Traição. escrita por JessyErin


Capítulo 14
Eventualmente.




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Eu abri os olhos, mas a escuridão continuou, pois as luzes piscavam lentamente. Havia cinzas para todos os lados. Eu mal conseguia respirar. Minhas mãos estavam com sangue. Minha perna doía demais, havia algo nela. Eu podia sentir a madeira cortando minha pele, mas não tentei tirar. Seria doloroso demais. Demorou para que eu me lembrasse o que aconteceu. Estava com dificuldade para ouvir, pois o som do estouro me ensurdeceu. Ouvi algumas ambulâncias que pareciam estar em outra dimensão, mas deveriam estar do lado de fora. Me concentrei na respiração fraca perto de mim.

Gibbs.

Ele estava respirando com dificuldade. Meu cérebro pareceu responder imediatamente a partir de então. Puxei meu telefone, que estava em destroços. Olhei em volta, mas éramos os únicos ali.

– Ajuda – ele sussurou, e eu balancei a cabeça positivamente. Precisávamos de ajuda. Eu tentei me levantar, mas minhas pernas não responderam como deveriam. Eu estava lenta demais. Coloquei toda a força que eu tinha nos meu braços, e tentei me arrastar para longe dele, para perto da escada. Estava fora de cogitação subir aquilo. A porta da autópsia estava em cacos. E eu podia ver a porta que dava para o estacionamento entreaberta. Fui apoiando na parede até conseguir entrar, mas assim que entrei, minhas pernas cederam. Ducky estava ali, deitado, entre as mesas de alumínio. Seus óculos estavam quebrados ao seus pés, e ele tinha as mãos junto ao peito. Engatinhei até ele da maneira que pude, e ele sorriu ao me ver.

– Ducky! – eu disse, pegando sua mão – eu vou chamar ajuda, aguenta firme ok?

Ele segurou minha mão mais forte.

– Você está bem? – ele perguntou, tão baixo que eu mal pude ouvir.

– Estou bem – eu disse, tentando me levantar novamente, mas ele não me largou.

– O garoto?

– A salvo – eu sussurrei – me deixe buscar ajuda, Ducky, por favor!

– Não precisa, eu não estou com medo – seus olhos começaram a ficar fora de foco.

– Ducky, não fala assim... – as lágrimas começaram a vir sem que eu tivesse controle.

– Estou orgulhoso de você – ele finalmente soltou minhas mãos, mas eu não tentei me levantar. Ele colocou sua mão em seus próprios olhos, e os fechou, enquanto sua respiração ia ficando cada vez mais fraca.

E eu realmente detestava quando eles morriam de olhos abertos. Ducky sempre os fechava quando chegava antes de mim na cena, assim ficava mais fácil.

– Não! – eu disse, tentando ouvir seu coração, sua pulsação, ou qualquer coisa, mas eu não ouvia nada além do meu coração batendo rapidamente.



Eu engatinhei novamente até a porta. Pude sentir vidro cortando minhas mãos, mas não teria o luxo de sentir dor. Havia um grupo de médicos dentro do estacionamento, e muitas pessoas deitadas no chão. Algumas tinham lençois em cima de seus corpos, como se estivessem... mortas. Arregalei os olhos no momento que vi quantas ambulâncias vieram. Eu tentei gritar, mas minha voz não soou alta o bastante para chamar a atenção. Tentei de novo, mas novamente falhei. Eu me sentei, e peguei minha arma no coldre. Havia uma bala, e ela seria suficiente. Eu atirei pro alto, e todos olharam pra mim. Cinco médicos vieram em minha direção, mas eu tentei dizer a eles que estava bem.

– Gibbs – eu comecei a repetir, mas eles não paravam de me examinar. Um deles me colocou em uma maca.

– Gibbs! – eu exclamei – ele está lá dentro.

– Tem muita gente lá dentro, querida – uma das médicas disse – nós vamos entrar e cuidar de todos, ok? Agora você precisa relaxar.

Relaxar? Ela só podia estar brincando. Antes que eu pudesse protestar, senti uma picada no meu braço direito e tudo começou a ficar embaçado novamente. A escuridão voltou.

