Todo Mundo Precisa De Alguém escrita por Iasmin Guimarães


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo, haha. Espero que gostem da fic. E, ah, tem algumas coisas vagas que irei explicar ao longo da história.



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Fechei os olhos enquanto apreciava os sons melodramáticos reproduzidos pelo o fone que já estava familiarizado comigo e com meus ouvidos, acalmando minimamente toda a raiva que eu mesmo insistia em alimentar. Se minha mãe estivesse aqui agora, diria que eu ia acabar ficando surdo com esse volume extremamente alto. E então eu iria abaixar os volumes. Não por medo, mas para não ter de desobedecê-la. Mas agora não há ninguém para me impedir de ficar surdo. E eu não me importo com isso, aliás. Faz um tempo que parei de dar ouvidos ao resto do mundo. O único problema é que eu esqueci que também faço parte do mundo, e que ninguém pode ignorar a si mesmo. Nem por um milésimo de segundo.

Ignorei completamente as primeiras batidas à porta de meu quarto. A primeira, a segunda, a terceira, e até mesmo a quarta e a quinta. Mas o individuo atrás daquela porta desgastada pelo tempo parecia ser insistente. Má sorte a dele, um dos meus piores defeitos era exatamente esse. Insistência com uma grande dose de teimosia.
Alguns minutos depois, as batidas cessaram, e só então pude me concentrar no livro que estava em minhas mãos. Faz um tempo que esse tem sido meu único refugio. Os livros. Lendo histórias fictícias eu tenho uma chance de escapar dessa minha vida movida a solidão e tédio.
Algumas pessoas chegaram a me dizer que eu alimentava minha própria solidão, que eu me enclausurava em meu próprio mundo onde nenhum outro ser com vida tinha direito de entrar. Não sou tolo o suficiente para discordar, mas também não concordo completamente. Eu tive meus motivos para me distanciar, o único problema é que ninguém mais –além de mim– os entende. Talvez eu mesmo não entenda, mas isso não faz diferença.
Costumavam me dizer também que os porquês não eram tão necessários, e que os meios poderiam ser ignorados. Confesso que nunca concordei com essa ideia. Até agora. Agora eu entendo.

Fui interrompido de meus devaneios quando ouvi passos atravessarem a entrada. Não precisei olhar até lá para saber quem era. Meu pai.
–Bom dia, Peter. –Ele disse, com a voz grossa e arrastada de sempre. Não notei nenhum indicio de animação.
–Bom dia. –Respondi, mais por educação do que por vontade.
Olhando de relance em sua direção, percebi que ele carregava as malas de sua viagem consigo.
Ele viajava bastante por causa do trabalho. Lembro que no começo minha mãe vivia a reclamar disso, mas ela nunca o deixou esperando em suas chegadas. Ela sempre estava lá com os olhos cheio de lágrimas e o sorriso no rosto, enquanto corria para abraçá-lo. Após algum tempo, ele começou a fazer viagens mais curtas para alegria de minha mãe. A casa toda se animava com a chegada dele, e eu adorava quando ele contava histórias de suas viagens. Ele tinha um senso humorístico que era admirado por muitos. Agora, eu me pergunto onde tudo isso foi parar.
Acho que viver é isso, vivenciar a alegria para depois perder tudo aquilo que admirava e no final viver somente de meras lembranças.

Quando meu pai me informou essa manhã de que nos mudaríamos novamente, não me surpreendi. Na verdade, já esperava ele dizer isso desde nossa última mudança, que foi aproximadamente há um ano. Nunca me apeguei muito a lugares. Desde que eu estivesse com uma boa companhia, pouco importava se estava em uma mansão ou embaixo de uma ponte.
O problema é que além de as mudanças de espaço serem repentinas, as companhias eram totalmente vazias de sentimentos. O problema ainda maior é eu ter me acostumado tão facilmente a esse fato.

