo nos olhos de Nico. Mas essa sensação logo foi substituída pelo mesmo ar indecifrável que ele possuía no inicio.

— É mesmo? — ele fez uma pausa, decidindo mudar de assunto em seguida. — Então, você veio passar na enfermaria? Fiquei sabendo que não estava muito bem ontem.

— Quem me dera. Você deve saber que a gente nunca ganha essas folgas. — ele abriu um sorriso tímido, concordando. — Eu vim consultar o oráculo. Minha irmã comentou que enquanto Rachel passa o ano com a família, ainda é possível ver o fantasma do antigo perambulando pelo sótão. 

— Então você já vai sair em uma missão? 

—Aparentemente, sim — tentei não soar completamente desesperada, mesmo que naquele momento minha ficha tenha começado a realmente cair.

Ele me olhou por um longo instante, como quem decidia se ia ou não comentar algo. Por fim, ele apenas se calou e acenou com a cabeça, enquanto eu me limitei a continuar caminhando.

— Boa sorte — foi tudo que eu escutei antes de subir até o sótão.

Eu não sei ao certo o que eu esperava encontrar, mas com toda certeza não foi nada parecido com o que vi.

Eu passei algum tempo tendo pesadelos a respeito desse lugar, mas naquele instante ele parecia muito diferente do local que Annabeth me descreveu na infância e que tanto tinha me impressionado negativamente.

Não pude deixar de sorrir, quando percebi que aquilo só podia ser coisa dela.

Os troféus de batalha antigos estavam organizados em ordem, lado a lado, dentro de esferas de luzes flutuantes, ocupando todas as quatro paredes.

Foi esmagadora a sensação de pensar a respeito de todos os semideuses que vieram antes de nós e de suas conquistas, além da dívida que eu tinha com todo esse legado. Mas, ao mesmo tempo, era inspirador. Eles eram sobreviventes. Nós somos sobreviventes.

Continuei examinando o ambiente e conforme meus olhos se acostumaram com a escuridão, rompida apenas pelas esferas multicoloridas, percebi que não havia nada no lugar onde o chão deveria estar. Vidro? Magia? Não sei ao certo, mas a sensação era de estar desfilando no ar. Realmente sublime, como estar em um grande festival de lanternas tailandês, só que no céu, caminhando junto com os fogos de artifício.

Uma brisa suave indo na minha direção, como se eu estivesse em um carro com as janelas abertas, ou de frente pro oceano. 

Gastei mais alguns segundos deslumbrada com os artefatos antigos, ainda que eles não fossem exatamente bonitos. Chifres, garras de monstros, restos de grandes batalhas. Mas minha irmã deu um jeito de dar arquitetonicamente a grandeza que toda essa história ancestral merece. E a beleza também.

E foi quando a vi. A silhueta de uma garota, quase camuflada na escuridão e nas luzes do ambiente, já que ela parecia ser feita da mesma substância que o chão e todo o resto.

Me aproximei com cautela, mas sem conseguir evitar andar em sua direção. Ela parecia de início uma adolescente normal, de cabelos lustrosos, estatura média e um rosto delicado. 

Mas ao mesmo tempo, eu sabia que estava diante de algo grande e poderoso, sua força magnética me forçando a não desviar o olhar e nem meus passos. 

Foi quando notei seus olhos. Aonde eles deveriam estar só era possível enxergar órbitas vazias, me fazendo temer aquela situação pela primeira vez. 

O antigo fantasma passou a ir ao meu encontro também, como se soubesse que eu estava começando a titubear. Uma fumaça verde e espessa passando a sair justamente dos dois pontos ocos em seu rosto.

Até que ela parou, quando estávamos a cerca de 2 metros de distância. E as esferas coloridas pararam ao mesmo tempo e se apagaram, fazendo com que um frio subisse por toda a minha espinha.

O único foco de luz do ambiente passou a ser a fumaça que saia da garota que foi se apoderando de todo o aposento. A brisa que de início era quase desejosa, foi se transformando em uma ventania aterrorizante. A neblina esverdeada me impedindo de enxergar o que estava na minha frente. 

Quando recuperei o foco, a garota já estava parada diante de mim, muito próxima, fazendo com que eu pulasse de susto e tentasse recuar. Mas não consegui me mover.

Os cabelos dançavam loucamente em volta de seu rosto e a ventania passou a formar um círculo de fumaça ao seu redor, nos aprisionando juntas dentro daquele tornado esverdeado. 

E então ela falou. Sua voz de um milhão de anos retumbando no meu cérebro. 

“Com um amor e um irmão de maldição

Seguirá o caminho que deve ser trilhado

Seu coração será a direção

Tudo que procura, encontrará ao seu lado

Confundir os próprios sentimentos é algo fácil de fazer 

Mas após um fim descobrirá que Atena está dentro de você.”

E tudo ficou escuro.

Um.

Dois.

Três segundos.

E a sala retornou a ser o que era antes.

O que tudo aquilo significava? Eu não fazia a menor ideia, mas também não conseguia pensar a respeito, ainda paralisada com toda a situação. 

A profecia falou diretamente sobre um fim e isso me preocupou mais do que todo o resto, imediatamente. Um fim de quem? Meu? de Matt? de Annabeth?

O oráculo não só não foi óbvio como não indicou sequer por onde começar, caso eu aceitasse embarcar na missão.

Tudo realmente muito confuso. E passando como lampejos enquanto eu saia como um cachorrinho acuado, correndo do sótão, que voltou a me parecer bastante assustador. 

E pela primeira vez de muitas, eu me senti tentada a desistir.

Talvez eu e Matt pudéssemos ficar juntos no Elíseo. Annabeth ficaria bem. Eu acabaria com qualquer plano de Gaia, se fizesse o oposto do que ela queria e não saísse do Acampamento dentro dos próximos dias. Talvez os deuses me ignorassem quando vissem alguém covarde o suficiente para nem se mexer.

Fui caminhando rapidamente até a varanda, disposta a dizer que não iria mais participar daquilo. Era isso que Gaia queria. Manipular-me, me deixar cansada física e psicologicamente, me fazer enfraquecer a missão do Acampamento e passar seis dias horríveis para morrer no final de qualquer modo. Mas ela não ia conseguir, eu poderia simplesmente desistir.

Não iria atrás de nenhum antídoto, morreria, como já devia ter ocorrido há dezesseis anos. E abri a porta convencida a contar para todos meu ponto de vista.

Os olhares se direcionaram para mim.

E o meu se direcionou para Matt.

Como alguém pode sentir tanto com o olhar?

Matt sente. Sente e transparesse. Eu sabia que ele estava com medo, no minuto que o avistei, mas também sabia que ele confiava e contava comigo. Ele me passava essa confiança, essa que eu nunca estive acostumada a sentir.

Não sozinha. Não do lado de Annabeth Chase, a maior heroína dos últimos séculos. Não quando encarei todo o passado glorioso dos semideuses, segundos atrás, no sótão.

E foi por isso que com os meus olhos dentro do céu novamente, já sabia qual era minha real decisão. Eu não podia desistir dele. O mundo precisava de mais uma porção de anos de Matthew. 

— Eu aceito a missão.