Eu odiava acordar em hospitais. A ultima vez que isso aconteceu, eu perdi uma amiga. Tentei manter os olhos fechados, pois assim que os abrisse para a realidade, eu me machucaria. E por mais que eu negasse, e sempre dissesse para todos que era uma agente, que tinha uma arma e que não tinha medo de nada, eu tinha medo. Medo de perder. Eu ouvi o que parecia alguém falando, e a curiosidade foi maior. Abri os olhos e olhei em volta, Abby estava na porta, apontando o dedo na cara de uma médica loira. Ela não estava de maria chiquinhas, e sim com o cabelo solto, um pouco bagunçado. Não usava maquiagem nenhuma, e suas mãos tremiam enquanto ela falava num tom bastante elevado.

– Não vem com essa pra cima de mim, eu preciso saber como ela está. Ou você me diz agora, ou eu entro lá e vejo a ficha dela.

– Abby? – eu disse, e ela se virou para mim na mesma hora. A médica abriu passagem para que ela passasse. Eu preferi que ela não tivesse feito isso. Abby me abraçou com tanta força, que pareceu que ia quebrar o que restou de mim ali.

– Jess! Você está bem? O que aconteceu? Eu estou perdida! – ela disse, se sentando na beira da cama.

Antes que eu pudesse responder, a médica chegou perto de nós duas.

– Meu nome é Meredith, serei sua médica hoje. Você precisa se alimentar, e tentar relaxar um pouco – ela olhou pra Abby, que entendeu a indireta – a madeira que estava na sua perna, nós tiramos. Mas você vai sentir um pouco de dor ao andar, portanto, nada de carregar peso e fazer exercícios demais. Uma licença do seu cargo seria ótimo por algumas semanas.

– Licença? – eu repeti – férias?

– Férias – ela sorriu, tentando ser simpática – vou buscar um pouco de comida. Não saia daqui.

– Ok – eu disse.

Até parece.

– Abby, como estão todos? – eu perguntei, e ela se levantou da cama.

– Não sei Jess, não tive notícias de ninguém. Mcgee está lá ajudando os bombeiros a tirar algumas pessoas que ficaram, e colhendo depoimentos.

– Ele está bem, então – eu disse, tirando o soro do meu braço.

– O que você está fazendo?

– Saindo daqui. Preciso saber como estão todos senão vou enlouquecer.

Assim que encostei o pé no chão, senti a dor que a médica falou. Pedi a Abby uma cadeira de rodas, e quando ela trouxe, eu praticamente pulei nela.

– Abby, avisa pro Andrew que eu estou bem. Vou tentar conseguir informações.

– Mas Jess... – ela tentou dizer algo, mas eu comecei a rolar as rodas da cadeira rapidamente. Cheguei até a recepção. Lotada. Haviam muitas pessoas esperando para serem atendidas, muitos pacientes, e muitos parentes. Pude ver vários distintivos, o que indicava que várias pessoas do NCIS estavam ali. Fui até o balcão, e para minha sorte o computador estava na altura certa da cadeira. Quando comecei a digitar, ouvi a voz de Vance do outro lado, conversando com alguém pelo telefone.

– SETENTA E SEIS? NÃO PODE SER – ele colocou a mão na testa – contando com os bombeiros? Meu Deus! Não, eu vou conversar com eles. Vou tentar, não vai ser fácil. Eu sei, merda. Eu vou ligar para Jackie, e logo em seguida falarei com todos eles. Não, obrigado.

Antes que eu pudesse me aproximar, alguém puxou minha cadeira para longe.

– Por acaso, você não é a paciente que escapou da Mer, né?

– E quem é você? - eu perguntei para a jovem médica na minha frente. Ela tinha a pele branca, os cabelos bem pretos presos em um rabo de cavalo alto, sua franja dava a ela um ar juvenil.

– Lexie – ela começou a me empurrar de volta ao quarto – você PRECISA descansar. Não é um pedido.

– Eu não vou descansar até ver como meus amigos estão – eu retruquei, olhando pra ela.

Ela riu e continou andando comigo.

– E se acontecesse uma tragédia nesse hospital? – eu disse, travando as rodas da cadeira e forçando – a a prestar atenção.

– Pouco provável.

– Menos provável do que uma bomba em um estaleiro da marinha? Você nunca sabe. E se fossem seus amigos nessas camas? Você ia conseguir ficar calma sabendo que eles poderiam estar morrendo?

Ela continou me empurrando, mas do nada virou para o lado contrário do meu quarto. Sentou-se em um computador, e olhou pra mim.

– Você é da equipe de quem?

– Leroy Jethro – eu suspirei – Gibbs.