Depois de eu e meu pai encaixotarmos nossas roupas e objetos pessoais, saímos de nossa casa em direção a uma nova região. Onde provavelmente faríamos tão poucos amigos como fizemos aqui. Era angustiante saber que nenhum vizinho ao menos sentiria nossa falta. Não que eu os culpasse por isso, nós nem parecíamos morar ali. Eu só saia para ir à escola e raramente para comprar algo que eu gostaria. E meu pai, ah... Normalmente nem em casa ficava. Nós éramos almas vazias somente esperando a vida se cansar de nossa presença e inutilidade.
Em meio a essa angustia, disse a mim mesmo que tentaria ser mais social.
Não me entusiasmo com esse pensamento, é o mesmo que tive em minha última mudança. E provavelmente é o mesmo que eu terei em minha próxima.
E nesse devaneio, percebi que eu poderia me mudar milhões de vezes. Meu problema não era com o lugar onde eu estava e talvez nem com quem eu estivesse. Meu problema era outro, e talvez um dia eu descubra qual.

Depois de me matricular em minha nova escola, meu pai despediu-se novamente para outra viagem a trabalho. Chego a achar que ele viaja mesmo sem necessidade, só pra se ocupar com algo que não sejam lembranças.
Confesso que sinto inveja dele e de seu poder de escapar dessa nossa solidão com tanta facilidade. Além da escola, quase não há saídas para mim além dos livros e da música. Acho que um trabalho ocuparia bastante minha mente, mas duvido muito que alguém me contratasse. Já sinto dificuldades sociais na escola, em um trabalho isso não seria diferente. A não ser que eu agisse sozinho, mas isso também seria complicado. Resolvi ignorar essa ideia estúpida e me concentrar na cor da parede de meu quarto. Era um tom realmente interessante. Nem branco, nem azul... Algo como a cor das nuvens misturadas a do céu. Transmite-me tranquilidade. Gostaria de saber o nome. Talvez eu possa chamar de cor-das-nuvens-misturadas-a-do-céu, é um nome bacana.

Em um minuto eu estava apoiado nos ombros de minha mãe enquanto ela acariciava meus cabelos com suas mãos, em outro eu estava desesperado tentando me mover para lhe pegar antes que ela caísse daquele penhasco. Eu não fazia a mínima ideia de como aquele penhasco fora parar ali, mas ele existia, e minha mãe iria direto para lá se eu continuasse a não me mover. Mas nada funcionava! Todos meus músculos pararam de responder aos meus comandos, e nada do que eu tentava fazer acontecia.
Eu só conseguia ouvir os berros e gritos de minha mãe, que poderiam ser ouvidos por qualquer um que passasse por ali. Os gritos eram aterrorizantes, principalmente porque gritavam meu nome. Peter. Ela estava me chamando, estava pedindo socorro. Ela queria ajuda. Ela não podia cair.
Mas estava caindo.
E caindo.
E caindo.
E eu não podia ajudar. E eu não conseguia ajudar.
E então ela caiu completamente. Observei em choque enquanto ela se perdia na escuridão sem fim.
E quando daquela profundeza surgiu uma voz abafada, eu quase tive esperanças de que ela havia sobrevivido da queda. Mas ela não voltou, e a voz continuava a repetir meu nome freneticamente. Demorou um tempo para eu perceber que a voz fazia parte de minha imaginação. E que nunca mais eu ouviria aquela voz novamente.

Acordei gritando, encharcado com o suor que estava colado em minha pele, enquanto eu tremia de pavor. Havia tempos que não tinha pesadelos com minha mãe, e eu cheguei a pensar que nunca mais fosse acontecer algo parecido. Mas eu estava enganado. Eu estava completamente enganado. Nada apagaria as lembranças horríveis da falta da minha mãe, e os pesadelos eram resultados disso.
Não fui o culpado pela sua morte, sei disso. Mas o fato dela ter sido levada tão facilmente da minha vida e eu não ter feito nada para impedir me aterroriza. E me faz querer gritar. E é isso que faço. Grito com todas minhas forças liberando toda a angústia que estou sentindo.

Não percebi que estava socando as paredes até minha mão começar a doer a ponto de me fazer parar.
Apesar do sofrimento, a dor me tranquiliza. É bom saber que nem todos meus sentimentos foram levados pela vida. E que não sou tão vazio como muitos dizem.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? :3