– Estável – ela começou a ler – ele teve uma hemorragia devido ao grande número de estilhaços que o atingiram. Foi para a cirurgia, está no quarto descansando.

Ele se jogou em cima de mim. Eu deveria ter ido para a cirurgia. Eu deveria ter tido hemorragia.

– Ele está sozinho?

– Uma moça está lá cuidando dele.

– Abby – eu disse mais para mim mesma.

– Próximo?

– Donald Mallard.

Ela me olhou e mordeu o lábio inferior, batendo os dedos de leve na mesa.

– Ele faleceu. Sinto muito.

Então era verdade. Ducky havia morrido. Ele realmente se foi. Eu não conseguia processar a informação. Comecei a chorar involuntariamente. Ela me deu um lenço, que eu recusei. Eu tinha que ser forte.

– Ziva David? – eu perguntei. Minha voz falhou.

– Ela está sendo examinada agora, mas saiu de lá antes da bomba explodir, portanto, ela deve ficar bem.

– E o bebê?

– Não posso afirmar, me desculpe.

Não, o bebê não. Eu agradeci e virei a cadeira para o outro lado. Tinha que contar a Abby sobre Ducky.

– Desculpa, mas você não vai perguntar sobre Andrew Sciuto? Consta aqui que ele trabalha na equipe também.

Meu coração parou por um segundo.

– Andrew não estava lá quando a bomba explodiu, deve ser um engano – eu respondi, tremendo.

– Ele estava sim. Teve uma pequena contusão na cabeça, devido a queda. E um pedaço de vidro...

– Em que quarto ele está? – eu perguntei, apertando com força as rodas da cadeira.

– Você está bastante alterada – ela disse.

– EM QUE QUARTO? – eu gritei, e uma médica morena se aproximou de nós perguntando se estava tudo bem.

Nada estava bem.

Eu passei voando por alguns quartos, e parei assim que o achei. Andrew estava com pontos na testa, e abaixo da sobrancelha. Eu sai da cadeira de rodas e me apoiei em sua cama. Podia ler “Estável” na sua ficha, e ele estava respirando sem aparelho nenhum, mas algo em mim dizia que tinha que ficar preocupada. Ele abriu os olhos claros e sorriu pra mim.

– Oi.

– Oi? Andrew, o que você estava fazendo lá? Eu pensei que você estivesse do lado de fora!

– EU pensei que você estivesse do lado de fora! Mas não ouvi barulho nenhum aonde você estava. E do lado de fora, o que mais ouvíamos eram sirenes e gritos. Eu entrei pra te pegar, mas não tive tempo de – ele gemeu quando tentou se sentar e sentiu dor – chegar até você.

– Seu louco! – eu disse, pegando sua mão.

– Ok, sem beijos no meu hospital, por favor – a mesma médica morena que perguntou se estavamos bem entrou no quarto.

– Vou levar o seu namorado para a cirurgia agora, não se preocupe – ela estendeu um dedo quando viu minha cara de pânico – vamos só consertar isso – ela tirou o lençol de cima do ombro esquerdo dele, onde havia um caco de vidro gigantesco.

Eu congelei.

– É rápido, dentro de duas horas ele vai estar acordado pra você – ela sorriu.

– Eu juro que estarei aqui quando você acordar – eu dei um beijo em sua testa antes dela levar ele.

– Bom mesmo - ele respondeu, rindo.

– Jess – Abby me chamou da porta, com os olhos vermelhos.

– O que houve?

– Eu soube sobre o Ducky – ela disse, fungando – o Tony te chamou. Ele está esperando por notícias da Ziva.

– Quer algo, Abs? Eu posso te fazer companhia.

– Quero ficar sozinha agora, mas obrigada – ela tentou sorrir de lado e deu de ombros. Quando passei por ela, segurei um de seus dedos por um segundo, e ela respirou fundo e saiu andando.

Eu percebi que se me movesse devagar, seria capaz de andar, mesmo mancando. E assim o fiz, até chegar na sala de espera da Obtestria. Dinozzo estava sentado ali, com o semblante mais sério que eu já vi na minha vida. Eu me sentei ao seu lado.

– Desculpa – eu comecei – pela briga, pelos gritos, pelo soco...

– Eu mesmo queria ter me dado aquele soco, Jess.

– Pode me explicar o que aconteceu?

– No dia que fomos buscar lanche, e estávamos no carro, alguém me ligou, lembra? Pois é, aquele não era meu pai, era Oscar. Ele me disse para agir naturalmente, ou atiraria ali mesmo na moça bonita que estava voltando com a comida.

– Meu Deus – eu disse, levando a mão a boca.

– Ele não me ameaçava, ele ameaçava vocês. Ela, com muito mais frequencia. Ele me obrigou a forjar documentos, desaparecer com algumas pistas, até mesmo tentar empurrar Logan pra vocês.

– Você teria mesmo coragem de prender alguém inocente? – eu perguntei, tentando não mostrar o julgamento em minha voz.

– Era só pra atrasar ele. Mas não deu certo. – ele passou as mãos no cabelo, desarrumando – os completamente – e mesmo eu tendo tentado protege-la, terminando com ela, ela ainda acabou se machucando com tudo isso.

– Não foi sua culpa. Tony. Você tirou eles de lá – eu disse, passando a mão em seu ombro – vai ficar tudo bem.

Ele se virou pra mim e me abraçou. Meu corpo doía devido a explosão, mas eu não negaria um abraço a um pai preocupado. Um pai. Dinozzo. Uma frase que simplesmente não se encaixava. Uma médica ruiva chegou perto de nós, e pigarreou.

– A paciente quer ver você – ela olhou para Tony, e ele assentiu e se levantou. Antes que eu pudesse perguntar algo, ela virou para uma porta e entrou. Eu fui até o vidro, e pude ver Ziva com uma roupa de hospital, e Dinozzo sentado na cama. Ela disse algo, ele sorriu e virou a cabeça de lado. Então ela parou de falar e só ele falou. Ela começou a chorar, e eles se abraçaram. Eles se beijaram. Ela colocou a mão na barriga e sorriu. Ele tirou um anel do bolso. Ela foi pra trás na cama, e eu fui pra frente do vidro, pra ver melhor. Ele colocou o anel no dedo dela. Pude ler os lábios de ambos dizendo “eu te amo”.

Um choro constante interrompeu a cena maravilhosa que eu havia acabado de ver. Uma senhora, com cabelos brancos na raiz e castanhos no comprimento, estava gritando com Palmer.

– Meu bebê não estava lá com a bomba, ela nunca faria isso! Meu bebê não pode ter morrido. Meu bebê, você trabalhava com ela! POR QUE ELA FARIA ALGO ASSIM?

Palmer estava completamente perdido. Eu sai da área da obstetria e segui até onde os dois estavam.

– Hey, eu estava lá – eu disse, e a senhora olhou diretamente pra mim – sua filha estaa tentando salvar a todos. Ela tentou... desarmar a bomba. E morreu por isso.

Ela parou de chorar por um momento, abraçando seu próprio corpo, com as mãos trêmulas. Eu esperei.

– Ela sofreu? Morrer assim, dói?

– É como adormecer.

Ela sorriu.

– Minha filhinha é uma heróina. Minha Vic.

Ela saiu andando, e Palmer me agradeceu com um tapinha no ombro.

– Jess? – ele disse, e eu parei onde estava – Ducky. Você estava lá quando...

– Sim. Ele estava consciente. Ele... estava orgulhoso de você. Disse que se tornará um grande profissional, Jimmy.

Ele sorriu e olhou pra baixo. Eu continuei andando. Quando passei pelo quarto de Gibbs, não era Abby que estava ali, e sim Lauren. Ela estava segurando sua mão, ele ainda estava inconsciente. Eu me sentei por um minuto, na frente do berçário, para descansar. Era calmo ali. Não havia gritos, e os únicos choros que eu escutava, logo eram cessados. Eu me acalmava vendo o rosto de nenéns. Eles erão pacíficos, calmos, inocentes. Um deles, um garoto, eu deduzi pelo lençol azul, me olhou fixamente através do vidro. Eu sorri pra ele e dei tchau. Me senti ridícula, mas ele continou me olhando fixo. Ali, naquele lugar, existiam mais de 30 bebês, todos saudáveis, e todos absurdamente fofos. Todos teriam um futuro. Eu parei de pensar nas 76 pessoas que morreram no ataque, incluindo Victoria e Ducky, e comecei a pensar na sorte que eu mesma tive de sobreviver. Pensei em Andrew, e todos que conseguiram sair dali vivos. Pensei no pequeno bebê que ainda estava por vir. Pensei em tudo que poderia ter acontecido, e não aconteceu.

“Tudo vai se resolver” – eu pensei.

Tudo ia se resolver, eventualmente.



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